Dias Mortos

39: O sorriso de um estranho



Um silêncio estranho pesou sobre o quarto, onde minha cabeça enevoada lentamente começava a assimilar as coisas. Christabel tinha mudado de um simples filho de pescador, não estava assim tão simples, seus trajes diziam que ele era alguém importante em Egerver, mas seu olhar ainda mantinha a doçura e inocência que conheci a anos atrás.

– Lilith...nossa, não sabe como a procurei esses anos -seu sorriso me fazia sentir bem, de certa forma importante. Fiquei parada em silêncio, quando por fim seus braços passaram a minha volta, aos poucos me senti relaxando.

– Você...é...

– Sim, claro que irei lhe explicar o que está acontecendo.

Me sentei na cama, observando seus gestos silenciosos enquanto puxava uma grande poltrona de veludo, ficando na minha frente. Reparei melhor em seus traços, nos joviais olhos âmbar, os cabelos castanhos claros que faziam uma mexa dourada sobre sua cabeça, combinando com o sorriso branco em seus finos lábios, sua fisionomia e aparência me fazia sentir como uma pessoa melhor, não um monstro sugador de almas de criançinhas.

– Por favor, apenas comece do começo, acho que deve imaginar como estou confusa -suspirei, passando as mãos pelo cabelo em frustração -Muito confusa!

– Tudo bem, isso será um pouco longo mas irá valer a pena.....


Antigamente em um vilarejo perto das montanhas, existia um povoado para pescadores, lugar de pessoas simples e muito, completamente supersticiosos. Certa vez, alguns dias depois que minha mãe chegou a falecer, em um ato de tentar me animar meu pai me levou com ele junto ao lago local, lugar onde ele dizia ser de intensa paz.

Estávamos ali, apenas esperando algum peixe se interessar por nossas linhas, quando a água sobre nós começou a ficar em um intenso tom de vermelho. Levantamos assustados, olhando de olhos arregalados para onde um ser de aparência sofrida e delicada, estava caída sobre um rocha, com os olhos sangrando e asas sujas.

Corri para pegar algo para carrega-la ao vilarejo e enfrentamos a orda de olhares assustados sobre nós, mas não estávamos importando. Cuidamos de vossa pessoa, até que começou a pegar confiança, certamente deve imaginar que eu estava encantando, quem nem mesmo notei o perigo que corríamos.

Alguns dias mais tarde, alguns de nossos vizinhos tentaram invadir nossa casa, me lembro que você gritava tentando se proteger, pois ainda não estava completamente recuperada. Quando finalmente conseguimos afasta-los, percebi que meu pai não mais estava ali e finalmente, ele tinha se entregado a loucura compartilhada por todos naquele lugar.

Enquanto a casa queimava, você disse que poderia me ajudar...eu...eu apenas aceitei e conseguimos fugir dali. Passamos algum tempo escondidos na floresta ao redor, eu sabia que você estava muito bem, seus olhos ardiam quando olhavam para o céu. A cada dia que passava eu me sentia ainda mais atraído por sua magia e encanto, até que você prometeu a mim que nunca iríamos nos separar, mas você quebrou essa promessa....

Certa vez ao acordar, você tinha simplesmente desaparecido e fui encontra-la quando estava delirante em uma cidadezinha cabulosa chamada Egerver, onde você me arrastou ao chamado submundo, estava diferente....mais sádica, não tinha mais asas...mas isso não importava, estava feliz em vê-la.

Me prometeu sua alma, que ficaríamos juntos para sempre...eu gostei muito dessa ideia, então você me fez fazer um trato com um ceifador velho, o qual eu tive de matar para conseguir sua alma e tudo que ele possuía, foi difícil matar um quase imortal mas aqui estou, então novamente você tinha desaparecido....até agora é claro.

Mil anos se passaram desde que fez sua promessa Lilith, e agora quero que você me deve o que foi prometido....sua alma.

A cada palavra eu sentia o peso das lembranças que me foram roubadas voltarem lentamente, apenas o peso pois as imagens ainda me deixavam no escuro. Queria saber o que tinha acontecido nesse meio tempo que sumi, como foi perder minhas...asas e porque me tornei uma sádica que daria a alma numa boa.

– Bem, você não...Christabel sinto muito mais não irei dar minha alma para você.

Seu sorriso se fechou, lentamente uma carranca foi se formando em seu rosto...inocente. Ele se levantou, pegando minhas mãos e fechando os olhos, quando os abriu estavam em um profundo tom de carmesim, com um sorriso estranho sobre os lábios.

– Quero que sabia que quero sua alma pois ela é uma peça valiosa, algo que queima e todos matariam para tê-la, quem tiver a alma de Lilith tem tudo no submundo e Egerver, meus sentimentos por você Lilith são profissionais -evitei de fazer uma careta, bem acho que ele tinha entendido um pouco errado e agora pensava que estava me dando um pé na bunda, idiota! Apertei meus lábios, quando suas mãos estralaram meus dedos -E não estou pedindo para me dar a sua alma, estou mandando.

Lhe jogo para frente, ficando de pé com facilidade mas não recuando.

– Aquela promessa foi um erro e ela acaba aqui! -era bom sentir que minha voz tinha alguma autoridade, mas com Christabel não estava funcionando.

– Não! Ela acaba apenas quando eu disser! -ele rugiu, enquanto eu me lançava para porta e de modo desesperado tentava abri-la. Estava sem magia, sem amuleto....uma presa fácil que não queria ter a alma sugada por uma criatura como essa. Ele me pegou pela garganta, facilmente retirando meus pés do chão.

– Você!...era você que era meu salvador! -era difícil falar, mas talvez conseguisse tocar alguma parte humana que talvez existisse ainda dentro dele...mas acho que não -O que...o que aconteceu com você...

– O tempo, o tempo nos torna pessoas boas ou ruins, mas mil anos de espera....isso torna qualquer ser em um monstro e estou feliz em ser o que sou.

Engasguei em quanto amaldiçoava toda uma existência, eu morreria ou melhor ficaria sem alma e sem saber o que na verdade sou, pois uma simples ceifadora e caçadora de sonhos sei que é tudo mentira!

E isso de asas...eu as tinha? O que diabos aconteceu para perde-la....

Casper...ha sim bastardo desgraçado! Mas de certa forma não conseguia odia-lo por completo, talvez ele pudesse me dar algumas respostas....

Enquanto alguma coisa no meu interior parecia ferver, o teto de vidro acima de nós foi ficando escuro, então claro e explodindo em milhões de pedaços, como chuva cristalina e perigosa sobre nossas cabeças. Christabel se assustou e na mesma hora me largou ao chão, enquanto uma orda de anjos, de asas como flocos de neve adentravam no pequeno quarto.

O meu exercito estava a caminho.