Divã - As Crônicas do Cristal Vermelho
Gotas de chuva
– Pronto! E agora eu cobri o último canto rosa! - Dakota disse, afastando-se da parede.
Já faziam três dias desde o fantasma na janela, e hoje Dakota finalmente decidiu me ajudar a terminar o quarto da Pantera Cor de Rosa. Juntamos unicórnios e ursos rosas de pelúcia em uma caixa para doação, nos livramos das cortinas e dos jogos de cama horríveis, e agora tínhamos acabado de pintar o quarto de azul, que era uma cor bem neutra, e fica bonita em qualquer ambiente.
– É, até que ficou bom... - eu ri.
– Como assim "até que ficou bom"? - Dakota se revoltou - Perdemos um dia inteiro pra pintar essa coisa! Eu manchei minha blusa dos Ramones, tem tinta no meu cabelo e até quebrei uma unha!
– Não seja exagerada! - eu briguei - Ainda são onze da manhã! Nem perdemos três horas pintando aqui!
Ela bufou, olhando para as paredes.
– Mas você tem razão, até que ficou bom... - Dakota admitiu, me fazendo rir.
– Certo, vamos deixar a tinta secando. Vai tomar um banho, Dake, eu vou tomar um também e depois vou pra casa dos Kent. - eu avisei.
********
A chuva caía lá fora. Meu quarto estava escuro, e apenas a luz de fora o iluminava suavemente. Olhei para o rádio-relógio na minha cabeceira: duas da madrugada. Eu estranhei o fato de que estava tudo silencioso, pois Dakota morre de medo de trovão. Mas ela estava dormindo tranquila.
Eu abri a gaveta da mesinha de cabeceira, e peguei o relógio de pulso. Lá estava a luz vermelha, piscando como todas as noites. Não sei por que eu havia esquecido de ativá-la mais cedo, mas decidi ativar. A luz verde piscou três vezes, e depois tornou-se azul. Denovo.
Um relâmpago iluminou meu quarto numa fração de segundo, e eu vi uma sombra do lado de fora da minha janela. Era negra, com pontas na cabeça, e um par de olhos que me olhavam atentamente.
Eu me levantei e abri a janela, deixando a chuva entrar. Olhei desesperadamente para todos os lados, mas não havia mais ninguém lá.
– Espera! - eu gritei - Batman! Espera!
Eu vesti um hobby, calcei as pantufas e saí correndo desesperada, tropeçando nos meus próprios pés, e quase caí duas vezes da escada. Abri a porta da frente, e uma rajada de vento jogou água da chuva em mim. Mas isso não me importava. Olhei preocupada para todos os lados, mas a chuva não me permitia enxergar.
– Batman! - eu chamei, aflita - Por favor!
Mas ainda estava escuro lá fora, e não vi nenhum movimento. Meu coração batia forte, e as gotas de chuva se misturavam às minhas lágrimas de desespero. Eu sabia o que eu tinha visto. Eu tinha visto o Batman.
Por fim, a chuva fria me venceu, e eu fechei a porta.
– Eu não estou louca! - eu sussurrei, ainda soluçante.
– Não, não está.
Eu me virei, assustada. Um relâmpago ajudou-me a confirmar aquilo que palpitava em meus coração. Aquela sombra negra, os olhos me olhando, o símbolo do morcego.
– Como entrou aqui? - eu sussurrei. Depois me ocorreu que era uma pergunta idiota.
– Pela janela. - ele respondeu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Eu instintivamente me dirigi até o abajur ao lado da poltrona favorita do vovô.
– Não acenda a luz. - ele mandou.
– A casa é minha, se eu quiser, acendo. - eu disse sem pensar.
– Eu sei, Ivy, mas prefiro que não acenda. - ele retrucou.
Espera, ele me chamou de quê? Apenas minha família me chama assim. Minha família e ele... Eu caminhei até a sombra. Batman não se moveu. Joguei-me em seus braços, e abracei seu pescoço, sentindo os braços dele ao redor de mim.
– Eu senti tanto a sua falta, Dick... - eu sussurrei.
– Eu também senti, Ivy... - ele respondeu, me arrepiando.
Soltei-me de seus braços, e olhei bem para o seu rosto. Aquela máscara preta de cavaleiro das trevas me assustava, e me lembrava o mentor dele, que acho que nunca gostou de mim, e talvez nunca vá gostar.
– Por que está vestindo isso? - eu perguntei - Por que o Batman?
– Bruce Wayne era meu mentor, e depois de alguns anos de treinamento, ele me adotou como legítimo herdeiro. - Dick explicou - Depois que ele morreu, herdei tudo, inclusive a capa.
– Bruce morreu!.... - eu me assustei - Que terrível!...
– Sim, foi terrível... - ele continuou - Mas agora isto não importa. Estou aqui por outro motivo.
– Então não veio me ver? - eu me zanguei.
– Queria dizer que sim, mas a verdade é que vim atrás do Robin. - ele suspirou. - Aliás, como ele veio parar aqui, nessa fazenda?
– Tudo o que eu sei é que ele estava flutuando desacordado no rio, então minha irmã trouxe ele para dentro, e venho cuidando dele desde então. - eu expliquei.
– Ai, Damian!... - ele suspirou - Esse menino só me dá problema!
– Quem é ele? - eu perguntei.
– Confidencial. - ele fingiu ser poderoso.
– Eu sei a exata localização do Satélite Orbital fazem quase cinco anos, e ainda não deixei vazar na internet. - eu falei - Acho que não tem problema contar isso pra mim...
– Damian é filho do Bruce Wayne com a filha de Ra's Al Gul, Thalia. - ele contou - Bruce começou o treinamento dele, e eu herdei isso também. Agora, ele é o Robin, e não eu.
– Confesso que prefiro muito mais o uniforme dele. - eu provoquei.
– Não gostava do meu? - ele retrucou.
– O dele é bem menos chamativo do que o seu era. - eu tirei sarro.
– Saiba que não fui eu que escolhi aquela roupa, tá! - ele retrucou. - E além disso, eu ficou muito melhor de preto.
– Humildade mandou lembranças! - eu ri, e ele também.
– Como senti sua falta, Ivy... - ele acariciou meus cabelos.
– Pare de mentir, seu filho da mãe! - eu bati nele, socando-o - E eu achando que você sentiu saudades de mim! Que você me procurou!
– Eu senti saudades, sim! - ele tentava segurar meus pulsos - Ivy, pare! Acalme-se!
– Eu não estou nervosa! - eu olhei para ele - Ainda não! Mas posso ficar rapidinho! Como pôde ter ficado tanto tempo sem me procurar? Sem tentar saber notícias de mim?
Ele retirou sua máscara, e segurou-me bem firme. Uniu seus lábios aos meus em um beijo desesperado, que a princípio me assustou muito.
– O que está fazendo?! - eu o empurrei, interrompendo o beijo.
– Tentando te convencer! - ele respondeu - Ivy, eu te amo!
– Wow, vai com calma, homem! - eu ri - Não te vejo há cinco anos! Vamos devagar!
– Certo, desculpe. - ele me soltou, frio. E vestiu a máscara - Eu volto para ver como ele está.
Dick abriu a janela, mas eu segurei seu braço. Ele me olhou, interrogativo.
– Vai voltar para me ver também? - eu perguntei, e um enorme sorriso se abriu no rosto dele.
– Vou, Ivy, vou sim. - ele sussurrou.
E então atravessou a janela. Eu corri e olhei para fora, mas a chuva não me permitia ver ele, nem nada. Na verdade, não importava muito.
Eu fechei a janela e voltei para o meu quarto flutuando. Dick me beijou. E ia voltar para me ver.
Fale com o autor