Faltava apenas um item para ficar pronta. Onde estava? Procurou pelas caixas que tinha trazido de Belgravia e nada. Abriu o porta- jóias e não encontrou. Até que um pensamento veio à mente: “deve estar preso em alguma roupa”. Abriu a cômoda e tirou os vestidos que tinha usado por último até que viu um envelope no fundo da gaveta. Estava todo amarelado. Não lembrava bem o que era até pegá-lo. Então a lembrança bateu–lhe. Como pode ter deixado algo tão importante aqui assim? Abriu o envelope e viu a carta datada de agosto de 1981.

“Essie, querida.

Acordei hoje me sentindo o homem mais feliz desse planeta. Abrir os olhos e vê-la ao meu lado é libertador. Uma pessoa como você é rara, uma conexão como a nossa também. É tudo muito especial. Alegra o meu dia saber que sou seu esposo agora, meu Porto Seguro. Nada do que eu diga, consegue expressar todo carinho, amor, admiração e gratidão que tenho por você, mas vou tentar. Você é alguém com um coração genuíno e uma sensibilidade que só vivendo tão de pertinho eu pude sentir. A sua mão me deu forças e sem isso eu não teria chegado tão longe. Te ter por perto foi um presente, uma dádiva de Deus. Te amo sempre e para sempre!

Obs: Se não me achar do seu lado, não se assuste. Estou na cozinha preparando o nosso café. Não se levante nem por um decreto!

Esme sorriu e sentiu as lágrimas caírem de seus olhos. Lembrava exatamente quando essa carta havia sido escrita. Era agosto de 1981, fazia um mês que estavam casados e passavam uns dias no palácio de Clarence antes da grande turnê que faria por Belgonia. As pessoas podem não acreditar que possa existir romantismo dentro de um casamento, mas sim existia e ela podia provar. Carlisle sempre que podia lhe fazia agrados como aquele, era o último romântico, tentava ao máximo deixar o seu dia melhor.

Não foi algo exclusivo ao início do casamento, mas até o último dia. O suporte dele, o seu amor foi importante demais para encarar todo o desafio que foi os seus primeiros dias dentro da monarquia de Belgonia. Saber que Carlisle estava ao lado dela e que podia contar com ele foi imprescindível. Barrou qualquer nuvem negra que surgia por que ele era um lembrete do por que ela estava ali.

Colocou a carta no peito como se estivesse o abraçando. Em seguida, a levou aos lábios para um beijo e colocou dentro da bolsa para guardá-la junto com as outras cartas que tinha dele no seu quarto.

Era impressionante como mesmo em outro plano ele conseguia deixar os seus dias melhores. Estava tão extasiada que esqueceu até de procurar o cordão para completar o seu look para o evento dessa manhã. Olhou para o relógio e viu que se não saísse agora chegaria atrasada. Estava em seu período de férias, mas tinha aberto uma exceção para esse compromisso em questão.

Iria até Belgravia conhecer algumas mulheres imigrantes que Zambia havia lhe falado anteriormente. Tinha pensado por dias na conversa que tiveram e lhe partiu o coração saber como elas eram tratadas ao chegarem no país. Falou com Renesme e ela prontamente concordou em acompanhá-la e ajudar no que pudesse. Queria muito poder ouvir o que elas tinham a dizer, olhar nos olhos delas para poder pensar em algo.

Quando chegou Renesme já aguardava. Elas iam até o restaurante comunitário da fundação que Zambia tinha sido uma das idealizadoras que ajudava novos imigrantes que chegavam a Belgonia. Esme percebia a ansiedade também em sua neta. Ela já tinha feito mais trabalhos sociais para esse público do que Esme, principalmente para os mais jovens através do “Youngs Togheter”, graças ao contato com Zara, sobrinha de William.

A fundação ficava no bairro conhecido como “dos imigrantes”, não poderia ser mais óbvio. As duas sofreram um pouco com as inúmeras escadas que levavam para os espaços onde tudo acontecia. As casas ficavam umas próximas as outras e os apartamentos também. A maioria dos que lá moravam vinham da África ou de países latinos, então tudo era muito colorido e animado. Havia sempre alguma música divertida tocando em outro idioma em algum lugar.

Quando chegaram a grande cozinha encontraram mulheres de vários jeitos, etnias, personalidades, culturas e religiões diferentes. Todas foram muito simpáticas e as receberam muito bem. Esme fez questão de abraçar todas, como fazia na juventude, e Renesme logo se encantou em cozinhar com elas. A cozinha era a cara de Bella e a rainha sabia que isso trazia boas lembranças a neta.

Estando ali, ouvindo as histórias daquelas mulheres, seus saberes, suas práticas culinárias não teve como não lembrar de sua nora também. Bella amava ser um sujeito de ação. Pra ela nada era falso, ela sabia que seu trabalho era de doação e tentava fazer isso ao máximo, independente de quem fosse e isso com certeza inspirou a ela e a todos de sua família.

As histórias que ouvia a impressionava. Haviam ali muitas mães que tiveram que virar leoas para dar uma vida melhor aos seus filhos, tinham aquelas que tinham perdido tudo em conflitos internos, haviam outras mais sonhadoras que achavam que ganhando o mundo poderiam crescer ou ajudar suas famílias. Esme achava mágico ouvir tudo isso.

Ouvi-las fazia se conectarem consigo mesma de alguma forma. Lembrava de sua juventude quando também tinha muitos sonhos e tentava se entender como mulher. Como elas, lutou para ser aceita e teve que descobrir como se adaptar a um novo universo. Ela conseguia compreender o que elas sentiam, apesar de suas experiências serem completamente diferentes.

Mas nem todas as histórias eram bonitas de se ouvir. Algumas doíam demais.

— Eu saí do meu país por que eu sonhava dar o melhor para os meus pais. Na Venezuela vivíamos em situação de rua. A crise estava muito grande quando eu vivia lá. Pedia trocados nos sinais, tive até que me prostituir algumas vezes. Ai eu tive a chance de sair de lá. Fui para o Brasil primeiro e depois vim pra cá.

— Seus pais continuaram lá? – a rainha perguntou.

— Continuaram. Mas eu mandei dinheiro pra eles até o fim de suas vidas.

— Eu vim com meus filhos para Belgonia por que a guerra civil em meu país estava matando todo mundo. Aqui foi um lugar tranqüilo que achei que poderia começar de novo. Meu marido já tinha morrido e a gente já estava num estado deplorável. Viemos num porão de um navio escondidos por dois meses.

— Eu fugi do meu país por que lá me obrigaram a me casar com quem eu não queria. Era um homem de minha religião, meus pais arranjaram. Ele me batia e me estuprava todos os dias. Eu só queria ser livre.

— E você conseguiu? – Renesme perguntou entre lágrimas.

— Sim, tudo é melhor do que lá.

O pior de tudo foi ter que ouvir que além do sofrimento que passavam em seus países de origem, a luta para terem uma nova vida em outro país, foram todas mal recebidas em Belgonia num curso que poderia inseri-las no mercado de trabalho, mas era só um disfarce para mudar as pessoas, adestrá-las ao seu bem querer e se aproveitarem delas. Esme sentia a raiva subir tanto pelos responsáveis quanto por ela nunca ter sabido disso. Prometeu a si mesma que sairia dali já para ter uma conversa com Sean Renard, o primeiro ministro, sobre isso.

Pelas suas experiências de vida, jamais poderia deixar que usassem pessoas como experimentos sociais, julgá-las inferiores para fazê-las de escravas e moldarem aos seus próprios interesses. Não permitiria que isso continuasse.

Na volta, já no carro, ficou pensando em tudo que ouviu. Lembrou-se de seu tempo de juventude. De seus anseios que muitos não teve oportunidade de realizar devido aos protocolos, mas sentia que era a hora de jogar tudo pro alto. Já estava no fim da vida, seu livro com certeza iria espantar a todos com o seu desabafo, então, o que tinha mais a perder? Bella tinha aberto as porteiras das mudanças. Que seja esse um novo tempo.

Olhou para Renesme e a viu muito calada, mas do que o normal. Sabia que ela estava refletindo também sobre tudo que tinha ouvido e sabia bem qual parte tinha lhe tocado mais. Tinha muito medo dos gatilhos que isso poderia lhe dar, ainda mais estando grávida com os hormônios todos exaltados.

Renesme, como todo membro da realeza, tinha nascido predestinada a continuar a dinastia. Há um tempo atrás, não muito distante, ela tinha sido muito cobrada para isso. Não pela família, mas pela mídia e até por alguns políticos ignorantes do parlamento. Transformaram sua vida num joguete. Infelizmente, esse era o lado negro da vida pública que tinham que suportar.

As histórias sobre estupro impressionavam muito a sua neta por que ela também passou por isso durante seu casamento arranjado com Alec. Quando Esme se deu conta do que acontecia nos bastidores ficou extremamente irritada e mal por de alguma forma ter ajudado isso a acontecer colaborando com aquela união. O dia mais feliz de sua vida foi vê-la separada e longe daquela família horrorosa dos Volturi.

— Tem um tempo? Quero tomar um chá com você. – a rainha propôs e a princesa apenas assentiu.

Quando ambas chegaram ao palácio de Clarence, Esme já se aconchegou a neta. A abraçou e sentiu as lágrimas saírem de seus olhos sem nem mesmo trocarem uma só palavra. A rainha a abraçou mais, lhe passando todo o amor que podia passar.

— Me desculpe por tudo, meu amor. – sussurrou em seu ouvido. – Eu me arrependo tanto de não ter impedido aquele casamento de acontecer.

Renesme deu um longo suspiro e sentou no sofá. Esme entregou-a o lenço e acariciou o seu braço.

— Isso foi muito além de você, vó. Foi o sistema, eu sei disso. Aro fez de tudo para que os planos dele desse certo.

— Eu sei, mas eu deveria ter sido mais incisiva. Eu também entrei nessa conspiração e eu me culpo tanto!

Esme agora deixava as lágrimas escaparem também. Levaria essa culpa para o túmulo. Por que ela se deixou levar na possibilidade de Aro poder ajudá-los contra Bono Donnalson. Era o mal de se estar tantos anos no trono, pensar como monarca para proteger a instituição e esquecer os sentimentos. Se odiava por que fez exatamente o que a sua falecida sogra faria.

— Eu também tive participação nisso, vó. Nós duas formos influenciadas pelo sistema. Quantas vezes deixamos as nossas próprias vontades para seguir os protocolos da instituição.

— Verdade e de imaginar que um dia eu não sabia nada disso. Acho que me reconheço em um pouco da história de cada uma delas, assim como cada uma de vocês.

Renesme se mexeu na poltrona sem entender.

— Eu via você, a não muito tempo atrás, sofrendo tentando ser perfeita para todo mundo. Eu também tentei. Nunca fui satisfeita comigo mesma e acreditava que tinha que ser como os outros. No final descobri que a melhor versão de mim mesma era sendo eu o tempo todo.

— Eu entendi isso depois de muito tempo. Na verdade, depois da morte da mamãe e todo o caso me fez descobrir uma força que eu não sabia que existia. Acabei me transformando, amadurecendo no processo e descobrindo eu mesma.

— Sua mãe nos deixou um legado muito importante. Quando ela se casou com o seu pai, eu achava que estava tendo um déjà vu, mas foi Bella que nos ensinou no final das contas. Não devemos ficar presas a padrões e regras. Temos que buscar a nossa convicção e usar isso como munição para ajudar os outros.

— Verdade. Vamos abraçar a causa dessas mulheres, não é?

— Estou totalmente empenhada para isso.

A princesa assentiu e acarinhou o braço da avó, fazendo círculos imaginários. Até que levantou a cabeça e fez uma pergunta bastante direta:

— Por que você nunca me falou sobre o que aconteceu entre você e Charles? – Renesme perguntou.

— Eu não sei, meu bem. Só Carlisle soube disso e ainda muitos anos depois que tudo aconteceu. Você sabe que isso traz um trauma gigantesco!

— Eu sei e me revolta tanto ouvir que existem tantas mulheres que passam por isso, sabe? Como se o nosso corpo fosse apenas um objeto a ser utilizado...

— Infelizmente, o machismo ainda impera, meu amor. Mas eu tenho muito orgulho por existir muitas mulheres corajosas que lutam por igualdade e que transformam o mundo com sua força.

— Sim. Quantas mulheres mudaram os seus destinos, não é?

— Verdade. Olha o nosso meio. Estamos rodeadas de mulheres que foram destaque e que desempenharam funções importantes e mudaram a vida de tantas pessoas. Tenho orgulho da reviravolta que você deu na sua vida. Sou feliz por ter superado tudo.

— Obrigada vó.

No final, era isso, a história é sempre de mulheres que de alguma forma mudam o rumo das coisas e ensinam a todos a força que podem ter em seu interior.

Esme: Sua Verdadeira História – Capítulo 14: Uma vida Nova

Antes de relatar para vocês como foram os meus primeiros dias como casada, fiz uma reflexão sobre tudo que aconteceu. Estive em um compromisso muito importante onde entrei em contato com várias mulheres imigrantes que cada um com sua história deixaram o seu legado de coragem para o mundo. Na minha trajetória também é cercada de mulheres fortes e que ao seu modo deixaram a sua marca de poder e superação.

Não tem como falar dos meus primeiros anos na família real se não falar de minha sogra. Tenho mistos sentimentos com relação a ela que nunca expressei em público. Primeiro eu sentia raiva por ela me rejeitar sem motivos aceitáveis, depois comecei a compreender seus motivos, principalmente quando me tornei rainha, hoje tenho uma visão completamente diferente dela.

Elizabeth Masen sempre foi uma mulher muito inteligente. Nascida na aristocracia inglesa e criada para ser a esposa de alguém importante, da nobreza para cima. Devo imaginar pela minha vivência na corte real por 67 anos, que ela respirava futilidades, uma vida de aparências. Mas sabia que também precisava ter muita astúcia para se destacar e se manter no poder.

Para uma jovem de 23 anos, não tão jovem para os padrões da época, ela sabia que não lhe restariam muitas opções em sua volta. A aristocracia é um universo extremamente pequeno e seletivo. Elizabeth era ambiciosa e filha única do marquês de Vergara sabia que não poderia ficar com “um peixe pequeno”. Mas o que fazer então para ganhar destaque e prestígio num meio onde todos querem aparecer? Ela descobriu um jeito. Simplesmente entendeu exatamente o que as pessoas queriam que ela fosse e com isso montou sua capa.

Para conquistar o rei de Belgonia em passagem pela Inglaterra tinha que mostrá-lo sua meiguice, carisma e inocência de uma jovem pura a busca de seu príncipe encantado, mas ela sabia que por trás dessa personagem também deveria haver uma estratégia para mostrar inteligência para enfrentar os desafios que não são poucos.

Quando se entra para a monarquia você logo descobre que tudo que se pensa de fora é pura ilusão, como nos contos de fadas, pelo o fato de apenas estar se casando com alguém com sangue real. Mas é preciso ter astúcia para lidar com pessoas, para ser aceito tanto por quem estar em volta quanto por aqueles que acompanham de longe, que são os mais importantes e que decidem tudo. É preciso fazer acordos, discutir projetos, ter apoio, mas também saber servir.

Estou falando de minha sogra por que eu sei que ela teve que passar por tudo isso e quando cheguei, ela já tinha um posto de dominância absurda. Sempre costumam dizer que “por trás de um grande homem existe uma grande mulher” é mais pura verdade quando se trata dela. O rei era Pierino, aquele que aprendeu também como era ser um monarca, sem estar predestinado, era rei, mas a verdadeira alma do lugar era Elizabeth.

Numa reunião social lá estava ela, com um vestido elegante, bonito, capaz de fisgar todos os olhares. Com um sorriso no rosto como o de Monalisa, enigmático. Ela exalava poder, força para quem chegasse perto. Sempre tinha as palavras certas para quem ela queria conquistar. Se você gosta de chocolate ela seria capaz de trazer o bolo pronto. Descobria exatamente o que queria ouvir e você se apaixonaria por suas idéias se ela assim quisesse. Dessa forma fazia com que os melhores políticos do parlamento aprovassem os projetos de seu marido e conseguia aliados que ele não conseguiria com o seu jeito durão e arrogante.

Sua única derrota até então foi o meu casamento com o seu filho. Imagino como deve ter sido duro aceitar que uma completa plebéia agora estava ocupando o posto de duquesa de Richmond. Para quem não sabe, esse “ducado” é muito especial. Por tradição ele sempre foi destinado aquelas que seriam futuras monarcas consorte. Agora imaginem, pra ela que foi criada entre aristocratas, com uma visão de grandeza, ter que me aceitar.

Confesso que no começo eu sentia medo dela. Pra mim Elizabeth era a verdadeira rainha do país. Tinha força e agia como tal. Seu marido muita vezes chegava a ser uma figura realmente representativa diante das decisões importantes. Ele confiava nela, todos confiavam. Então, me senti pequena. Minúscula diante dela e de tudo ao meu redor. Quando comecei a fazer os meus trabalhos dentro da realeza, eu ficava pensando: “Deus! Isso é muito maior do que eu pensei!”. Perdão pelo clichê, mas só sabe quem vive.

No início, eu sentia sim a influência dela em mim. O seu olhar sempre atento e focado. Ela teve que me aceitar por que não teve mais jeito, teve que se curvar diante de sua derrota. Mas uma batalha perdida não significa o fim da guerra. Ela tentou então me transformar em uma pessoa moldável aos seus padrões. Isso não só durante noivado, mas nos primeiros anos de casamento também. Elizabeth ajudou a montar a rainha que me tornei.

Lembro dos primeiros eventos, sempre aterrorizantes. Ela ia conferir o que Ronald tinha escolhido pra eu vestir.

— Esse vestido não e nem esse. Todos muito coloridos.

— Mas majestade... São de acordo com o gosto de vossa alteza.

— Ela não sabe o que deve ser vestido. Roupas floridas demais, cores em excesso parece uma caipira. Traga modelos com cores neutras. Nada que chame atenção demais. Ela já atrai muita indesejada.

Aulas de etiqueta, comportamento, leis e protocolos continuaram mesmo depois do meu “sim”. Eu as achava extremamente importantes e não discutia quando minha agenda foi em parte dominada por elas. Eu estava disposta a aprender e a fazer sempre o melhor. Porém, algo estranho estava acontecendo. Eu não tinha controle sobre o que eu tinha que fazer. Todos os dias tinha uma secretária com uma lista de coisas que eu deveria cumprir. Havia eventos, visitas, aulas, jantares e uma série de outras cosias. Mas quase não restava tempo para eu estar com a minha família e amigos. Para vocês terem uma ideia, no meu primeiro ano de casada, vi meus pais dez vezes durante os oito meses que entrei para a realeza. Eu não tinha tempo para absolutamente nada.

Com Carlisle, eu sempre estava próxima, claro, principalmente nos compromissos que a maioria era em conjunto. Ainda assim, houve uma coisa que achei assombrosa. Haviam marcado um horário com dias na semana na agenda em que eu deveria receber a “visita” dele. Dissemos não pra isso como se aquilo fosse uma piada de mal gosto. Foi escandaloso para as suas majestades saberem que nós dormiríamos juntos na mesma cama todos os dias.

Foi com base nisso que fui percebendo que quem controlava a minha rotina era a rainha. Por que ela queria que eu me dedicasse cem por cento aos meus trabalhos para a instituição. Lembro de no começo me sentir muito sufocada com tudo. Eram tantas regras para lembrar, o nervosismo me batia sempre. A minha sorte é que eu tinha o meu marido sempre comigo. Ouvi muitas vezes que não conseguiam dissociar Carlisle e eu. Isso é bem verdade. Desde o início formamos uma frente única. Eu estava para ele e ele por mim.

A nossa imagem também não estava unida só na nossa relação íntima. Tínhamos virado o assunto principal das redes de comunicação. Qualquer coisa que fizéssemos, a mais simples possível, virava capa de revistas ou notas nos jornais. O palácio sabia que tínhamos virado pauta positiva para a família real. O casamento tinha sido um sucesso e por que não usar ainda mais a gente?

As pessoas se perguntam por que a monarquia ainda existe nos tempos de hoje e eu digo: por que as pessoas se interessam pela nossa vida privada. Imaginam, através da gente, suas histórias como se fôssemos personagens de ficção, mas com pessoas reais. A família real depende da mídia que passa esse fascínio para as pessoas que acompanham de fora e acabamos assim virando mais do que representantes de cerimoniais, chefes de estado, figuras representativas do país, mas protagonistas de um reality show.

O palácio resolveu testar a gente um pouco mais. Com o casamento tinha sido comprovado a nossa força em Belgravia, mas precisava atestar no restante do país. Dois meses depois que nos casamos, fizemos uma turnê de apresentação por Belgonia. Visitamos 15 cidades em um mês inteiro. Eu sabia que todas atenções estariam em mim por ser nova no pedaço ou em nós dois por sermos um casal que as pessoas se apegavam.

Tudo foi uma verdadeira loucura! As pessoas vinham aos montes nos ver. Em Montsaurai veio tanta gente que resolveram que nossas viagens pelas cidades deveriam ser de carro aberto para que o público pudesse nos acompanhar nas estradas por onde passássemos. Em todos os locais que íamos havia uma lotação gigante e nem conseguíamos dar conta de tudo. Recebemos muito carinho por onde passamos.

Parece fácil para quem ver de fora, mas é extremamente assustadora a idéia de ter que estar diante de tantas pessoas, de tantos fotógrafos, de ter que falar exatamente o que foi combinado por uma assessoria que ficava no nosso pé a todo instante. Eu sabia que existia uma turma que gostava de mim e de Carlisle, eu tinha visto a multidão no casamento, mas a minha ficha só caiu mesmo na turnê. Acho que na minha cabeça existia apenas um grupo de pessoas, mas o que vi naquele mês foi surreal! Era inimaginável aquele amor todo por nós dois e a força que isso tinha.

Tudo ficava mais fácil quando eu estava com Carlisle. Ele olhava pra mim com ternura e dava a mão para eu apertar quando estivesse me sentindo mal. Então, daí fizemos um acordo de um completar o outro nos momentos de interação. Ele começava e eu seguia, quando me sentia mais entrosada, o acompanhava nas conversas. Um trabalho em equipe que durou pela vida inteira. Tanto que virou algo natural. Sempre sabíamos o que o outro estava sentindo ou queria e ai um vinha e complementava o que estava necessitando.

Depois descobri que me conectar com as pessoas era a parte fácil, especialmente com Carlisle ao meu lado. Por que depois de viajar por tantos lugares, conversar com tanta gente me fez ver o quanto poderíamos fazer a diferença na vida delas. Alguns relatos que escutei durante a turnê que nunca esqueci foi de uma garota um pouco mais nova do que eu chegou pra mim e para Carl e disse que estava muito triste, diria hoje que com depressão, uma doença que na época era pouco conhecida, ela nos falou que nos acompanhar tinha sido o seu ânimo de vida. Outra segurou o meu braço e disse que eu tinha sido a inspiração para ela se aceitar como era. Aquilo me tocou muito. Por que às vezes precisamos nos unir mais e conversar mais. Me mostrou logo no comecinho qual era o meu propósito ali.

Não me fez desistir, que foi o principal, por que por mais surreal que possa parecer, o mundo dentro da corte não gira mesmo igual ao mundo real, algo que a rainha Elizabeth tentou me dizer muita vezes do jeito dela. Acho que é por isso que ela ficava tanto em cima de mim nos eventos sociais. “Fala direito”, “Olha o sotaque”, “Cuidado com a postura!”. Eu tinha raiva disso e ao mesmo tempo medo de errar quando ela estava perto. Mas hoje sei que ela no fundo também queria me proteger. Sabia que as pessoas tudo reparavam e eram duras em seus comentários, principalmente a imprensa.

A idéia dela era que eu focasse mesmo nos meus trabalhos dentro da realeza. E desviasse o foco de qualquer outra coisa. Trabalho, trabalho, trabalho e trabalho. Até por que, nessa altura, o palácio já tinha se dado conta que um novo fenômeno estava nascendo com Carlisle e eu. Não éramos tratados como uma porcelana rara como as pessoas da realeza eram tratados antes. Tínhamos pessoas que se identificavam com a gente, fãs de verdade, e isso era a oportunidade para que pudéssemos aparecer mais e mais. Se houvesse durante um dia 10 compromissos para a família real se fazer presente, 6 eram destinados a mim e a Carlisle.

Enquanto isso, eu ia aprendo todas as “manhas”. Mas ao mesmo eu me sentia muito solitária. Com a rotina apertada e o meu ciclo social limitado, tinha dias que eu de verdade tinha crises de choro. Sentia falta da minha família 24 horas por dia ao meu lado, dos meus encontros com os meus amigos na galeria de arte ou na faculdade. Às vezes, eu propunha a minha mãe ou a minha irmã para sair pelas ruas. Eu tinha necessidade de sentir o cheiro, do barulho, do contato com as pessoas comuns, com a vida normal para recuperar a minha sanidade. Mas ai eu me lembrava que eu poderia ser reconhecida e desistia.

Tinha dias que eu me sentia uma fraude total mesmo tentando ao máximo me engajar no meio. Eu tinha que aceitar que aquele era também o meu mundo e não tinha mais o que fazer. Porém, eu sabia das inúmeras dificuldades que eu tinha. Era muito para absorver e eu não tinha tempo para agregar tudo, apenas para embarcar. Muitas vezes eu ouvia a voz da minha sogra na minha cabeça e concordava com ela. Eu tinha vindo de um mundo muito diferente.

A verdade é que eu estava me transformando em outra pessoa. Mais triste, mais preocupada, mais ansiosa e não me dava conta disso. A ficha começou a cair quando meu pai adoeceu. Ele andava tossindo muito e desconfiaram de pneumonia. Levaram para um médico e o remédio que o deram mexeu com a pressão dele. Eu só fui saber de tudo isso, dois dias depois. O mesmo aconteceu quando ele teve o primeiro AVC. Fiquei furiosa, arrasada na verdade. Numa época onde não havia telefones celulares a única forma de se comunicar era com o fixo. Então, era o escritório que trabalhava para mim e Carlisle que recebia os telefones e repassavam pra gente. E eles não me informaram a tempo o que estava acontecendo com o meu pai. Por quê?

Primeiro, fiquei chateada comigo mesma por estar deixando a minha vida dentro da monarquia se sobressair a minha família. Mas também fiquei horrorizada ao perceber que a minha equipe estava me monopolizando. Por esconder informações de mim para que eu focasse no trabalho. Eu sabia que Carlisle e eu estávamos dentre os assuntos do momento e a gente era muito explorado, mas isso não significava que podiam me afastar dos meus. O pior de tudo é que eu sabia quem estava por trás de tudo isso e que achava que podia fazer de mim e de Carl o que quisesse por que achava que entendia do mercado.

Deixei tudo de lado por um instante e fui ver o meu pai. Minha mãe olhou pra mim de um jeito diferente, como se estivesse me examinando.

— Quem é você? – ela me perguntou e eu não entendi.

— Mãe, por favor. Eu sei que estou um tanto distante, mas...

— Não. Essa ai não é você. Cadê o seu sorriso? Suas roupas coloridas que davam tanta energia positiva ao ambiente?

Sim, a partir daquele momento a minha chave virou. Eu tinha mesmo deixado me transformarem em outra pessoa. COMENTEM POR FAVOR!