– Consegue imaginar, Dra Diana? – eu olhei para ela – Cinco pessoas em apenas meia hora? Como eu poderia ter feito aquilo?

– Você deve ter ficado muito atordoada. – ela disse, ainda atônita.

– Eu estava exatamente como você está agora. – eu disse, deitando-me outra vez.

– Você já está pronta? – Dick abriu a porta do meu quarto, algumas horas depois.

– Pronta? – eu me levantei da cama, enxugando minhas lágrimas.

– Você esqueceu... – ele suspirou. – Tudo bem, você tá ótima assim.

Ele me pegou pelo pulso e me arrastou por corredores afora. Eu não fazia ideia de aonde ele estava me levando, mas papai sempre dizia que com louco e assaltante, não se discute, se obedece, então eu apenas calei a boca e o segui. Ele me levou até o hangar principal, onde entramos na nave do Batman. Quer dizer, tá na cara que é do Batman, pois ninguém mais no universo teria o trabalho de pintar uma nave toda de preto.

– Não tem problema? - eu perguntei, enquanto entrava.

– Não, tudo bem! - Dick respondeu, ligando os motores - Além do mais, vai ser só por algumas horas.

– Se você diz... - eu sentei em uma cadeira, e apertei o cinto.

A decolagem foi suave. Ver todas aquelas lindas estrelas tão perto era fascinante. Olhei para Dick, esperando que ele estivesse tão encantado quanto eu, mas não estava. Na verdade, havia até um certo brilho tenebroso em seu olhar, e eu logo identifiquei por que ele, tendo tantas outras naves à disposição, resolveu pegar justo a de seu mentor. Era uma espécie de traquinagem, uma vingança adolescente. E como sempre a culpada seria eu.

Dick pousou suavemente em um parque, no meio de muitas árvores altas. Era noite, então a nave não seria identificada tão cedo.

– Onde é que estamos? - eu perguntei, soltando o cinto.

– Em Nova York. - ele desligou os motores.

Eu sempre quis conhecer NY. Ver os arranha-céus, carros, Broadway, a estátua da liberdade, e até um metrô de verdade. Onde eu moro não há nada além de fazendas, caipiras e música country.

Dick correu até os fundos da nave, o local onde guarda equipamentos. Digitou uma senha em um painel, fazendo uma gaveta se abrir. De dentro dela, tirou dois relógios de pulso, aparentemente comuns.

– É, isso deve bastar. - ele disse para si mesmo.

Ele colocou um no pulso e girou o vidro. Sua roupa mudou instantaneamente, e agora, ele não era mais o Robin, e sim Dick Grayson, de jeans, all-star e uma jaqueta de couro preta.

– Pronto, agora você. - ele disse, se aproximando.

Colocou o relógio preto no meu pulso e fez o mesmo processo. A roupa de elastano justa do Satélite Orbital deu lugar a um lindo e vermelho vestido rodado.

– Queira me acompanhar, senhorita! - ele me estendeu o braço, me fazendo rir.

De braços dados, deixamos a nave para trás, emaranhando-nos pelas árvores até encontrarmos uma pracinha. Estava cheia de crianças com seus pais, grupos de amigos, namoradinhos, todos aproveitando mais uma noite fresca de verão. É um alívio poder ver pessoas normais depois de tanto tempo presa. É quase como voltar para casa. Mas eu sabia que depois deveria retornar ao Satélite.

Mas eu nuca me canso de ver as pessoas. Sempre foram tão insignificantes, vivendo suas vidinhas pacatas, sem nem imaginar o quanto este universo é grande. Mas são divertidas mesmo assim.

– No que está pensando? - Dick perguntou, me entregando um sorvete de morango e sentando do meu lado em um banco qualquer da pracinha.

– Estou pensando o quanto os humanos são previsíveis. - eu respondi.

– Sério?

Lambi meu sorvete. Sempre preferi chocolate, mas experimentar qualquer coisa na Terra outra vez é uma descoberta.

– Tá vendo aqueles dois ali? - apontei discretamente para um grupo de amigos - A garota vai pegar o boné dele, vai correr, e ele vai conseguir o boné devolta.

Dick ficou olhando atentamente, e quando tudo aconteceu, ficou abismado.

– Como você fez isso????? - ele me olhou, sorrindo.

– Sei lá, só gosto de observar as pessoas. - eu lambi mais uma vez meu sorvete - Tá vendo os dois bebês mais pra lá? O skatista vai passar e derrubar o sorvete da menina, que vai chorar; e o garotinho vai dar o dele para ela.

E o menininho ainda ganhou um beijinho na bochecha. Eu fiquei ali, divertindo Dick com minhas previsões que aconteciam: o cachorro bateu o focinho no poste; a velhinha dormiu no banco e os passarinho pousaram em sua cabeça; o guarda deixou cair seu apito na fonte, e quando foi pegar, caiu dentro dela.

– Incrível! - Dick ria - Como consegue fazer isso?

– Matemática. - eu respondi - Eu observo os fatos e calculo as probabilidades. É meio difícil errar assim. Não é um super-poder, mas nunca falha.

– E.... você tem como prever o que vai acontecer... - ele sussurrou - com você?

Eu até pensei em responder, mas ao olhar para o rosto dele, percebi que era uma pergunta retórica. Ele mexeu nos meus cabelos, e foi se aproximando lentamente. Eu podia ouvir seu coração bater mais rápido, a medida que nossos rostos iam se aproximando.

" Princípio da impenetrabilidade: Dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. "

– Urgh! - ele se levantou do banco rapidamente.

– O que foi?

Minha pergunta foi desnecessária. Era só olhar para a mancha rosa de sorvete na camisa dele que já dava para deduzir o que aconteceu. Eu comecei a rir. Era hilário, eu admito. Mas ele nem ligou. Tocou na tela do relógio e a mancha desapareceu.

– Quer saber? Cansei de parque! - ele me puxou pelo pulso - Vem!

Ele me arrastou outra vez, me fazendo derrubar o resto do sorvete no chão, onde um ciclista escorregou e caiu dentro da fonte. Se eu tivesse calculado, não teria dado tão certo.

Atravessamos duas avenidas e um beco até chegarmos em um cinema de periferia. Dick comprou dois ingressos e entramos. O cinema estava cheio, o filme já havia começado. Pedimos licença para uma família inteira de 7 pessoas e sentamos, rindo baixinho.

– Que filme é? - eu sussurrei, para não incomodarmos os outros.

– Superman, O Retorno. - Dick respondeu, no mesmo tom. - Pensei que, já que você não conseguiu conhecer ele pessoalmente, pelo menos poderia ver um ator o representando.

– Valeu! - eu pisquei, e comecei a prestar atenção no filme.

A cena: um garotinho tocando piano. Um capanga tocava com ele, enquanto a mãe, Louis Lane, tentava mandar um fax pedindo ajuda. Quando o fax estava quase completo, o capanga tira o cabo da tomada. Ele bate na mulher muitas e muitas vezes, e quando vai matá-la, é esmagado por um piano. Foi o garotinho quem jogou o piano nele.

O close foca no menino, então minha cabeça começa a doer. Era como se alguém batesse em mim com um martelo muitas vezes. Eu coloquei a mão na minha testa, tentando ignorar.

– Ivy, - Dick me chamou - você tá legal?

– Tô, tô sim. - eu desconversei - É só uma dor de cabeça. Faz tempo que não venho a um cinema.

Eu bem queria que fosse por causa disso. Até tentei me concentrar no filme mais um tempo, mas quando vi Superman pela primeira vez, piorou tudo. Parecia que meu crânio ia sair de minha cabeça. Dick me abraçou, mas isso também não adiantou. Eu pensei que era apenas coisa da minha mente, que não era nada demais, mas as pessoas começaram a reclamar que suas cadeiras estavam sendo chutadas, e seus refrigerantes borbulhavam como vulcões nos copos. Todos saíram do cinema quando as lâmpadas começaram a estourar uma por uma, e as cadeiras giravam orbitalmente ao redor de mim.

– Dick! - era tudo o que eu conseguia dizer - Dick!

Meus pés não tocavam mais o chão, e Dick não podia me segurar mais. Lancei uma raio no retro-projetor, e o filme parou. Eu sei lá se isso foi voluntário, mas fez com que Dick voltasse a ser Robin. Os outros chegaram depressa.

– Robin, o que.........! - Batman ia perguntar, mas parou ao me ver.

– Os civis já estão todos fora do prédio! - Flash informou. - Como vamos descê-la???

– Assim! - Batman berrou.

Eu ouvi um zunido, senti uma picada no tornozelo, e minha cabeça foi parando de doer. Eu relaxei rápido, e caí.