De Janeiro a Janeiro

Capítulo 25 "Organizando o Baile"


—Por que eu imaginei que você estaria aqui? -perguntei, após subir as escadas correndo e encontrar exatamente quem eu queria ver.

—É meu lugar, lembra? -Eduardo falou, até então ajoelhado no chão, olhando para o resto da escola que estavam sendo liberados agora, mas quando ouviu minha voz ele se levantou, virando-se para mim sorrindo. -E eu sabia que você iria me procurar aqui. -ele continuou. Eu sabia que ele estava ali porque Vivi tinha me avisado que ele matará a última aula, a de Artes, que não fazíamos juntos.

—Espero que você não se importe de eu usá-lo as vezes. -falei, me referindo ao telhado da escola, que também havia se tornado um porto seguro pra mim.

—Nesse caso, é o nosso lugar! -Duda declarou enquanto eu me aproximava, o abraçando.

—O nosso lugar? Gostei disso! -falei, enquanto ele passava os braços ao meu redor. -Mas por que matou a importante aula de Artes para estar aqui nesse seu santuário?

—Meu pai, claro. -eu podia ver a irritação no seu tom de voz, lembrei-me imediatamente que eu precisava contar oque tinha visto. Duda precisava saber o mais rápido possível sobre o provável caso do pai dele e de uma mulher grávida.. -Depois que virou prefeito está tudo ainda pior, como eu já previa.

—O que ele fez dessa vez? -perguntei ao mesmo tempo em que tento reunir alguma coragem para juntar as palavras “preciso te dizer uma coisa”.

—Primeiro ele quase me forçou a convidar a Janu para ir ao baile comigo, mas eu disse pra ele que já tinha um par. -ele piscou para mim, e adicionei a piscadela na minha lista de Coisas Mais Fofas Do Mundo imediatamente. -Então ele meio que me proibiu de ir, mas como as finais do campeonato estão perto minha mãe está pegando leve comigo e disse que resolveria isso pra mim. Como se alguma coisa fosse me impedir de dançar com você amanhã a noite.

A pequena dose de coragem que tinha conseguido colecionar depois de muito tempo ensaiando sumiu no mesmo instante.

—Não se preocupe, está cada dia mais perto de nós finalmente sairmos daqui.

—Nós? -ele perguntou, não perdendo a chance de brincar, como se possibilidade de ficarmos juntos até o último dia do terceiro ano fosse algo impossível.

—Você entendeu. Ainda temos nosso acordo, de nos encontrarmos para beber alguma coisa e conversarmos sobre nossas vidas perfeitas quando formos mais velhos. -falei me lembrando do trato que havíamos feito a algumas noites atrás, naquele mesmo lugar. Só que agora era um pouco diferente, eu não queria me encontrar com ele, eu queria já estar com ele. Mas é claro que eu não disse isso.

—Não vejo a hora de sairmos daqui.

—Devíamos fugir. -só percebi o que tinha dito aquilo alto demais quando captei o olhar de Duda sobre mim.

Ele devia achar que eu sou bipolar. Primeiro digo que ele precisa ter paciência, e depois o chamo para fugir.

—Oi?

—Depois que acabarem as aulas, temos dois meses de férias antes de termos que voltar e começar o último ano. Podíamos viajar sem deixar bilhetes, ou sei lá. -expliquei no mesmo instante, mas ele continuou me olhando como se eu tivesse dito que queria ser presa em uma cela com duzentos assassinos ou algo assim.

—Está falando sério? Você odeia fazer planos.

—Sim, odeio. -aquilo era um fato, mas eu iria pra qualquer lugar com ele. –Foi só uma ideia repentina, não me precisa me encarar assim. -me defendi.

—Você estava pensando em uma cidade mais romântica, ou algo com festas e jogos? -agora ele estava fazendo piadas, ótimo! Revirei os olhos.

—Preciso ir. Marquei com a Vivi. -falei, só então me lembrando que havia deixado ela me esperando.

—Ei, eu te pego as sete? -ele perguntou enquanto mordia os lábios. Outra coisa para a lista.

—Perfeito!

—E temos que conversar direito sobre essa viagem para Paris. -ele gritou, me fazendo rir.

(...)

—Onde eu estava com a cabeça quando topei participar da organização desse baile estúpido? -é a decima vez que Cinderela diz isso.

—Finalmente confessando é desnecessário?

—Eu não tive tempo nem para escolher um vestido pra mim. Por favor, nunca mais deixe que eu concorde com algo assim. -ela continuou, mas tenho quase certeza de que ela não estava me ouvindo.

—Não se preocupe, Cinderela. Vamos achar sua máscara, seu vestido e claro, seu sapatinho de cristal. -continuei, na tentativa de deixá-la menos tensa, a mesma não parava de reclamar desde que havíamos colocado os pés para fora da escola, mesmo eu tenha dito que já tinha tudo sob controle: eu iria apresenta-la a Riley, mesma mulher que eu e Samuca conhecemos quando compramos nossos trajes.

—Você diz isso porque já comprou seu vestido, e foi fácil pra você. Eu tenho cerca de… -ela conferiu o relógio. -Três horas para achar tudo.

—Riley vai encontrar tudo pra você em questão de minutos.

—Você está muito positiva e alegre, está me assustando. -ela diz, me fazendo rir de nervoso. Ela não tinha ideia do quanto eu estava uma confusão.

—Você e o Samuca andaram se falando? -perguntei, sabia que ele ainda não tinha dito nada a Vivi sobre a viagem, mas talvez ele tenha dado alguma dica.

—Ele disse que tinha uma coisa boa pra me contar, mas que ainda não podia falar. Parecia animado.

—Ah... -grunhi, fingindo estar surpresa.

—Eu não devia estar participando da organização do baile. Eu não sei organizar nem minhas próprias roupas. -Cinderela voltou o assunto, recomeçando a reclamação. Continuamos caminhando até finalmente chegarmos até a mulher que achou meu vestido, e só então ela fez Vivi se acalmar.

(...)

Sabe aquela sensação de primeiro dia de aula, quando você não conhece ninguém e entra na sala de aula, todos os olhares na sua direção, e aquele mesmo frio no estômago que você costumava sentir quando está na fila do caixa com sua mãe, e ela cisma que esqueceu alguma coisa, te deixando sozinha, apesar de você ser a próxima. Me sentia exatamente assim.

É claro que não era só por causa do baile de máscaras. Mas talvez por tudo que eu sabia que aconteceria nele. Eu teria que contar para o Duda o que tinha ouvido do pai dele, e Samuca finalmente diria a Vivi que vai sair do país. Por que não podia ser apenas uma noite de diversão pra todos?

—Mãe, eu vou ao baile! -gritei alto o suficiente para ela ouvir mesmo no andar de baixo. A verdade é que não conversávamos a dias, e ela precisava saber onde eu iria no dia seguinte, e com quem eu iria. Em menos de um minuto ela estava na porta do meu quarto.

—Não pode ir ao baile com o filho do José Almeida Campos.

—Mãe, eu sei que o cara não presta. Acredite, eu sei mais do que nunca. -ela não sabia nem da metade. -Mas eu gosto do Duda, e você sabe como é raridade eu gostar de alguém, quero ir a esse baile com ele.

—Você está mesmo querendo ir a este baile? Milagres realmente acontecem! -ela brincou, finalmente vi minha mãe de verdade de volta. Mas em seguida ela se virou, saindo do quarto.

—Mãe, o que isso significa? -gritei novamente, mas alguns segundos depois ela estava no meu quarto de novo. Só que agora tinha uma caixinha vermelha nas mãos. Ela se sentou ao meu lado na cama, me olhando fixamente antes de começar a falar:

—Seu pai me deu no dia que completamos dez anos de casados. No mesmo ano em que ele se foi. Você era tão pequenina, não deve se lembrar. Mas eu não me lembrava da data, estava em um caso importante no trabalho e eu tinha você pra cuidar. Mas quando eu cheguei em casa a noite, estava tudo pronto, tinha rabiscos seus por toda a parte, você tinha escrito “mamãe e papai” e desenhado centenas de corações. Seu pai colou todos pela casa, colocou umas velas, me entregou isso…

Ela abriu a caixinha vermelha. Havia um lindo colar lá dentro, folheado a prata, com um pingente de asas de anjos. .

—“Porque você ainda vai voar muito longe”, ele disse pra mim. -minha mãe respirou fundo, provavelmente pensando o mesmo que eu, ele que tinha voado para longe. -Foi uma noite linda.

—Não preciso saber dos detalhes sórdidos. -brinquei, fazendo minha mãe sorrir. Ela tirou o colar da caixinha, e se levantou para colocar em mim. Segurei meu cabelo, para que ela pudesse colocá-lo em volta do meu pescoço.

—Acho que ele iria gostar de ver com você.

—Obrigada mãe. -meus olhos estão cheios de água quando digo, e os dela já estão encharcados.

—Se quer tanto ir a esse baile com o Eduardo, vá. -ela disse, e em seguida me deu um beijo no rosto e saiu do meu quarto; como se não suportasse a ideia de eu vê-la chorando. Apertei com força o pingente de asas de anjos.

(…)

Samuca

—Meninos, podemos conversar? -falei alto o suficiente para que Rafa e Binho me ouvissem, mesmo estando em outros cômodos da casa.

—Conversar é? Foi o Binho que deixou aquela cueca em cima da mesa. -Rafa foi o primeiro a aparecer na sala, já pronto para o baile, com máscara e tudo.

—Mentiroso! -Binho surgiu logo atrás dele, de terno e gravata. Era a primeira vez que eu o via vestido daquela maneira.

—Não é nada disso! -exclamei, fazendo os dois pensarem, como se estivessem se perguntando oque tinham feito daquela vez.

—Olha só, parecem até homens de verdade. -brinquei, rindo.

—Por que ainda não está pronto? -Binho reparou. Na realidade eu estava pronto para me trocar, mas antes de me arrumar para o baile precisava deixar aquilo resolvido: eles precisavam saber!

—Preciso falar com vocês antes.

—Vai finalmente contar o que andou te perturbando nesses últimos dias? -Rafa dá o palpite, acertando.

—Como vocês sabiam que havia algo?

—Seu irmão andou ligando demais nos últimos dias, quando isso acontece geralmente é problema. -Binho me respondeu.

—Ah, bom… -hesitei, mas novamente respirei fundo. -Eu vou sair do país e tentar uma carreira internacional como compositor. -falei de uma vez por todas, torcendo para que eles tenham entendido.

Esperava que eles rissem. Mas eles permaneceram sérios, como se já esperassem por aquilo em algum momento. Os dois se entreolharam, mas permaneceram em silêncio.

—Eu só contei para a Bia até agora, vou ser o sexto integrante de uma banda que ainda está se formando, mas eles são muitos talentosos. Meu irmão me ligou porque achou a carta escondida na casa dos meus pais.

Mais silêncio.

—Isso é ótimo, cara. Parabéns! -Rafa foi o primeiro a comentar, e se aproximou para me abraçar.

—É, muito bom. -Binho concordou. -Por que demorou tanto a nos contar?

—Eu não sei, acho que fiquei com medo da reação de vocês.

—Nós somos melhores amigos, você sabe que não precisava disso.

—É que eu ainda não tinha certeza.

—E você já tem uma data? -Binho continuou a série de perguntas, hesitei ao ouvir aquela.

—Mês que vem, eu sei que tá muito em cima. Mas primeiro eu vou apenas para conhecer o lugar e o pessoal.

—Você precisa contar a Vivi. -Rafa quase ordenou.

—Eu não sei, vai ter que ser esta noite.

Nesse mesmo instante a campainha tocou. Agora nós três nos entreolhamos.

—Eu atendo. -Binho disse, indo rapidamente até a porta.

Binho abriu a porta, enquanto Rafa me cumprimentava novamente.

—Hm… Samuca? -Binho disse, com confusão na voz.

Olhei em sua direção imediatamente, e só então entendi.

Era minha mãe na porta.