A pele bronzeada e lisa havia sido substituída por um tipo de corpo similar em decomposição. Maze não tinha cabelo ali, a cabeça possuía apenas veias pulsantes, geralmente com um desenho que tornava cada demônio particular, no caso dela, um M, por isso o nome Mazikeen, sem Smith, só Mazikeen. Os dentes afiados e um olhar aguçado, conseguia ver o pior medo de cada um, assim tornava sua tortura melhor. Maze ficou alguns segundos atônita, acostumando-se com sua verdadeira forma; era assim que era. E manteria sua cabeça erguida.

—Ainda maravilhosa. – comentou Lúcifer.

—Eu sei. – ela murmurou. Mas ali, não tinha tanta certeza.

Os dois caminharam na trilha até o portal, ouvindo ao longe o som do desespero, dos gritos agoniados, do cheiro de medo e pecado. Maze sentiu suas entranhas revirarem de animação, talvez voltar não seja de um todo ruim. Quem sabe perseguir os malvados que acabaram sendo isentos da justiça da terra pela morte, poderia estender seu trabalho aqui.

—Lúcifer. – Maze murmurou ao ver o portão soldado. Não havia correntes o prendendo como de costume, simplesmente sumiu a abertura de entrada.

Um homem caminhava num estado de sonambulismo em direção ao portal atrás deles. Mais um mortal a ser recepcionado. Lúcifer viu, surpreso, o homem transpassar o portal, sem ele precisar ser aberto. Ele e Maze se entreolharam e decidiram fazer o mesmo. Caminharam até lá, Maze foi sendo sugada pelo portão, assim como o homem, mas para Lúcifer estava sólido feito pedra. De repente, sentiu enorme desespero, não sabia o que era, mas com certeza era algo sobre o que Miguel havia dito.

—Maze! – Lúcifer gritou e segurando-a pela cintura e a puxou, ele abriu as asas e usou toda a força sobre-humana que tinha, sentindo as lágrimas brotarem em seus olhos, temeu perder a amiga e a puxou com toda força que tinha.

Lúcifer sentiu seu corpo vibrar e por um momento achou que se transformaria, mas apenas um enorme brilho emanou de sua pele e então Maze caiu para trás, contra o peito de Lúcifer.

—O que houve?! – ela gritou assustada.

—Eu não consigo voltar! – Lúcifer levantou e encarou o portão. Se concentrou para tornar-se no diabo, no rei do inferno, mas suas asas permaneciam brancas e não havia sinal de seu rosto.

Lúcifer e Maze ficaram atônitos, sem saber o que fazer.

—Isso foi coisa dele. – grunhiu Lúcifer.

No fim do dia, Chloe havia aberto um inquérito quanto as empresas alimentícias suspeitas como uma prevenção futura apenas para despistar suspeitas, mas deu o caso como encerrado. Ela tentou contato com o celular de Lúcifer, porém estava dando desligado. Sem notícias da conversa com o irmão e seu sumiço a levou a dirigir ao coração de LA, precisamente a Lux.

Quando chegou na boate, ficou surpresa ao vê-la lotada. A música alta, as muitas mulheres e garçons distribuindo bandejas e bandejas de bebidas por todos os lados. Parecia réveillon em plena terça feira.

—Lúcifer! – ela o chamou ao ver o Diabo brindando com Maze no bar.

—Detetive! Chegou na hora certa! – ele sorriu e foi busca-la.

—Tentei te ligar! – ela disse.

—Ah, tive um imprevisto com o celular no inferno. Explodiu! Quem diria...

—No inferno? – rebateu Chloe.

—É, voltamos ao Inferno mais cedo. – informou Maze. Chloe arregalou os olhos.

—Relaxe, Detetive, estamos aqui! – antecipou-se Lúcifer. – Na verdade, fui barrado do inferno. Consegue sentir a ironia do diabo ser barrado do inferno?!

—E isso é normal? – perguntou Chloe pegando a bebida que o barman oferecia, digerir essa história sóbria não ia ser fácil.

—Não, nunca aconteceu isso em milênios. Mas a boa notícia é que os humanos conseguem entrar tranquilamente e Maze quase não conseguiu voltar se eu não intervisse, então posso ficar despreocupado com tentativas inoportunas dos demônios aqui na terra. Por isso a noite é de comemoração! – ele ergueu a taça e um grupo próximo ergueram também gritando em comemoração.

—O que o Amenadiel acha disso?

—Ele deve chegar mais tarde, depois de pôr a cria para dormir. Relaxe um pouco, Detetive! – Lúcifer terminou de beber seu drink. – Venha comigo até lá em cima, tenho uma surpresa para você.

—Surpresa? – ela perguntou, mas Lúcifer já a puxava pela mão até o elevador.

Quando chegaram ao apartamento privativo, um ambiente bem mais silencioso que o andar abaixo, Chloe fixou sua atenção num buque de flores e uma caixinha prata posicionados no sofá. Chloe caminhou até.

—São para você. – Disse Lúcifer a certa distância. – Bom, desde a minha última partida deixamos uma conversa pendente, e eu... eu, bem, não sabia como retomar então eu achei que flores fosse um bom começo. – ele disse e de repente não estava tão seguro assim se tinha sido uma boa ideia. Com certeza depois de todo esse tempo, a Detetive deveria ter perdido o interesse.

—E o que tem na caixinha? – ela sentou e abriu com cuidado o embrulho prata. Ali havia um tipo de broche em ouro num formato de asa. – Que lindo, Lúcifer! - ela o admirou fascinada.

—Era uma moeda celestial, me faria voltar à Terra caso eu fosse para o inferno, mas com as asas e o portal fechado, não farei mais uso... eu queria que ficasse com ela. Um jeito simbólico de lembrar que eu vou sempre voltar. A piada estava mais engraçada na minha cabeça, agora parece meio... bobo. – ele disse e não entendia porque estava tão nervoso. Chloe se aproximou e estendeu para ele o broche.

—Faz as honras? – ela pediu afastando o cabelo do colo e deixando espaço para Lúcifer colocar o broche. Ele o prendeu acima do coração e apreciou a pequena asa dourada subir e descer conforme Decker respirava.

—Bem, eu também queria pedir um favor. Amanhã terei que resolver alguns problemas que surgiram em minha ausência então eu talvez não apareça na delegacia ainda.

—É claro! Agora você tem que organizar sua vida, não se preocupe.

—Eu queria muito buscar a pestinha depois da escola para vê-la também, tenho assuntos especiais para tratar com ela.

—Tudo bem. – Chloe sorriu. – Eu vou avisar ao Dan.

—Ótimo! Estou devendo um castelo de bolos de chocolate para ela. – Chloe riu e Lúcifer teve aquela sensação no estômago que de vez em quando aparecia perto dela.

Os dois agora se olhavam, um olhar cheio de promessas e expectativas que palavras não eram capazes de se expressarem por si só. Agora que a tensão e o que os separavam foi resolvido, um grande buraco cheio de ansiedade havia se formado entre a dupla. Chloe se aproximou o tocou na face de Lúcifer, lembrava com detalhes vívidos do rosto sombrio que também possuía, e do quanto Lúcifer se envergonhava dela o ver. Aquele rosto não só a salvou, como salvou a humanidade. Ela não conseguia imaginá-lo agora como algo mau ou sentir medo, na verdade via certa peculiaridade angelical.

—Eu não acho que você irá olhar aquela imagem tão cedo. – Lúcifer tranquilizou, talvez imaginando o que a loira pensava.

—Que pena. Aquele rosto me salvou. Lúcifer, eu não me arrependo de nada que eu disse naquela noite antes de você partir. – ela confirmou séria. – Esses meses longe de você só me deu mais certeza dos meus sentimentos, na verdade. A dor que eu senti, o alívio ao vê-lo... foi indescritível.

—Faço de suas palavras as minhas. – ele disse.

—Eu amo você, Lúcifer. – ela o olhava, o corpo colando-se ao seu. Lúcifer acariciou seus cabelos e tocou sua testa na sua.

—E você me fez amá-la, Chloe. Como uma mariposa é atraída pela luz, foi natural e inegável.

Quando Lúcifer tocou em seus lábios, ele sentiu a mesma energia que emanou de seu corpo quando usou sua força no inferno para resgatar Maze. Era algo extremamente forte e surreal. Chloe enlaçou-o e deslizava suavemente suas mãos pelas suas costas. Lúcifer nunca se sentira tão forte, tão completo como naquele momento; parecia indestrutível. Sentindo a paixão crescendo, o desejo tomando seu corpo, segurou-a pela cintura e tornou o beijo mais feroz. Chloe gemeu por sob seus lábios e isso foi o suficiente para inflar todo o desejo que já sentiu por qualquer mulher na vida. Lúcifer nunca sentira nada igual.

De repente, eles ouviram o barulho do elevador e se assustaram. A imagem de Amenadiel e Maze surgiram no andar.

—Oh não. – Amenadiel murmurou constrangido.

—Nossa, você tá sentindo toda essa tensão sexual? – Maze comentou andando em volta de Lúcifer e Chloe.

—Maze, chegamos em má hora, vamos! – Amenadiel a chamou do elevador.

—Agora que vocês conseguiram estragar com todo o momento falem logo o que vieram fazer. – Lúcifer comentou aborrecido.

—Maze, para de me cheirar. – pediu Chloe se recompondo.

—Tensão sexual acumulada, com certeza. Punimos alguns assim no inferno! – ela sorriu lembrando.

—Desculpem, de verdade. – começou Amenadiel. – Mas eu preciso conversar com você, Luci. É urgente.

—Vou deixá-los a sós. A Trixie está me esperando em casa. – disse Chloe depressa, pegando a bolsa do sofá. Então se retirou.

—Muito obrigado, irmão! – explodiu Lúcifer assim que Chloe desceu pelo elevador.

—Sinto muito, Luci! Eu não imaginava!

—Agora diga logo. – Lúcifer se jogou no sofá de péssimo humor.

—Maze me disse o que aconteceu no inferno. Pode me explicar como o Diabo não teve acesso ao inferno?

—Simples, irmão, eu deixe de ser o diabo! – Lúcifer disse irritado, se levantando. – Veja! – ele abriu as asas que se ergueram grandes e imponentes, num branco tão vívido que doía encarar muito tempo. – Sem asas de diabo, sem rosto de diabo. As asas nunca reluziram tanta quando agora!

—Luci! – Amenadiel comentou horrorizado – Suas asas estão vibrando!

—Exato! Está assim desde que fui a Cidade Prateada.

—O que? Você realmente foi? Irmão, como não pôde me contar uma coisa dessas! Viu a mãe?

—Vi, ela está lá ainda. Mas até então não tentará nada contra o pai, ficou tranquila quando viu que o Pai estava tentando me aproximar do céu de novo.

—O que houve?

—O infeliz do Miguel apareceu, alegou que o Pai queria me ver, mas obvio que eu saí! Depois ele veio a Terra informar que o pai consertará o que havia sido quebrado, algo me diz que está relacionado aos portões do inferno a qual eu não pude mais ter acesso.

—Luci, você não vê o que está acontecendo? O Pai quer que você volte! – Amenadiel sorria de orelha a orelha. – O filho rebelde e decaído terá sua ascensão. – recitou de forma enérgica.

—Estou feliz na Terra e mais ainda ao saber que meu compromisso no inferno não se fará mais necessário. – Lúcifer tirou um cigarro do bolso e o acendeu, precisava desestressar. –Por isso, não crie expectativas de me ver com aquelas roupas cafonas na Cidade Prateada.

—Bom, em outros tempos eu diria que era loucura recusar o chamado do pai, que deveria vê-lo e voltar a Cidade Prateada, mas eu entendo você, Luci! Estou contigo nessa, irmão. – Amenadiel sorriu.

—Obrigado, Amenadiel. Conte comigo também!

Continua...