– E do que se lembra depois disso? – Dra. Diana perguntou, com a voz estranhamente trêmula.

– Lembro-me apenas de acordar em meu quarto na fazenda, com vovó Emma, vovô Paul, mamãe, papai e Dakota ao redor da minha cama, me olhando atentamente. Lembro-me de ser uma manhã fresca de verão, e de ver um galo empoleirado na janela do meu quarto, profundamente adormecido. – eu contava, abrindo os olhos lentamente, como quem acorda de um sonho. – Também me lembro de que mamãe mencionou que eu sumi por semanas, e que vovô John me encontrara no milharal, desacordada. Depois disto, apenas um borrão, e então eu acordo.

Ela caminhou até sua mesa lentamente, de cabeça baixa. Eu ouvia sua respiração ficando mais pesada, a cada passo que ela dava. E também ouvi o som de uma gaveta se abrindo.

– Acha que eu estou enlouquecendo? – eu perguntei para ela, me sentando no divã – Doutora, acha que eu posso estar perdendo a cabeça?

Ela fechou a gaveta lentamente. E depois, caminhou até um cofre que estava em cima da mesa, na parede.

– Mas o que eu estou dizendo? – eu balancei a cabeça, tentando raciocinar – Afinal, foi só um sonho, não é mesmo? Nada além de um sonho. Um sonho não poderia me fazer mal, não é? Eu não poderia me ferir em um sonho. É, não posso me deixar abater por causa de um sonho!

Uma ideia me passou pela mente. Uma pequena fagulha, mas que arrepiou todo o meu corpo.

– Mas... mas e se não foi um sonho?! – eu sussurrei, como se as palavras nem ao menos fizessem sentido juntas – Mas como poderia não ser um sonho? Foi um sonho, sim! Não foi? O que acha, doutora?

Eu ergui minha cabeça. Ela estava parada, de costas para mim, apoiada com os braços na mesa. Seus dedos estavam firmemente fincados na madeira da escrivaninha, fazendo fundos vergões, e tirando lascas. Ela soluçava. Mas parecia querer conter o choro. Eu caminhei lentamente até ela.

– Não foi...? – eu perguntei, suavemente.

Olhei para seu rosto. Lágrimas invadiam seus olhos negros, correndo lentamente por seu rosto, agora vermelho pelo esforço de conter as lágrimas. Ela apertou os olhos, e abriu os lábios, soltando um longo e pesaroso suspiro. Meus olhos seguiram suas lágrimas, que caíram sobre um objeto que eu ainda não tinha visto. Era um porta-retratos, mas a luz do Sol batia nele, impedindo-me de ver. Com o coração em saltos, eu o peguei em minhas mãos, e o analisei.

– Céus! – eu suspirei, caminhando para trás, e caindo sentada no divã.

Quanto mais eu olhava para a foto, mais coisas eu reconhecia. O metal escovado da parede, o carpete vinho no chão, o sofá vermelho-fogo, donde tantas vezes já sentei. Ali estavam eles. Cada um em seu respectivo lugar. Flash estava sentado no canto direito do sofá, segurando um controle de x-box, e fazia caretas, como quem perde um lugar na corrida. Canário Negro, sentada no braço direito do sofá, apontando para frente e segurando o ombro de Flash, com o desespero de vê-lo perder de lavada. Lá na porta, podia-se ver um borrão negro a nos observar, o sempre rabugento Batman. Sentado no meio estava ele, Dick, meu querido Robin, segurando um controle de x-box também, com expressão de esforço, como quem luta para não chegar por último. Sentado no braço esquerdo do sofá, estava a Mulher Maravilha, confortando e torcendo pela pessoa sentada do seu lado. E bem ali, no canto esquerdo do sofá, com um controle na mão e um sorriso vitorioso, estava eu.

– Céus! – eu suspirei outra vez, e o retrato caiu de minhas mãos. – Não... não pode ser... Era um sonho!... Não era? Aconteceu! Era verdade! Cada segundo... Era verdade!...

Doutora Diana virou-se para mim lentamente, com o rosto vermelho de tanto chorar. Ela tinha algo na sua mão, que reluzia, mais ofuscante que o Sol. Eu reconheceria aquele objeto em qualquer lugar. Era a tiara dourada da princesa das amazonas, com sua brilhante estrela, bem na frente.

– Estou tão feliz que ainda se lembre nós!... – ela sussurrou, sorrindo – Todos estamos!

~v~v~v~v~v~v~

Eu abri a porta do consultório, atordoada. Não podia enxergar nada ao meu redor, mesmo vendo tudo. Estava naquele estado de assombro que se fica quando se descobre algo muito importante. Eu caminhei lentamente pelo corredor. Mamãe não está aqui, pelo menos não ouvirei as perguntas dela.

A porta do elevador se abriu. Eu caminhei para entrar, mas senti algo bloquear a minha passagem. Ergui minha cabeça suavemente, apenas para ver se não era a mamãe. Um lindo par de olhos azuis me olhava de volta. Pareciam felizes ao me ver. Eu paralisei.

– Des..desculpe... – ele disse, aquela voz doce e suave.

– Tudo bem. – foi tudo o que eu consegui dizer.

Nos perdemos nos olhos um do outro por instantes, mas então, despertamos, como quem acorda de súbito.

– Por favor! – ele saiu do elevador, dando passagem para que eu pudesse entrar.

Entrei lentamente, e abaixei a cabeça, meio corada. Apertei o andar do térreo, e as portas se fecharam lentamente. Eu pude ver ele parado no corredor, olhando para mim enquanto as portas interrompiam nossos olhares. E ele sorriu.

Saí do elevador lentamente, voltando ao estado original. Mamãe se levantou da cadeira, na sala de espera. Outra pessoa também se levantou. Uma pessoa que, ao contrário de mamãe, eu queria ver.

– Evelyn!!!! – eu ouvi aquela linda e doce voz.

Abri meus braços, e ela veio correndo e me abraçou. Ela era tão linda... Tinha os cabelos compridos e cacheados, da cor do fogo puro. Sua pele era branca, e tinha sardas no nariz e nas bochechas.

– Oi Dakota! – eu sussurrei, abraçando-a forte, e sentindo toda a minha angústia indo embora.

Ela me soltou, me olhando com aqueles lindos olhinhos esmeralda. Minha querida irmã.

– Ivy, olha!!! – ela puxou um cordão debaixo do suéter.

Era um colar de prata, com um cristal roxo como pingente. Ele era forte e quase brilhante, tão ofuscante quanto o Sol. Eu já vi isso antes, comigo.

– Dakota, de onde veio isso? – eu perguntei, preocupada.

– Mamãe me deixou usar o colar dela! – ela disse, toda orgulhosa – Ela disse que já sou grande o suficiente! Já tenho 10 anos!

Olhei para mamãe, apreensiva. Ela sorriu, sabia que estava me irritando.

– Calminha aí, estressada! – ela falou, rindo, enquanto saíamos – Esse colar eu achei, no dia em que te encontramos no milharal. Ele estava lá, e eu o peguei!

– E agora é meu! – Dakota saltitou.

– Alto lá, mocinha! Ainda é meu! – mamãe a repreendeu – Só vai usar por um dia!

– Mesmo assim! – ela disse, sentindo-se superior – Agora sou eu que mando!

Entramos no carro, ouvindo aquela mini ditadora mandarmos fechar as portas, colocar o cinto, ligar o motor e ir para a loja de sorvetes. Sabe, no fim das contas, às vezes é bom viver aventuras, e descobrir que elas foram reais, é muito bom. Mas sempre é melhor ter uma caverna, uma casa, um esconderijo secreto para viver, e ter alguém por quem voltar.