De Janeiro a Janeiro

Capítulo 24 "Preciso de um terno!"


Eduardo

Por sorte, quando voltei a quadra não havia nenhum vestígio do meu pai. Apenas Janjão estava por ali, chutando a bola para o gol várias e várias vezes, enquanto me esperava.

—Finalmente! -ele exclamou quando me viu. -Quinze minutos, não é? -perguntou com sarcasmo, como se esperasse uma explicação sobre a minha demora.

—Me desculpe. Acabei atrasando um pouco. -foi tudo oque eu disse, por isso ele continuou com os olhos em mim, como se estivesse me analisando. -Obrigado por ter me coberto. -completei.

—Cara, o que está rolando entre você e essa garota? -ele perguntou, e agora era eu quem o olhava confuso. -No início tudo bem, porque eu achei que era só uns pegas, mas você não desgruda mais dela.

—Eu vou levá-la ao baile. -contei, esperando que aquilo explicasse toda a relação.

—Você vai levar a Garota-Sombria ao baile? Ano passado você levou a princesinha loira. Que evolução! -Janjão disse, mas eu poderia perceber a ironia no seu tom de voz a quilômetros de distância. -Não sei se você se lembra, mas nós costumávamos zoar dela. Não pode leva-la ao baile.

—Mas ela já aceitou, bro.

—Essa garota é problemática.

—Um pouco. -respondi, aquilo era de fato verdade.

—E também é antissocial. -ele continuou.

—E ela não quer se envolver seriamente comigo. Tem medo de se abrir com outras pessoas, por isso a maior parte do colégio não gosta dela. Isso sem contar que a mãe dela me odeia, e meu pai não a suporta. E tem grandes chances dela partir meu coração. -eu completei, continuando a citar os defeitos de Bia e os motivos pelos quais não deveríamos ficar juntos.

—Então por que está insistindo nisso? -Janjão finalmente perguntou.

Olhei para a bola de futebol, e apenas alguns segundos depois voltei os olhos para Janjão.

—Tô apaixonado por ela.

Silêncio.

—Você está completamente ferrado.

—Eu sei.

(…)

Beatriz

Quando ouvi a batida na porta, corri para atender, na esperança que minha mãe tivesse esquecido a chave e pudéssemos recomeçar a nossa discussão, afinal, já havia quase dois dias que não nos falávamos direito.

Mas não se tratava dela na porta.

—Preciso de um terno. -a voz de Samuca soava trêmula, como se eu fosse a sua última opção.

—Você namora Viviane Martins, e vem pedir conselhos de moda para mim? -perguntei, escorando-me na porta, achando a situação hilária.

—Ela é meu par, não posso falar com ela sobre isso. -ele se explicou, mas na minha opinião estava levando esse baile a sério demais, oque não é do feitio do Samuca, então desconfiei imediatamente. -Por favor. -ele insistiu, me olhando com uma cara de cachorrinho sem dono que tenho certeza que é impossível de se resistir.

Respirei fundo, pegando meu casaco, posicionado ao lado da porta, e em seguida saindo pela mesma.

—Você me deve uma. -digo a ele assim que saio.

(…)

Entramos logo na primeira loja de roupas e fantasias que conheço, Samuca estava dizendo pela décima vez que Vivi não pode saber disso, concordei com a cabeça, ainda estranhando o fato dele achar aquilo tão importante. Analisei a lugar com o olhos, procurando por ternos.

É nesse mesmo momento que vi José Almeida Campos, exatamente no corredor dos ternos.

Acompanhado de uma mulher…

—O que você está olhando? -Samuca notou, também levando seu olhar para lá, mas rapidamente pego a primeira roupa que vejo e coloco sobre ele.

—Experimenta isso! -ele olhou para roupa, que só então vejo que é uma blusa amarela cheia de miniaturas de abacaxis, nem um pouco o estilo do Samuca e nem um pouco apropriada para um baile, não consigo evitar o riso quando ele me olha, fazendo uma expressão impaciente.

—É só para eu ver o tamanho, eu entendo disso. Vai logo! -disse, o empurrando rapidamente para o provador.

Só quando ele entrou voltei a encarar o novo prefeito da cidade. A mulher loira estava com os braços entrelaçados nos dele, enquanto parecia escolher suas roupas. Me aproximei para escuta-los.

—Não viemos aqui para roupas pra mim, querida. O que a minha cidade iria pensar? -ele perguntou a loira de cabelos cumpridos que não parecia ter mais de trinta anos.

—“Minha cidade’’? Isso é tão excitante! -ela disse se aproximando dele, senti tanto nojo que poderia vomitar.

Que canalha!

—Mas deveríamos estar olhando roupas para recém-nascidos. -ele disse a ela, levando sua mão até a barriga da mulher.

Não seria…

Mas nesse mesmo momento sinti seus olhos nos meus. Droga! Me virei rapidamente, mas é tarde demais. Tenho certeza que ele me viu.

—Ficou horrível. -Samuca diz saindo do provador completamente desanimado. -Tudo bem, Bia? -ele perguntou, provavelmente percebendo o meu estado de choque.

Olhei novamente para onde o pai do Duda estava, mas não tem mais uma alma viva no local.

—Sim. É que eu pensei ter visto alguém, bobagem. -menti, ele fechou um pouco os olhos, desconfiado. Mas depois relaxou.

—É o meu tamanho. -ele diz, voltando a falar sobre a camiseta horrível que eu o obriguei a vestir.

—Tira isso agora! -digo, jogando um chapéu por cima dele. Mas ele pegou com facilidade, colocando o por cima da cabeça.

—Agora sim, sou completamente estiloso! -ele brincou, fazendo uma pose. Não consigo não rir, agora ele está completamente ridículo.

—Sem sombra de dúvidas. -respondi ainda rindo, ele jogou o chapéu em mim.

—Experimenta. -não resisti ao impulso de colocá-lo na cabeça.

Samuca gargalhou alto.

—Agora só precisa de um vestido e está pronta pro baile.

Alguns minutos depois nós dois já estamos brincando de quem tem as fantasias mais ridiculamente engraçadas. Corri para o provador colocando um vestido mega-colorido e um óculos escuro. Quando saio para mostrar ao Samuca, ele está com uma máscara do Batman.

—Preciso de uma carona no Batmóvel. -comentei, imitando a voz de uma patricinha.

Tirei os óculos, colocando uma máscara do Homem-Aranha que Samuca também havia achado pela loja.

—Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, meu neto. -Samuca citou o bordão do filme imitando a voz de um idoso.

—Posso ajudar? -Só então a atendente vem até nós, se assustando aos nos pegar fantasiados.

—Na verdade, o Batman aqui precisa de um terno e de uma máscara adequada para um baile. -contei a ela, enquanto tirava a máscara de Homem Aranha. Ela olhou para ele por alguns segundos.

—Já já eu volto. -foi apenas o que a mulher disse antes de se virar novamente.

(…)

Só quando o Samuca experimentou o quarto traje, com uma máscara dourada extremamente misteriosa e uma gravata borboleta, finalmente achamos o que fomos procurar.

—Ficou bom assim? -ele perguntou após sair do provador e eu dizer a ele que finalmente podíamos ir embora.

—Eu diria que a Cinderela vai pular em cima de você. -respondi brincando, enquanto ele se olhava no espelho.

—Tão bom assim, é? -ele perguntou, me olhando novamente. Assenti.

—E aqui está seu look ideal. -a atendente -que agora sabíamos que se chamava Riley, adorava bailes de máscaras e era super-fã da Marvel- voltou com um traje coberto por um pano preto. Só que dessa vez ela o entregou para mim.

—O quê? -perguntei confusa, mas só então meus olhos voltaram para o Samuca. É claro!

—Você também vai ao baile, precisa de uma roupa. -ele argumentou antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. Abri a boca para finalmente negar, afinal, eu provavelmente faria compras com a Vivi depois, mas ele e Riley já estavam me empurrando para o provador.

—Ele é perfeito pra você! -a mulher exclamou, fechando a cortina que nos separava. Decidi experimentar, não me faria mal algum. Mas Riley parecia saber oque estava fazendo, porque era mesmo minha cara.

E então nós dois saímos dali preparados para o baile.

(…)

Eu já sabia que havia algo errado desde que Samuca bateu na minha porta afim de conselhos de moda naquela manhã, mas só tive certeza disso quando ele me chamou para caminhar na praia.

—É muito grave? Pode dizer. Eu sei que tem algo errado. Fala logo! -fui direto ao ponto, assim que colocamos nossos pés na areia. Mas Samuca riu do meu desespero, e só depois começou a falar:

—Você sabe que eu não tenho muito contato com minha família, mas o meu irmão me ligou na semana passada e... -ele se perdeu nas palavras, como se não tivesse certeza se deveria mesmo me contar.

—E? -perguntei, agora curiosa.

—Uma gravadora está interessada em mim. E eu preciso sair do país. -ele contou de uma vez por todas, sinto um choque sobre mim.

E depois silêncio. Não consegui encontrar palavras, então Samuca continuou:

— Meu pai tinha escondido o envelope, mas meu irmão achou e viu meu nome. Eu vou me juntar á alguns outros garotos e vamos formar uma banda. Eles já tem quase tudo preparado , mas precisavam de um sexto integrante.

—Isso é… Muito bom mesmo! Como te acharam? -perguntei, ainda um pouco confusa, mas reconhecendo que não tinha como aquilo ser uma coisa ruim.

—Eu não sei, posso ter me inscrito em alguma dessas coisas, eu sempre me inscrevo.

—E você já contou pra alguém? -perguntei, é claro que eu estava falando da Vivi, mas imaginei que Cinderela tivesse me procurado caso ficasse sabendo.

— Só pra você. -ele respondeu, me surpreendendo.

—Se você tá querendo ajuda pra contar isso pra ela, não conte comigo! -afirmei, sabendo que eu não poderia fazer aquilo.

—Eu só precisava desabafar com alguém. E não posso contar para os meninos ou pra ela ainda. -ele explicou. O silêncio passou por ali por alguns segundos novamente.

—Nesse caso, eu vi o pai do Duda com outra mulher aquela hora na loja! -desabafei tão rápido que não tenho certeza se ele entendeu. -E ela parecia estar grávida... -completei, tirando tudo aquilo de dentro de mim antes que pudesse se tornar mais um daqueles segredos sufocantes que eu odiava guardar.

—Vai contar pra ele? -Samuca perguntou depois de finalmente compreender.

—Acho que sim. -murmurei, pensando em como diria aquilo a ele.

—Precisa contar! -ele afirmou.

—Você também.

—Eu sei... -ele respirou fundo, olhei ao redor, o dia estava nublado e tinha poucas pessoas ao nosso redor.

—Mas ela vai entender. Ela vai precisar entender. -digo a ele, mas no fundo sei que Cinderela não vai entender tão fácil assim.

—O problema é que a gente nem começou e já vai acabar.

—Vocês não vão terminar. -afirmei com certeza na voz.

—Como sabe disso?

—A Vivi nunca foi do tipo que desisti fácil das coisas.

—Eu criei uma família aqui, é meu lar. Eu pertenço a esse lugar. Não sei como vou largar tudo. Eu tinha planos aqui também. -Samuca se queixou, parando de caminhar e simplesmente encarando o infinito do mar, ainda respirando fundo.

—E vai pertencer a outros também. Você não é o tipo de gente que nasce pra se acomodar a um lugar só, eu sempre soube disso. -falei com sinceridade. Samuca era do tipo de pessoa que assim que o conhecemos já sabemos que ele pode rodar o mundo inteiro e ainda assim não sossegar.

Silêncio mais uma vez. Ele alternou o olhar entre a água e a areia, parecendo com medo. Então de repente, eu o abracei com força, o surpreendendo, na tentativa de fazer com que ele se sentisse melhor. Ele retribuiu. Nunca tive muitos amigos, mas ali eu sabia que tinha um. E agora ele iria embora…

Droga!