Divã - As Crônicas do Cristal Vermelho

Divã 2 - As Crônicas do Cristal Roxo


Lá vamos denovo.

– Não. – eu disse firmemente.

– Por favor! – ela implorou.

– Não. – eu me mantive com a minha opinião.

– Por favor! – Dakota juntou as mãos, virando para mim. – Por favor!

– Não.

– Ah, Ivy! Por favor! – ela falou novamente – Eu já tenho 16 anos, sei todas as rotas seguras em Metrópolis, e o Governo dos Estados Unidos já me acha apta para dirigir, me deram até a carteira! Só falta você! Por favor!

Eu mantive meus olhos na rua, que curiosamente estava deserta. Eu suspirei pesadamente.

– Tá bem, Dakota, eu te ensino a dirigir. – eu falei, e ela quase pulou de alegria, a não ser pelo fato de que estávamos em um carro em movimento – Mas só depois que eu voltar.

– Ah Ivy!!!!! – ela implorou novamente – Sabe-se lá que horas você vai sair desse seu novo emprego! Por favor! Me ensina agora! Eu vi um estacionamento logo ali atrás que está totalmente vazio! Por favor Ivy!

– Dakota... – eu suspirei, sem olhar para ela – Eu não quero chegar atrasada nesse novo emprego! Sabe o quanto é importante para mim!

– Eu sei, mas Ivy, estamos 2 horas adiantadas, vai!!! Por favor!!! – Dakota sabe ser insistente quando quer, é mole?! Me faz lembrar a mamãe.

Eu olhei para ela rapidamente. Não acredito que estou fazendo isso...

– Iupiiiiiiiii!!!!! – ela bateu as mãos, enquanto eu entrava no estacionamento.

Trocamos de lugar, e ela ajustou os espelhos, colocou o cinto e ligou o motor, tudo bem direitinho. Depois, ligou a ignição.

– Muito bem, agora, tire o pé da embreagem bem devagar... – eu falei.

Ela soltou o freio de mão, e tirou o pé da embreagem. Mas não foi devagar. Ela foi de 0 a 120km/h em 2 segundos. Eu segurei no painel, estando agradecida o tempo todo pelos cintos de segurança estarem em pleno funcionamento e bem revisados. Ela saiu do estacionamento e entrou na rodovia principal, e graças aos céus ela não bateu em nada.

– DEVAGAR, DAKOTA!!!! EU DISSE DEVAGAR!!!! – eu berrei, desesperada.

– Devagar é chato! Velocidade é muito mais meu estilo! – ela sorriu.

– TEU ESTILO É MORRER TAMBÉM???? – eu segurei no painel com mais força.

Nós entramos na cidade, e ela finalmente diminuiu a velocidade para 60km/h e eu respirei, aliviada.

– Calma, maninha, - ela falou, olhando para mim - ficou com medinho é?

– Medo? Quem está com medo? - eu tirei as mãos do painel lentamente - Você conhece os coalas. Nós não sentimos medo. A GENTE SE APAVORA!

– Sei... - ela riu, mexendo nos cabelos - Que espécie de psicóloga você vai ser, se você nem ao menos consegue lidar com seu próprio medo?

– Uma que nunca mais vai te deixar dirigir. - eu peguei a minha bolsa do banco de trás - Agora coloca as duas mãos no volante e olha pra rua, que eu não tô a fim de ir pro céu hoje!

Dakota, riu, olhando denovo para frente. Ela é até bem responsável. O problema é que ela resolveu não ser hoje. Logo chegamos no centro de Metrópolis, e seus prédios altos começaram a tapar a luz do sol.

– Tá, aonde eu entro agora? - ela perguntou.

– Vire a direita na segunda rua. - eu guiei, olhando no celular pela quinta vez no dia. Eram duas da tarde. Eu estava atrasada.

– Guarde este celular antes que eu taque pela janela. - ela me repreendeu. - Você não está atrasada.

– Claro que não. Só meia hora. - eu bufei, cruzando os braços.

Ela riu. Estacionou na frente do endereço. Era ali. O pequeno prédio amarelo, de janelas azuis e quatro andares modestos, construído entre dois arranha-céus, que refletiam a luz do sol. Um sentimento de nostalgia me fez respirar fundo.

– Calma, estressadinha. - Dakota falou, docemente - Vai dar tudo certo. E se não der, eu subo e quebro a cara de todo mundo.

– Não precisa ser tão delicada, cabeça de fósforo. - eu ri, pegando a bolsa - Eu acho que consigo esse emprego sozinha.

Desci do carro, segurando firme minha bolsa.

– Te pego às quatro. - Dakota buzinou.

– O quê?! - eu gritei - Meu carro!

Dakota pisou no acelerador e saiu pela rua, dobrando a esquina. Espero mesmo que ela volte com meu carro inteiro.

Eu entrei no prédio. E na recepção, a mesma moça loira ainda digitava no computador, exatamente como eu me lembro.

– Posso ajudar? - ela olhou para mim.

Não parecia mais tão jovem quanto antes. Mas eu também não a culpo. Já se passaram 5 anos desde a última vez que estive aqui.

– Evelyn McMillian. - eu disse, me aproximando do balcão - Vim para a entrevista de emprego.

– Oh, seja bem-vinda então. - ela olhou para mim, sorrindo brilhantemente.

– Obrigada. - eu respondi - Ainda é no 3 andar, não?

– Sim, sala 12. - ela me deu uma pequena ficha. - Boa sorte.

Eu peguei o elevador, sentindo um frio no estômago aumentar. Esta era a primeira vez que eu voltava aqui. E se eu passar, voltarei mais vezes. Não sei bem se é o que eu quero, mas para uma garota de 20 anos, responsável legal de uma de 16, bom, digamos apenas que a vida não me deu muitas escolhas.

O elevador se abriu, e eu caminhei outra vez por aquele corredor. Ele era exatamente como eu me lembrava, creme, com carpete vermelho, luminárias de metal nas paredes, e plaquinhas douradas com os números nas portas.

E então, a sala 3. A mesma sala bonita, com uma escrivaninha e duas cadeiras acolchoadas. A uma janela com cortinas de tecido grosso e uma estante cheia de livros. E ali, no meio da sala, o belo divã vermelho de veludo. Ao lado dele, uma poltrona e uma mesinha de mogno, que eram ofuscadas pela beleza daquela peça incomparável. Exatamente como eu me lembrava.

Mas naquela sala, o mesmo divã que antes me consquistara, agora me fazia lembrar de outro objeto. Caminhei até a mesinha de mogno, onde ele ainda estava. O gravador antigo.

– Será que ainda funciona? - eu disse para mim mesma, segurando-o. Apertei o botão rec - Evelyn McMillian.

Apertei denovo o botão, e depois play. Evelyn McMillian. Eu ri com o som de minha própria voz. Ele ainda funciona perfeitamente.

– Vejo que já se acostumou com o ambiente. - aquela voz aveludada disse, atrás de mim.

Eu me virei. Era ela, Dra. Diana Starr. Os mesmos cabelos negros, mesmos olhos castanhos, mesmo rosto. Nada nela indicava que o tempo havia passado. Ao me ver, sorriu alegremente.

– Quando minha secretária disse que você vinha, eu quase não acreditei. - ela me abraçou - Como vai a vida? Ah! Não responda! Vamos brincar hoje.

Ela me fez sentar mais uma vez no divã, e puxou a poltrona verde pastel, sentando nela. Definitivamente, aquela era a entrevista de emprego mais diferente que eu já participei.

– Você lembra de como funciona, não? - ela pegou o gravador, e ligou-o - Paciente: Evelyn McMillian. Narrativa de sua autoria. Vamos começar denovo.