Novo Cotidiano

Jill suspirou aliviada. Havia apenas mais uma caixa para levar ao andar de cima. Estava exausta e seu corpo clamava por uma boa noite de sono.

– Jill? – Ada chamou a atenção da garota. Ela tinha uma tigela em mãos. O objeto era branco com desenhos de morangos vermelhos. Cor que, segundo Carlos, representava Ada.

As garotas não se viam dessa forma, mas há um ano e meio quando Ada resolveu comprar mais coisas para seu apartamento já que agora tinha uma companheira, aderiram a idéia.

Ada olha! – Jill saiu correndo pela loja de artigos domésticos enquanto Ada ainda mantinha sua atenção a um jogo de jantar vintage 1978.

Jill havia notado duas vasilhas de tamanhos diferentes brancas uma com desenhos de morangos vermelhos e a outra, azuis. Ela as pegou e retornou até Ada.

– Ada, nós vamos levar não é mesmo? – O brilho nos olhos de Jill era como os de uma criança em um parque de diversões.

A mais velha finalmente se permitiu dar atenção a amiga.

– Oh claro! Elas são lindas... – Ada as pegou e observou melhor o objeto – Deixa-me adivinhar, Carlos?

– Sim, lembra que ele sempre diz que azul e vermelho nos representa?

– Sim... Você azul: Sonhadora menina. Eu vermelho: Intensa mulher – Ada sorriu entregando a vasilha com morangos azuis a Jill – Então acho que essa é a sua.

As duas sorriram e seguiram para outro corredor.

– Bem, essa é a última caixa, já está tarde, amanhã venho buscar a bota... – Jill disse ao balançar o pescoço para aliviar a tensão, indo na direção da amiga.

– Como você disse que não queria jantar eu coloquei aqui um pouco do macarrão com queijo que você tanto gosta. De repente pode ficar com fome no meio da noite. – Ada colocou a vasilha em cima da caixa que estava nos braços de Jill.

– Obrigada... Então eu vou indo. – Ela passou o batente da porta sentindo um aperto em seu coração. Essa era sua primeira noite "longe de casa".

– Jill espera! – Ada parou rente a amiga que aguardava ansiosa pelo chamado.

– Quero que fique com essa vasilha... Parece bobagem, mas ficar com a sua é como ter um pedacinho de você aqui...

Jill sorriu como resposta, mas seu coração ainda se encontrava apertado. Então sem pensar ela colocou a caixa no chão e abraçou a amiga. Era a segunda vez naquele dia que aquela cena se repetia. Ela claramente mostrava seu desespero interno.

– M-me promete que nunca vai me abandonar? Eu estou com medo Ada... – Jill disse com voz embargada. Ada a abraçou mais apertado.

– Não se preocupe minha menina... Jamais faria isso. Se acontecer qualquer coisa não esconda de mim. Quando sentir saudades venha dormir aqui comigo... Leon não irá se importar de dormir no sofá.– As lágrimas de Ada escorriam em seu rosto. Ela não queria mais que Jill fosse embora. Ada finalmente admitiu a si mesma que o que ela queria mesmo com tudo isso era juntar seus amigos. Mas se ela se apaixonou por Leon de maneira tão natural por que não poderia acontecer com Chris e Jill?

Ada sabia o quanto havia sido impulsiva e durante todo aquele dia não parava de se martirizar. Mas como Jill havia dito pela manhã: Ada cometia erros. Mas havia um problema para a morena. Ela não conseguia superar-los. Não quando era com quem amava.

— - -

Valentine adentrou em seu novo lar mais tranqüila e confiante. Talvez Chris tivesse com razão ao dizer que ela estava exagerando. Ada estava logo ali e Leon também então por que ter tanto medo de viver no mesmo teto com Chris Redfield? Ele construiu um personagem que teria que manter enquanto Ada e ele forem vizinhos e "parentes".

Ela caminhou em passos leves até seu quarto onde Chris estava sentado escorado na parede pintada de verde musgo. Ele se lembrava de como Leon ficou bravo ao ser obrigado a pintar seu quarto naquela cor graças a mais uma das inúmeras trapalhadas de Chris.

– Acho que mudei de idéia, não quero mais as minhas prateleiras desse lado. Vamos colocar-las... Neste aqui! – Jill apontou o dedo para o lado esquerdo do ambiente. Chris a olhou pronto para dizer todos os tipos de palavrões existentes em seu vocabulário, mas ela abriu um sorriso indicando que estava apenas brincando com ele. – Pegue, ainda está quente. O macarrão com queijo da Ada é o melhor que já comi.

Ele recebeu a vasilha das mãos de Jill e abriu a tampa para sentir o delicioso aroma do prato.

– Todo esse trabalho por uma marmita? Se soubesse que seria tratado dessa maneira não teria aceitado o cargo.

– O que você esperava? Dinheiro? Uma noite de sexo casual? – Jill ironizou enquanto observava como as prateleiras estavam bem postas em seus lugares.

– Opção dois... No mínimo. – Chris respondeu indiferente. A garota se virou com olhos arregalados. O rapaz era um verdadeiro cretino sem dúvidas. Ele riu despreocupadamente. – Relaxa... Obrigado, macarrão com queijo é um dos meus pratos favoritos.

Jill revirou os olhos e se sentou ao lado do rapaz.

– Olha Chris... Se vamos morar juntos temos que fazer dar certo. Não estou pedindo para ser legal comigo assim como não pretendo ser com você, pelo menos não de forma forçada. Apenas vamos nos respeitar ok? – Jill mantinha uma expressão serena em seu rosto. Não havia desistido de tornar a vida de Redfield um pandemônio, mas queria dar a ele a última chance de se darem bem.

– Claro. Fique longe do meu quarto, não se meta na minha vida e nunca, absolutamente nunca me atrapalhe quando eu estiver a assistindo aos jogos do San Francisco 49ers. Se não violar nenhuma dessas regras tudo vai ficar bem. – Chris abriu um sorriso para ela como um psicopata.

– C-claro... Temos um acordo então.

– Bem, se me der licença meu trabalho aqui acabou. Divirta-se arrumando toda essa tralha aí – Ele riu se levantando – Ah! A propósito, aquela sua fantasia de ursinho Pooh no halloween é horrível. Espero que não pretenda colocar aquele porta retrato na sala.

– O que?! Redfield, você mexeu nas minhas coisas?! – Jill exclamou aborrecida. Ela se levantou para continuar a discussão, mas Chris fechou a porta do quarto a gargalhadas então ela desistiu. Estava cansada demais mais para continuar com todo aquele estresse.

No fim das contas até ela concordava que aquela fantasia de Pooh era ridícula. Nunca mais iria usufruir das dicas que Dick lhe dara.

– – –

Segunda - feira de manhã era sem dúvida um dos momentos em que Jill mais odiava viver.

Havia dormido pouco na noite anterior por conta de toda a bagunça que teve que organizar e por isso aquele dia estava sendo mais tedioso que de costume. A água quente molhava seu corpo enquanto ela delicadamente espalhava o shampoo em seus longos cabelos. Ela nem se lembrava mais qual foi a última vez em que cortou as madeixas e pensou que talvez já estivesse na hora de mais uma mudança.

– Jill?

— O que você quer?

— Mijar.

— Pode esperar?

— Não.

— Então vai caçar outro lugar pra fazer isso.

— Então vou pro seu quarto.

— Nem se atreva. Aprenda: aquele quarto é o único lugar da casa que você não pode colocar suas patas. Espera um pouco que eu já estou saindo.

— Ei... E onde fica todo aquele papo de respeito de ontem a noite ?

— Você mexeu nas minhas coisas!

— Eu estava entediado.

— Problema seu!

Jill sentiu um grande desconforto no estomago. Mal havia começado seu primeiro dia ali e ela já pode contemplar como seria sua vida dali em diante. Se olhou no espelho chateada e então teve uma ótima idéia. Demorar mais um pouco. Ser uma pedra de tropeço.

Voltou ao chuveiro e começou a cantarolar novamente.

— Jiiiilll... Eu ainda estou esperando. – Disse ao bater forte na porta.

— Do outro lado da porta? Sabia que isso é falta de educação. – Voltou a cantarolar novamente.

— Se você não sair daí, eu vou arrombar essa porta!

Jill pensou duas vezes na possibilidade e sabia que ele não faria isso. Então resolveu enrolar mais alguns minutos.

— Jill, você vai abrir essa merda ou não?

— Tudo bem. Mas eu quero que você se afaste da porta. Não quero sair e me deparar com você.

— Impondo regras? Quem é você, ô pirralha?

— Ótimo, pode mijar onde você quiser ai, não vou abrir a porta.

Chris não respondeu mais nada e isso deixou Jill curiosa. Ela então se enrolou na toalha e saiu do banheiro. Notou que ele não estava mais na espera então caminhou pela casa a sua procura. O rapaz estava deitado no sofá assistindo um desenho animado qualquer.

— Pensei que estivesse apertado para ir ao banheiro.

— Ah é – Chris sorriu. Ele deu uma boa olhada nas pernas torneadas da garota e logo se levantou e seguiu para o banheiro calmamente. Ela semicerrou os olhos, desconfiada de algo. Mas estava sem tempo para questionar qualquer coisa, tudo que precisava era vestir algo e correr para a faculdade.

— - -

— E então... Como está a vida de casados? – Jill perguntou para Ada assim que esbarrou com ela e Leon no corredor.

— Nada poderia estar melhor. – Ele disse de mãos dadas com a namorada ao descer as escadas. – Claro que a sua amiga aqui dormiu com preocupada com você, mas pelo que vemos tudo deu certo... Não é? – Ele perguntou para Jill.

— É isso aí. Não tem com o que se preocupar. Vamos nos ver todos os dias. – Jill complementou.

Ada permanecia calada, estava pensativa. Se perguntava sobre como Chris teria tratado ela, já que o tom de voz de Jill demonstrava que ela não iria falar nada para entristecê-la. Mas, será que ele tinha sido legal mesmo ou será que Jill estaria blefando. Logo, o próprio apareceu atrás deles, penteando os cabelos molhados com as mãos.

— Bom dia família. Hoje o dia está lindo, não acham? – Chris comentou ao olhar para o céu assim que caminhavam em direção á faculdade e todos se assustaram com a presença repentina. – Parece que agora as coisas vão ser sempre assim... Indo para a faculdade juntos. O Leon com a Ada, eu com a pirra- com a Valentine... Tudo o que eu sempre...

— Você ia dizer pirralha? Mais respeito comigo, garotão – Jill protestou ao tirar o braço do colega de casa de cima dela.

— Calminha. – Você demorou horas no banheiro e me atrasou todo. Você deveria ter mais respeito comigo e com a minha vontade de mijar. – Ele argumentou em um tom amigável e baixo. Ela olhou chateada para ele e evitou contato visual. – Mas e os pombinhos?

— Foi uma manhã especial se quer saber. Gostei de acordar com uma nova sensação, sabe... é bom acordar com alguém do lado e saber que todos os dias serão do mesmo jeito. – Ada disse ao caminhar aninhada com o namorado.

Jill mentalmente revirou os olhos com a frase anterior, porque para o lado dela, não era tão legal assim. Trocou olhares com Chris, porque sabia que mentalmente ele provavelmente estaria pensando o mesmo. E assim ele estava...

Depois disso, Ada e Jill se juntaram para conversar na frente enquanto os meninos também trocaram algumas palavras. Leon já estava estabelecendo pontos.

— Olha Chris, tudo bem que vocês se conhecem há um tempinho, mas acho que as brincadeiras só poderão acontecer se ela permitir. Não chame ela de pirralha, nem por brincadeira. Isso só vai complicar as coisas e ela pode se aborrecer facilmente com você.

— Tá legal, pai. – Ele disse comendo uma barra de cereal que trouxe no bolso ao notar que não havia café da manhã naquela manhã. – Mas é essa a maneira de tentar quebrar o gelo com ela. Não quero morar com alguém sem humor. Já morei muito tempo com você – Chris sorriu e Leon o olhou expressivo – Ok. Mas é essa a minha maneira de tentar estabelecer uma relação onde eu continuo sendo quem sempre fui e que ela que goste de mim desse jeito.

— Acho que tudo tem um limite. E não é desse jeito que a Jill vai gostar de você.

— Vai sim, quer apostar?

— Não, eu ganharia. Mas se eu ganhar, provavelmente ela vai querer distancia de você e isso só traria problemas onde hoje há paz. Apenas comporte-se e tudo vai dar certo.

Chris deu de ombros e então puxou carinhosamente Jill pelo braço caminhando mais a frente.

— Eu preciso te contar uma coisa…

Quando tomou distancia do casal atrás ele começou a falar.

— Não era nada de importante, só o fato de saber... Quando você sai da aula?

— No horário normal… por quê?

— Bem, depois que eu saio daqui, passo em casa rapidamente e saio para o trabalho. Só chego em casa depois da sete da noite mas acho que você trabalha a noite... Então, te darei a chave e faça uma copia pra você. Quando sair pra trabalhar, deixe a chave no umbral de cima da porta pra eu entrar, certo?

— Certo! Pode deixar comigo. – Ela disse ao olhar rapidamente pra trás e ver que sua amiga estava ocupada conversando com Leon.

Ela achou que não era uma boa incomodar então pensou em puxar um papo furado com o rapaz ao seu lado. Mas ao notar que ele havia sumido, olhou ao redor e o encontrou indo em direção a namorada do outro lado da rua e a cumprimentou com um beijo bem caloroso e provocante. Em seguida, ele se virou em direção a Jill rapidamente para encontrar ela olhando para ele confusa e voltou a falar com a namorada, ignorando-a por completo.

Ela revirou os olhos e não se deixou abater pela ignorância. Mas pensou que provocar ele um pouquinho poderia ser mais uma nova descoberta de um ponto fraco. Afinal, ela nunca havia falado com a tal Jessica. — Não que se lembrasse — Ele poderia apresentá-la a sua namorada.

Com um sorriso maroto no rosto, ela atravessou a rua.

— Até logo Chris. – Ela o cumprimentou, recebendo um pequeno aceno quase despercebido dele, que continuava a ignorá-la enquanto conversava com a namorada.

Jill continuou caminhando e pensando que ele não havia comentado com ela sobre a situação de morarem juntos. Ou melhor, havia comentado sobre morar junto com alguém, mas Jessica não sabia que era uma mulher ou pior... Era logo ela.

Evitar contato com Jill na frente de Jessica era prioridade para Chris naquele momento. Principalmente quando a namorada achava que ele estava morando agora com outro amigo. E ela tinha perguntado sobre como foi a mudança do tal amigo no momento em que Jill passou por perto. Ele estava torcendo para ela não parar por ali e se apresentar, afinal isso lhe traria um problemão. E quando ela passou, ele suspirou aliviado e agradecia a Deus por Jill não conhecer Jessica.

— - -

Quando Chris, exausto, procurou a chave no umbral de cima da porta sem sucesso, ele notou que Jill não havia cumprido o que tinha fechado com ele. Era hora de incomodar ela. Ligou no celular dela por umas cinco vezes, também sem sucesso. Ele não poderia perder a chance de ver se aquilo foi programado, olhando nos olhos dela.

Ao chegar no Chiaroscuro, encontrou ela atendendo duas mesas ao mesmo tempo. Foi em sua direção, sem se importar com o redor.

— Onde está minha chave Jill?

Ela se espantou a com a voz repentina por trás dela e se virou confusa.

— Está no umbral, como combinado.

— Não está não... Tive que vir lá do apartamento para buscar. Eu quero a chave agora.

Jill o encarou séria pelo tom de voz inconveniente e então soltou um risinho.

— Ah, tem razão, eu trouxe comigo. Não pude confiar em um umbral. Eu só me esqueci de pedir para você passar aqui. Estava muito atrasada. – Ela disse amigavelmente com um sorriso forçado no rosto. – Me desculpe Chris. Eu falhei com você. – Disse falsamente preocupada.

— Jill, sem DR no horário de trabalho, a cozinha está esperando você! – Moira passou repreendendo a morena.

Chris suspirou chateado.

— Vai me dar a chave ou não, pirralha?

— JILLLLL! – Moira gritou.

— Vem comigo.

Os dois caminharam para o fundo onde Jill pediu para que Chris aguardasse em uma sala pequena mais confortável, refrigerada com sofá, mesa com quatro cadeiras e armários. Ela disse que voltaria assim que terminasse suas últimas demandas.

Chris se jogou no sofá e tirou a gravata. A dor de cabeça não se comparava com saber que ela tinha feito aquilo de propósito. Depois de cinco minutos, ela retornou.

— Fala a verdade... Isso foi proposital, não é?

— Não, nunca seria proposital... Eu só achei que não era seguro e errei quando não te avisei. Mas pronto, aqui está você e eu vou te dar a chave aqui do armário.

— Tudo bem. – Ele disse se levantando e indo para trás dela, enquanto ela mexia no armário.

— Ah, Jessica é muito bonita e carinhosa. Pena que perdi a oportunidade de conhecer ela pessoalmente já que NINGUEM me apresentou a ela.

— É... Não estava de bom humor para novas amizades.

— Ah, é mesmo? – Ela disse se virando para encará-lo, erguendo um pouco a cabeça. – E será que ela sabe que a nova amizade e a mulher que mora com o namorado dela? Não seria mais confortável se você apresentasse a sua namorada a sua colega de casa? Ou melhor, será que você contou a ela sobre mim?

Chris notava a maneira gradativa que a sua voz se elevava a cada nova pergunta mas manteve-se calmo o bastante para um sorriso.

— Do que você está falando? Ela sabe de tudo. Não tenho segredos com a minha namorada. Mas queridinha, apesar de você estar na minha casa, não tenho uma amizade com você grande o suficiente para te apresentar como uma amiga para minha namorada. Na verdade, eu nunca deixaria Jessica se contaminar com alguém como você.

— Tudo bem Chris. Eu vou me lembrar disso. Vou me lembrar tanto disso que acho que você deveria se acomodar por aqui porque eu só vou liberar a chave quando eu for embora. – Ela disse fechando a porta do armário.

— Você ainda não fez a sua copia?

— Não. Não tive tempo. Talvez porque eu esteja me contaminando demais comigo mesma. Agora, me deixa trabalhar em paz. Já é a segunda vez que você vem me perturbar aqui. Se quiser ir, pode ir também. Não quero te contaminar. – Disse ao fechar a porta da sala.

Chris se jogou novamente naquele sofá, se sentindo um idiota.

— - -

— Vamos embora Chris – Ela disse dando um tapa forte no ombro dele, fazendo com que ele despertasse do seu sono. Quando ele abriu os olhos, viu ela abrindo o armário para deixar o avental ali dentro. Ele passou as mãos sobre o rosto e sentado, sentiu sua consciência doer.

— Jill, eu não quis dizer aquilo sobre você. Mas tem hora que você me dá nos nervos.

— Esquece aquilo Chris, você já pagou pelo que disse. – Ela diz cética, ainda de costas.

— Tudo bem. – Ele disse já com a mente limpa. – Vamos embora. Passa para mim a chave porque eu acho que você ainda tem que fechar isso aqui e vai demorar.

— Tudo bem. – Ela disse evitando contato visual. Depois de mexer na sua bolsa, notou que a chave não estava ali. – Ah, meu Deus... Isso não está acontecendo. – Sussurrou.

Jill olhou para os pés e ao redor no chão, olhou em volta e nada da chave.

— Ei, o que houve? – Chris perguntou ainda sentado no sofá.

— A chave... Não está na minha bolsa. Mas eu lembro que eu a guardei aqui.

Chris revirou os olhos e voltou a deitar-se no sofá.

— Trate de achar o que você perdeu. Eu vou tirar uma soneca e quando você achar...

— Não mesmo Chris! Levanta sua bunda vagabunda daí e me ajuda a achar... dessa sala ela não saiu. Deve ter caído no chão. Aliás, isso ai vai te dar uma dor nas costas desgraçada. – Ela disse ainda observando o chão quando Moira a chamou. – Porra, aquela praga ainda não foi embora... Estou rodeada de pragas. – murmurou ao sair da sala.

Chris relutou, mas se levantou com um rosto aborrecido e caminhou levemente em direção do armário dela, porque mesmo sabendo que não poderia achar a chave ali, ainda restaria ter um lugar interessante para fuçar. Sua mente foi listando o que encontrara: um avental dobrado, uma camisa reserva que estava cheia de respingos vermelhos de algum molho, um caderno de música e anotações, a bolsa lateral ridícula que costumava usar, um ursinho azul idiota e do lado do urso, um envelope já aberto, rompendo um selo de adesivo de coração. “De Carlos, para minha doce e meiga Jill.”

— Doce e meiga? Quem é esse otário? – Perguntou-se ao tirar um papel dobrado de dentro. Quando pensou em abrir, notou que ela estava se aproximando pelos passos apressados. Nisso, deixou o envelope onde estava e guardou consigo o papel dobrado: o conteúdo da carta.

— Tira suas mãos das minhas coisas... Você já sabe que não está ai. – Ela disse com os braços cruzados.

— Ah, desculpa. Mas achei algo interessante aqui... Uma carta de amor. Tão infantil... Não sabia que você tinha um namorado... Carlos, não é?

— Não é da sua conta. – Ela evitou contato visual e foi em direção a suas coisas, empurrando Chris levemente para o lado. – Olha, eu olhei pelo salão onde passei e não vi nenhum sinal da chave. Deve ter caído da minha bolsa enquanto eu corria até aqui. Vamos passar pelo mesmo lugar que eu vim e ai vamos encontrar a chave, beleza?

— Você que manda pirralha.

— Me chama mais uma vez disso que eu vou adorar te chamar de Chrisloteiro na frente do Leon e da Ada.

— Tá... Vamos que eu ainda estou com sono. – Disse ao dar de ombros.

Eles andaram em passos vagarosos, Chris nem tanto, observando o caminho de volta utilizando a lanterna do celular, mas sem sucesso. Quando menos perceberam, já estavam de volta ao apartamento enquanto a meia noite se aproximava.

— Fique atento as escadas. – Ela praticamente ordenou e ele ignorou subindo rápido ainda mais aborrecido.

— Você que perdeu, você que ache.

— Chris, você não vai fazer isso... – Ela disse seguindo-o desesperada.

— Não temos escolha Jill... Eu preciso dormir. Você já perturbou muito o meu dia. – Ele disse desviando o braço para ela não o impedir de subir, já que tentava segura-lo sem sucesso.

— Olha aqui – ela disse parando em frente a ele, estando mais alta por causa dos degraus acima. – Tudo bem que eu errei em ter perdido a chave, mas porque você não pegou a chave do Leon antes... Por que vai incomodar ele agora, quando ele já pode estar dormindo? Isso não se faz Chris, é falta de respeito para alguém que merece respeito.

— Dane-se o respeito. Leon não liga. Sai da minha frente, Jill! – Ele disse sério, encarando ela com as sobrancelhas tensas.

— Não vou sair! Eu sei que você vai estragar tudo logo no nosso primeiro dia juntos! – Ela disse no mesmo tom quando percebeu que a frase em sua mente soou muito inconveniente.

Ele relaxou um pouco e suspirou pesadamente. Logo, depois de um pequeno sorriso maroto ele a agarrou e colocou nas costas, quando ela soltou um pequeno grito de susto.

— Shiu! Não grita, vai acordar a vizinhança. – Disse enquanto subia com dificuldades.

— Me põe no chão agora, Chris! – Ela disse dando socos em suas costas gritando silenciosamente.

— Isso, continua, estou gostando da massagem. – Provocou-a enquanto alcançava o andar dos amigos. Logo tocou a campainha.

— Não faz isso com eles! Para agora Chris! – Ela disse tentando escapar. – Me põe no chão! – Ela ouviu a porta se abrir quando disse já baixo: – Eu vou vomitar!

Ele imediatamente a colocou no chão e nisso, a chave que tanto procuravam caiu com o impacto dos seus pés. Ela estava no bolso de Jill o tempo todo e com o chacoalhar dela, já estava a ponto de cair de seu bolso.

— O-o que foi isso? – Ada disse ao observar a cena inusitada, assustada.

— Nada... Já achei o que estávamos procurando. Boa noite Ada. Vamos logo Jill! – Chris disse ao tomar do chão a chave que havia tilintado e subiu em seguida, sem muitas satisfações.

— É uma longa história... Mas nada passou de uma brincadeirinha. Boa noite Ada! – Jill disse sem graça ao dar um beijo na amiga. – Durma bem! E eu prometo que não vou deixar mais ele fazer isso, tá?

— Ok, boa noite. – Ada disse com um sorriso estranho e confuso ao fechar a porta. Mas estava curiosa para entender o que tinha sido aquilo.

— - -

Jill abriu a porta e a trancou em seguida. Logo seguiu Chris até o quarto dele, encontrando-o sem camisa.

— Viu o que você fez? Acordou Ada desnecessariamente! Agora ela está lá, imaginando o que foi essa palhaçada que você aprontou comigo... Se ela não estiver preocupada agora!

— Não sei do que você tá falando. A culpa foi inteiramente sua.

— Minha? Minha, Chris? Você acha mesmo que deixar a porra da chave em cima da porta é uma maneira segura de viver? Eu tenho instrumentos aqui, tenho coisas de valor! Você deveria se importar com esses troféus ridículos, oferecendo mais segurança para eles ou pra qualquer coisa que tenha valor pra você! Se vamos morar juntos, eu exijo segurança, pois era isso que eu tinha quando morava lá embaixo.

— Primeiro... você não morava com um homem. Não teria ninguém pra te proteger e pra surrar o cara que tentar entrar aqui. Segundo, o primeiro argumento já vai te deixar calada porque você optou por morar aqui, para a felicidade da sua amiguinha. E eu cheguei aqui primeiro que você, eu mando aqui e você só manda no seu quartinho de adolescente rebelde. Não estrague mais as minhas regras ou pode se mandar daqui. Eu não ligo. – Disse com desdém ao voltar a pegar roupas mais confortáveis de seu guarda-roupa.

— Ótimo, porque é isso que eu vou fazer agora! – Ela disse indo para o próprio quarto quando ele a seguiu. Ele sabia que não era uma boa idéia e ela realmente acabaria indo embora.

— E pra onde você vai uma hora dessas, pirralha? Tem tanto tesão por segurança pra sair por ai sozinha essa hora da noite?

— Esse apartamento tem espaço só pra um de nós e já que eu seu machismo sempre ganha, eu não vou aturar mais um minuto aqui! – Ela disse com tanta raiva que seus olhos lacrimejavam. Ela tomou uma pequena mala e estava tirando algumas peças do guarda-roupa.

— Adiantou fazer aquele drama sem olhar nos bolsos antes? Agora vai sair com essa malinha por ai parecendo uma garota de programa! – Chris disse ao tentar impedir de ela ir embora com uma conversinha confusa.

— Como eu poderia adivinhar que você iria me humilhar daquele jeito na frente da Ada? – Ela disse encarando-o por dois segundos. – Você é o maior otário que eu já conheci!

— Mais otário que Carlos? – Ele não conseguiu evitar a provocação e esperou a pior expressão dela.

Ela voltou a encará-lo, parando de lidar com o guarda-roupa enquanto torcia os lábios. Logo, começou a rir, assustando-o.

— Espera um pouco. Eu já sei o que você está tentando fazer. Quer tornar a minha vida um inferno aqui dentro. Eu sei que você tem ressentimentos por tudo aquilo que aconteceu entre a gente lá no inicio ou que você simplesmente vai ser esse cara metido, obsceno, idiota, bobalhão e hipócrita de sempre que sempre vai querer pegar o maior pedaço do bolo. Concorda?

— Em partes. A verdade Jill... É que você não quer dar o braço a torcer e reconhecer o seu erro porque acha que eu vou ter razões de sobra para te perturbar. Estou certo?

— Em partes. Mas eu já reconheci o meu erro, lá na escada. – Ela disse com um olhar presunçoso, mas mantendo-se robusta. – Mas e ai... Quando você vai começar a me dar lição de moral, escondendo todos os seus lados obscuros para eu engolir o único filete de dignidade em mim?

Ele a encarou trocando seu olhar sério por um mais cuidadoso.

— Que tal você parar de drama e ir dormir e a gente esquece que isso aconteceu e tenta não mais brigar desse jeito? – Chris propôs relaxado e já com um sorriso forçado nos lábios.

— Não Chris, você não entendeu a minha pergunta. Não precisa se esconder atrás da sua mascara de bom moço com essa proposta tão amigável na minha frente.

— Viu ai... Quando eu tento ser legal, é isso que eu recebo. É por isso que eu sou quem sou: o cara metido, obsceno, idiota, bobalhão e hipócrita de sempre. Acho que você ganhou dessa vez. Eu sempre vou ser o errado mesmo. – Ele disse com um rosto falsamente ressentido. Ela já estava quase acreditando quando ele começou a gargalhar. – Desculpa, eu não consigo ficar sério com essa sua cara de culpada.

— Seu vagabundo, desgraçado... Sai do meu quarto agora! – Ela disse desacreditada enquanto o empurrava para trás com as mãos sobre seu peito.

— Acho que está tocando muito em mim... Isso vai te deixar excitada. – Ele brincou sem tirar o sorriso do rosto enquanto dava passos para trás. Imediatamente ela soltou suas mãos dele.

— Você me dá nojo! – Ela disse fechando a porta em seguida. Logo se jogou na cama ao lado de sua mala semipronta. Ficou ali pensando em todo o estresse, apontando os erros que cometeu até ouvir altas gargalhadas do quarto ao lado.

— Filho da puta!

Acalme-se Jill. É apenas o primeiro dia.

— - -

Chris não conseguia tirar o sorriso do rosto. Tinha conseguido tudo que queria até mesmo perturbá-la até último momento juntos. Se todos os dias forem assim... Pensava. Logo, voltou atrás e riu do que tinha pensado. Primeiro dia: Um a zero pra mim!

Logo tomou do bolso o papel que tanto estava intrigando-o. Ao voltar para o quarto, sentou-se na beirada da cama e começou a ler.

Jill...

Como está o meu raio de Sol? O brilho da manhã de todos os meus dias? Ela pensa em mim, pensa na nossa banda ou a grande Chicago lhe deu novos sonhos e novos projetos?

Penso sobre isso todos os dias aqui, Jill. O pessoal ainda não se acostumou com a nova vocalista. Não há ninguém com talento suficiente para se comparar a você. Você é a única e exclusiva. Você é a única que eu nunca abriria mão. Nunca poderia te perder. Só de pensar nisso, meu coração dói.

Ah, aliás... Fiz uma música para você. Mas só vou poder mostrá-la quando te vir pessoalmente, olhando nos seus olhos e dizendo tudo àquilo que você é e ver seus lábios se curvarem positivamente sobre cada nota cantada. Espero em breve que você venha nos visitar. Maryland te ama.

Ah, senhorita Valentine... Se algum homem soubesse o quão especial que você é não perderia tempo em te ter. Você é um presente especial, o mais surpreendente e fazer você feliz é uma missão na qual ele teria a honra de morrer para ver isso acontecer. Mas se ele apenas brincar com você, não medirei esforços para matá-lo. Tomara que você encontre alguém que te faça feliz. E se não encontrar, ainda tem os meus braços para adormecer.

Com toda ternura e carinho... Para você a quem amo com todo meu coração.

Carlos Oliveira, seu poeta apaixonado.

Carlos... Seu poeta apaixonado...bla bla bla. Quanta asneira em uma carta! Jill Valentine, minha pura e amada por toda Maryland... Espera... Pura e amada... Pura, Mary de Maria... Virgem Maria. Ah, agora entendi essa carta idiota. Ela é a virgem Maryland! – Disse em altas gargalhadas. – Ela que se comporte, se não toda essa carta pura e imaculada vai para a puta que pariu. Aliás, eu não tenho medo da morte. – Disse ao amassar a carta e jogar no canto do quarto enquanto se preparava para tomar um banho.