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tempo passava devagar demais, os pesadelos sempre voltavam, parecia estar dentro daquela cela o inverno inteiro. Doía. O frio doía, mas como dizem “vingança é fria”. Eu realmente não me importava desde que o rei tirano fosse morto por minhas mãos inocentes e infantis. Desde que a morte de minha mãe infeliz e de Joker fosse vingada.

O som de um relógio passou pela porta da cela. Por que, diabos, os guardas iriam querer ter um relógio?

Olhei pela fresta da porta, havia um garotinho menor que eu sentado em cima do colo de um dos guardas. O garoto era um daqueles híbridos com orelhas de coelho na nuca. Será que o homem era seu pai?

Ele estava feliz, bem ao contrário de mim, mas devo admitir que já experimentei aquele tipo de felicidade. Só que ela tem um preço, sempre. Tudo tem um preço, até mesmo viver.

O que me faz pensar que tipo de Deus idiota é esse que nos deixou nesta miséria de vida?

Viver custa sua própria sanidade. Você nunca estará feliz, viver dói.

— Cuide da prisioneira enquanto eu vou ver o que o rei quer – provavelmente chamaram o guarda e ele deixou o filho no lugar. Que indecência!

O garotinho estava se achando o máximo, não sabia o que eu estava passando. Idiota. Esse tipo de comportamento me irrita tanto, mas eu não podia nem gritar algum xingamento pra ele.

— Tenho sede – murmurei pela porta surpreendendo até a mim mesma por pedir algo pra ele.

— Já te deram comida e água, fique quieta – disse ele com desprezo.

— Não me deram – neguei tentando não parecer irritada ou ingrata, senão ele não me ajudaria – O rei quer que eu morra de fome e sede.

— Não vou te ouvir! É só uma prisioneira suja e mentirosa! – retrucou infantilmente.

— O que você sabe sobre mim?! – me irritei mais.

— Você traiu o rei! – resmungou.

— E ele traiu o país inteiro! – rebati.

— Não diga bobagens! Não vou te deixar encher minha cabeça!

— Pelo menos me dê água – pedi um pouco autoritária demais.

— Não – negou-se.

— Por favor – supliquei.

Ouvindo a voz tristonha de rendição, ficou com pena e abriu a cela estendendo água e comida.

— Toma, mas não se acostuma!

Devorei e bebi tudo num só instante. Não era nada elegante, mas isso não importava pra quem não comia há dias.

— Qual seu nome? – ele indagou.

Por que ele queria saber o nome da “prisioneira suja e mentirosa”?

— O rei não contou pra ninguém? – fiquei chocada.

— Eu pelo menos não sei de nada.

— Claro, quantos anos tem? Cinco? – deduzi zombeteira.

— Seis! – corrigiu.

— Grande diferença – retruquei – Meu nome é Scarlett.

— Então deve ser por isso que ele não quis contar, ouvi dizer que é a filha dele...

— Não sou! – discordei – O rei é um tirano mentiroso que matou meus pais! Odeio ele! Por isso ele tem medo.

— Acha que ele tem medo? – o menino estranhou.

— Vou matá-lo – contei rindo.

— Com certeza – debochou.

— Mas eu vou! – achei um desaforo, esse menino me subestimando – E vou ser a nova rainha.

Ele bufou.

— Meu nome é Will – o menino estendeu a mão sorrindo – Prazer.

— Acha bom me conhecer? – me surpreendi – É um prazer?

— É modo de falar, costume – explicou enquanto apertava minha mão – É bom que não se apegue muito a mim, você morrerá amanhã.

— Amanhã?! Preciso fugir! Preciso bolar um plano pra matar o rei! – apavorei-me.

— Você não vai matar o rei.

— O rei é um tirano, o que ele já fez por você?

— Nada – respondeu pensativo – Mas isso não é motivo... você o traiu.

— Eu só fugi porque ele ia me matar! – falei em minha defesa. Mas que garoto burro que não me entende! – Não fiz mal a ninguém! Mas ele matou meus pais!

Comecei a chorar, não queria demonstrar fraqueza, mas as lágrimas simplesmente jorravam.

— O que o rei faz de bom ao povo?! – berrei protestando – Ele só mata os que estão em seu caminho para a diversão de todos, nos deixa passando fome! Não há nada de bom que ele faça!

— Realmente...

— Definitivamente!

— Então... acho que vou te ajudar a escapar – decidiu Will – Você é só uma menina.

— Não sou “só uma menina”, sou a menina que matará o rei!

— Te tiro daqui, mas só se prometer uma coisa – propôs o garoto.

— Qualquer coisa pela cabeça do rei.

— Se você será a rainha, eu quero ser o rei.

Will era bem pequeno na época, mas entendia os problemas financeiros de seus pais. Haviam dias que os pais deixavam de comer porque só tinha comida suficiente pra ele.

O pai às vezes não voltava pra casa pra beber, gastava todo o dinheiro nisso, mas a mãe não podia se separar porque não poderia se sustentar sozinha.

Will só queria que eles fossem mais felizes.

E eu faria isso por ele. Seria a menina que mataria o rei.