Matthias se consultara com o Oráculo.

" Pelo jeito a profecia é sobre mim " pensou Lua " já que esse idiota nem se deu ao trabalho de me contar quando eu perguntei."

Eles voltaram a caminhar depois de um tempo de descanso,e o rapaz insistia em tentar deixa-la com medo,em vão.

Lua submetia-se pacificamente, apenas o bombardeava com xingamentos nada adequados,quando ele apertava as correntes que prendiam suas mãos para provoca-la.

Eles agora estavam em um pequeno vilarejo que Matthias lhe apresentara como Lindarya,a cidade dos arcanos.

- Por que "Arcanos"?

- A maior parte da população daqui - ele disse,gemendo quando ela se mexia sobre seu ombro.Sim,ela estava sendo carregada no ombro dele,mais uma vez - é formada por magos,feiticeiras,videntes,alquimistas e por aí vai. As mulheres são muito valorizadas por aqui,uma das poucas cidades que isso acontece,mas por outro lado todas as leis por aqui favorecem apenas as mulheres,infelizmente.

-Tipo...?

-Tipo a lei que se algum homem assediar ou estuprar uma mulher,ele é enforcado - ele respondeu,e sua mão foi instintivamente para seu pescoço.

-Que horror.

Ele suspirou.

-Eu não deveria estar falando com você.

-Por que seria... - ironizou,revirando os olhos.

-Você é minha oferenda,não devia conversar com você.

-Não me chame de oferenda!

- Você vai ser morta de qualquer jeito - ele disse,sorrindo com malicia - pouco importa do que eu te chamo,mortal.

-Meu nome é...deixa para lá mas quero me chame pelo meu nome!

-Seu nome é Lua,tonta - ele disse,balançando-a em seu ombro.

-Como se lembra?

Ele bufou com desdém,e olhou para a "meio formada" sobre seu ombro.

-Posso ter virado um demônio - ele disse,dando ênfase a palavra "demônio" - mas não esqueci como se escreve.

Ele mostrou a sua mão cheia de garras,escrita com tinta vermelha "Matthias" e "Lua" .

-Bom - ele disse,colocando-a no chão - vamos parar para comer alguma coisa,é melhor que não saia de perto de mim,a menos que queira ser devorada.O restaurante também serve comida humana,mas não tente falar com ninguém,você não sabe a nossa língua.

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Os dois passaram a noite em uma pousada.

Depois de comer eles foram para um quarto. Matthias preferiu amarra-la á uma coluna,por garantia.

- Eu já lhe avisei – ele disse – não tente fugir,á menos que queira ser devorada por algum canibal.

- Você já disse isso um milhão de vezes,e eu vou morrer de qualquer jeito – resmungou,tentando afrouxar as cordas que prendiam seus braços.

- Talvez ainda haja esperanças para você,humana – ele disse-lhe – mas aconselho-a á ficar perto de mim,se quiser que essa pequena chance de sobrevivência que você tem aconteça.

- Claro – concordou – como já disse antes:Vou ficar aqui e aceitar minha morte eminente,feito uma idiota.

- Boa garota – ele sorriu, e afagou-lhe a cabeça.

Lua franziu o cenho,ele estava lhe tratando como um cachorro.

- Pode parecer loucura – ele disse-lhe,sorrindo,sonhador – mas eu até gosto de você,humana.Me lembro de outras oferendas que vi ao longo dos tempos.Elas,em boa parte mulheres,debatiam-se,pediam socorro,imploravam que não as matassem.Você é diferente,você não liga para isso,ao longo da viagem,você não implorou,não fugiu,apenas me acompanhou pacificamente,reclamando uma vez ou outra,sobre o fato de eu te chamar de “oferenda”.

- Sabe,nunca gostei muito de minha vida – ela confessou – minha mãe quase nunca estava comigo,nunca estava lá,quando eu precisava,meu pai acordava cedo para ir para a escola,e nunca me chamou de filha,só senhorita...hum...alguma coisa.

- Lembra-se disto? – ele perguntou.

- Meus pais eram uma coisa importante para mim,sempre fiz coisas erradas,destruí moveis e objetos valiosos,eu queriam que no mínimo brigassem comigo,pelo menos assim,eles me davam atenção.

- Isso é triste – ele respondeu,emocionado – eu queria poder ficar com você,eu nunca vi uma humana como você.Você não teme a morte,você não tem medo de mim...

Ele desamarrou as cordas que a prendiam.

- Eu não posso deixá-la ir – murmurou,sombrio – preciso de você para tornar-me um Stelytt completo,mas posso pelo menos dar-lhe um mínimo de cuidados,antes que sua vida acabe.

-Isso foi fofo – ela sorriu,tristemente – e assustador.

Ele tirou seu cabelo do rosto,e sorriu para ela.

-Você seria uma Stellyt maravilhosa.

Ela sorriu também,ela poderia tê-lo beijado,mas sentiu que era melhor não fazer contato físico desse jeito,afinal,fora carregada no ombro daquele garoto.

Fora seqüestrada por ele para ser morta.O rapaz era um demônio,não merecia sua gentileza.

Mas havia dor em seus olhos,e ela viu:Ele não queria fazer isso,estava sendo obrigado,ou simplesmente aceitando o inevitável.

-Você sente saudade de sua família não é?

Ele assentiu.

-Não lembro direito dela – ele fez uma pausa,como se cada palavra lhe doesse,muito – Minha mãe era designe,e meu pai era um cantor,Tomás e Thália eram seus nomes,me lembro que eu não os achava muito importante.

Minha mãe me sufocava,então eu fugi de casa.E fui trazido para cá.

-Eu sei que deve ser horrível... – então por quê não voltou ao seu...nosso, mundo?

Ele sorriu tristemente.

-Há mais um detalhe sobre se transformar,eu tive sorte.Durante o caminho acabei me formando e... – ele suspirou – é melhor você ver com seus próprios olhos.

Ele fechou seus olhos e tocou em sua testa.E ela teve uma visão.

Lua abriu os olhos,e viu-se de novo naquela floresta.

Um stellyt verde,com orelhas meio pontudas de elfo,gritava com outro de sua espécie,na língua nativa.

O primeiro Stellyt,o verde,levava Matthias,amarrado e inconsciente sobre seu ombro.

“Típico” Lua pensou.Não sabia se podiam vê-la,mas ela não queria pagar para ver.

E se escondeu atrás de um arbusto.

Ele vestia camiseta do Linkin Park,Legging preta,e coturnos,e mantinha as asas escondidas atrás de uma capa negra.Parecia mais um elfo Punk e rebelde do que um demônio.

O segundo era de pele azulada,tinha as mesmas orelhas de elfo do primeiro,mas levava uma mulher,de vestido vermelho esfarrapado,que gritava em francês.

Vestia regata vermelha de ginástica por baixo de uma jaqueta de motoqueiro,jeans e tênis All Star vermelhos.Mas esse não tinha asas,e sim,guelras e suas pernas se assemelhavam ás de um sapo.

Lua passara tempo o suficiente com Matthias para entender boa parte do que diziam,mas não tudo.

-Como deixou isto acontecer?! – disse o primeiro.

-Você não o levou a tempo,não culpe á mim,Makkh – disse o segundo.

-Agora terei de deixar esse humano imundo vivo,e voltar aquele mundo imprestável para raptar mais um humano,que provavelmente vai acabar por se transformando,novamente.

Lua olhou mais atentamente para Matthias.Ele estava com a pele azul,a língua de cobra,as asas,a calda e as presas pontudas.Agora entendia o motivo da discussão,Matthias se transformara,e por alguma razão,Makkh colocava a culpa no outro.

Makkh jogou Matthias no chão,com um saco de batatas,e saiu marchando,e chiando.

Matthias resmungou alguma coisa sobre “galinhas gigantes” e abriu os olhos.

Foi aí que ele se apavorou.