Charlie

Acordo com vozes alteradas no corredor do hospital. Coço os olhos e sinto meus músculos fraquejarem pela exaustão.

— Eu exijo ver meu filho!

— Thor... — a voz de Steve Rogers soa com calma.

Levanto-me tendo uma visão do final do corredor onde Thor, Gavião Arqueiro e o Capitão América se encontram. Eles parecem totalmente fora de contexto aqui com seus uniformes de super-heróis em um prédio público. No entanto, nesse quesito eu mesmo me encontro deslocado.

— EU QUERO VÊ-LO! — berra Thor com fúria. Um estrondo soa do lado de fora, pontuando sua raiva. Um trovão.

Respiro fundo me aproximando. Clint Barton me cumprimenta com um aperto de mão, enquanto Steve Rogers meneia a cabeça com um meio sorriso. Thor, no entanto, parece não ver nada por detrás de seu desespero.

— Você não pode. Eles estão na UTI — respondo cruzando os braços. A sensação de que deixamos escapar a vitória por nossos dedos amarga minha boca terrivelmente. — É uma área reservada...

— Eu sei o que é uma UTI! — esbraveja Thor, esmurrando novamente a parede. Dessa vez algumas enfermeiras soltam gritinhos. — Mas eu exijo...

— Se você entrar lá agora estará prejudicando o tratamento do seu filho — avisa Barton com os olhos cintilando contra o deus, embora sua voz mantenha um tom calmo. — É isso que quer?

Por um segundo Thor cerra os punhos e imagino que vá nos lançar para longe de seu caminho. Contudo, ele meneia a cabeça com os olhos contendo uma aura irrefreável de tristeza, que parecem consumi-lo pouco a pouco.

— O que os médicos disseram? — pergunta-me amargamente.

A lembrança das palavras dos médicos me vem à tona como um tiro. Passo uma das mãos pela testa.

— Eles tiveram um traumatismo craniano. O cérebro inchou. Eles vão ter que ir para a cirurgia o mais rápido possível. — explico sentindo-me a pior pessoa do mundo por ter de dar a notícia a um pai que acabou de reconhecer seu filho.

Thor está atordoado. Steve e Clint demonstram preocupação intensa. Afasto-me deles com medo de falar mais qualquer coisa. Eu não vou aguentar isso por mais tempo.

(...)

— Charlie.

Viro-me e encontro Tony Stark trajando um elegante terno branco e óculos escuros que cobrem um de seus inúmeros hematomas que se aloja no olho esquerdo. Já passam das oito da noite.

Thor a contragosto saiu do hospital acompanhado de Steve e Clint logo antes das seis da tarde, prometendo retornar na manhã seguinte. Já eu não consegui sequer me distanciar do prédio. Os amigos da minha irmã (e consequentemente meus também) se encontram aqui.

— Tony — digo saudoso, sentando-me em uma das poltronas do corredor.

— Eles já saíram da cirurgia? — indaga sentando-se ao meu lado.

Meneio a cabeça negativamente.

— Já faz seis horas desde que começou — comento ainda desnorteado.

Tony assente limpando a garganta. Sei que está contendo algo que pretende enrolar muito a dizer. Seu semblante e seus movimentos repetitivos não negam.

Tomo um gole do café amargo que peguei na máquina do corredor, tentando continuar desperto.

— Não pretende voltar para Gotham?

— Estou bem aqui por enquanto — falo lentamente. — Sinto que tenho obrigação de estar aqui para eles. Afinal, se não fossem eles eu não estaria aqui. Nem meus pais.

— Sim — Tony concorda. — Mas acho que deveria ir ao menos para minha torre. Precisa comer de verdade. Tomar um banho. Os outros já fizeram isso. Até o Doutor Banner.

Sorrio fracamente, exaurido.

— Tem algo que você precisa saber.

Encaro o Stark, aguardando pela bomba.

— Eu mandei Lexi para Gotham.

Franzo o cenho, confuso com a informação.

— Achei que ela fosse pagar pelos crimes dela. Todos estamos nessa por causa dela...

— Eu sei. Mas seu pai pensa diferente acho. Ele me pediu para mandá-la para lá.

Volto a fitar a parede do corredor, atordoado.

— Acho que deveria voltar para Gotham. Eu posso cuidar dos Destruidores. Esse hospital é praticamente meu. — afirma o Stark ajeitando-se na poltrona. — Seus pais e sua irmã precisam de você.

— Eu já avisei que ficaria. Não posso fugir a essa responsabilidade.

— Garoto — Tony Stark tira os óculos escuros, exibindo um olhar pesaroso. — É melhor você voltar para Gotham.

Franzo o cenho.

— Por quê?

As palavras que vem a seguir conseguem me tirar do chão bruscamente. Cerro os punhos.

Quando seu dia é longo
E a noite, a noite é solitária
Quando você tem certeza de que já teve o bastante desta vida
Aguente firme

(...)

Minha viagem dura algumas horas. Chego em Gotham City por volta das onze, atravessando a ponte que interliga Nova York e a cidade. Acelero Mustang preto concedido por Tony, e mal percebo que estou chorando quando cruzo o centro da cidade.

Não desista de si mesmo
Pois todo mundo chora
E todo mundo se magoa, às vezes
Às vezes tudo está errado
Agora é hora de cantar junto
Quando seu dia é uma noite solitária (aguente firme, aguente firme)

Invado a estrada que leva a Mansão Wayne ultrapassando a velocidade permitida. Felizmente a cidade se encontra completamente deserta a essa altura.

Pois todo mundo se magoa
Consiga conforto em seus amigos
Todo mundo se magoa
Não se resigne, oh, não
Não se resigne
Quando você sentir como se estivesse sozinho
Não, não, não, você não está sozinho

Estaciono bruscamente. As luzes se encontram acesas, e rapidamente uma figura surge à porta da frente, vindo me receber.

Se você está sozinho nessa vida
Os dias e noites são longos
Quando você sentir que teve demais dessa vida
Para seguir em frente

Deixo o veículo e caio nos braços da minha mãe, abraçando-a com demasiada força. Ela me leva para dentro de casa, fechando a porta.

Bem, todo mundo se magoa
Às vezes, todo mundo chora
E todo mundo se magoa, às vezes
Mas todo mundo se magoa, às vezes
Então aguente firme

Meu pai aparece com um meio sorriso em seu rosto cansado, recepcionando-me. Não precisamos dizer qualquer coisa um ao outro. O sentimento recíproco nos rodeia e aquece, com a certeza de que podemos mudar a situação.

Aguente firme
Aguente firme
Aguente firme
Aguente firme
Todo mundo se magoa
Você não está sozinho

— Onde está minha irmã? — questiono secando o rosto.

Subo para o andar superior guiado por meus pais. Alcanço a porta de um dos quartos, observando o interior. Clarissa está adormecida, com um livro fechado em uma das mãos pousadas sobre o peito. Seu rosto está molhado, e imagino que tenha chorado até pegar no sono.

— Ela tem estado assim desde que chegou — avisa minha mãe, suspirando. — Ainda não sabe de tudo. Estamos tentando mantê-la ocupada até poder voltar para Nova York.

Passo uma das mãos pela testa, respirando fundo.

— Não vou deixar que a levem — afirmo com brusquidão.

— Nenhum de nós vai — afirma meu pai apertando meu ombro. — Vamos protegê-la.

Clarissa parece um anjo enquanto dorme. O que seria dela se soubesse a situação de seus amigos, e ainda por cima que está sendo caçada pela Liga da Justiça?