Depois de trancar o meu querido carro, deixei o detetive intrometido me levar para Metropolis. É estranho estar em um carro de polícia. Mesmo que você esteja ali por vontade própria, é quase impossível não se imaginar sendo levado sob custódia. Mas estar no banco da frente tem lá suas vantagens. Liguei a sirene, mexi no rádio, e até encontrei coisas de policial no porta-luvas: como algemas, por exemplo.

A poucos minutos do centro de Metropolis havia uma pequena lanchonete que curiosamente ficava aberta de madrugada. O pequeno letreiro aceso na entrada dizia Samy's, e eu achei um nome engraçado para uma lanchonete. Mas ela era bem aconchegante e bonita. Sentamos em uma mesa de sofás e o detetive pediu dois cafés e uns donnuts para a garçonete. Eu vi ela suspirar corada enquanto anotava o pedido, olhando para ele. E ela se atrapalhou algumas vezes enquanto preparava os nossos cafés.

— E aí, - ele começou, quebrando o silêncio - a senhorita esquentadinha poderia agora me explicar como ficou presa na Interestadual?

— O senhor anda me seguindo? Como foi que me achou? - eu rebati, desviando das perguntas.

— Me responda e eu te respondo. - ele se reclinou no sofá e sorriu, me encarando.

Ele era muito presunçoso, e aquilo me queimava por dentro. Eu tinha vontade de mandar ele pra Lua, só pra ver se lá ele me deixava em paz.

— Fiquei presa por culpa sua. - eu resmunguei, olhando pela janela.

— Como pode ser culpa minha? - ele riu.

— Escuta, eu estava bem, tá? Eu estava superando, a Dake tava superando, a gente estava vivendo a vida, tentando esquecer, aí você aparece com aquela maldita ficha de assassino! - eu explodi - Eu não queria saber! Não importa pra mim! Saber quem foi não vai trazer eles devolta pra casa! Eu estava bem!

Eu sentia as lágrimas rolando pelo meu rosto. Elas arrancaram aquele sorriso debochado do rosto do detetive intrometido, e ele ficou realmente preocupado comigo. Suspirando em meio às lágrimas, eu me sentia outra vez como uma adolescente desamparada.

— Logo depois que você saiu, a Dake chegou. Mesmo eu não dizendo nada, ela entendeu tudo, e ficou com raiva de mim. Eu sei que ela queria saber, mas eu não queria aquele maldito desejo de vingança dominando minha irmãzinha de olhos verdes. - eu sussurrei. - Mas de nada adiantou. Ela ficou com raiva de mim por alguns dias. E quando eu finalmente não podia mais suportar ver ela me odiar, peguei o carro e decidi vir a Metropolis espairecer. Fiquei presa no caminho, e o plano de me acalmar foi pro inferno. O resto você sabe.

Ele me olhava atentamente, sem dizer nada. Com raiva por ter chorado na frente desse metidinho, rapidamente limpei as lágrimas do meu rosto, e fiquei encarando a noite do lado de fora, enquanto a garçonete trazia o pedido. Depois que ela se afastou, ele sussurrou:

— Eu não estava te seguindo. Só estava fazendo a patrulha. Mas, - ele sorriu suavemente - parece que o universo me colocou no lugar certo, e na hora certa.

Apertei o copo de papel do café entre meus dedos.

— Parece que o universo me odeia mesmo. - resmunguei.

— Sinto muito que você tenha que passar pelo que está passando. - ele continuou, docemente - Acredito que poucas pessoas realmente entendem a sua situação. Mas quando eu disse que estaria disponível a qualquer hora, para qualquer coisa, eu estava falando sério. Ter um amigo é bom em momentos como esse.

Por um momento, fiquei ponderando suas palavras. Eu não sabia dizer se ele realmente se preocupava comigo, ou se ele apenas estava sendo gentil. Mas ele parecia sincero, e isso já era um começo.

— Vou pensar na sua oferta. - eu olhei para ele, e vi os olhos azuis dele brilharem outra vez com aquele ar presunçoso.

— Já provou os donnuts da Samy? São os melhores da cidade! - ele disse, e pegou um de chocolate.

***

Depois do lanche, que ele me fez rir durante quase todo o tempo, o detetive me levou devolta para casa, parando para rebocar meu carro. Ele não era lá grande coisa, mas eu gostava muito do meu carro, mesmo ele não sendo novinho. Ele era meu.

Quando chegamos, as luzes do andar de baixo estavam acesas. Achei estranho alguém ainda estar acordado às quase quatro da manhã, mas estava grata por saber que provavelmente o Don Juanito tem cuidado da Dake. A porta da frente se abriu quando o detetive acionou a sirene por poucos segundos. O pequeno garoto ficou na varanda para nos receber. Assim que eu desci do carro, ele correu e me abraçou.

— Por onde você andou, Evelyn? - ele suspirou - Dakota ficou tão preocupada...

— Foi um imprevisto. - respondi, bagunçando seus cabelos negros - O carro enguiçou na Interestadual quando eu ia para Metropolis, e tive que esperar ajuda.

— Eu cuidei dela, garoto. - o detetive se aproximou de mim - Vê? Devolta e inteirinha.

— Obrigado, senhor. - o pequeno respondeu.

O detetive encarou o rosto do menino por alguns instantes, e o garoto sustentou seu olhar. Tentei compreender o que estava acontecendo, mas ao perceber que eu ainda estava ali, o detetive desviou o olhar e fingiu que nada aconteceu. O garoto me puxou suavemente para dentro da varanda, e assistimos em silêncio o policial ir embora. Eu fiquei ali, acariciando os cabelos do pequeno. Ele era um bom garoto, afinal.

— Johnny? - ouvi uma voz manhosa descer as escadas - Está tudo bem?

— Agora está, com certeza! - ele respondeu, radiante.

Olhei para dentro de casa ao mesmo tempo que a Dake me viu. Ela correu as escadas e veio em minha direção, pulando em um abraço apertado. Eu estava feliz. Eles estavam seguros.

Dake me soltou e me deu um soco no braço.

— Isso é por não ligar pra gente! - ela bufou.

— Não foi por falta de tentar! - eu tirei o celular do bolso e mostrei para ela. - Não tem sinal no fim do mundo, sabia?

— Eu pensei que poderia acontecer, aí chamamos a polícia. - o garoto comentou - Mas a gente não sabia onde você estava, Evelyn.

— O que você foi buscar em Metropolis? - Dake bufou - Eu sabia que você ia para lá. É onde fica seu apartamento.

— E as melhores lojas de materiais de construção e utilitários. - eu retruquei - Eu ia comprar os itens da lista. Mas agora, já sei que meu carro não aguenta mais o tranco. Vou tentar amanhã novamente, com a picape do vovô.

— Deixa eu ir junto? - o garoto pediu, com os olhos brilhando - Por favor...

Eu não gostava muito da ideia de levar ele em um lugar tão agitado. O garoto, mesmo sem lembrar, era o Robin. E estava em apuros quando Dake o encontrou. Se o Slade, e eu acho que é esse cara sim, que tinha ferido ele, com certeza estaria procurando pelo Robin, e o reconheceria. Eu não podia arriscar perder ele. Dick ainda nem sabia que o Damian estava acordado.

— Eu não sei... - sussurrei.

— Vai, Ivy, deixa. - Dake falou - E se ele for, eu vou junto.

— Tudo bem então... - eu suspirei, e dizia a mim mesma que iria contatar o Dick assim que todos fossem dormir.

— Isso! - os dois me abraçaram.

Então mandei os dois para suas camas. Antes de subir as escadas, Dake olhou para mim e disse:

— Não some, Ivy. Só me restou você.

***

Acordei olhando o relógio de pulso do Robin. Estava desligado. Eu enviei o chamado outra vez, na esperança de que o Dick me respondesse, mas ele não respondeu. Estava desapontada, mas não surpresa. Ele não tem mais me respondido.

Mais tarde, quando voltei da casa dos Kent, Dakota e o Don Juanito já estavam prontos e ansiosos para sair. Eu ainda não aprovava a ideia de levar o garoto comigo, mas depois, acabei me convencendo de que poderia ser algo bom para ele sair um pouco de casa.

A picape do vovô além de nova, era uma delícia de dirigir. Eu estava adorando, e os dois também. Ligaram o rádio e ficaram escutando Heroes do Bowie. Ou melhor, gritando junto com a música.

Não levou muito tempo até comprarmos todas as peças. John sabia exatamente o que estava fazendo, e conseguiu ótimos materiais para o gerador do moinho. Talvez ele tenha aprendido como Robin, Dick sabia muitas coisas, como pilotar jatos, por exemplo. É uma pena ele não lembrar de quem é, mas acho que gosto desse alter-ego.

— Olha só esse disjuntor... - eu disse, analisando a peça - É de primeira linha!

— Como sabia que era o certo? - Dake perguntou, enquanto caminhavamos - Eu barganho com aquela loja de autopeças há anos e até agora só consegui uns fusíveis bem fraquinhos!

— Ah, eu gostava de consertar os computadores do orfanato. - ele deu de ombros - O diretor gostava, e até me ensinou muitas coisas sobre tecnologia. Ele estava me preparando, e dizia que se eu me esforçasse, talvez ele conseguisse uma vaga para mim na Wayne Enterprises.

Dake parecia atenta à tudo o que ele dizia. Mas eu estava mais interessante em outro assunto.

— John, você consegue lembrar qual o nome do diretor do Orfanato Wayne? - eu perguntei.

— Me lembro de poucas coisas... - ele sussurrou - Na verdade, ainda não sei como fui parar na fazenda de vocês, Gotham é meio longe para que um rio pudesse me levar até Smallville...

Interessante, ele não se lembra, mas tem um raciocínio apurado.

— Eu teria que ter caído em um rio de Metropolis para chegar lá, mas não me lembro de já ter vindo a essa cidade antes... - ele continuou. Erguendo a cabeça, ele me fitou - Faz algum sentido, Evelyn?

Até faz. Mas eu não podia dizer isso a ele.

— Tô com fome. - Dake falou, mudando de assunto.

— Conheço uma lanchonete bem ali na esquina que tem uns donnuts ótimos. - eu sorri, vendo o letreiro do Samy's - E o café também.

— Legal! - Dake tomou a dianteira.

De repente, senti que John não estava perto de mim. Eu me virei, e vi dois homens correndo e carregando ele pelos braços. Sem ter muito tempo para pensar, larguei as sacolas no chão e corri atrás deles.

O garoto se debatia em desespero. Os caras eram fortes.

— Evelyn! - ele gritava - Socorro! Me larga! Evelyn!

— John! - eu berrava em resposta - Eu tô indo! John!

Eu corria freneticamente, sentindo o chão sob meus pés. Eu tinha que alcançar eles. Eu estava conseguindo alcançar.

De repente, uma van branca parou na calçada, e os caras pararam. A porta de trás se abriu. Eles iam jogar o garoto lá dentro. Eu não ia deixar. Com um último fôlego, eu pulei e caí em cima de um dos caras. John se soltou do outro e correu. Eu tentei acompanhar, mas um deles me puxou pelos cabelos, e eu gritei. John parou e me olhou.

— Não! Não, John! - eu gritei - Não volte! Corre!

— Larguem ela, seus desgraçados! - ele correu, apesar dos meus protestos.

O garoto pulou no cara e acertou um soco no meio do nariz dele. O cara que me segurava me jogou no chão, e segurou menino. O que estava na van o colocou pra dentro, entrou, e a van sumiu de vista. Eu fiquei sentada na calçada, chorando e gritando. Eu tinha fracassado.