Descendants - In Reverse

XII - Armaduras Quebradas


—Primeira vez? – perguntou Boa, rindo.

—É, digamos que encontros não são exatamente o foco do pessoal da Ilha, a coisa lá é mais em bandos – ele deu os ombros – A não ser é claro, se estivermos falando do Ethan.

Boa corou – Eu me referia ao doce!

Ele olhou para mãos esfareladas – Ah, deu pra notar?

—Mais ou menos... – ela limpou as próprias mãos na calça, pegou um lenço de papel e se aproximou, limpando o rosto dele – Melhor!

—Ainda bem que não fomos para a cidade... Imagina a vergonha que eu te faria passar? – ele brincou.

—Acredite, não tem como passar mais vergonha do que eu – ela suspirou, olhando para as calças sujas de açúcar.

—Sabe, eu nunca tinha visto você de calça antes – ele falou.

—É, eu sei que é estranho usar calça em um encontro, mas... São poucas as vezes que posso sair de vista. – ela sorriu de canto – São poucas pessoas que veem como eu realmente sou.

—Uma princesa que usa jeans – ele brincou – Mas fica bem em você, parece mais alta. Mais velha.

—Obrigada – ele piscou, surpresa. Ele se perguntou como ela podia se impressionar tão facilmente com elogios, já que sendo a princesa ela deveria ter crescido cercada por eles – Então, faz quase uma hora que eu estou falando... Isso não é um pouco injusto, digo, com as minhas cordas vocais? Fala alguma coisa, você ainda não me contou quase nada...Aposto que sua vida é muito mais interessante que a minha!

—Eu... Não sou nada interessante – ele deu os ombros – Tenho 16 anos. Não tenho irmãos ou irmãs. Morei minha via inteira no mesmo lugar! Nada de especial!

—Viu só? Com essa já são quatro coisas em comuns – ela sorriu – Nós somos tão parecidos.

—Não, acredite, não somos nada parecidos. Eu sou um caso perdido, e... – ele fez uma cara séria – E em algumas semanas você será a rainha!

Ela respirou fundo, e ergueu uma sobrancelha – Vou?

—Bem, pelo menos foi o que eu ouvi falar – ele riu – O que foi?

—Uma coroa, um vestido bonito... Isso não me fará uma rainha – ela deu os ombros.

—Tecnicamente falando, fará sim – ele provocou, mas ela não riu.

—Não... Não farão – ela pareceu triste, olhando para a água – Meus pais são, o pilar do bem e da honra. Todos esperam que eu seja exatamente igual, ou melhor, do que eles, mas... Eu cometo erro atrás de erro. Eu tenho medo de falhar, mas tenho ainda mais medo de acertar! Não quero passar o resto dos meus dias na sombra dos meus pais... Quero fazer a coisa certa do meu jeito, por mim mesma. Ou fazer a coisa errada por mim mesma. Consegue entender?

—Consigo – ele falou, sem nem pensar – Você nem faz ideia de como eu entendo isso.

Ela se virou para ele, com um sorriso gentil – Eu aqui, tagarelando. Nem imagino como deva ser viver as sombras da rainha das trevas.

Maison não queria falar nada. Mas então, ele encontrou os olhos dela e começou a desabar.

—Todos esperam o meu pior, sempre... É como se a sombra dela estivesse o dia inteiro, vinte e quatro horas atrás de mim, me vigiando, garantindo que nada saia do seu controle – ele começou a falar – Todos esperam que eu seja o mais manipulador, cruel e mentiroso de todos... Eu sei que até mesmo os meus “amigos” veem segundas intenções em tudo que eu faço e digo. Isso me assusta. A possibilidade de não ser tão mal assim. Mas...

—Mas?- ela ergueu uma sobrancelha. Não o julgava, ou o temiam, apenas uma curiosidade genuína brilhava nos olhos dela.

—Mas me assusta ainda mais a possibilidade de, de fato, ser tão terrível quanto esperam de mim – ele desabafou.

— Eu não espero, que seja terrível – ela falou – Não acho que possa, mesmo se quisesse... Agora, olhando nos seus olhos, não acho que poderia machucar alguém.

—E isso é bom? – ele ergueu uma sobrancelha, sentindo suas paredes se armarem de novo.

— Isso só você pode descobrir – ela sorriu.

—Eu queria não ter que descobrir nada, só fugir disso tudo – ele suspirou, mas para si mesmo do que para ela.

—Se só você pode ser, ou fazer algo, e não se dá nem ao trabalho de tentar... Você já está errando! – ela falou, se levantando – Eu vou entrar na água, vem comigo?

—O que? – ele piscou, surpreso – Ah, não... Eu nem trouxe roupa de banho, nem nada.

—Acho que foi uma má ideia fazer uma surpresa – ela mordeu o lábio inferior – Então, por que não fica aqui e... Come um morango? Eu já volto!

Ele riu, enquanto ela se afastava correndo em meio a mata. Ele pegou uma das pequenas frutinhas vermelhas e colocou na boca, se surpreendendo com o gosto que ela possuía. Era incrível, confuso, doce e azedo. Muitas coisas em Auradon eram assim.

...

Boa suspirou, sentindo as pedras quentes sob os pés por um minuto, enquanto a mente zumbia. Parecia que por alguns minutos, quando o vapor d’água lhe atingiu no cloreto, ela sentiu a mente clarear. Agora, parecia um pouco zonza de novo.

-O que é isso no seu umbigo? – gritou Maison do cloreto, parecendo espantado. Ela engoliu em seco, abraçando a própria barriga. Tinha esquecido completamente daquilo – É um piercing?

—Não conta pros meus pais! – ela gritou de volta, rindo, antes de pular na água. Seu corpo afundou, a água a pressionando por todos os lados. De repente as coisas começaram a flutuar em sua mente. Centenas de vozes gritando, vendo a própria vida como se fosse um filme, e não algo que aconteceu com ela. Como se não fosse ela mesma.

Maison. Biscoito. Pirâmide. Maison. Andrew. Cindy. Maison. Dany. Líderes de torcida. Enfermaria. Maison. Moto. Ponte. Cloreto. Maison.

Ele a havia enfeitiçado? Ela arfou, surpresa, soltando todo o ar, em seguida sentindo a água se mover violentamente e voltando a superfície. Maison havia sumido.

Ela olhou em volta, confusa. Seria possível que ele tivesse previsto o efeito do lago e fugido?

—BOA! – ela arregalou os olhos, vendo o maço de cabelo roxo flutuando no meio do lago, se debatendo.

—Maison?– ela franziu a testa. Era Maison. Dentro d’água. Se afogando. Ela prendeu o fôlego e mergulhou, nadando até onde ele estava e o ajudando – Tudo bem, calma, aqui... Se segura em mim! Você está bem?

—Bem... Bem? Eu pareço bem? – ele grunhiu, sentando no cloreto e espirrando água até não poder mais.

—Você... Não sabe nadar? – ela perguntou, surpresa.

—Ah, deu pra notar? – ele ergueu uma sobrancelha. E cá estava, a verdade... Ele não era o príncipe encantado que sua mente enevoava dizia, mas por que mesmo assim ela se sentia tão fascinada?

—Você mora em uma Ilha! – ela exclamou.

—Com uma barreira em volta – ele bufou – Deveria lembrar disso, já que seus pais colocaram ela lá!

Ela piscou. Mas se era assim que ele era, tudo que falou a pouco era mentira? Tudo tinha sido apenas um jogo? Ela queria colocar as coisas a limpo, mas não podia parar de tentar descobrir por si mesma.

—E tentou me salvar? – perguntou ela.

—É, parece que isso está se tornando um hábito – ele grunhiu – E não me agradecer também!

—Obrigada – ela sorriu, se abaixando e pegando uma coisinha brilhante na água. – Toma!

—O que é isso? – ele ergueu uma sobrancelha.

—Só uma pedra bonita– ela deu os ombros. - Joga na água e faz um pedido

—Está me dando algo que eu vou ter que devolver pra água? – ele pareceu confuso – Que sentido tem nisso?

—Nenhum – ela deu os ombros novamente – Você pode guardar, se quiser, mas ai seu pedido não vai se realizar.

Ele fez uma careta, jogando a pedra na água com força e se levantando, se afastando da beirada.

Ela riu, revirando os olhos e subindo no cloreto. – Quer uma toalha?

—Pode ser, já que a sua pedra idiota não ajudou – ele bufou, mas não parecia mais tão irritado. Ela não se controlou e começou a rir. – Do que você está rindo?

—Você não pediu mesmo pra ficar seco, não é? – ela seguiu rindo – Maison, a magia não funciona assim!

—É, eu notei – ele riu, se sentando e secando o cabelo. Ela pegou outra toalha, passando sobre os ombros e sentando na frente dele – Então, já estou qualificado pra guarda real?

—Claro! – ela riu, e depois sentiu o rosto murchar. Ele notou.

—O que foi?

-Nada, é só que... Eu já disse que te amo – ela pensou em parar por um minuto, mas tinha que saber a verdade. Se tudo tivesse sido mentira, ela saberia de ver nos olhos dele – Mas você nunca... Disse... Se você me... Ama?

Os olhos dele assumiram um tom escuro, seu rosto um ar sombrio. Algo saltou dentro dela, o insistindo de sobrevivência que lhe ordenava correr, e algo mais forte, lutando contra esse instinto, que a fazia querer sobre ele e beija-lo. Qual era o problema com ela?

—Eu... Não posso responder, me desculpe – ele pegou a mão dela – Eu nem sei o que é esse amor, que todos falam.

Ela parou por alguns segundos, olhando para as mãos dos dois juntos. Ambas molhadas, geladas, ásperas... E de alguma forma louca ela se sentia tão aquecida.

—Bem... Eu queria poder explicar, mas não consigo – ela suspirou, e olhou para ele. Para seus estranhos e brilhantes olhos verdes – Mas talvez, se você quiser, nós possamos descobrir... Juntos.

Ela esperou, enquanto ele a olhava de uma forma estranha e maravilhada. Ela lembrou de seu pai, quando falou sobre sua proposta, e sentiu o mesmo medo da rejeição daquele dia. Então algo nos olhos dele mudou, ela piscou os cílios e antes dele responder ela sabia que havia ganhado.

—Eu iria adorar – ele deu um sorriso de canto, confirmando seu palpite.

Boa não sabia explicar como sabia dessas coisas, apenas olhava no fundo dos olhos das pessoas e sabia. Por que é o que acontece quando se ama.

...

O chão do quarto de Ethan e Maison estava coberto da porta até os pés das camas de sacolas de compras. Dany se perdeu duas ou três vezes enquanto tentava conta-las, tentando ignorar o trabalho de Maison no seu cabelo.

—Falta muito? – ela perguntou, pela milésima vez, e um jato de ar gelado bateu na sua cara – Tá, entendi...

—Se você não ficar quieta, vai demorar mais – ele riu, colocando o secador em uma temperatura mais quente – Eu estava pensando... O que você vai fazer com toda aquela tralha velha no seu armário?

—Eu não sei, tem um orfanato que eu ia com minha mãe quando era mais nova... Talvez eu doe para ele – ela deu os ombros, enquanto ele desligava o aparelho. – Acabou?

—Quase... – ele falou, remexendo em uma das bolsas e tirando a coisa que ela mais se arrependia de ter comprado: Maquiagem – Ah, não... Já é tarde!

—Feche os olhos – ele riu enquanto começava a passar algo no rosto dela – Então, como são seus pais?

—Meu pai é incrível, você sabe, ele é o Dunga. Ele adora música, teatro, festas... Tudo quando ele está por perto se torna divertido, mesmo dever de casa – ela riu, de olhos fechados – E minha mãe, é meio que o contrário... Ela se parece bastante comigo, só eu mais velha... E mais bonita.

—Ela também é sabichona? – riu Ethan.

—Muito... Não tem uma coisa que ela não saiba, e se ela não souber, ela vai procurar – ela riu – Ela sempre esquece o pingo do i, cantarola quando chove, e você nunca a vê sem uma xícara de café por perto. Cheia ou vazia. Ela que me ensinou a gostar de café. De apreciar a estabilidade de uma xícara de café e um livro. Ela...

Ela abriu os olhos, se endireitando na cadeira. Ethan observou enquanto ela começava a chorar. Era a primeira vez, ele percebeu, que via as barreiras dela caírem por completo.

—Desculpe – ela respirou fundo algum tempo depois, tentando sorrir para ele – Estraguei seu trabalho, não foi?

—Nem tanto – ele deu os ombros, pegando um lenço de papel e limpando os borrões do rosto dela – O que aconteceu com eles?

—Cindy, aconteceu – ela suspirou – Foi depois da festa de doze anos dela, nós nunca nos demos bem, e ela armou feio pra mim... E então tinha um menino que ela gostava, e ele me beijou. Ela ficou furiosa, e acusou meus pais de terem roubado uma pulseira dela... É claro que todos acreditaram na princesinha perfeita! Ela armou tudo, mandou uma das amigas dela na minha casa pedir um caderno emprestado, e plantou o maldito bracelete lá... Quando encontraram, eles levaram meus pais!

—Então... Eles estão na Ilha? – perguntou Ethan, perplexo. Nunca ouvira falar de nada do tipo na Ilha.

—Não, não estão... Graças a minha madrinha - ela sorriu melancólica – Ela intercedeu por eles, mas eles foram banidos para além da floresta de Sherwood, para trabalhar nas minas mais distantes do reino. Eles nunca podem voltar. Nem no Natal. Mas pelo menos eu sei que estão seguros!

—Quem é a sua madrinha? – perguntou ele, embora já previsse a resposta.

—A Branca, é claro – ela revirou os olhos – Ela é como uma segunda mãe pra mim, eu vivo com ela desde que eles foram embora!

—Entendo por que você odeia tanto ela – suspirou ele, passando com os dedos um pouquinho de brilho nos lábios dela – E agora, está pronta pra passar por cima disso!

—Acabou? – ela perguntou, os olhos brilhando em expectativa.

—Aqui – ele entregou o espelho da mãe para ela – O que acha?

—Ethan, essa... Não sou eu! – ela arfou, passando a mão pelo rosto – Não, não pode ser.

—É claro que é – ele pegou a mão dela, a levando até um espelho maior – Agora você é igual, por fora e por dentro!

—Artificial? – ela ergueu uma sobrancelha, brincando.

—Forte – ele corrigiu, levantando o queixo dela – Alguém que passou pelo que você passou, deveria parecer assim. Se quer usar uma armadura, Danielly, que seja uma armadura bonita!