“Acha que Daryl vai encontrar a gente?” Mika me perguntou e eu olhei para a cara dela como se a garota fosse uma retardada.

“Claro que vai.” Respondi e coloquei o balde no chão.

Minha mão doía desde que a machuquei no arame farpado da cerca que rodeava a casinha onde nos abrigamos. Nada muito fundo, mas mamãe fez um drama danado e parecia que eu estava a morrer de hemorragia.

Minha mãe tinha se transformado nessa mulher foda demais, mas ainda ficava muito nervosa quando algo me acontecia.

Eu gostava que me cuidasse, e me sentia bem em estar com ela, o Tyrese e as meninas. Mas sentia falta do Daryl e da Sam. Dos outros também. Até do Xerife estava sentindo um pouco de saudades.

Desejava que todos estivessem bem.

Mas, mesmo que não encontrássemos com eles de novo, tinha certeza que o Daryl encontraria a gente. Mika era uma boba se achava o contrário. Ainda que eu imaginasse que ele estava demorando para encontrar as pistas que minha mãe deixava.

Estava demorando demais para que ele chegasse. E bem que a gente podia estar procurando por eles também. Talvez Daryl tenha se ferido, precisasse de ajuda.

Tyrese achava que eles podiam ter seguido os trilhos e ido até aquele lugar chamado Terminus. Já minha mãe achava que eles não se arriscariam lá.

Agarrei o balde e voltei a caminhar ao lado de Mika. Lizzie vinha atrás e parecia chateada. Ela sempre estava chateada, e eu não ligava muito. Não gostava dela e nem ela de mim.

Minha mãe e o Ty tinham saído para caçar e nós ficamos para cuidar das coisas. Apesar de mandarem a gente ficar na casa, e por trás da cerca, saímos para buscar água, por que tinha acabado e não podíamos agir como inúteis.

Durante todo o dia Lizzie parecia ainda arisca e zangada, não sei por que razão. Acho que por causa do errante que minha mãe matou. Mika tinha me dito que sua irmã era um pouco estranha e às vezes lhe dava medo.

A mim também.

“Quando os nossos pais eram vivos levaram ela para o médico.” Mika dizia-me baixo enquanto colhíamos frutinhas na parte de trás da casa. “Eles passaram um remédio e ela melhorou, mas o remédio acabou faz tempo e meu pai me disse que eu precisava tomar conta dela.”

“O que ela tem?” Perguntei preocupada.

Se Lizzie ficasse doente como a gente ia cuidar dela?

“Não sei.” Mika deu de ombros. “Ela fica de um jeito estranho, falando sozinha e a cabeça dela dói muito.”

“Vou falar para minha mãe.”

“Não. Não conta para ninguém. Senão ela se zanga comigo.” Mika parecia que ia chorar, por isso lhe disse que não ia contar.

Mas eu estava mentindo. Assim que minha mãe voltasse com o Ty, eu contaria aos dois sobre aquilo. Podia ter dito antes deles saírem, mas preferi deixar pra depois.

Lizzie se aproximou e calamos.

Agora olhei para trás e ela estava próxima, mas não parecia doente.

“Que tal a gente brincar de picnic?” Lizzie ofereceu quando abri o portão e deixei Mika passar com seu balde.

“Ia ser legal.” Mika respondeu para a irmã.

“Eu não quero.” Falei me afastando. “Estou lendo um livro e quero terminar ainda hoje.”

“Você pode ler aqui fora.” Lizzie ofereceu.

“Eu prefiro ler sozinha.” Respondi.

Mika colocou o balde na escada e olhou para mim esperançosa.

“Vamos lá Sofia, vai ser legal.”

Eu realmente não queria, e repeti isso.

A garotinha que eu era antes teria aceitado depois de tanta insistência, para não machucar minha amiga, mas eu não era mais aquela menina e a opinião dos outros não importava mais que a minha.

E, agora, eu não tinha vontade alguma de brincar, ou mesmo ficar perto da Lizzie.

Entrei e subi, peguei o livro e deitei na cama perto da janela. Ainda era cedo e tinha muita luz, por isso queria aproveitar para continuar minha leitura. Não podia ler a noite para não gastar o querosene do lampião e minha lanterna já estava sem baterias. Além do mais, talvez algo ruim pudesse acontecer e aquela paz que tínhamos acabasse, não queria ficar com uma história na cabeça pela metade.

Li durante algumas horas.

Era um livro legal sobre elfos e batalhas, um anel e coisas que hoje não me faziam mais ter medo. Eu não gostava muito de ler antes, mas agora não havia nada mais para matar o tempo, e acabei descobrindo que ler era algo legal. Começou quando a Michonne levava as revistinhas para o Carl. Eu gostava de lê-las também. Mas eu e ele tínhamos nos distanciado muito, depois de uma vez em que falou mal da Sam pra mim. Depois daquele dia ele me tratava com frieza, e eu não me aproximava muito dele também não.

Acho que cochilei um pouco, por que quando acordei já estávamos pela tarde. Algo tinha me acordado, mas não percebi o quê, até que vi uma sombra se projetar na cama.

Pensei que era um errante.

Virei rápido, bem no momento em que Lizzie enfiava a faca no colchão, bem onde eu estava a dormir.

“Lizzie, você ficou doida?” Perguntei e ela não respondeu.

Tentou erguer a faca novamente para me acertar e lhe dei um chute, rolei e puxei minha faca também. Avancei e ela se jogou em minha direção já com a lâmina em sua mão. Nos desequilibramos e rolamos pelo chão do quarto.

“Mika!” Gritei o mais alto que podia.

Queria saber se a minha amiga estava bem, se ela podia me ajudar.

“Fica quieta...” Lizzie sussurrou e nos engalfinhamos um pouco mais.

A faca dela acertou meu rosto, depois meu flanco. A minha, seu braço. No meu caso foi algo de raspão, nos dois lugares, mas no dela a minha faca fez um baita de um estrago.

Ela gritou e se afastou. Estava por cima e bateu minha cabeça no chão antes de se erguer. Fiquei tonta e ela se aproveitou para me chutar quando ficou de pé. Quando ela tentou me chutar novamente fiz o que Linn me ensinou, segurei as pernas dela entre as minhas e rolei.

Ela caiu de novo, batendo o ombro no chão com força e gritou de dor.

Minha cabeça doía, mas eu estava mais alerta. Levantei-me e corri para fora. Estava passando pela porta, quando o primeiro tiro atingiu a parede a minha esquerda.

Gritei, encostei na parede a direita e fechei a porta com força, correndo escada a baixo.

“Mika!” Chamei algumas vezes, até chegar à entrada, abrir a porta e ver que ela estava jogada sobre a manta onde elas tinham arrumado tudo para o picnic.

“Merda...” Falei baixo.

Apressei-me em sair, por que ouvi os passos de Lizzie na escada. Corri para a lateral da casa e dei a volta. Achava que minha mãe e Ty já deviam estar voltando, por isso não queria me afastar dali e me esconder na floresta. Parei nos fundos e fiquei atenta se ela se aproximava.

Infelizmente ela me pegou de surpresa.

“Sofia!” Lizzie disse às minhas costas, arma apontada em minha direção.

“Lizzie... O que você está fazendo?” Falei dando dois passos para trás. “Por que você machucou a Mika? Por que quer me matar?”

Ela me olhou de forma estranha, como se eu fosse uma idiota e ela soubesse alguma coisa que ninguém mais compreendia.

“Não quero te matar sua boba. Não vou acertar sua cabeça. Você vai voltar, assim como a Mika." Ela sorriu e parecia o mais estranha que já tinha lge visto.

"Ninguém entende eles. Acham que são maus. Mas vou mostrar que estão errados... Que a Carol e o Ty estão errados.”

“Entender quem? Provar o quê?” Perguntei desviando o olhar dela, procurando qualquer coisa que pudesse usar para me defender, sem nada encontrar.

“Os errantes.” Ela soltou e notei que suas mãos estavam sujas de sangue. “Eles vão ver o que eu vejo.”

Não entendi nada. E também não queria.

Dei mais alguns passos para trás e ela continuou falando. Disse um monte de coisas sem sentido. Falou sobre como foi difícil apunhalar a irmã, mas que ela ficaria melhor depois.

“Você também vai ficar.” Ela disse e sacudiu a arma em minha direção. “Prometo.”

“Lizzie, espere...” Tentei, mas ela disparou.

Fechei os olhos e gritei.

Ela gritou também.

Olhei para Lizzie e ela estava sendo atacada por um errante.

Mika.

Ela se debatia tentando se livrar. A irmã tinha retornado e a mordia no braço, agarrada a seu corpo. A arma tinha caído e Lizzie a machucava com a faca, mas não conseguia acertar sua cabeça.

Agarrei a arma e me afastei a ouvir seus gritos. Apontei para as duas, mas minhas mãos tremiam.

Foi nesse instante que minha mãe e Tyrese apareceram.

Minha mãe acertou a nuca de Mika e ela desabou, enquanto Lizzie caía para o outro lado a gemer e chorar.

“O que aconteceu?” Minha mãe perguntou, enquanto Ty se abaixava e avaliava o ferimento de Lizzie.

Contei tudo.

Mamãe ficou pálida, recuou, cobriu os lábios com as mãos, acho que para não gritar, vi seus olhos ficarem marejados, mas ela não chorou.

Ty me levou para dentro da casa e deixou minha mãe com Lizzie. Ele tentou levar a menina para dentro, mas minha mãe disse que cuidasse de mim primeiro e deixasse Lizzie com ela. Quando Ty me carregou vi mamãe encarando a garota com um olhar que nunca vi em seu rosto.

Ty ainda olhou para as duas, suspirou forte e acabou se afastando. Na porta da cabana pedi que ele me colocasse no chão, entramos e ainda não tínhamos subido a escada quando ouvimos um disparo.

Olhamos para a porta e ficamos muito parados. Sabendo exatamente o que havia acontecido.

Fiquei no quarto por todo o resto do dia.

Mamãe e Ty enterraram as irmãs Daniels. Não quis ver. Não queria me despedir de nenhuma das duas. Da Lizzie por que sentia muita raiva dela. E da Mika, por que era uma garotinha idiota que não sabia se defender.

“Idiota. Idiota. Idiota.” Sussurrei tentando não chorar, sem sucesso, até pegar no sono, a ouvir o Ty e minha mãe discutirem por um tempo, apesar de eu não conseguir escutar o que diziam.

Na manhã seguinte, os adultos resolveram partir. Entendi. Não tinha como continuar ali. Aquele lugar estava carregado do que o Chase chamaria de: energia ruim.

Voltamos a seguir os trilhos.

Destino: Terminus.

Andávamos devagar por que eu estava machucada e não queria que o Ty me carregasse. Em um momento parei com o ferimento da minha barriga a latejar, e minha mãe resolveu procurar um lugar para descansarmos um pouco.

Foi quando nos batemos com o homem mau.

Ele usava boné, mascava um chiclete o tempo todo, e falava com alguém por um walkie talkie. Mencionou um menino de chapéu e uma garota com uma espada. Não percebi que ele falava do Carl e da espada da Michonne, até minha mãe avançar e apontar a arma para ele e perguntar o que o bastardo tinha feito com os nossos amigos.

O cara era do tipo que a Linn adoraria retalhar, e o Daryl não ia se conter em dar um monte de porrada. Mas o Ty apenas amarrou as mãos dele, o colocou na cabana próxima e o deixou sob o meu cuidado, enquanto ele e minha mãe discutiam o que fazer sobre o Terminus.

Depois de muito discutirem, Ty entrou, e minha mãe ficou parada um tempo sozinha do lado de fora.

“Sofia.” Mamãe me chamou.

Me aproximei e ela me deu um abraço, depois se afastou e vi que segurava as lágrimas.

“Nossos amigos estão com problemas.” Ela começou. “Estou indo a esse tal de Terminus ver o que posso fazer para ajudá-los.”

“Vamos com você.” Falei ao perceber que ela dizia que estava indo sozinha.”

“Não.” Sacudiu a cabeça. “Preciso que fique aqui. Está machucada. O Ty vai ficar com você e...”

“Não preciso de babá.” Soltei zangada, não queria que ela fosse sozinha.

“Sei que pode se cuidar, mas temos um prisioneiro e não posso deixar você sozinha com ele.”

“Matamos ele.” Disse o que era a coisa lógica a fazer.

Se o Xerife, ou Daryl, estivessem ali aquele homem mau já teria levado um tiro na cabeça.

“Não podemos. Talvez ainda precisemos dele.” Minha mãe explicou.

Não imaginei para quê, mas resolvi confiar nela.

Ela se foi e continuei do lado de fora um tempo. Queria evitar o homem do chiclete. Ele tinha um olhar que me dava arrepios, como o dos errantes, sem vida e vazios.

“Sofia.” Ty me chamou e resolvi entrar.

Caminhei até a parede oposta a do Chicleteman e ele não tirava os olhos de mim.

“Vê...” Ele disse para Ty e apontou na minha direção. “Você está se afogando e ainda carrega uma âncora.”

E riu.

Não entendi o que ele queria dizer com aquilo de âncora e se afogar, mas Ty sim, parecia que sim, por que respondeu.

“Ainda somos humanos. Temos que nos agarrar as coisas boas, proteger as pessoas.”

“Que idiotice.” Chicleteman soltou e se ergueu.

“Fique sentado.” Ty avisou, mas o cara não lhe obedeceu.

Apesar de grande e todo fortão tinha alguma coisa em Tyrese que fazia com que as pessoas não tivessem medo dele. Não sei, acho que por que ele era bom demais, daquele jeito que o chicleteman nunca seria.

“Minhas pernas estão dormentes. Preciso me movimentar.” O prisioneiro falou e Ty deixou pra lá.

O prisioneiro me olhou novamente e resolvi me aproximar de Tyrese.

Quando me levantei da cadeira onde havia sentado e virei, ele me atacou. Agarrou-me pelo pescoço e o prendeu forte, de um jeito que eu mal conseguia respirar.

Ty apontou a arma para ele assim que aconteceu, mas o Chicleteman nem tremeu.

“Quebro o pescoço dela antes que atire.” Disse a rir de leve. “Não me importo o mínimo que atire em mim depois. Sabe que não me importo Tyrese.”

Ele estava dizendo a verdade. Até mesmo eu que era uma criança podia perceber que aquele maldito preferia arriscar morrer a não fazer nada e ficar a nossa mercê.

Ty foi abaixando a arma de leve e percebi que estaríamos nas mãos do malvado, por isso, não pensei.

Minha mão já estava segurando a minha faca escondida no cós da minha calça, sob a blusa. Apertei o cabo e cravei os dentes no braço do Chicleteman. Ele me soltou um tanto, não muito, mas o bastante para que enfiasse a faca em sua barriga, bem do jeito que a Sam me ensinou.

Ele caiu tentando ainda me segurar, mas o ataquei novamente. Mais duas estocadas na sua barriga com toda a minha força.

“Sofia!” Ty soltou sem se aproximar.

Não respondi.

Pulei em cima do homem mal e o esfaqueei até sentir que ele não respirava mais. Fiz com ele o que não pude fazer com Lizzie. Descontei toda a minha raiva no idiota que queria me machucar.

Ele era mau e não merecia nenhum tipo de bondade.

Tyrese não entendia isso, mas eu sim.