— Awn! Ela é tão fofa! – exclamou a mulher de forma histérica.

Aquela era a casa de Ches, uma casa num tronco de árvore, que ficava maior por dentro, como que por mágica. A mulher usava um vestido amarelo claro e uma peruca extravagante, típico do País das Maravilhas. Fora que ela era muito bonita. Como parecia que ela era rica, estranhei morar no meio da floresta, mas a verdade é outra história...

— Onde você encontrou ela, Ches? – questionou pra ele.

— Foi abandonada, no meio da floresta, tremia de frio. Coitadinha! – contou – Mas podemos ficar com ela, não é?

— Mas é claro!

Uma família um tanto estranha, um gato garoto, uma duquesa da floresta, o filho dela que parecia um porco. Como uma família podia ser assim?

Era ótimo estar lá apesar da bagunça, Ches dormia comigo pra que eu não tivesse medo, costumava ter pesadelos com Joker, o rei e minha mãe. Mas sempre que eu acordava assustada e arfando, podia chorar no abraço dele. Ches era curioso, mas quando essas coisas aconteciam, não dizia nada.

Eu queria estar lá pra sempre, ouvindo a Duquesa cantar na hora do chá, rindo da empregada maluca que tinha uma quedinha por Ches, mas era tímida demais pra admitir; atirando flechas em pássaros, o que Ches me ensinou; sendo feliz.

Eu estava feliz, com minha nova família, dia após dia, sorrindo.

Mas como tudo na vida, não é pra sempre.

Num dia normal e radiante como todos os outros, Ches foi trabalhar. Quando voltou, seu sorriso era ainda mais falso e assustador que o normal. Estranhei isso, mas ele disse que estava tudo bem.

Do nada, falou que iríamos passear. Tinha cochichado algo com Duquesa e ela ficou bastante apreensiva, não podia esconder. O que estava acontecendo? Por que só eu não sabia de nada?

— Está tudo bem, querida – mentiu Duquesa arrumando minha roupa, um vestido cinza clarinho com lacinhos delicados – Vai ficar tudo bem. Não importa o que aconteça, saiba que nós te amamos. Seja uma boa menina e obedeça Ches, algum dia você vai ver o quanto nós te amamos.

Não falei nada.

Aquilo parecia mais um “adeus” do que um simples “tchau, volte logo”.

E eu não estava errada, aquilo era mesmo uma despedida.

— Pra onde vamos, Ches? – perguntei inocentemente enquanto corríamos pela floresta das flores gigantes.

— Ah, isso é uma surpresa – ele riu, não de uma forma amigável, mas sim, de um jeito assustador.

— Vocês estão estranhos – comentei com receio.

— Não estamos sempre estranhos? – zombou.

Andamos e andamos por horas, Ches falava aquelas loucuras ridículas de sempre, então deixei de me preocupar. Estava tudo bem, iria ficar tudo bem.

Ches parou, fiquei confusa e questionei:

— O que foi?

Ele se ajoelhou em minha frente e me olhou, sem esconder os sentimentos. Estava triste, muito triste. Como eu nunca havia visto.

— Lett, você é bem grandinha pra entender que às vezes... o medo domina as pessoas – falou suspirando – E há coisas que não podemos evitar. Mesmo assim, você não pode ter medo. Seja valente e enfrente seus medos, senão, será escrava dos outros. Como eu.

— O que isso quer dizer, Ches? – indaguei temendo o pior – Por que está dizendo isso?

— Seja forte, Lett – ele acariciou minhas bochechas – Nós te amamos.

Então me deu um beijo, antes de me segurar nos braços e correr pra dentro de um tronco de árvore. Esse tronco nos levou ao palácio. O palácio de meus pesadelos, o palácio do rei vermelho.

— Ches... – murmurei já entrando em pânico. Por que ele me levou até lá?

— Me perdoe, Lett.

Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, homens da guarda real me seguraram e me arrastaram. Eu gritei, chorei, esperneei, mas Ches só ficou parado olhando para o chão. Ele chorava, mas sorria. Que tipo de monstro faz isso?

Ches trabalhava para o rei, tudo fazia sentido. Ele não me amava o suficiente pra não me entregar assim. Só sabia viver para o rei. Definitivamente não amava ninguém.

Desde pequeno, foi obrigado a conduzir os inimigos do rei ou pessoas rebeldes até algum lugar pra matá-las. Esse era o “trabalho”. Era só o que sabia fazer, sorrir e matar friamente.

Então por que tinha um olhar profundo e cheio de tristeza?

Ele não me amava, não é? Então por que me tratou daquela forma por tanto tempo? Por que me fez amá-lo? Por que me fez acreditar em suas palavras?

Parece que sou uma pessoa tão fácil de se abandonar... Não deveria ter confiado num gato traiçoeiro.

Eu tinha raiva de Ches, entretanto, a maior raiva era do rei.

Ele ia me matar, mas eu ia matá-lo primeiro. Então assumiria o trono. Transformaria esse País das Maravilhas num lugar melhor, expulsando as impurezas dele.

E mataria Ches também.