Dra. Diana levantou da sua poltrona, colocando o gravador em cima da mesinha do lado. Dirigiu-se a um pequeno balcão onde havia duas garrafas térmicas, um bebedouro pequeno elétrico e alguns utensílios de plástico.

— Desculpe, mas vai chegando perto das 16hrs, minha cabeça começa a pedir um cafezinho... - ela riu, enchendo um copinho de plástico com café quente - Quer um também?

— Não, obrigada. - eu respondi. - Não sabia que as amazonas bebiam café.

— Essa aqui bebe. - ela riu, adoçando seu copinho com café. - Por favor, prossiga.

****

Foi uma longa semana. Dakota evitava falar comigo, e vez ou outra eu via ela me fulminando com os olhos. Então, quando eu estava em casa, depois da faculdade e de passar na fazenda dos Kent, ela quase nunca estava em casa. John Blake falava durante o jantar toda a manutenção que eles faziam no moinho, que era um gerador hidrelétrico, e me dava uma lista das peças e equipamentos que eles precisariam no dia seguinte. Mas Dake não dizia nada. Às vezes, nem descia do quarto para jantar. Eu entendo a raiva dela, mas não quer dizer que eu concorde. Eu não tinha nem vinte anos e já estava cuidando de dois adolescentes. E eu estava tão abalada quanto ela. Eu queria ser e agir como uma adulta, mas nem sempre eu conseguia. E isso me frustrava muito.

Na sexta-feira, depois de dar mais uma olhada nos cavalos dos Kent, eu decidi não voltar para casa. John Blake tinha me dado uma lista de materiais que eu sabia que não encontraria na velha loja de ferragens de Smallville, e decidi pegar a rodovia e ir para Metropolis antes de voltar para casa.

Sim, eu estava claramente evitando voltar para casa e enfrentar o olhar de desprezo da minha irmã mais nova. Acontece que a minha cabeça estava confusa, e um tempo longe de tudo iria sim me ajudar.

Lá estava eu, dirigindo meu velho e querido carro, cabelos ao vento, em direção ao pôr do sol. A vida poderia ser calma assim sempre. Era o que eu queria.

Pouco antes do relógio bater sete horas da noite, meu carro começou a diminuir a velocidade. Só deu tempo de manobrar até o acostamento, antes que ele enguiçasse de vez.

— Que lindo! Parada entre quilômetros de milho e lugar nenhum, no meio do nada! - eu desci do carro, esbravejando.

Estava começando a escurecer. Eu rodeei o carro umas cinco vezes antes de realmente constatar o problema. O pneu traseiro do lado esquerdo estava furado. Perdi a última hora de luz tentando tirar o estepe pesado do porta-malas, e o resto da minha paciência gritando enquanto tentava sem sucesso tirar as porcas do pneu. Nada estava funcionando para mim naquele dia.

— Chega, pro inferno estas malditas porcas! - eu entrei no carro.

Peguei meu celular. É melhor avisar que eu vou chegar tarde em casa. Já estou encrencada mesmo.

— SEM SINAL?! QUAL É, UNIVERSO? VAI MANDAR O METEORO PRA ME MATAR QUANDO? É SÓ O QUE FALTA! - eu gritei, em um acesso de raiva e frustração, e soquei diversas vezes o volante - DROGA! DROGA! DROGA!

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— Um dia de cão! - Dra. Diana riu, me fazendo rir também - Todo mundo passa por isso. É normal.

— E eu lá queria saber o que é normal no momento da raiva? - eu respondi - Ao menos, consegui o que queria...

— E o que era? - Dra. Diana me olhou.

— Passar umas horas longe da Dakota. - eu respondi.

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Depois que meu acesso de raiva passou, tentei mais duas vezes trocar aquele pneu, sem sucesso. Então, conformada com a ideia de que provavelmente eu passaria a noite ali, resolvi me preparar. Arrumei um saco de dormir de emergência no banco traseiro, liguei os faróis do carro, liguei o rádio, e deitei lá, sem expectativa. Ao menos, eu estaria segura até o amanhecer, quando chamaria a emergência.

Era quase duas da manhã quando um carro apareceu na estrada, me acordando. Primeiro, decidi levantar e pedir ajuda, mas a ideia de que poderia ser um motorista bêbado ou um caminhão me prenderam no saco de dormir. Então fechei os olhos e esperei que passasse. O carro foi se aproximando, e ao chegar perto do meu, diminuiu a velocidade, até que parou ao lado do meu.

— Central para Loyd, você não aparece no radar, responda. - ouvi um rádio apitar ali dentro.

— Loyd para Central, achei um carro no acostamento na Interestadual e vou verificar. - o motorista respondeu.

— Central para Loyd, entendido. John, pode trazer mais café quando voltar? Alguém esvaziou a cafeteira. - o rádio falou.

— Aposto que foi o Vince, é a segunda vez essa semana. - o motorista desligou o rádio.

Ele desceu do carro, e abriu a porta do traseiro. Começou a rir, enquanto me encarava.

— Está tudo bem, Srta. McMilliam?

— Ah, claro. - eu sentei, saindo do saco de dormir. - É que eu adoro acampar sozinha no meio do nada. Não é nem um pouco perigoso.

Ele riu, me ajudando a sair do carro. Dentre todas as pessoas do universo, o detetive intrometido John Loyd era o último que eu queria ver. Este dia está ficando cada vez melhor...

— Por que não pediu ajuda? - ele me encarou com aqueles olhos azuis.

— Porque não tem sinal no fim do mundo! - eu retruquei, furiosa.

Mas a minha raiva só deixa ele ainda mais calmo. Ele achava graça nisso tudo. E não tirava aquele sorriso debochado do rosto.

— Pode segurar a lanterna para mim, por favor? - ele entregou.

— Pra quê? Quer enxergar melhor a multa que vai me dar? - eu bufei.

— Não, só quero trocar o pneu. - ele riu, se abaixando.

Fiquei calada, assistindo ele trabalhar. Com maestria, ele tirou as porcas, substituiu o pneu furado pelo estepe, e aparafusou outra vez. Em menos de vinte minutos estava tudo acabado, limpo e guardado. Ele se levantou, pegou a lanterna da minha mão, e ficou me olhando, à espera de algo.

Murmurei um obrigada e entrei no carro, sentindo o olhar do detetive debochado em mim. Agora eu posso ir pra casa. Agora posso ver Dakota. Agora posso dormir na minha cama quentinha, tomar um café e descansar. Tudo vai ficar bem.

Eu girei a chave do carro. O motor roncou... roncou... E morreu. Em desespero, tentei de novo. E de novo. E de novo, e de novo...

O detetive gargalhava do lado do meu carro, enquanto me ouvia esbravejar com o carro, sem sucesso. Quando eu finalmente desisti, ele sorriu pra mim e disse:

— Então, esquentadinha... Quer café?