Os irmãos Baudelaire sempre foram muito unidos. Mesmo antes de seus pais morrerem e todas as desventuras caírem sobre eles, eles já cuidavam uns dos outros com carinho. Naquela época Violet, a mais velha, tinha somente catorze anos e Klaus doze. Sunny não passava de uma garotinha de colo, que mordia qualquer coisa que via pela frente com seus dentes afiados. Quantas vezes aqueles dentes haviam tirados os irmãos Baudelaire de enrascadas? Mais do que podiam contar. O talento para invenções de Violet fora igualmente útil, ela sempre usava uma fita para afastar os cabelos negros dos olhos quanto estava inventando algo. Klaus eram como um banco de dados, como uma biblioteca. Era ele quem desvendava os mistérios que eles encontravam pela frente. Sunny, quando começou a crescer, desenvolveu um talento para cozinha. Era ela quem preparava a comida dos Baudelaire.

Mas muito tempo havia se passado, os irmãos Baudelaire conseguiram sair da ilha junto com a pequena Beatrice Baudelaire, que adotaram como membro da família. A pequena Beatrice era filha de Kit Snicket, uma grande amiga dos irmãos Baudelaire, que morreu tristemente infectava pelo fungo mortal que rondava a ilha onde estavam, não podendo tomar o antídoto por causa da gravidez.

A pequena Beatrice era batizada assim em homenagem á mãe dos irmãos Baudelaire, que morreu no incêndio junto com seu pai, provocado pelo malvado conde Olaf, que morreu ao lado de Kat Snicket, mãe da pequena Beatrice.

A vida é cheia de desventuras, não?

Hoje era o aniversário de vinte um anos de Violet Baudelaire e finalmente os irmãos Baudelaire poderiam por a mão na fortuna que a eles cabia. Nesse tempo, enquanto Violet não atingia a maioridade, eles se esconderam e fugiram dos membros restantes da C.S.C., tanto dos bons quanto dos maus. Eles não sabiam quem era amigo e quem era inimigo, fazia muito tempo desde que o mundo foi sereno pela última vez.

– Você está linda, Violet. – disse a pequena Beatrice, de sete anos, olhando encantada para Violet. Beatrice tinha os mesmos cabelos loiros da mãe, mas seus olhos tinham um lindo tom castanho.

– Sim, ela está, não é mesmo? – disse Sunny, que agora estava com treze anos. Sunny tinha os cabelos negros, assim como Violet e Klaus, assim como os olhos escuros.

– Tem certeza que não quer que eu vá com você? – perguntou Klaus, pela quinta vez naquela manhã, olhando preocupado para ela. Klaus estava com dezenove anos agora.

Violet sorriu pra ele, evitando falar. Claro que ela queria que seu irmão fosse junto, e ele sabia disso, mas ela não pediria isso a ele. Agora ela era considerada uma adulta, e trataria de sua fortuna com o Senhor Poe e somente depois seus irmãos e Beatrice apareceriam em público. O mundo não era mais sereno, e Violet sabia disso.

– Vou e volto, compraremos uma casa, finalmente, seremos felizes. – disse Violet. – as desventuras talvez não tenham acabado, preciso proteger vocês.

– Cuidamos uns dos outros, somos uma família. – disse Beatrice.

Todos concordaram e olharam sérios para ela, ninguém disse para ela não se preocupar ou disse que ela ficava uma gracinha assim. Os irmãos Baudelaire sabiam muito bem que ser criança não significava ser estúpido e haviam sofrido muito nas mãos de adultos que não davam créditos ao que as crianças falavam.

Violet olhou para a janela e se deu uns segundos para pensar em tudo que haviam perdido nos últimos anos. Sete anos haviam se passado desde que as desventuras começaram. Sete anos desde que eles receberam a notícia da morte dos seus pais na Praia de Sal, naquele dia havia neblina e Sunny era um bebê brincando na areia. Violet tinha catorze anos e Klaus doze e eles estavam atirando pedras contra o mar. Violet ainda se lembrava nitidamente quando o senhor Poe, vindo em direção a eles na neblina, disse: “crianças, receio ter de lhes contar uma desventura.” Seus pais haviam morrido, as desventuras haviam começado. O mundo não era mais sereno. Açucareiros causam problemas e ninguém é o que parece ser. Eles tiveram tutores maravilhosos, amigos, boas pessoas. Tiveram também sua cota de tristeza, quando perderam todos os bons tutores mortos por causa do Conde Olaf, seu primeiro tutor e a pessoa que transformou a vida dos Baudelaire num inferno, tudo por causa da fortuna que Violet ia reclamar agora.

– Estou pronta. – disse Violet, amarrando a fita nos cabelos. Ela não seria pega desprevenida, queria seus pensamentos claros quando encontrasse com o senhor Poe.

– Não vamos nos despedir. – disse Sunny, pegando Beatrice pela mão e saindo da sala. – Somente volte logo, vou fazer panquecas para esperar você.

Klaus acompanhou Violet até a porta da pensão onde ficavam. Eles pagavam sua estadia ali como podiam. Sunny cozinhava, Violet consertava coisas e Klaus ajudava do seu jeito, muitas vezes dando informações técnicas. Ele também tinha talento para música, muitas vezes ele cantava e tocava algo para os donos da pensão e outros moradores do local. Era uma vida feliz, e nos dois anos que ficaram ali nem uma desventura aconteceu. Beatrice cresceu feliz, não conhecendo o luxo, mas cercada de amor.

– Volte logo. –disse Klaus, dando um abraço apertado em Violet, que retribuiu.

– Voltarei. – prometeu Violet, depois segurou o rosto de Klaus entre as mãos e olhou para ele profundamente. Ele era mais alto que ela. – se ouvir qualquer barulho... Se ouvir um barulho lá fora e perguntar o que foi e responderem “nada”, por favor, pegue as meninas e saia daqui imediatamente. Se alguém daqui falar “isso aqui está sem gosto, alguém me passe o açucareiro” fuja com as meninas... Se alguém aqui começar a falar sobre o ciclo da água, fuja com as meninas. Se alguém...

– Eu sei, Violet. – disse Klaus, abraçando ela novamente. – sei de tudo, assim como você.

Violet sabia que ele sabia, mas não gostava de deixar seus irmãos longe de sua vista. Ela era a responsável, a mais velha. Não queria ir sem eles, mas era algo que precisava fazer.

Ela saiu sem dizer mais nada, somente deixando um Klaus sorridente e compreensivo para trás. O que seria dela sem seu irmão? Sunny e Beatrice espiavam da janela e Violet sorriu e acenou para as duas, que rapidamente esconderam as cabeças morena e loira, fazendo o sorrido de Violet aumentar.

Ela pegou uma taxi para ir até a fonte das finanças, onde trataria de sua fortuna. Quando ela entrou, o taxista perguntou “Você anda sendo boazinha com sua mãe?” ou algo do gênero. Provavelmente aquilo era um código da C.S.C., mas Violet fingiu que não entendeu. Ela precisava ter nas mãos em sua fortuna antes de fazer qualquer movimento para entrar em contato com a C.S.C.

A visão da fonte das finanças a deixou nostalgia de um jeito bom. Seus pais a haviam levado ali algumas vezes, juntamente com Klaus e Sunny, e eles até mesmo haviam se divertido naquele local cinzento e sério. O mundo não era tão inflamável naquela época.

– Senhorita Baudelaire? – perguntou alguém atrás de Violet. Ela reconheceu a voz na mesma hora, não precisando se virar para saber que era o senhor Poe que estava atrás dela no momento. Quando ela se virou percebeu que estava mais alta que ele, e ele parecia ainda mais vermelho e gordo do que se lembrava.

– Senhor Poe. – disse Violet, sorrindo fracamente. Violet não gostava de guardar mágoas, mas o senhor Poe fora responsável por boa parte das coisas ruins que aconteceram com ela e os irmãos. Mais por negligência do que por maldade.

– Gostaria de falar com o senhor sobre a fortuna Baudelaire, senhor Poe.