O sol afundava atrás do longo braço ocidental das montanhas quando Savos partiu com seus companheiros, e o jarl com seus soldados, partiram de Winterhold. Savos levou Ralof na garupa do cavalo. Dois dos homens do jarl foram na frente, cavalgando rápido, e logo sumiram de vista dentro do vale. Os outros foram seguindo num passo tranqüilo.

Os gigantes, numa fila solene, ficaram como estátuas junto ao portão, com os longos braços erguidos, mas sem fazer qualquer ruído. Ralof olhou para trás, quando já tinham descido um bom trecho da estrada sinuosa. O sol ainda brilhava no céu, mas sombras compridas alcançavam Winterhold: ruínas cinzentas caindo na escuridão.

Agora Malatar estava sozinho ali, como o tronco distante de uma velha árvore: Ralof pensou em seu primeiro encontro com ele, sobre o patamar ensolarado lá longe, nas fronteiras do Descanso da Tempestade.

Chegaram ao pilar do Olho Branco. Ainda estava de pé, mas o olho esculpido tinha sido derrubado e desfeito em pedaços. Bem no meio da estrada jazia a grande pupila, branco no crepúsculo, seu centro enegrecendo.

— Os gigantes prestam atenção a todos os detalhes! — disse Savos.

Continuaram cavalgando, e o anoitecer se aprofundou no vale.

— Vamos cavalgar muito esta noite, Savos? — perguntou Ralof depois de um tempo. — Não sei como você se sente com essa gentalha pendurada atrás de você, mas a gentalha está cansada e ficaria feliz em parar de se pendurar e se deitar.

— Então você ouviu aquilo? — disse Savos. — Não se ressinta! Fique agradecido por não ter tido palavras mais longas endereçadas a você. Ele estava com os olhos em você. Se for algum consolo para seu orgulho, eu diria que, no momento, você e Meeko estão mais nos pensamentos dele do que todos nós. Quem são, como chegaram até lá e por quê; o que sabem, se vocês foram capturados e, em caso positivo, como escaparam enquanto todos os dremoras pereceram - é com esses pequenos enigmas que a grande mente de Ancano está preocupada. Uma zombaria vinda de Ancano, Ralof, é um elogio, se você se sente honrado com a preocupação dele

— Obrigado! — disse Ralof. — Mas é uma honra maior pendurar-me em sua cauda, Savos. Pelo menos por uma coisa: nessa posição se tem a oportunidade de fazer uma pergunta pela segunda vez. Vamos cavalgar muito esta noite?

— Peço desculpas. Mas já pensei até nessas questões menores. Vamos cavalgar por algumas horas, com calma, até chegarmos ao fim do vale. Amanhã deveremos cavalgar mais rápido. Quando viemos, nossa idéia era voltar direto de Winterhold para a casa do jarl em Riften através das colinas, uma cavalgada de alguns dias. Mas pensamos melhor e mudamos o plano. Mensageiros já foram na frente para a Vigília da Nevoa, para avisar que o jarl está retornando amanhã. De lá ele partirá com muitos homens para a Pedra de Shor, por trilhas que cortam as montanhas. De agora em diante não mais que dois ou três deverão ir abertamente pelos campos, de dia ou de noite, e só quando necessário.

— Com você é tudo ou nada! — disse Ralof. — Receio que eu não estivesse pensando em nada além da cama de hoje à noite. Onde ficam e o que são a Vigília da Névoa e todo o resto? Não sei nada sobre esta região.

— Então é melhor que aprenda alguma coisa, se desejar entender o que está acontecendo. Mas não agora, e não por meu intermédio: tenho muitas coisas urgentes em que pensar.

— Tudo bem, vou tentar com Vorstag ao lado da fogueira do acampamento: ele é menos impaciente. Mas por que todo esse segredo? Pensei que tivéssemos vencido a batalha!

— Sim, vencemos, mas foi apenas a primeira vitória, e isso em si aumenta nosso perigo. Havia algum vínculo entre Winterhold e Skuldafn que eu ainda não descobri. Como trocavam notícias não sei ao certo; mas eles trocavam. Os Guardiões de Skuldafn estarão olhando impacientemente na direção do Colégio, eu acho; e na direção de Riften. Quanto menos vir, melhor será.

A estrada seguia lentamente, descendo o vale com muitas curvas. Algumas vezes mais distante, outras mais próximo, corria o Yorgrim em seu leito de pedras. A noite desceu das montanhas. Toda a névoa tinha-se dissipado. Um vento gelado soprava. A lua, agora quase cheia, enchia o céu do leste com um reflexo pálido e frio. As saliências das montanhas à direita deles desciam até colinas nuas. A vasta planície se abria cinzenta diante deles.

Finalmente pararam. Depois mudaram de direção, abandonando a estrada e passando outra vez à macia neve da região montanhosa. Indo uma ou duas milhas para o oeste, atingiram um valezinho. As encostas do vale estavam emaranhadas com a samambaia do ano anterior, no meio da qual os brotos encaracolados da primavera começavam a sair por sobre a terra de cheiro suave. Espinheiros cresciam espessos sobre os barrancos baixos, e sob eles o grupo montou acampamento, cerca de duas horas antes da meia-noite.

Acenderam uma fogueira numa concavidade, em meio às raízes de um espinheiro que se alastrava, alto como uma árvore, retorcido pelos anos, mas robusto em todos os seus galhos.

Brotos cresciam nas extremidades de cada ramo.

Foram designados vigias, dois para cada turno. Os outros, depois que tinham comido, embrulharam-se em capa e cobertor e dormiram. Ralof e Meeko se deitaram num canto sozinhos, sobre um monte de samambaia velha. A samambaia estalava e farfalhava conforme ele se virava de um lado para o outro.

No dia seguinte, retomaram o passo. O lento e constante bater de tambores e o suave trote dos cavalos pairavam sobre a neve rodopiando no ar. As bandeiras de Riften nas mãos dos cavaleiros nas filas de trás que carregavam os estandartes do jarl pendiam, flácidas, caindo desamparadas de seus cabos de madeira. Mesmo assim, sobre o forte Nerevelus, observando Savos liderando os cavaleiros com um céu azul sem nuvens ao fundo, colorido somente pelo rodopiar dos grossos flocos de neve, Vorstag estava tão feliz como jamais se lembrava de estar.

Os guardas de Riften chamavam o lugar de Poço Cego, desconfiando das coisas que não podiam ver, pois aquele lugar era uma ruína dos anões do passado. No dia em que Savos decidiu pegar uma rota alternativa para Riften, seria possível ter pensado que estavam cavalgando para a morte por congelamento e não de volta para seus campos de primavera. Seus bravos cavaleiros fitavam com enormes olhos brancos o horizonte, coberto pela névoa produzida pelos flocos de neve, cada um deles determinado a não mostrar medo perante os outros. O resto do minúsculo grupo que acompanhou o Jarl Harrald permanecia sobre os cavalos, preferindo a companhia de suas nervosas montarias ao aterrorizador mundo gelado e confuso que os rodeava.

Quando uma súbita tempestade os engoliu no segundo dia de viagem, ouviu-os através do assobio da tempestade; os cavalos relinchando e aos coices, os cavaleiros rezando com vozes agudas e trêmulas a cada vez que os cavalos afundavam os pés na neve grossa. Mas nenhum vacilo do forte Nerevelus era capaz de assustar Vorstag. As regiões nevadas do Estado de Winterhold, com ou sem Ancano, eram freqüentemente tempestuosas, e Vorstag atravessara-as meia centena de vezes pela Guarda da Alvorada, correndo de um Estado para o outro para a seguinte, meio passo à frente dos vampiros que serviam à Lorde Harkon Volkihar, seu inimigo do passado.

Adorava a neve, embora tenha nascido nas colinas de Markarth. Gostava do intenso cheiro vazio do vento e da vastidão invisível do horizonte, cobrindo o céu, que bem acima dele, sabia estar sempre azul-celeste. Fazia-o sentir-se pequeno, mas também livre. Gostava das raposas brancas que às vezes corriam ao lado dos cavalos, tomando seus largos portes como abrigo de serem soterrados, suas pequenas patas perfurando a neve como lanças, e das escuras sombras dos grandes tigres da neve, sempre gordos, fortes e majestosos sobre uma rocha ou outra.

O novo capitão da guarda real, um homem de longos cabelos grisalhos e um cavanhaque salpicado de preto surgiu junto ao Jarl Harrald.

— Seria bom que nossos cavalos pudessem voar como nossos inimigos, meu Jarl — disse num sotaque baixo, fortemente temperado pelo sotaque do sudeste. — Então não precisaríamos parar, nem nos esconder, nem rezar pelo fim do vento.

— É verdade, capitão — respondeu o jarl com um sorriso, satisfeito pelo capitão finalmente se pronunciar como Unmid costumava fazer. O capitão Havilstein era um velho homem de Riften como o seu jarl, e tinha se mostrado nervoso como uma donzela com a idéia de atravessar o Poço Cego. A princípio, Havilstein quis atravessar as Cavernas Natimortas e Harrald consentiu para sossegá-lo, mas a infelicidade dos cavalos era tão palpável quando se aproximaram daquelas terríveis cavernas que rapidamente mudou de idéia e insistiu para que fossem pelo caminho sugerido pelo mago.

Agora até o capitão Havilstein estava contente com isso. Um dos cavalos fraturou uma perna, e agora mancava, mas era ajudado por seu cavaleiro; em compensação, agora os guardas pareciam ter menos medo do que antes, quando pensaram que iriam atravessar o caminho de volta, que agora deveria ser o caminho de ida para os espiões dos inimigos. E alguns, antes tão temerosos quanto curiosos, começou a ganhar um estranho orgulho feroz de seus capitães. Todos os guardas, do capitão ao sentinela de uma torre de vigília bem longe de Riften, gostavam de ver os membros da Companhia dos Barbacinza nas linhas de frente... embora nenhum gostasse tanto como o próprio Vorstag. “São meu povo”, ele dizia a si mesmo, “e se as profecias diziam a verdade, eu terei de defender cada um deles quando chegar a hora.”

Mas essa hora ainda não tinha chegado. As figuras desenhadas sobre dragões que Vorstag vira nos livros de tradição de Calcelmo, em Markarth, descrevia os dragões como do tamanho de um gigante, mas ao ver Paarthurnax, Vorstag soube que eram maiores. Mas Alduin era diferente, tinha de ser. Deveria ser duas vezes o velho dragão branco da Garganta do Mundo, com uma carcaça muito diferente.

— Poucos dragões já foram avistados até agora, Savos — disse Vorstag quando se juntou a Savos na linha de frente, carregando Ralof que dormia encostado em sua capa. — Será que o Devorador de Mundos se perdeu nas localizações de seus túmulos?

— Somos nós que estamos perdidos, Vorstag — disse ele, semicerrando os olhos quando um floco de neve passou por eles. — Alduin não gosta mais do que nós desta neve grossa.

— Uma tempestade de neve não deve ser muito problema para ele. Qual será seu tamanho? — perguntou Kharjo que ouvia a conversa ao lado de Savos, na garupa de Faendal. — Você sabe, Savos?

— Em Morrowind contavam-se histórias de dragões que cresceram tanto que conseguiam arrancar monstros do Mar das Assombrações.

Kharjo soltou uma gargalhada rouca ao modo dos khajiits.

— Isso seria uma visão maravilhosa.

— E só uma história, meu bom khajiit — disse o mago. — Mas também falam de velhos e sábios dragões que viveram mais de quatro eras.

— Bom, e quanto tempo vive mesmo um dragão? — o khajiit olhou para cima, fantasiando ver uma sombra do tamanho do próprio céu entre as nuvens escondidas pela neve.

Savos Aren encolheu os ombros.

— Um dragão é imortal, Mestre Khajiit, eles não nascem, nem morrem. Foram colocados no mundo, ou pelo menos é isso que as canções nos querem levar a crer... mas os dragões que as civilizações conheceram melhor foram aqueles do Segundo Império. Foram perseguidos pelos Akaviri, e nessas perseguições morriam. Matar um dragão não é coisa fácil, mas é possível.

Um escudeiro que cavalgava atrás do jarl aproximou-se um pouco da linha de frente, virou-se para eles e disse:

— Grahkrindrog, o Queimador de Vilas, era um dragão que parecia tão velho quanto aquele que vimos em Winterhold. Ele morreu no ano 184 da Segunda Era, no reinado da regente Versidue-Shaie, a Poderosa. Era tão grande que podia engolir um auroque inteiro. Um dragão nunca para de crescer, Mago Psijic, desde que tenha comida e liberdade. — O nome do homem era Esbern, mas Kharjo, o khajiit, apelidara-o de Baixa-Juba devido à sua calvície, embora tivesse uma barba branca na altura das clavículas, e agora quase todos o chamavam assim. Era mais alto do que Savos, embora não fosse tão altivo; seus olhos eram azul-claros, e sua barba era branca como neve e fina como seda.

— Liberdade? — perguntou Vorstag, curioso. — O que quer dizer?

— Na Cidade Imperial, seus ancestrais construíram para o dragão de Tiber Septim imenso castelo coberto por uma cúpula. Era lá que Nafaalilargus, a Jóia da Coroa Imperial, morou nos dias de outrora, e era uma habitação espaçosa, com portas de ferro tão largas que trinta cavaleiros podiam atravessá-las lado a lado. Mas, mesmo assim, notou-se que Nafaalilargus nunca chegou ao tamanho de um dos dragões vistos em Skyrim. Os mestres nesse tipo de tradição dizem que isso se deveu às paredes que os rodeavam, e ao grande domo sobre suas cabeças.

— Se as paredes pudessem nos manter pequenos, os camponeses seriam todos minúsculos e os reis, grandes como gigantes — disse Kharjo. — Eu vi homens enormes nascidos em casebres e homens do tamanho de uma criança que viviam em castelos.

— Homens são homens — replicou Esbern. — Dragões são dragões.

O capitão Halvistein aproximou-se e fungou de desdém.

— Que profundo. — O capitão dos guardas não simpatizava com o velho, tinha deixado isso claro desde o início. — De resto, o que você sabe a respeito de dragões?

— Bastante pouco, é verdade. Mas servi durante algum tempo em Cyrodiil, nos dias de uma ordem mais antiga, sob o comando de Attrebus Mede II, e caminhei sob a sombra do avatar de Akatosh, a estátua da figura petrificada de Martin Septim no Templo do Um.

— Meu pai falava sobre essa estátua — disse Vorstag. — Os Mede não gostam dela, e raramente usam o Templo do Um. Ele dizia que Attrebus não suporta ver Martin Septim olhando-o na cidade que ele havia roubado dos regentes.

Esbern sorriu e diminuiu o passo, enquanto Vorstag continuou deliciado com as memórias. Halvistein ficou observando-o com uma carranca em seu rosto franco e honesto. Halvistein era grande e corpulento, com mandíbula forte e ombros largos.

— Seria sensato, meu jarl e companheiros, se dessem um bom desconto às palavras daquele velho — disse-lhes quando Esbern se afastou o suficiente para não ouvi-los.

— Um jarl deve escutar todos — lembrou-lhe Harrald. — Os de nascimento alto e baixo, os fortes e os fracos, os nobres e os venais. Uma voz pode proferir falsidades, mas em muitas sempre é possível encontrar verdade. — Lera aquilo num livro.

— Escute então a minha voz, meu Jarl — disse o capitão, — Esse Esbern Baixa-Juba está levando o senhor ao engano, é velho demais para ser escudeiro, e fala bem demais para servir um outro guarda qualquer.

Isso realmente parece estranho, Harrald teve de admitir.

Mas mais tarde, nessa noite, enquanto os guardas mergulhavam adiante através da escuridão nevada montando seus acampamentos numa fila de barracas de peles, Vorstag se sentava de pernas cruzadas numa das maiores cabanas, dando comida a Molvirian. "Até nas viagens", disse Halvistein, tão atenciosamente, "os nobres têm precedência sobre os capitães", alguém puxou as peles que protegiam a grande barraca da neve, deixando entrar neve.

Nesse momento, uma sombra caiu sobre as fogueiras que iluminavam de relance sobre entre as aberturas das peles que cobriam a cabana. O luar claro pareceu de repente bloqueado. Vários cavaleiros gritaram e se agacharam, com as mãos na cabeça, como se tentassem proteger-se de um golpe que viesse de cima: foram dominados por um medo cego e um frio mortal.

Encolhendo-se, ergueram os olhos. Uma enorme figura alada passou cobrindo a lua como uma nuvem negra. Fez um rodopio e foi para o norte, voando mais rápido do que qualquer vento de Nirn. As estrelas se apagavam diante dela. Mas logo sumiu.

Levantaram-se, rígidos como pedras. Savos Aren estava olhando para cima, os braços estendidos para baixo, as mãos crispadas. — Dragão! — gritou ele. — O mensageiro de Skuldafn. A tempestade se aproxima! Os dragões vieram por nós! Cavalguem, cavalguem! Não esperem pela aurora! Que os rápidos não esperem pelos lentos. Cavalguem!

Saiu de um salto, chamando Gelado enquanto corria. Esbern puxou uma adaga e saiu da cabana, olhando maravilhado para os céus. Vorstag o seguiu. Indo em direção a Ralof, Savos pegou-o em seus braços. — Você virá comigo desta vez — disse ele. — Gelado vai lhe mostrar como voa.

Depois correu para o lugar onde tinha dormido. Gelado já estava lá. Pendurando no ombro a pequena bolsa onde guardava todas as suas coisas, o mago saltou sobre o lombo do cavalo. Vorstag levantou Ralof e o colocou nos braços de Savos, embrulhado em capa e cobertor.

— Até logo! Partam logo! — gritou Savos. — Vamos, Gelado!

O grande cavalo empinou a cabeça. Sua cauda esvoaçante brilhou no luar. Então deu um salto à frente, levantando poeira, e se foi como o Vento Norte que sopra das montanhas.

— Uma bela noite de sono! — disse Esbern para Vorstag. — Algumas pessoas têm uma grande sorte. Este stormcloak não queria dormir, e queria cavalgar com Savos - e lá vai ele! Em vez de ser transformado numa pedra, e ficar plantado aqui para sempre, como uma advertência.

— Tenho sido freqüentemente confundido pelos espiões do inimigo, pois sei o que houve: Alduin acha que o Dragonborn não sou eu, mas é Ralof. Se ele pensasse que você fosse, Blade, e não Ralof, qual seria a situação agora? — disse Vorstag. — Você poderia ter-se saído pior. Quem pode saber? Mas agora sua sorte é vir comigo, eu receio. Imediatamente. Vá e se apronte, e traga qualquer coisa que Ralof tenha deixado para trás. Apresse-se!

Gelado voava pelos planaltos, sem que fosse preciso guiá-lo ou incitá-lo. Menos de uma hora se passara, e eles já tinham alcançado e atravessado os Salões dos Vigilantes. O Forte Cai-Martelo, com suas torres congeladas, jazia cinzento atrás deles. Ralof estava se recuperando. Estava quente, mas o vento em seu rosto era intenso e refrescante. Estava com Savos. O terror do dragão e da sombra hedionda sobre a lua ia desaparecendo, coisas deixadas para trás na névoa das montanhas, ou num sonho passageiro. Respirou fundo.

— Não sabia que você cavalgava em pêlo, Savos — disse ele. — Você está sem sela ou rédea!

— Não cavalgo à maneira dos elfos, a não ser em Gelado — disse Savos. — Mas o cavalo de Maven não aceita rédeas. Você não o cavalga: ele está disposto a carregá-lo - ou não. Se estiver disposto, isso é o suficiente. Então ele cuidará para que você permaneça sobre seu lombo, a não ser que você queira atirar-se no ar.

— Com que velocidade ele está indo? — perguntou Ralof. — Rápido como o vento, mas com muita suavidade. E como são leves suas passadas!

— Agora ele está correndo como o cavalo mais rápido poderia galopar — respondeu Savos Aren —, mas isso para ele não é rápido. O terreno está subindo um pouco aqui, e está mais acidentado do que estava além do rio. Mas veja como as montanhas de High Rock estão se aproximando sob as estrelas! Mais adiante estão os picos de Druadach como lanças negras. Não vai demorar muito para chegarmos até a bifurcação da estrada e atingirmos a Ponte do Dragão, onde foi travada uma batalha, duas noites atrás.

Ralof ficou em silêncio outra vez por um tempo. Ouviu Savos Aren cantando baixinho para si mesmo, murmurando trechos curtos de rimas em muitas línguas, enquanto as milhas corriam debaixo deles. Finalmente o mago passou a uma canção da qual Ralof conseguiu entender as palavras: alguns versos chegaram claros aos seus ouvidos através do vento apressado.

Grandes reis e navios Três vezes três

Que acharam na terra subterrânea

Roubando dos elfos da neve pela primeira vez

O grande Olho de Magnus, poder arcano talvez

— O que está dizendo, Savos? — perguntou Ralof.

— Estava apenas repassando algumas das Rimas da Tradição em minha cabeça — respondeu o mago. — Os próprios nórdicos, eu suponho, esqueceram-nas, mesmo aqueles que as conheciam.

— Não, nem todas — disse Ralof. — E temos muitas que são nossas, que talvez não fossem de seu interesse. Mas nunca ouvi essa. De que se trata o Olho de Magnus e poder arcano?

— É sobre o maior artefato mágico contado em lendas — disse Savos.

— O que é ele?

— O nome significa que foi feito pelo próprio aedra responsável pela magia em Mundus. Suspeito que era com esse poder que Ancano conseguiu convocar tantos dremoras para lutar por ele.

— Então eles não foram convocados... convocados... — Ralof hesitou — pelo Devorador de Mundos?

— Não — disse Savos. — Nem poderiam ser naturalmente por Ancano. Está além de sua arte, e além da arte de Alduin também. Os descobridores do Olho de Magnus vieram de além do Mar, de Atmora. Os Et’Ada o fizeram. O próprio Magnus, talvez, o tenha feito, em dias tão distantes que o tempo não pode ser medido em anos. Mas não há nada que Alduin não possa desviar para usos malignos. Pobre Ancano! Foi sua desgraça, percebo agora. Perigosos para todos nós são os instrumentos de uma arte mais profunda do que a possuída por nós mesmos. Mesmo assim ele deve carregar a culpa. Tolo!, quis mantê-lo em segredo, para seus próprios interesses. Nunca disse uma palavra sobre o Olho a ninguém do Conselho de Winterhold, embora tenha deixado escapar que desejava fazer escavações em Saarthal. Pelos homens, o Olho de Magnus foi praticamente esquecido. Mesmo em Windhelm, eram um segredo conhecido por poucos; em Winterhold, eram lembrados apenas numa rima da tradição entre os magos.

— Com que finalidade os Homens de Atmora o usavam? — perguntou Ralof, deliciado e atônito ao conseguir respostas para tantas perguntas, e imaginando o quanto aquilo iria durar.

— No começo, era somente o orgulho do desbravamento de uma terra desconhecida, mas logo depois descobriram que tinha princípios mágicos muito fortes — disse Savos. — Dessa maneira protegeram e uniram por muito tempo o reino de Mereth, que era como chamavam Skyrim. Construíram uma proteção em volta do grande Olho, e uma cidade subterrânea em volta dele e a chamaram de Saarthal. Mas os elfos da neve, que hoje chamamos de falmers, haviam descoberto o Olho de Magnus antes dos nórdicos, e fazia parte da grande cultura deles. Então houve o que a história chama de Noite das Lágrimas, e os falmers ganharam, e mataram muitos dos homens que Ysgramor trouxe consigo. Agora parece que, assim como a rocha de Saarthal resistiu às tempestades do tempo, também o artefato daquela cidade permaneceu. Mas sozinho ele não poderia fazer nada além de se sustentar com uma magia terrível e grande demais para qualquer um. Muito útil, sem dúvida, ele era para Ancano; apesar disso, parece que ele não ficou satisfeito. Expandiu sua mágica mais e mais além, até que lançou seu olhar sobre Skuldafn. Então foi pego! Agora é fácil supor com que rapidez o olho errante de Ancano caiu e ficou preso na armadilha, e como, desde então, ele foi persuadido de longe, e intimidado, quando a persuasão não surtia efeito. O feitiço contra o dragão, o falcão debaixo do pé da águia, a aranha numa teia de aço! Por quanto tempo, fico imaginando, foi ele forçado a procurar com freqüência o poder de Magnus para inspeções e instruções, e por quanto tempo a magia que o Olho oferecia foi de tal modo inclinada na direção de Skuldafn que, se qualquer pessoa sem uma força de vontade extraordinária agora usufruir daquele poder, o artefato sua mente e coração rapidamente para lá? E que poder tem ela de atrair para si as pessoas! Acaso eu não o senti? Não havia testado minha magia antes: quando finalizei a magia de Ancano, é provável que eu tenha destruído o Olho de Magnus. Não destruído, mas talvez feito com que seu efeito adormecesse. Mesmo agora meu coração deseja testar minha força de vontade sobre ele, para ver se eu não conseguiria arrancá-la dele e voltar meu poder para as artes limpas - para olhar através dos amplos mares de água e de tempo até atingir a Dama ou a Amanate, e perceber a mão e a mente inimagináveis do Ladrão trabalhando, enquanto todas as outras constelações me oferecessem sua magia! — Savos suspirou e ficou em silêncio.

— Gostaria de ter sabido tudo isso antes — disse Ralof. — Eu não tinha noção do que Ancano estava fazendo. Se todas o Olho de Magnus fosse colocado diante de mim agora, eu fecharia os olhos e poria as mãos no bolso.

— Muito bem! — disse Savos. — Era isso que eu esperava.

— Mas eu gostaria de saber... — começou Ralof.

— Peço clemência! — exclamou Savos. — Se fornecer informações for a cura para sua curiosidade, vou passar o resto de meus dias respondendo a você. Que mais quer saber?

— Os nomes das estrelas, e de todos os seres vivos, e a história completa de Mundus e do Sobrecéu e dos Mares — disse rindo Ralof. — É claro! Por que menos? Mas esta noite não estou com pressa. Por enquanto estava só pensando sobre a sombra negra. Ouvi-o gritar “mensageiro de Skuldafn-, que era aquilo? Que poderia fazer perto de Winterhold?

— Era um Sacerdote Dracônico montando seu mensageiro, um dragão lendário — disse Savos Aren. — Poderia tê-lo levado para Skuldafn.

— Mas não veio em minha busca, veio? — vacilou Ralof. — Quero dizer, ele não sabia que eu tinha um pedaço do...

— Claro que não — disse Savos Aren. — São duzentas léguas ou mais em linha reta de Skuldafn até Winterhold, e até um dragão levaria algumas horas para voar entre os dois lugares. Mas Ancano certamente pagou um certo tributo a Skuldafn com uma parcela de sua própria magia desde o ataque dos dremoras, e não duvido que tenha sido lida uma parte de seus pensamentos secretos maior do que ele desejava. Um mensageiro foi enviado para descobrir o que ele está fazendo. E depois do que aconteceu esta noite um outro virá, eu acho, e depressa. Assim Ancano chegará ao último aperto na morsa na qual colocou a própria mão. Ele não tem nenhum prisioneiro para enviar. Não tem nenhuma magia com a qual possa se comunicar, e não pode responder aos chamados. Alduin só poderá crer que ele está detendo o prisioneiro que ele julga ser o Dragonborn e se recusando a usar o Olho. Não vai adiantar nada Ancano dizer a verdade ao mensageiro. Winterhold pode estar arruinada, mas ele ainda está a salvo no Colégio. Portanto, quer ele queira ou não, dará a impressão de ser um rebelde. E contudo ele nos rejeitou, para evitar exatamente que isso acontecesse! O que fará numa situação dessas, não posso adivinhar. Acho que ele ainda tem poder, enquanto permanecer no Colégio de Winterhold, para resistir aos Sete Sacerdotes. Pode ser que ele tente. Pode ser que tente prender o dragão lendário, ou pelo menos matar a coisa na qual este Sacerdote agora cavalga pelos ares. Nesse caso, que Riften cuide de seus exércitos! Mas não sei dizer se o resultado será bom ou ruim para nós. Pode ser que os planos do Devorador de Mundos sejam confundidos, ou atrasados por sua ira em relação a Ancano. Pode ser que ele saiba que eu estava lá e fiquei na escada do Colégio - com vários homens suspeitos de serem o Dragonborn pendurados em minha cauda. Ou que um herdeiro de Tiber Septim ainda vive e ficou ao meu lado. Se Estormo não foi iludido pela armadura da Guarda da Alvorada, ele poderá se lembrar de Vorstag e do título que ele reivindicou. É isto que eu temo. É por isso que precisamos fugir - não do perigo, mas em direção a um perigo maior. Cada passada de Gelado o leva para mais longe da Terra de Skuldafn, Ralof, mas para mais perto do perigo.

Ralof não respondeu, mas agarrou-se à capa, como se um frio repentino o golpeasse. Terras cinzentas passavam embaixo deles.

— Veja agora! — disse Savos. - Os vales de Morthal estão se abrindo diante de nós. Aqui retornamos à estrada que leva de Ustengrav ao Descanso da Tempestade. A sombra escura mais à frente são os pântanos de Forgulnthur. Daquele lado fica Dawnstar, e Mzinchaleft. Não me peça para falar sobre elas. Pergunte a Vorstag, se vocês se encontrarem, e pela primeira vez na vida poderá ouvir uma resposta mais verídica do que a minha, pois ele já se aventurou por lá. Você não vai poder ver as cavernas dos anões do passado com os próprios olhos, não nesta viagem. Logo elas já estarão distantes lá atrás.

— Pensei que você ia descer para Whiterun! — disse Ralof. — Então, para onde está indo?

— Para Solitude, antes que os mares da guerra a envolvam.

— Ah! E a que distância fica?

— Agora, a algumas léguas — respondeu Savos. — Dez vezes mais longe de Skuldafn que as moradias do Jarl Harrald, e elas ficam a mais de cem milhas a leste deste lugar, num vôo dos mensageiros de Skuldafn. Gelado deve ir por uma estrada mais longa. Qual deles se mostrará mais rápido? Vamos cavalgar até o nascer do dia, para o qual ainda faltam algumas horas. Depois disso, até mesmo Gelado precisará descansar, em alguma reentrância das montanhas: em Ponte do Dragão, eu espero. Durma, se conseguir! Poderá ver o primeiro raio da aurora sobre a cabeça de dragão esculpida na pedra da ponte. E dali a dois dias verá a sombra lazuli do Palácio Azul reluzir ao sol e as muralhas de Solitude, cinzentas pela manhã. Adiante agora, Gelado! Corra, meu bom cavalo, corra como nunca correu antes! Corra agora! A esperança repousa na rapidez!

Gelado empinou a cabeça e soltou um relincho, como se um corneteiro o tivesse convocado para alguma batalha. Então projetou-se para a frente. Saía fogo de suas patas: a noite corria acima dele.

Enquanto adormecia lentamente, Ralof teve uma estranha sensação: ele e Savos Aren estavam imóveis como pedras, sentados sobre a estátua de um cavalo que corria, enquanto o mundo rolava sob os pés dele com um grande barulho de vento.