Dias Mortos

38: Amaranto


O céu nunca perdeu suas estrelas, que na escuridão noturna pareciam quase flamejantes. Não fazia ideia de quantas horas estava trancada nesse lugar, apenas ouvia o nada que todo quarto parecia emanar. A velha tinha ido embora a muito tempo, me deixando com coisas perturbadoras no que pensar.

Quando por fim ouvi passos no corredor, me sentei na cama, rapidamente deslizando para o chão, onde tentei enfiar uma careta assombrosa em meu rosto cansado. Com um leve tremor pelo corpo eu vi a maçaneta ser girada e seu leve ranger, enquanto meus lábios silenciosamente se abriam em surpresa.

Novamente meu mundo rodou, mudou e me jogou em mais lembranças esquecidas.



Havia montanhas com musgo cor esmeralda no horizonte, sendo levemente acariciada por um céu alaranjado, com pequenas nuvens arrochadas espalhadas sobre si. Era um belo lugar, cheio de paz e silencioso como nunca vi antes.

Estava em uma campina verdejante, com alguns dentes de leão e um lago pequeno, de água escura com uma ponte de madeira. Notei com curiosidades, dois camponeses sorridentes pescando na beira do lago, enquanto puxavam a vara com desgosto ao não ver nada. Um era jovem o outro provavelmente seu pai, usavam roupas simples e conversavam entre si.

Minha cabeça parecia ter dado um nó, mas o que diabos eu fazia aqui! Antes que eu me irritasse por completo, o mais jovem retirou o chapéu para longe apontando para não algum lugar, onde seus olhos brilhavam em curiosidade.

Então eles correram e eu os acompanhei, eles pararam de olhos arregalados na margem rochosa, enquanto eu estranhava a criatura ali deitada. Era eu! Eu usando um vestido branco sujo, com asas brancas como flocos de neve saindo sobre minhas costas, os cabelos claros desgrenhados boiando ao meu redor e os olhos manchados com sangue.

Depois do choque eminente, pegaram-me cada um pelo braço retirando esse meu eu estranho da água, enquanto colocavam na grama. Se entreolharam, enquanto o pai falava alguma coisa e o mais novo apenas corria, rapidamente trazendo consigo um tipo de maca feita de madeira.

Meu corpo todo tremia, eu sabia que algo estava muito errado...havia mentiras cabulosas.... havia coisas que Ilanda...Dorpert e até mesmo Casper não havia me contando...havia coisas que eles mentiram, havia memórias que eles haviam forjados!

E agora finalmente a verdade estava vindo a tona.

Meu “eu” de asas, se mexeu levemente enquanto ficava de joelhos sob a maca, com ajuda dos camponeses, que em silêncio começaram seu caminho, passando pela ponte e claro que eu os segui. O sol dourado queimava a copa das árvores, dando um encanto estranho ao local, enquanto eles se arrastavam em passos lentos por aquele lugar estranho e bonito, com direito até mesmo cachoeira.

Eles atravessaram a campina, onde chegaram a um tipo de vilazinha de pedras para pescadores, enquanto eles passavam, os moradores cerravam os olhos, não achando estranho e sim...temendo.

Os segui em absoluto silêncio, como um fantasma mesmo sabendo que certamente eles não conseguiam me ver. Passamos por mais uma ponte de madeira, com uma água verde esmeralda passando abaixo que nos levava até uma simples casa de madeira.

Novamente tudo parou rodar, se distorcer em sons e vozes estranhas....e ali estava meu eu de asas, sentada sob uma caixa com uma faixa branca sob os olhos. Enquanto barulho de passos e gritos vinham de fora da casa, ela estava silenciosa com os cabelos sujos caindo ao redor de si, enquanto as pontas das asas tremiam lentamente.

O garoto, que agora estava a sua frente ergueu delicadamente sua cabeça, onde a mesma deixou uma lagrima cor sangue cair sobre a palma do jovem, que apenas sussurrou.

“ Você ficara bem”

Então tudo explodiu, pulei para trás enquanto o pai do garoto estava agitado encarando tudo dentro da casa, principalmente com ódio meu eu...a garota apontando um dedo acusador em sua direção.

“Christabel, saia de perto desse monstro!”

E o cheiro de fumaça encheu a casa, enquanto os camponeses furiosos voavam para cima, com tridente e tochas, gritando maldições....



Tudo ficou escuro, eu apenas suspirei enquanto como um choque voltava ao quarto e a pessoa a minha frente, sorria de forma cabulosa enquanto se aproximava.

- Finalmente nos encontramos novamente -suspirou com os olhos fechados, por um momento tudo rodou em confusão.

Minha vida era uma mentira, as pessoas que eu mais confiava tinham mentido para mim... apenas suspirei, engolindo em seco e abrindo um sorriso fraco.

- Olá Christabel, faz bom tempo já.