Demigods Avengers

{Arco Gênesis} Capítulo Nove – Passados conturbados.


Ásgarðr, Castelo de Odin – Horário: madrugada, às 02h30min A.M

―Loki, tem certeza que você quer procurar por Thrym em Jotunheim? ―Encantor perguntou irrequieta enquanto encarava, preocupada, seu amigo, que estava imerso na análise de antigos mapas dos exploradores originais. ―Me refiro a estar preparado para uma situação desse porte, nós não conhecemos totalmente a extensão desse lugar nem mesmo a Tia Frigga conhece. ― disse apontando para a mãe de Loki, que estava apoiada na parede oposta pensativa, observando cada movimento de seu filho. ―Loki, eu te imploro como sua única melhor amiga, aborte essa missão suicida. ―Então, Encantor tentou usar seu recurso de ultimato que, muitas vezes, interrompeu seus planos irresponsáveis anteriores: ―Por mim, eu faço o que quiser em troca. Se não por mim, pela Tia Frigga.

Se Thor era o favorito de Odin, Loki era o “bebê” de Frigga. Ela amava ambos igualmente, porém, ela conseguia ver o que Loki escondia de todos os outros, o seu lado humano e frágil. Com o passar dos anos, a Rainha de Asgard viu seu menino de olhos ametistas crescer de um menino travesso a um feiticeiro temido extremamente poderoso, mas, sem perder sua essência de menino maroto. Ela temia que o descaso de Odin pudesse causar a ruína de Loki. Frigga não era cega, porém, demorou a perceber as atitudes de favorecimento que Odin possuía e que, pouco a pouco, obrigava Loki a procurar meios alternativos de chamar sua atenção, ultrapassando os limites físicos e mágicos de exaustão. Odin criou uma obsessão por poder em Loki, que assustava tanto Encantor quanto a ela.

―Encantor, eu já te expliquei o porquê eu preciso fazer isso. ―Loki respondeu sério sem tirar os olhos dos textos. ―Esperava que você tivesse sido convencida e parasse de falar no meu ouvido sobre a minha missão. Você está atrapalhando minha pesquisa.

―Loki... ―Encantor ia tentar argumentar quando seu amigo ergueu os olhos do mapa para encará-la, mostrando um olhar de pura determinação.

―Encantor... ―Loki retrucou de maneira mal-humorada, começando a mostrar sinais de irritação com a amiga de longa data.

Esse era um dos sinais de aviso que a jovem deveria guardar suas opiniões para si, se não quisesse ter um duelo mágico em plena Biblioteca Real. Encantor comprimiu os lábios em uma linha fina, entendendo que Loki estava irredutível em mudar de ideia. Ela suspirou cansada, bagunçando os longos cabelos loiros, e olhou para sua tia de consideração, Frigga, esperando por algum sinal de apoio; mas, a mulher de olhos azul-céu desviou o olhar para a janela aberta atrás de Encantor, não querendo ver a expressão decepcionada da jovem com sua reação.

Frigga sabia que Encantor esperava que ela pusesse um fim a essa loucura de Loki, mas, a mulher conhecia bem o temperamento de seu filho e sabia que se tentasse impedi-lo, Loki iria continuar querendo visitar o Reino dos Gigantes de Gelo, Jötunheimr, e poderia tentar arrumar outro meio. Outro possível meio que Frigga temia ser extremamente perigoso.

―Tia, por favor... ―Encantor implorou desesperada a mulher de cabelos cor de mel enquanto segurava os ombros dela e a chacoalhava. Sua voz beirava a histeria ao pedir: ―Faça alguma coisa, tia.

Mas, Frigga apenas mordeu o lábio inferior desviando o olhar novamente. Foi nesse exato momento que Encantor percebeu que tanto ela quanto Frigga perderam a batalha de vontades e ela teria que conviver com o fato de que Loki estava indo para Jötunheimr, e poderia não voltar com vida.

Tudo por causa dessa estúpida ideia absurda de que ele conseguiria um acordo de paz com o Rei dos Gigantes de Gelo, Thrym, então Odin iria enxergá-lo como um verdadeiro candidato ao trono. Ela sentiu ódio de Odin nesse momento. Imenso ódio.

Τάρταρος, Profundezas – Horário: madrugada, às 00h00min A.M

Kronos estava melhorando lentamente, mas, ainda estava fraco para sair do Tártaro. Gaia recorreu à magia, uma das pouquíssimas que conseguia realizar por utilizar a terra como base, e invocou um feitiço antigo para mascarar sua presença junto à de Kronos.

Ela permanecia alerta enquanto cuidava de seu filho, lembrando-se de quantas vezes havia avisado a ele que Réia ainda seria o motivo de sua destruição. A primordial da terra sempre quis que Febe fosse sua nora, mas, seu filho fora caprichoso e escolheu Réia; entretanto, quem era ela para julgá-lo, quando ela mesma já havia se enganado.

A mulher só podia cuidar bem de seu filho e se vingar daqueles que haviam lhe causado tanto mal. Isso incluía seus netos, Olimpianos.

―Meu pequeno ceifador, a mamãe vai cuidar de você muito bem e tudo vai ser como era antes. ― Gaia sussurrou baixinho no ouvido de seu filho adormecido. ―Quando nosso povo reinava próspero e em paz, antes de Urano enlouquecer com o poder... ― Gaia tentou reprimir os calafrios que percorreram sua espinha ao lembrar-se do estado constantemente alucinado de seu marido. ―Nós só precisamos ajudar o Caius e tudo ficará bem. ―disse mais como se estivesse tentando reconfortar a si mesma do que o titã adormecido. ―Tudo o que faço é por você, meu ceifador.

Ela depositou um suave beijo na testa de seu filho antes de voltar a acariciar os longos fios dourados de Kronos, contemplando o fogo crepitando e entrando em devaneios sobre o passado.

Ásgarðr, Castelo de Odin – Horário: manhã, às 10h30min A.M

Encantor contava as horas para o retorno de Loki. O castelo tornava-se extremamente monótono sem o deus da trapaça causando rebuliços e caos na morada dos deuses. Frigga também parecia notar a ausência de seu filho, pois, ultimamente encontrava-se sempre indisposta e melancólica. A única pessoa com quem conversava era Encantor, que não abandonou o lado da rainha em nenhum momento após o último contato de Loki.

Inicialmente, Loki tentou manter contato com Encantor através de magia, porém, com o tempo, as conversas tornaram-se cada vez mais esporádicas até que um dia encerrou-se totalmente. A última transmissão foi há três meses, Loki havia dito que estava fazendo progresso e alguns dos gigantes em Utgard já o estavam respeitando. Mas, quando a menina de olhos esmeralda o perguntou sobre a volta dele, o deus da trapaça desconversou e então, o som de uma erupção cortou a conexão.

Nesse dia, Encantor ficou um estado de nervos durante todo dia e manteve-se reclusa em sua recamara todo o dia, tentando em vão restabelecer a conexão perdida. Quando a rainha soube disso, Frigga só faltou querer abrir um portal no meio do salão de jantar e ir buscar seu filho, sozinha. Encantor sabia muito bem que a rainha era capaz desse extremo, demorou mais de duas horas para convencê-la a não fazer isso porque se Loki já era teimoso, Frigga era o dobro. Mas, ela conseguiu com dificuldade e precisou usar argumentos do tipo “Loki não iria querer isso, tia. Por ele, não faça essa loucura também. Não vou perder mais alguém importante para os Gigantes de Gelo.”

Pela primeira vez, Encantor permitiu-se mostrar o seu lado humano diante de Odin e seu próprio pai. Lado esse que ela aprendeu a manter escondido de todos com exceção de duas pessoas, seu melhor amigo e sua madrinha. A mãe de Encantor havia falecido antes d’a menina completar três anos e a mãe de Loki praticamente a adotou como filha postiça. Por isso que os dois são extremamente ligados desta forma.

Jotunheim, Fortaleza de Gelo – Horário: madrugada, às 03h17min A.M

Loki sentia suas forças se esvaindo cada vez mais rápido com o esforço para se manter acordado e em movimento. A sala de treinamento da Fortaleza de Gelo foi criada especialmente para absorver a energia dos soldados e cansá-los para testar seus limites de resistência. Por ter sido criada por magos de gelo, surgiam inimigos feitos de gelo para simular situações de combate surpresa. Ele estava há horas lutando sem pausas, tentando se provar digno diante dos gigantes após sua “derrota” humilhante no primeiro dia em que conheceu a sala de treinamento. Loki deu um novo significado a expressão “morrer de cansaço”.

Nesse momento, ele entendeu porque as tropas asgardianas perdiam na suas tentativas de dominação anteriores. Não era somente uma questão de conhecer melhor o território, as tropas eram treinadas dentro de um regime demoníaco e insano de sessões de combate surpresa.

Suor escorria pelo rosto de Loki para logo ser transformado em gotículas de gelo ao se chocarem com o ambiente extremamente frio e se quebrarem com os movimentos constantes e fluídos do deus da trapaça, que se tornavam cada vez mais lentos. Ele sentia-se à beira da exaustão, mas, o feiticeiro não iria parar depois de ter chegado tão longe para cumprir seu objetivo. Ele iria fazer sua mãe e Encantor orgulhosas dele, então, Odin finalmente iria dar-lhe o devido respeito. Com um sorriso afetado, que mais parecia uma careta de loucura por causa do cansaço, Loki desviou, por milésimos de segundo, de um machado arremessado por um dos guerreiros feitos de gelo.

Seus músculos queimavam em protesto pelo esforço, suor escorria cada vez mais e, em alguns momentos, seus membros pesavam demais para bloquear e se defender dos atacantes, dessa forma, seus braços e pernas ganharam vários cortes. “Sangue” fluía de seus cortes como afluentes de um rio, manchando suas vestes. A garganta extremamente seca e dolorida, sua respiração era ofegante. O peito queimava conforme ele inalava o ar gélido do lugar. Alguns pontos negros começavam a surgir em sua visão.

Então, Loki perdeu a pouca força que restava e seu cajado caiu no chão, suas pernas bambearam e seu joelho bateu no chão antes que seu corpo tombasse para o lado. A escuridão o tomou nos braços, a última coisa que viu foi o Rei encarando-o atônito e boquiaberto.

Jotunheim, Fortaleza de Gelo – Horário: tarde, às 15h30min P.M

―Você está me dizendo que esse deus do Reino de Odin, na verdade, é um dos nossos?! ― o Rei Thrym perguntou ao seu conselheiro particular com um erguer de sobrancelhas, sem esconder sua descrença e incredulidade. ―Esse pequeno projeto de carne humana... um nobre gigante de gelo. ― disse sarcástico e riu em uma mistura de desdém e ceticismo.

―Sim, Vossa Alteza. ― o conselheiro respondeu humildemente e, de forma, sincera. ―Isso explicaria o porquê ele sobreviveu ao nosso treinamento sem sofrer nenhum efeito comum dos soldadinhos e embaixadores de Odin.

―Mas, como poderíamos perder um dos nossos? Isso é impos... ―o Rei ia rebatê-lo confiante quando se lembrou de anos antes, houve uma criança perdida no meio de uma invasão de Odin ao Reino...

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Jotunheim, Fortaleza de Gelo – Horário: madrugada, às 01h30min A.M

Guerreiros de gelo corriam depressa de um lado a outro carregando armas de todos os tipos pelo castelo, se preparando para batalha que se iniciava. O Rei deu o comando para se iniciar o protocolo de defesa. Um grupo ficou responsável por evacuar as empregadas e crianças para o Monastério, que serviria de asilo temporário, ao Norte de Jotunheim. A ordem era pegar o necessário e fugir pelos túneis subterrâneos secretos com o máximo de crianças que conseguirem.

O som das catapultas de Odin, arremessando objetos flamejantes contra as muralhas do castelo, causava terror às crianças, que ainda não eram maduras o suficiente para entender o que estava acontecendo, e as mulheres tentavam em vão acalmá-las enquanto seguiam os soldados.

Então, em meio ao caos, surgiu uma mulher trajando um conjunto de armadura de placas metálicas, na cor escarlate. Possuía duas espadas, de cor dourado brilhante, cruzadas nas costas e uma lança em mãos. Somente seus olhos ametistas extremamente intensos podiam ser vistos de dentro do capacete. Um de seus subordinados notou a presença etérea e gritou para seus compatriotas:

―Companhia Laufey, saúda a General Ran.

―Não é necessário, Bergelmer. ― A mulher respondeu séria em um gesto de silêncio. ―Já preparam as barricadas?Os arqueiros...

―Estão sendo auxiliados pelos servos para atirarem em qualquer divindade que se atreva a chegar muito perto dos portões. ―Bergelmer respondeu a general enquanto a mesma observava, com tristeza, alguns corpos carbonizados no pátio central. Nem todos os objetos flamejantes atingiam as muralhas, alguns conseguiram atingir soldados que estavam organizando as defesas. ―Os besteiros estão sob as torres e janelas do palácio, tentando ganhar tempo para evacuarmos todas as crianças do palácio. Um dos servos acabou de avisar que os deuses estão tentando arrombar os portões sul do castelo com uma tora, mas, não estão conseguindo resultados. Entretanto, não sabemos por quanto tempo.

A general estava pensando em um jeito para tentar desviar a atenção do castelo para outro lugar que não coincidisse com o caminho em que os túneis ficaram mais próximos da superfície e seria possível ouvir as crianças fugindo para o Monastério. Quando ela viu a estátua da recém-falecida esposa do jovem príncipe e teve uma ideia.

― Bergelmer, eu preciso que peça as tropas de Gerda e de Gymir para cobrirem as tropas do palácio. Eu tenho um plano, mas, irei necessitar do máximo de manipuladores que conseguir sem desestabilizar as nossas tropas.

―M-mas, General...

―Isso não foi um pedido, Bergelmer. Foi uma ordem.

Jotunheim, Fortaleza de Gelo – Horário: tarde, às 17h30min P.M

O confronto havia sido custoso para ambos os lados, mas, os gigantes venceram a batalha. Os gigantes irão precisar reconstruir o castelo que foi parcialmente destruído, muitos soldados se feriram e precisavam de tratamento emergencial. Por essa razão, a general convocou Bestla, Hymir e Ymir para auxiliarem os curandeiros. Ran estava exausta física e mentalmente, porém, iria checar como seu filho, Lothur, estava se sentindo após presenciar parte do que acontecia nos campos de batalha somente com dois anos de idade. Seu instinto materno era maior que a exaustão.

O pobre garoto havia se perdido dela durante o caos da invasão, enquanto Ran foi procurar Bergelmer, e havia visto um dos soldados ser atingido no peito por um objeto flamejante e ser queimado vivo diante de seus olhos. Quando ela chegou, o estrago já havia sido feito e o menino estava em choque. Os olhos ametistas arregalados, boquiaberto e o semblante em uma mistura de palidez e náuseas. A mulher pediu, então, que Bestla acompanhasse o menino para o Monastério junto com as outras crianças enquanto ela iria ficar e proteger o palácio.

Quando Bestla surgiu acompanhada dos outros gigantes, porém, sem Lothur que adorava segui-la não importava onde fosse. Ran ficou preocupada, porém, Lothur gostava de lhe pregar peças desse tipo até porque ele adorava brincar de esconde-esconde, usando seus poderes.

―Bestla, onde está o meu menino?― a general Ran perguntou receosa notando a falta de seu filho, mas, a expressão triste e pesarosa da outra fez com que Ran temesse a resposta que ia receber. Então, a mulher tentou chamar por seu filho: ―Lothur, mamãe não está mais brincando. Apareça!

―Ran, eu sinto muito. Ele estava ao meu lado e bastou um segundo para que me distraísse cuidando de uma empregada que entrou em trabalho de parto, Lothur está... ―Bestla não conseguiu completar a frase, pois, foi atingida por uma crise compulsiva de choro. ―Ele está...

―Está o quê, Bestla?!Fala de uma vez!

Nesse momento, Ran já estava desesperada com as hipóteses do que podia ter acontecido com seu filho. Seu amado Lothur era o único legado deixado por seu falecido marido, Aegir.

―Ele sumiu!Alguns deuses de Odin conseguiram encontrar alguns dos túneis... Eu não... Eu não sei se ele sobreviveu... ou não. ―Bestla confessou abaixando a cabeça, sentindo-se extremamente culpada pelo ocorrido. Eu disse a ele para ficar perto de mim, mas ... ― a mulher tentou se justificar para Ran, porém, ela estava transtornada demais para sequer dar atenção ao que Bestla dizia.

Meu bebê, não... não...não!Impossível!Ele não morreu!Meu Lothur não está morto!

Os gritos dela em meios aos prantos reverberaram por todo o castelo e eram de cortar o coração. Não há palavras para descrever como Ran se sentia naquele momento, somente quem já perdeu um filho pode compreender o estado em que ela se encontrava. Bestla pediu para os dois gigantes levarem Ran para um dos quartos para que ela pudesse descansar enquanto digeria a notícia. A general estava sofrendo demais para sequer notar os olhares piedosos e compassivos que recebia dos sobreviventes ao tempo em que era carregada por Hymir e Ymir.

Bestla foi avisar ao príncipe que estava confuso com o comportamento de Ran.

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Infelizmente, o filho de Ran nunca foi encontrado, porém, ela nunca perdeu a esperança de que ele havia sobrevivido. Talvez fosse um jeito de lidar com a perda, ou um modo para que não recorresse ao suicídio. O que realmente importa à história é que Ran nunca mais foi a mesma pessoa após esse dia. Ela tornou-se a guerreira mais cruel e sangue-frio de todo o exército de gelo, capaz de dizimar dezenas de soldados asgardianos, sem sentir uma mísera parcela de remorso.

―Você acha que ele pode ser... Lothur?― o Rei perguntou curioso ao seu conselheiro, que assentiu enquanto desviava o olhar para Loki. ―O filho de Ran pode ter sobrevivido como ela disse anos atrás. ―murmurou para si mesmo pensativo enquanto analisava o deus da trapaça.

Isso mudava bastante a situação de Loki no Reino dos Gigantes de Gelo.