– Evelyn? – eu ouvi a voz distante de Dakota zumbindo em minha cabeça. – Evelyn, acorda! Vamos, levanta!

Ela puxou meus braços, fazendo-me sentar no chão, levantando-me. Eu ainda me sentia um pouco tonta devido ao desmaio.

– Que susto! – Dakota ralhou, juntando algumas sacolas do chão – Eu só tenho você, sua louca! Vê se não morre!

Ela caminhou até a cozinha, deixando as sacolas de papelão no balcão. Eu me levantei, e me aproximei do sofá, olhando aquele corpo adormecido. Aqueles cabelos negros, aquele rosto, aquele nariz. De alguma forma, eu sabia que não era ele, mas era um Robin, e isso traria muitos problemas de qualquer jeito. O mais estranho para mim era aquele uniforme. O Robin que eu conheci usava uma singular predominância de verde e vermelho, e botas baixas medievais, estilo Robin Hood. Mas este aqui usa muito amarelo e preto, e as botas são de cano longo. O símbolo também é diferente. É um R maior e pontudo, sobre o círculo. Enquanto que o outro era rechonchudo e se limitava ao interior do círculo. Sem dúvidas, esse aqui não é o Dick. Não é meu Robin.

– Onde você disse que achou ele? - eu perguntei, enquanto Dakota voltava e pegava as outras sacolas.

– No rio, perto do moinho. Ele estava desacordado, flutuando na água. Achei melhor trazer pra dentro. - ela disse, retornando para a cozinha.

– Dakota, - eu o peguei em meus braços - comece o jantar.

– Mas eu quero ajudar! - ela retrucou, contrariada.

– Você já ajudou muito, Dake. Ele ainda está vivo por sua causa. - eu comecei a subir as escadas - Agora, comece a fritar as batatas. Sabe que quando eu chego perto de frigideira, ela resolve me atacar!

– Tá, tá... - ela bufou.

Eu subi as escadas, e entrei na primeira porta aberta que vi: o quarto da Pantera Cor de Rosa. Não era o quarto que eu teria escolhido para ele, mas como o garoto era pesado, não perdi muito tempo tentando levar ele para outro quarto. Deitei ele na cama Ele ainda estava um pouco molhada, deve ter ficado muito tempo na água, apenas boiando, desacordado.

Entrei no quarto da mamãe, e peguei um antigo pijama do papai, azul de listras brancas, que ele sempre odiava. Quando retornei, o garoto ainda estava desacordado. Eu tirei seu uniforme, o enxuguei e o vesti. Ele era muito bonito sem a máscara. Cabelos negros, pele alva, um nariz meio arrebitado, lábios finos, como se tivessem sido desenhados por um artista muito perfeccionista. Era como se eu visse uma imagem distorcida do Dick, um irmão, ou filho, talvez.

Eu o cobri com um edredom roxo que encontrei no guarda-roupas do quarto que Dakota se instalara, e fiquei dizendo para mim mesma mentalmente que faria Dakota se livrar de todos esses unicórnios ainda hoje, enquanto pegava as roupas dele e me dirigia para a porta.

– Slade... - ele sussurrou, com um fio de voz - Cão.... maldito.....

Olhei para ele. Não estava acordado, devia estar tendo um pesadelo, ou um delírio. Mas Slade é um nome que eu vou pesquisar depois... Assim que fechei a porta do quarto, algo em minha mão começou a brilhar. Era um brilho vermelho, que piscava. Vinha do relógio de pulso dele. Eu me lembro desse relógio, é o mesmo que Dick tinha me emprestado naquele dia que fomos ao Central Park. Ele tinha explicado que o relógio tem muitas utilidades, e também um localizador e rastreador. Apertei um pequeno botão que havia do lado do relógio, e a luz se tornou verde. Piscava como uma luz de alerta, um pedido de socorro, um sinalizador.

***

Os dias foram passando, todos calmos e sem muitas surpresas. Certo dia, encontrei Sra Martha Kent na loja de ferragens de Smallville, e ela mencionou que precisava de alguém para cuidar dos cavalos dela, afinal, Clark havia se mudado para Metrópolis, e agora não havia ninguém que pudesse cuidar deles. Como eu estava fazendo faculdade de medicina veterinária, ela perguntou se eu queria ajudá-la, e eu topei na hora. Assim, minha rotina passou a ser: faculdade de manhã até as 3 da tarde, da faculdade para a fazenda dos Kent, onde eu ficava até as 5 da tarde, e depois voltava para a casa da vovó.

Dakota passava a maior parte do tempo sozinha em casa. Não que eu gostasse disso, na verdade, me incomodava muito saber que ela estava sozinha naquela fazenda, mas era a única opção. Algumas tardes ela vinha na fazenda dos Kent, porque Sra Martha havia pedido para ela configurar a impressora, limpar o computador ou consertar a televisão. Dakota sempre foi muito boa com tecnologia. Sra Martha a pagava, e ela voltava para casa. Tentei procurar um emprego para ela, mas ela não quis. Parece gostar de ficar sozinha, o que me preocupa às vezes.

***

– Dakota! - eu chamei - Dakota, desce! O jantar tá pronto!

Eu coloquei a pequena forma de lasanha na mesa, e peguei a Coca Cola na geladeira. Dakota desceu as escadas, e pegou os pratos e copos pra gente. Eu abri um pacote de queijo, e logo estávamos jantando.

– Evelyn, - ela começou - eu tava olhando na internet hoje, e eu vi que tem gente que escreve livros e ganha tipo milhares de dólares!

Eu olhei para ela, esperando onde ela queria chegar.

– Tipo, a autora do Harry Potter é a autora mais rica ainda viva! - ela se empolgou - O que acha? Posso fazer isso? Posso?

– Quer reescrever todos os 7 livros de Harry Potter? - eu debochei.

– Não! Quero escrever um livro! - ela explicou - Imagina só, eu escrevo um livro, e daí ele vira um best seller, e aí o mundo todo lê, e aí eu vou ganhar milhares de dólares e ficar rica e me mudar pra França e comprar um porche, não! Dois porches! E um iate! E uma ilha! E.....

– Vai com calma, ruivinha! - eu a cortei - Acha que é fácil assim? A J.K. Rowling teve a Pedra Filosofal recusada por três editoras diferentes! Isso se não foram mais!

– Deixa eu tentar, Ivy! - ela piscou aqueles olhinhos verdes - Por favor!!

– Eu acho que é sim, uma ideia de hobby legal. Mas precisa se dedicar. - eu encorajei.

– Mesmo? Obrigada! - ela sorriu, empolgada - Não vejo a hora de começar a escrever!

– Mas só depois que você arrumar o quarto da Pantera Cor de Rosa! - eu briguei, e ela bufou - Agora tem um garoto dormindo lá, excelente motivo para você se livrar daquele papel de parede. E tem que começar ainda hoje!

– Ah Evelyn! - ela reclamou.

– Nem ah nem meio ah! Eu quero a Pantera Cor de Rosa expulsa desse quarto antes de eu voltar da casa dos Kent amanhã! - eu continuei - E se livre dos unicórnios e as cortinas também, a gente vai sair pra fazer compras na sexta.

– Tá bom... - ela resmungou - pode ser azul?

– Sei lá, a gente escolhe depois. - eu disse, enquanto ela se levantava - E lave a louça!

– Tá, tá... - ela reclamou.

Depois de colocar a louça suja na pia, eu guardei o resto da comida na geladeira e subi para meu quarto. Ele ainda estava muito escuro, e eu resolvi não acender as luzes. Era bonito ver ele escuro assim, lembrava minha janela do universo. Minha janela agora não tinha tantas estrelas, mas a Lua brilhava muito linda.

Abri a gaveta da minha cabeceira. O relógio ainda estava ali, e brilhava, como todas as noites o fazia. Eu me sentei na cama, apenas olhando para ele. Não sei bem ainda porque eu continuo ativando ele toda vez que ele brilha, mas continuo a fazer. Como de costume, apertei o botão, e a luz tornou-se verde. Mas ao invés de piscar, ele piscou apenas três vezes, e assumiu um brilho azul. Brilho azul? Que seria isso?

– EVELYN!!!!! - ouvi os gritos de Dakota.

Peguei o taco de beisebol que papai mantinha sempre debaixo da cama, e corri para as escadas. Passando na frente do quarto pink, vi ela parada, de pé, ao lado da cama.

– O que foi? - eu me aproximei dela.

– Tinha... tinha...um fantasma!.... - ela gaguejou, assustada - Um fantasma na janela!

– Fantasma? - eu ri - Fantasmas não existem, Dake!

– Existem sim! E esse era enorme e preto! Parecia ter chifres e ficou me encarando! - ouvi ela soluçar.

Eu me aproximei da janela, ainda com o taco em punho. Lá fora estava escuro, mas não havia ninguém. Quando fui fechar a janela, para que o vento não mais entrasse, vi marcas no parapeito. Pareciam marcas de um gancho.

– Não... não foi nada, Dake. - eu disfarcei. - Foi apenas um relâmpago. Nada demais. Me avise se vir denovo.

– Tá. - ela suspirou.

– Hey, Dake! - eu me aproximei dela - Tá tudo bem, tá! Por que não vai ligar a TV? House vai começar daqui a pouco!

Ela sorriu, e desceu as escadas. Eu abri a janela denovo, analizando as marcas. Era mesmo de um gancho. 4 marcas certinhas, arranhando a pintura rosa do parapeito. Olhei novamente para o milharal. Nenhum sinal de vida. Dei outra olhada no relógio de pulso dele. A luz agora estava apagada.

Um sorriso se abriu em meu rosto. Fantasmas não existem.