Drain You

Mais uma noite no clube...


– Garota, sua vez é daqui a sete minutos.
– Certo... - Respondi enquanto soltava a fumaça do meu cigarro no ar. - Agora pode sair?
– Tudo bem.
Coloquei meu cigarro num cinzeiro e peguei meu violão para ensaiar minha música por uma última vez.
Cantar naquele clube nunca atraiu uma platéia de tamanho relevante, mas era tudo que eu tinha.
Enquanto afinava algumas cordas, peguei o cigarro de novo e o segurei com meus dentes.
– Isso. - Sorri quando vi que as cordas estavam afinadas.
Botei novamente o cigarro no cinzeiro e comecei a tocar e cantar a música.
Compusera ela anteontem. Finalmente uma novidade para meu minúsculo catálogo.
Trabalhar em dois empregos e tocar neste clube toda sexta a noite não era lá muito agradável. Mas era o que podia fazer, se eu quisesse ter dinheiro para poder gravar um disco.
Enquanto cantarolava, me vinham a cabeça algumas lembranças da minha não lá muito feliz infância.
Da minha mãe viciada. Dos professores babacas que sempre gritavam a mim que nunca seria alguém na vida. Mas, principalmente de uma pessoa.
Um chato bipolar. Um guitarrista depressivo. Um fã de Beatles como eu. Meu melhor amigo Kurt Cobain.
Não o via desde que abandonei a escola aos 16 anos. Ele conseguiu gravar um disco, diferente de mim. Com a banda que ele tinha feito, Nirvana. Nome interessante.
Ouvi falar que fora fazer uma turnê. Enquanto eu ainda estava encalhada tentando fazer sucesso. Se eu conseguisse.
Quem dera poder vê-lo mais uma vez. Senti falta dele.
– É você agora.
– Ok, estou indo.
Era a hora de encarar a platéia ignorante.
Me levantei e fui direto para lá.
Eu nunca encaro a platéia. Normalmente procuro olhar para alguma lâmpada ou para as cordas do violão. A maioria do público é constituída de homens interesseiros que se acharem que eu estou olhando muito para sua direção imaginam que sou uma prostituta a procura de clientes.
Ou são românticos idiotas que ficarão atrás de mim por dias até que eu despedace totalmente seus corações com minhas ásperas e frias palavras.
Esses merdas. Eu estou pouco me fudendo para o amor. Que ele se queime todo. Prefiro compor algo sincero e conseguir ser uma cantora de sucesso.
E nada de composições românticas no meu catálogo. Apenas irônicas, depressivas, agitadas e rebeldes.
Alguns dos meus poucos fãs me receberam. Acenei enquanto sentava na cadeira e ajustava o microfone.
– Olá pessoal, mesmo vocês nem querendo saber da minha existência.
Ninguém respondeu. Alguns ficaram em silêncio enquanto a maioria continuava conversando e bebendo álcool.
– Eu compus uma nova música. Se chama Problematic Girl.
Não demorei nem mais meio segundo e já comecei a tocar.

She's a real problematic girl
I saw her going outta class again
The teacher screamed and sent her to the principal
That called her parents
Her mom didn't even try to be gently
Her dad, oh, he neither was there
And she went back home
Without learning her lesson


Enquanto tocava notei que alguém me observava.
Ele estava bem entre o público e mal dava para ver direito. Mas eu já tinha visto aquele rosto antes. Várias e várias vezes. Não podia ser, era ele mesmo?
Continuei concentrada em cantar e tocar e parei de prestar atenção nele.
Depois de tocar Problematic Girl, toquei mais algumas composições minhas e finalizei com um cover de Sleeping On The Sidewalk do Queen.
Então terminei mais uma das minhas apresentações sem saber se tinha ido bem ou não.
Eu queria tocar em outro lugar, mas não conseguia achar nenhum outro clube com uma vaga livre. E eu me recusava em cantar músicas românticas em restaurantes.
Notei mais uma coisa. Aquele cara que estava me observando não estava mais lá. Dei de ombros, indo pro camarim.
Peguei minhas coisas de lá, o que não tinham roubado, vesti meu casaco, acendi um cigarro e saí pelos fundos.
Que noitezinha fria que estava. Agora estava voltando para o meu pequeno apartamento, para dormir e me preparar pro trabalho dia seguinte.
– Ei, você não é a moça que estava cantando lá?
Me virei pra trás e vi quem era. E reconheci aquele rosto.
– Kurt?
Ele olhou melhor pra mim, tentando ver se me reconhecia também.
– Andy?
– Não, sou um robô do futuro vindo para destruir a raça predominante desse planeta ridículo e repovoá-lo com robôs.
– É, é você mesma.
Dei um sorriso muito magrelo e fui pra mais perto dele.
– Não te vejo faz 6 anos! Você tem que me contar sobre as merdas que você fez sem mim.
Ele riu enquanto olhava pra mim.
– Só se contar as que você fez também.
– Fechado.
– O que acha de irmos comer alguma coisa?
– Tá né... Não meto a boca em nada faz horas.
Eu mal acreditava que reencontrara o Kurt. Nós éramos melhores amigos desde os 6 anos...
Ele sempre foi empolgado, até demais pra mim, até que os pais se separaram uns dois anos depois. Começou a ficar muito deprê depois dessa. Mas até que ficou mais adaptável pra mim.
Ofereci um pouco de apoio também, mesmo eu sendo uma das piores pessoas para dar conforto a alguém.
Não adiantou lá essas coisas.

Paramos numa lanchonete, onde Kurt pediu dois milkshakes.

– O seu, bem batido, com bastante caramelo e duas cerejas em cima. - Ele falou, entregando a taça pra mim.

– Acertou em cheio.

Enquanto tomávamos os milkshakes, comecei a puxar conversa:

– Eu ouvi falar que você tinha voltado de uma turnê na Europa...

Kurt engoliu em seco.

– Sim... Foi uma merda.

– Coitadinho... Vai falar mais sobre como foi? Não só da turnê, mas sobre esses 6 anos que ficamos longe um do outro...

– Claro...