Juliana

Há dois meses, perdi minha irmã mais nova, a minha melhor amiga. E por quê? Porque ela dedicou todas as forças a uma busca vazia. Deu a própria vida para “salvar” a do homem que dizia amá-la. O que Bianca não sabia – ou não aceitava – é que ele estava morto. Hoje, eu só espero que, se existe um lugar pós-morte, eles tenham se encontrado lá.

Eu era amiga dele, mas não aprovava o relacionamento, que começou com uma grande mentira. O idiota passou-lhe a perna e quando foi descoberto anos mais tarde, tentou consertar tudo dizendo: “Eu te amo, você é o amor da minha vida” e a convenceu. Eu o odeio mais que tudo por isso.

Depois de minhas aventuras em Nova York, minha vida mudou quase por completo. Descontando a perda repentina de minha irmã, voltei para Londres, a minha terra natal, me casei com Newt em meu último aniversário, me tornando a mais nova e feliz senhora Scamander. Mas Robert – parei de chamá-lo de pai após esse incidente – foi contra nossa união – assunto esse que não lhe dizia respeito, francamente – e me cortou do testamento, deixando-me sem um centavo nas mãos. Agora sei quão difícil foi a vida de Sirius quando fugiu da casa Black.

Mas logo conseguimos um pouco de estabilidade. Com o dinheiro que Newt recebeu publicando suas pesquisas, investi em um carro velho. Morávamos no subúrbio, onde corridas noturnas – ilegais – eram comuns, então reformei o automóvel com magia até fazer dele um Porsche 911 turbo amarelo e passei a usá-lo para competir.

Adorava o prazer da velocidade, era o que havia de mais parecido no mundo trouxa com a sensação de pilotar uma vassoura de quadribol boa. Em três semanas, me tornei uma das melhores pilotos de racha da região e meu pseudônimo, Letícia Ryder, impunha respeito e inspirava cuidado. Ninguém ousava mexer comigo ou com meu marido, Andrew Ryder, sob o risco de ter seu carro tomado. Fazia isso para nos sustentar e procurava outro emprego que preenchesse meu tempo vago, pois quando se vive em uma situação como a nossa, todo dinheiro é pouco.

Eram quase cinco da manhã quando voltei para casa com trezentas libras em dinheiro vivo na bolsa. Newt me recebeu com um beijo e um abraço. Estava trabalhando na única mesa da casa, os arquivos de seu trabalho atual espalhados por cada canto da sala de estar,

—Fiz café – ele disse, estendendo a caneca fumegante.

—Obrigada… não era pra você estar dormindo?

—Não quando posso escrever cartas para o editor em vez de levantar cedo para ir até ele. Fora que assim, passo mais tempo com você.

Dei um gole no café adoçado perfeitamente e sorri. Nossa vida era complicada, mas tudo valia a pena quando ele estava ao meu lado.

Gabrielle, 18 de novembro, Paris

—Me atrevendo – ele se levantou, afagando a bochecha. - Como vai, Bibi?

Não me chame assim— sibilei entre os dentes. - Você nem devia estar vivo.

—O quê? Como…

—Por você! Foi por ter “matado” você e sua mãe.

—Não, não – ele disse, como se tivesse entendido o que eu disse. - Há muito que você não sabe, querida Bianca.

Claro que não. Regulus era astuto, sabia perfeitamente como manipular alguém. Me tinha nas mãos, sabia disso e manteria a situação a seu favor, não importava o custo. Sacou um maço de Camels e ofereceu um. Neguei, embora apreciasse um bom cigarro ou dose de Tequila às vezes, não era hora para isso.

—Você é quem sabe – disse ele, acendendo o isqueiro de prata. - Droga, o fluído está acabando. Preciso de mais.

—Eu adoraria conversar sobre fluído de isqueiro, mas temos questões mais importantes a tratar.

—Que seriam… - deu uma tragada.

—Como me encontrou?

—Simples. Eu te procurei.

Fechei as mãos em punhos. Socar Regulus não teria serventia que não fosse aliviar um pouquinho da minha dor, do meu profundo ódio por ele. Fiz menção de virar as costas e ir embora, mas ele me segurou.

—Se eu te achei, o que impede outra pessoa de te achar também?

Ponto para ele. Mas nunca, jamais, eu daria o braço a torcer.

—Como? - questionei.

—Você é procurada por vandalismo e terrorismo nos Estados Unidos.

—Aquela coisa no MACUSA? Não acusaram os malucos anti-bruxos?

—Sim, mas mudaram de opinião. A rua não é o lugar certo para falarmos. Por que não vem jantar na minha casa? Tenho uma ótima garrafa de Whisky.

—Dispenso – não ficaria entre quatro paredes com ele sem surtar. - Fica pra próxima.

—Talvez a próxima seja tarde demais. Talvez você esteja presa na próxima.

—Ainda assim, fica pra próxima.

Virei noite e madrugada em busca de notícias sobre terroristas norte-americanos, encontrei Mary Lou e Credence Barebone, mãe e filho, líderes do SSALEM e um pichador não-identificado, que apesar de não ser membro oficial do SSALEM, espalhava mensagens de apoio ao grupo e era o suspeito de ter riscado o mármore do MACUSA.

Eu mesma demonstrara apoio ao SSALEM, mas só para ver o circo pegando fogo, e funcionou. Até o presente momento, o que se sabia sobre o pichador é que ele era francês. Uma nota de rodapé dizia: “O pichador pode ser, na verdade, Mademoiselle Gabrielle, renomada grafiteira francesa”. Notas assim costumavam ser escritas por leitores. Uma parte de mim suspeitou de Serafina, mesmo que fosse uma de minhas teorias mais loucas. Tomei banho e dormi, assombrada por fantasmas do passado.

***

Os jornais do dia estavam sob a porta, como em todas as manhãs, porém, entre eles havia uma carta, escrita com letras recortadas de revistas: eu sEI QueM voCê é. BruXa.

Me sobressaltei ao ler isso. Ninguém sabia onde eu morava, nem mesmo meus “amigos” e não tinha problema com nenhum vizinho, então fiz um acordo comigo mesma, se as cartas continuasse, forjava a morte de Gabrielle e ia para a Austrália. Do contrário, seguiria investigando.

Fora isso, não havia nenhuma novidade, apenas especulações sobre o pichador misterioso – grandes chances de ser uma garota, parece que alguém levou aquela nota a sério – e o julgamento de Mary Lou e seu filho. Atentei-me a ele, que em todas as fotos, tinha uma expressão mista de medo e felicidade. Estava feliz por ser julgado e poder ser preso? Minha experiência com tribunais foi horrível e olhe que a juíza pegou leve comigo.