Durante as últimas horas que restavam do dia eles descansaram, escondendo-se do sol conforme este se movia, até que finalmente a sombra da borda oeste do valezinho onde estavam se alongou, e a escuridão cobriu toda a concavidade. Então comeram um pouco, e beberam moderadamente. Gwilin não comeu nada, mas aceitou de bom grado uns goles de água.

— Logo conseguimos mais — disse ele, lambendo os beiços. — Agua boa desce pelos riachos até o Lago de Riften, água limpa nas terras dos peixes. Vamos comida lá também, talvez. Estou com muita fome!

Já era quase noite quando finalmente partiram, transpondo a borda oeste do valezinho e desaparecendo como fantasmas dentro do terreno irregular às margens da estrada. A lua, que dali a três noites estaria cheia, só subiu acima das montanhas quase à meia-noite, e o inicio da noite foi muito escuro. Uma única luz vermelha queimava lá em cima, nas Torres de Skuldafn, mas esse era o único sinal que se via ou se ouvia da vigilância sempre atenta do lugar. Por várias milhas as labaredas que costumavam subir do lugar parecia observá-los, enquanto fugiam aos tropeços através de uma região desolada e pedregosa. Não ousaram pegar a estrada, mas ficaram à direita dela, seguindo-lhe a trilha da maneira possível, a uma pequena distância.

Finalmente, quando a noite estava terminando e eles já se sentiam cansados, pois tinham feito apenas uma breve pausa, as labaredas foram diminuindo até se transformarem num pequeno ponto de fogo, para depois desaparecer: eles tinham contornado a escura encosta norte das montanhas mais baixas, e agora se dirigiam para o sul. Com os corações estranhamente aliviados, pararam para descansar outra vez, mas não por muito tempo. Não estavam avançando com a rapidez que Gwilin queria. Pelos seus cálculos, eram quase trinta léguas de Skuldafn até a encruzilhada sobre a Pedra de Shor, e ele esperava cobrir a distância em quatro jornadas. Então logo estavam marchando outra vez, até que a aurora começou a se espalhar lentamente na solidão vasta e cinzenta. Nesse ponto, já tinham caminhado quase oito léguas, e os dois não teriam conseguido avançar mais, mesmo que tivessem tentado.

A luz crescente revelou-lhes uma região já menos deserta e arruinada. As montanhas ainda assomavam ominosas á direita, mas bem perto eles já conseguiam visualizar a estrada que ia para o sul, agora distanciando-se das raízes negras das colinas e inclinando-se para o oeste. Além dela viam-se encostas cobertas de árvores sombrias semelhantes a nuvens escuras, mas em toda a volta jazia uma charneca emaranhada, onde cresciam urzes, giesteiras e cornisos, além de outros arbustos que eles não conheciam. Em alguns pontos havia aglomerados de altos pinheiros.

— Pssiu! — sussurrou Barknar. — Acho que ouvi vozes.

Os dois viajantes arrumaram as pequenas mochilas, aprontaram-nas para uma fuga, e então se afundaram mais na samambaia. Ficaram ali agachados, escutando. Não restava mais dúvida sobre as vozes. Falavam baixo e furtivamente, mas estavam próximas, e chegando mais perto. Então, de repente, uma falou claro, e ali perto.

— Aqui! É daqui que a fumaça veio! — disse a voz. — Está por perto. Na samambaia, sem dúvida. Vamos pegar essa coisa como um coelho numa armadilha. Então saberemos que tipo de criatura é essa.

— É, e também o que sabe! — disse uma segunda voz.

De uma só vez, quatro homens avançaram a passos largos através da samambaia, partindo de pontos diferentes. Já que era impossível fugir ou se esconder, Gwilin e Barknar pularam de pé, virando as costas um para o outro e puxando suas pequenas espadas. Se ficaram atônitos com o que viram, seus caçadores ficaram ainda mais. Quatro homens estavam ali. Dois seguravam lanças com pontas largas e brilhantes. Dois tinham grandes arcos, quase de sua própria altura, e grandes aljavas cheias de longas flechas adornadas com penas vermelhas. Todos levavam espadas, e estavam vestidos de vermelho e marrom de várias tonalidades. Luvas de couro cobriam-lhes as mãos, e os rostos estavam encapuzados e mascarados com os característicos elmos dos guardas de estado, com exceção dos olhos, que eram muito penetrantes e brilhantes. Gwilin pensou imediatamente em Erik, pois esses homens eram semelhantes a ele em estatura e aparência, e no modo de falar.

— Não encontramos o que procurávamos — disse um deles. — Mas o que foi que encontramos?

— Não são draugrs — disse um outro, soltando o cabo de sua espada, que estivera segurando desde que vira o brilho da espada na mão de Barknar.

— Elfos? — disse um terceiro, indeciso.

— Não! Só um deles é um elfo — disse o quarto, o mais alto e aparentemente o chefe de todos. — Mas elfos não andam perto da Pedra de Shor nestes tempos. E os elfos são extremamente belos de se olhar, ou pelo menos é o que se diz.

— Quer dizer que nós não somos, se o entendo bem — disse Barknar. — Muito agradecido. E, quando terminarem a discussão, talvez digam quem vocês são, e por que não podem deixar dois viajantes cansados em paz.

O alto homem vermelho riu com austeridade.

— Sou Aldis, Capitão de Haafingar — disse ele. — Mas não há viajantes nesta terra: só os servidores da Torre de Skuldafn, ou os homens de Riften, que parecem estar viajando agora.

— Mas não somos nem uma coisa nem outra — disse Gwilin. — E somos viajantes, não importa o que o Capitão Aldis possa dizer.

— Então apressem-se em declarar seus nomes e sua missão — disse Aldis. — Temos trabalho a fazer, e não é lugar nem hora para enigmas ou conversas. Digam! Onde está o terceiro de seu grupo?

— O terceiro?

— Sim, o camarada esquivo que vimos cantando nas árvores lá embaixo. Tinha uma aparência desagradável. Era homem, mas era velho e estranho, suponho eu, ou algum tipo de bretão estranho. Mas nos escapou usando algum truque de raposa.

— Não sei onde ele está — disse Gwilin. — É apenas um companheiro casual que encontramos na estrada, e não sou responsável por ele. Se o encontrarem, poupem-no. Tragam-no ou enviem-no até nós. É apenas um vagabundo miserável, mas está sob meus cuidados temporariamente. Quanto a nós, somos de Ivarstead, uma terra distante, ao sul e ao oeste, além de muitos rios. Gwilin, da Guarda da Alvorada, o elfo, é meu nome, e este é Barknar, um peregrino valoroso aos meus serviços. Viemos por longos caminhos – da Alta Hrothgar, ou Mohnaven, como dizem alguns. — Neste ponto, Aldis se assustou e ficou atento. — Tínhamos sete companheiros: um soubemos que foi perdido no Monte das Cataratas Ermas, os outros sumiram nos Pântanos de Forgulnthur; um da minha raça; havia também um khajiit e dois homens. Um deles era Vorstag, e o outro Erik, que dizia ter vindo de Solitude, uma cidade do noroeste.

— Erik! — exclamaram todos os quatro homens.

— Erik, filho do Alto Rei Torygg? — disse Aldis, e uma expressão estranha e austera cobriu-lhe o rosto. — Vieram com ele? Isso realmente é novidade, se for verdade. Saibam, forasteiros, que Erik era um alto vigilante do Palácio Azul, e nosso Capitão-geral: sentimos muito a falta dele. Então quem são vocês, e o que tinham a ver com ele? Sejam rápidos, o sol está subindo.

— Vocês conhecem as palavras-enigmas que Erik levou a Alta Hrothgar? — replicou Gwilin.

Procure a Espada e a Voz do Dragão

Em Mohnaven onde vivem os Sábios elas estão;

— As palavras são realmente conhecidas — disse Aldis atônito. — É sinal de sua sinceridade que vocês também as conheçam.

— Vorstag, que eu mencionei, é o portador da Espada e da Voz do Dragão — disse Gwilin. — E também tem a alma do dragão.

— Compreendo — disse Aldis pensativo. — Ou percebo que deve ser assim. E o que é o Final de que falam as palavras?

— Isso ainda não foi revelado — respondeu Gwilin. — Sem dúvida será esclarecido no momento oportuno.

— Precisamos saber mais sobre isso — disse Aldis — e descobrir o que os traz tão longe no leste, sob a sombra daquele — ele apontou e não disse nome algum. — Mas não agora. Temos muito o que fazer. Vocês estão correndo perigo, e não teriam ido muito longe hoje, por campo ou estrada. Haverá duros golpes aqui perto antes que o dia avance muito. Depois morte, ou então uma fuga rápida para Rio Treva. Vou deixar dois para vigiá-los, para o bem de vocês e meu também. Homens sábios não confiam em encontros casuais pela estrada nesta terra. Se eu retornar, conversarei mais com vocês.

— Até logo — disse Gwilin, fazendo uma grande reverência. — Pensem o que quiserem, eu sou amigo de todos os inimigos do Devorador de Mundos. Iríamos com vocês se nós, viajantes, pudéssemos ter esperança de ajudá-los, homens que parecem ser tão fortes e valorosos, e se minha missão o permitisse. Que a luz brilhe em suas espadas!

— Vocês são um povo cortês, independentemente do que mais possam ser — disse Aldis. — Até logo!

Os dois sentaram-se de novo, mas não disseram nada um ao outro sobre seus pensamentos e dúvidas. Por perto, bem embaixo da sombra salpicada dos escuros loureiros, dois homens permaneceram de guarda. De vez em quando tiravam as máscaras para se refrescar, conforme o calor do dia aumentava, e Gwilin viu que eram homens belos, de pele clara, cabelos escuros, com olhos cinzentos e rostos tristes e altivos.

Depois de um tempo, Gwilin lhes dirigiu a palavra, mas eles foram cautelosos e demoraram para responder. Disseram que seus nomes eram Synnolian e Tapius, soldados de Haafingar, e que eram Guardiães do Rift; descendiam de povos que viveram em Solitude numa outra época, antes que aquela região fosse assolada. Dentre esses homens, a Jarl Elisif, a Bela, escolhia seus batedores, que atravessavam o Rio Karth em segredo (como e onde, eles não estavam dispostos a dizer) para perseguir os draugrs que agora estavam saindo de suas ruínas e outros inimigos que perambulavam entre os pântanos e o Rio.

— São cerca de vinte léguas daqui até o Mar — disse Synnolian —, raramente chegamos tão longe. Mas temos uma nova missão nesta jornada: viemos preparar uma emboscada para os homens de Hammerfell. Malditos!

— E, malditos sejam os sulistas! — disse Tapius. — Comenta-se que havia transações antigamente entre Haafingar e os reinos de Hammerfell do sul, embora nunca tenha existido amizade. Naqueles dias, nossas fronteiras ficavam lá no sul, além da foz do Karth, e Elinhir, o mais próximo dos reinos deles, reconhecia nosso poder. Mas muito tempo se passou. Já faz muitas vidas de homem que um sulista passou, indo ou vindo, entre nós. Ultimamente soubemos que o Devorador de Mundos esteve entre eles, que passaram para o lado d’Ele, ou retornaram a Ele - estavam sempre á sua disposição - como também fizeram tantos outros no leste. Não duvido que os dias de Haafingar estejam chegando ao fim, e que as muralhas de Solitude estejam condenadas, tão grandes são sua malícia e força.

— Mesmo assim, não vamos ficar de braços cruzados e deixar que Ele faça tudo como desejar — disse Synnolian. — Esses malditos sulistas vêm agora marchando pelas estradas antigas para aumentar os exércitos de Skuldafn. Sim, pelas mesmas estradas que o trabalho de Haafingar e do Rift construíram. E cada vez avançam com menos cautela, pensando que o poder de seu novo senhor é grande o suficiente, de modo que a mera sombra de suas colinas irá protegê-los. Viemos para lhes ensinar uma outra lição. Foi-nos reportado há alguns dias que uma grande força deles agora marcha para o leste. Pelos nossos cálculos, um dos regimentos deve passar por volta do meio-dia – nos campos lá embaixo, no ponto onde eles atravessam uma fenda. Os campos podem atravessar, mas eles não! Não enquanto Aldis for Capitão. Agora ele lidera em todas as ocasiões perigosas. Mas sua vida tem algum encantamento, ou o destino o poupa para algum outro fim.

A conversa foi morrendo num silêncio de escuta. Todos pareciam quietos e vigilantes. Barknar, agachado na borda da moita de samambaia, espiava para fora. Com seus olhos penetrantes, viu que muitos outros homens estavam por perto. Podia vê-los subindo secretamente as colinas, isolados ou em longas filas, sempre se mantendo na sombra de bosques ou maciços de árvores, ou se arrastando, quase invisíveis em suas vestes vermelhas e marrons, através de relva e mato. Todos estavam encapuzados e mascarados, com luvas nas mãos, e armados como Aldis e seus companheiros. Em breve todos tinham passado e desaparecido. O sol subiu até se aproximar do sul. As sombras diminuíram.

“Fico pensando onde estará o infame do Signus”, pensou Barknar, conforme se escondia numa sombra mais profunda. “É bem provável que tenha sido espetado, tomado por sulista. Mas acho que ele vai se cuidar.” Deitou-se e começou a cochilar.

Acordou, com a impressão de ter ouvido trombetas. Sentou-se. O sol já estava alto. Os guardas permaneciam em estado de alerta e tensos sob as sombras das árvores. De repente as trombetas soaram mais fortes e audíveis lá em cima, sobre o topo da encosta. Barknar teve a impressão de ouvir gritos e berros alucinados também, mas o som era fraco, como se viesse de alguma caverna distante. Então, subitamente, rompeu bem próximo o som de guerra, bem acima do esconderijo deles. Podia ouvir claramente o rilhar de aço sobre aço, o clangor de espadas em toucas de malha de ferro, a batida surda das espadas nos escudos; homens berravam e gritavam, e uma voz clara e alta clamava Haafingar! Haafingar!

— Isso soa como uma centena de ferreiros trabalhando todos ao mesmo tempo — disse Barknar a Gwilin. — Agora estão tão próximos quanto eu queria.

Mas o ruído se aproximou mais. — Eles estão vindo! — gritou Tapius. — Vejam! Alguns sulistas escaparam da armadilha e estão fugindo da estrada. Lá vão eles! Nossos homens atrás, e o Capitão liderando.

Barknar, aflito para ver mais, foi juntar-se aos guardas. Subiu um pouco num dos loureiros maiores. Por um instante viu, de relance e a alguma distância, homens morenos de vermelho e bege descendo a encosta, e guerreiros vestidos de vermelho e marrom aos saltos atrás deles, derrubando-os enquanto fugiam. Flechas enchiam o ar. Então, de repente, pela borda do barranco onde estavam escondidos, um homem caiu, batendo contra as árvores esguias, quase em cima deles. Foi parar na samambaia a pouca distância deles, o rosto para baixo, com flechas adornadas com penas vermelhas enfiadas em seu pescoço, sob um colarinho de ouro. Suas vestes vermelhas estavam rasgadas, seu corselete de placas de bronze justapostas estava partido e despedaçado, suas tranças negras adornadas com ouro ensangüentadas. A mão morena ainda agarrava o punho de uma espada curvada e quebrada.

Era a primeira vez que Barknar via uma batalha de homens contra homens, e não estava gostando muito do espetáculo. Ficou feliz por não conseguir ver o rosto morto. Perguntava-se qual seria o nome do homem e de onde teria vindo, e se realmente tinha o coração mau, ou que mentiras ou ameaças o teriam conduzido na longa marcha desde seu lar, e se realmente não teria preferido ficar lá em paz - tudo num lampejo de pensamento que logo foi afastado de sua mente. Pois, no mesmo momento em que Synnolian ia em direção ao corpo caído, ouviu-se outro barulho. Grande gritaria. Em meio a ela Barknar ouviu o ruido de rugidos ou trombetas. E depois um grande baque de batidas e golpes surdos, como enormes aríetes estrondeando no chão.

— Cuidado! Cuidado! — gritou Tapius aos seus companheiros. — Que os Divinos consigam desviá-lo! Dragão! Dragão!

Para seu assombro, terror e enorme prazer, Barknar viu um vulto enorme romper dentre as árvores e vir descendo a encosta. Grande como um castelo, muito maior que uma casa, pareceu-lhe, uma colina móvel revestida de escamas vermelhas. O medo e a surpresa talvez tenham aumentado seu tamanho aos olhos do peregrino, mas o Dovah dos Alik’r era realmente um animal enorme, e como aquele não há mais hoje em dia em Nirn; pois aquele não teve contato com Meyjunwuth, o grande dragão a quem Alduin ensinara a sabedoria, portanto era um dovah como aqueles que viveram nos começos de tempo: desajeitados, furiosos e com uma sede de destruição terrível. Veio avançando sobre quatro patas, direto para os vigias, e então desviou no momento exato, passando a apenas alguns metros, fazendo tremer o chão sob seus pés: as grandes pernas como árvores finas, enormes chifres semelhantes a picos, os pequenos olhos vermelhos coléricos. Suas presas levantadas semelhantes a chifres estavam fixadas com bandas de ouro e pingavam sangue. Os arreios ricamente enfeitados de vermelho e dourado pendiam em farrapos soltos. Os escombros do que parecia ter sido uma verdadeira torre de guerra jaziam sobre seu lombo ofegante, destroçados em sua passagem furiosa através do bosque; e em cima de seu pescoço ainda se pendurava desesperadamente um pequeno vulto - o corpo de um guerreiro poderoso, um gigante entre os Rubroguardas.

O grande dragão avançava retumbando, cambaleando numa ira cega através de poças e moitas. Flechas inofensivas batiam e ricocheteavam na escama grossa de seus flancos. Homens dos dois lados corriam fugindo dele, mas vários ele alcançou e esmagou contra o chão. Logo sumiu de vista, ainda trombeteando e estremecendo o solo em algum ponto distante. O que aconteceu com ele Barknar nunca soube: se escapou para perambular no ermo por um tempo, até que perecesse longe de sua casa ou ficasse preso em algum poço fundo; ou ainda se continuou até mergulhar no Lago de Riften e ser engolido pelas águas.

Barknar respirou fundo. — Era um dragão! — disse ele. — Então existem dragões, e eu vi um. Que vida! Mas ninguém lá em casa vai acreditar em mim. Bem, se tudo acabou, vou dormir um pouco.

— Durma enquanto puder — disse Synnolian. — Mas o Capitão retornará se não estiver ferido, e quando chegar deveremos partir depressa. Seremos perseguidos assim que as notícias de nosso feito chegarem ao Devorador de Mundos, e não vai demorar muito.

— Partam em silêncio quando for a hora! — disse Barknar. — Não há necessidade de perturbarem meu sono. Caminhei a noite toda.

Synnolian riu. — Não acho que o Capitão vá deixá-los aqui, Mestre Barknar — disse ele. — Mas isso vocês verão!

Com a impressão de ter cochilado apenas alguns minutos, Barknar acordou e viu que já era fim de tarde e Aldis tinha voltado. Trouxera muitos homens consigo; na verdade, todos os sobreviventes da emboscada estavam agora reunidos na encosta ali perto, cerca de duzentos a trezentos combatentes. Estavam sentados num amplo semicírculo, Aldis no centro e Gwilin em pé diante dele. A situação era estranhamente semelhante ao julgamento de um prisioneiro.

Sem que ninguém se desse conta dele, Barknar saiu da samambaia e se posicionou atrás das fileiras de homens, de onde podia ver e ouvir tudo o que estava acontecendo. Observava e escutava tudo com atenção, pronto para correr em auxilio de seu amigo elfo, caso fosse necessário. Estava enxergando o rosto de Aldis, agora sem a máscara: era austero e dominador, e uma sagacidade aguda se escondia atrás de seu olhar penetrante. Havia dúvida nos olhos, que mantinha fixos em Gwilin. Logo Barknar descobriu que o Capitão não estava satisfeito em vários pontos com o que Gwilin dissera sobre si mesmo: qual era sua função na busca da Companhia que partira da Alta Hrothgar; por que eles haviam abandonado Erik e aonde estavam indo agora. Em especial, mencionou várias vezes o Devorador de Mundos. Estava claro para Aldis que Gwilin escondera algum assunto de grande importância.

— Mas era com a vinda daquele que tem a alma de dragão que o Devorador de Mundos despertaria, ou pelo menos é o que se pode interpretar daquelas palavras — insistiu ele. — Então, se você conhece realmente aquele que tem a alma de dragão que foi mencionado, não há dúvida de que ele estava, o que quer que seja ele, homem ou elfo, para o Conselho do qual está falando, e de que lá Erik o viu. Você nega o que estou dizendo?

Gwilin não respondeu. — Então! — disse Aldis. — Quero que você me diga mais sobre isso; pois o que diz respeito a Erik diz respeito a mim. Essa pessoa, você a viu partir? Caminhou até certo ponto com ela? O Final está oculto, você diz; mas não seria porque você mesmo faz a opção de ocultá-lo?

— Não, não é uma opção minha — respondeu Gwilin. — Não pertence a mim. Não pertence a nenhum mortal, homem ou elfo; mas se houver alguém para reivindicá-la, essa pessoa será Vorstag, filho de Rorstag, que eu mencionei, o líder da Comitiva das Cataratas Ermas até Forgulnthur.

— Por que ele, e não Erik, príncipe da Cidade que os filhos de Pelagius Septim fundaram?

— Porque Vorstag é descendente em linhagem direta de Tiber Septim, o próprio filho de Talos. E a espada em seu poder é a espada de Uriel Septim.

Um murmúrio de assombro percorreu todo o semi-círculo formado pelos homens. Alguns gritaram: — A espada dos Septim! A espada dos Septim vem a Solitude! Alvíssaras! — Mas o rosto de Aldis permanecia impassível.

— Talvez! — disse ele. — Mas uma reivindicação tão importante precisa ser verificada, e provas concretas serão requeridas, caso esse Vorstag chegue a Solitude. Ele não havia chegado, nem qualquer outro membro de sua Companhia, quando parti seis dias atrás.

— Erik concordou com a reivindicação, pelo que dizem as mensagens escritas por Faendal, o filho do Rei de Falinesti — disse Gwilin. — Na verdade, se Erik estivesse aqui, responderia todas as suas perguntas. E uma vez que ele já estava em Forgulnthur havia muitos dias e pretendia ir direto de lá para a sua cidade, quando você retornar poderá ter todas as respostas lá. Ele conhecia todas as funções da Companhia, e todos os outros também, menos a minha, pois ela me foi designada pelo próprio Arngeir de Mohnaven, só que bem após a partida deles. Eu vim a esta terra com essa missão, de achar a Companhia para entregar algumas mensagens. Apesar disso, seria melhor que aqueles que dizem se opor ao Devorador de Mundos não a dificultassem.

O tom de Gwilin era altivo, independentemente do que se passava dentro dele, e Barknar aprovou suas palavras; mas Aldis não parecia satisfeito.

— Muito bem! — disse ele. — Você me pede que eu cuide de meus próprios assuntos, e que retorne para casa, deixando-o em paz. Erik contará tudo, quando chegar. Quando chegar, você diz! Você era amigo de Erik?

— Erik era um valoroso membro da Companhia dos Barbacinza — disse Gwilin finalmente. — Sim, de minha parte, eu era amigo dele.

O rosto de Aldis se abriu num sorriso sinistro. — Então você lamentaria se soubesse que Erik está morto?

— Lamentaria realmente — disse Gwilin. Então, captando o olhar de Aldis, ele vacilou. — Morto? — disse ele. — Está querendo dizer que ele está morto, e que você já sabia disso? Esteve tentando me prender numa armadilha de palavras, jogando comigo? Ou está tentando me enganar com uma mentira?

— Eu não enganaria nem um draugr com uma mentira — disse Aldis.

— Como foi então que ele morreu, e como você soube disso e eu não, já que está dizendo que nenhum membro da Companhia havia chegado à cidade até a sua partida?

— Quanto ao modo como morreu, eu tinha esperança de que vocês, amigos e companheiros dele, me contassem como foi.

— Mas ele estava vivo e forte quando nos separamos. E pelo que sei, ainda está. Embora certamente haja muitos perigos no mundo.

— De fato, há muitos — disse Aldis —, e traição não é o menor deles.

Barknar estava ficando cada vez mais impaciente e furioso com toda a conversa. Aquelas últimas palavras excederam o que conseguia suportar, e, avançando subitamente para o meio do circulo, colocou-se ao lado de seu amigo.

— Perdoe-me, Gwilin — disse ele —, mas isso já foi longe demais. Ele não tem o direito de falar com você dessa maneira. Não depois de tudo o que você passou, tanto para o bem dele e de todos esses grandes homens, quanto para o de qualquer pessoa. Olhe aqui, Capitão! — disse ele, plantando-se bem à frente de Aldis, com as mãos na cintura, como se estivesse se dirigindo a um jovem que lhe respondesse num tom ruim. Houve alguns murmúrios, e também risos nos rostos dos homens que assistiam: a cena de seu Capitão, sentado no chão, cara a cara com um camponês, fervendo de raiva, era algo totalmente novo para eles. — Olhe aqui! — disse ele. — Aonde está querendo chegar? Vamos ao ponto antes de todos os draugrs de Skuldafn nos atacarem! Se o senhor pensa que os amigos dos Barbacinza mataram esse Erik e depois fugiram, o senhor está louco; mas diga claramente, e termine com isso de uma vez por todas! E então nos permita saber o que pretende fazer sobre o assunto. Mas é uma pena que pessoas que ficam falando em lutar contra o Devorador de Mundos não sejam capazes de deixar que outros façam a sua parte à sua própria maneira, e sem interferências. Ele ficaria muito satisfeito, se pudesse vê-lo agora. Iria pensar que conseguiu um novo amigo, sem dúvida.

— Calma! — disse Aldis sem raiva. — Não fale antes de seu amigo elfo, cuja inteligência é maior que a sua. E eu não preciso que ninguém me advirta sobre o perigo que corremos. Mesmo assim, disponho de um curto espaço de tempo para julgar com justiça uma questão difícil. Se eu fosse tão apressado quanto você, provavelmente já os teria matado há muito tempo. Pois recebi ordens de matar qualquer um que entrasse nesta terra sem a permissão do Senhor de Haafingar e da Senhora Regente do Rift. Mas não mato homens nem animais sem necessidade, e não me sinto feliz em fazê-lo mesmo quando é necessário. E também não estou falando em vão. Então sossegue. Sente-se ao lado de seu amigo, e fique quieto!

Barnkar se sentou furioso e com o rosto vermelho. Aldis voltou-se para Gwilin outra vez.

— Você perguntou como eu sei que o filho de Torygg está morto. As notícias de morte têm muitas asas. Com frequência a noite traz notícias para parentes próximos, como diz o ditado. Erik era pra mim um irmão — uma sombra de tristeza cobriu-lhe o rosto. — Você se lembra de alguma coisa característica que o Sr. Erik carregava junto aos seus pertences?

Gwilin pensou por um momento, temendo uma nova armadilha, e perguntando-se como esse debate terminaria. Apesar disso, sentia em seu coração que Aldis, embora fosse muito semelhante a Erik na aparência, era um homem menos arrogante, ao mesmo tempo mais austero e mais sábio.

— Recordo-me de que Erik levava uma corneta — disse finalmente.

— Recorda-se bem, e como uma pessoa que esteve realmente com ele — disse Aldis. — Então talvez consiga ver com os olhos de sua mente: um grande escudo feita da madeira das árvores do leste, adornado com prata, e com inscrições em caracteres antigos. Esse escudo os primogênitos da Casa de Torygg carregaram por várias gerações, assim como sua grande corneta, que afirma-se que se ela fosse tocada num momento de necessidade em qualquer lugar dentro das fronteiras de Haafingar, como era o reinado antigamente, sua voz não passaria despercebida. Cinco dias antes de minha partida nesta jornada, há onze dias, por volta desta hora, ouvi o soar daquela corneta: parecia vir do norte, mas chegava fraco, como se fosse um eco na mente. Achamos que era um mau presságio, Jarl Elisif e eu, pois não tivéramos notícias de Erik desde sua partida, e nenhuma sentinela em nossas fronteiras o tinha visto passar. E três noites depois uma outra coisa, ainda mais estranha, me aconteceu. Estava sentado á noite à beira do Karth, na escuridão cinzenta sob uma pálida lua nova, observando a correnteza calma, e ouvindo o farfalhar dos juncos tristonhos. Temos sempre o costume de vigiar as margens perto de Águianeve, que nossos inimigos agora em parte detém, e através das quais enviam expedições para saquear nossas terras. Mas naquele dia o mundo todo adormeceu à meia-noite. Então eu vi, ou tive a impressão de ter visto, um barco flutuando na água, emitindo um vago brilho cinzento, um pequeno barco de formato esquisito com uma proa alta, e não havia ninguém para remar ou conduzi-lo. Fui tomado de espanto, pois uma luz pálida o envolvia. Mas levantei-me e me dirigi à margem, e comecei a caminhar para dentro da correnteza, pois me sentia atraído por ele. Então o barco se virou na minha direção, diminuindo de velocidade e flutuando lentamente até chegar ao alcance de minha mão, mas eu não ousei tocá-lo. Calava fundo, como se carregasse um grande peso, e conforme passou sob meu olhar tive a impressão de que estava quase totalmente repleto de água limpa, da qual emanava a luz; no seio da água, um guerreiro jazia dormindo. Havia uma espada quebrada sobre seu joelho. Vi muitos ferimentos em seu corpo. Era Erik, filho do meu rei, morto. Reconheci seus indumentos, sua espada, seu amado rosto. De uma coisa apenas senti falta: o escudo. Erik!, gritei eu. Onde está teu escudo? Aonde vais tu, ó Erik? Mas ele se fora: o barco voltou a acompanhar a correnteza calma e desapareceu tremeluzindo noite adentro. Foi como um sonho, mas não foi um sonho, pois não houve despertar. E não tenho dúvidas de que ele está morto e passou subindo o Rio em direção ao Mar das Assombrações.

— Lamento! — disse Gwilin. — Realmente é Erik como o conheci.

— Começo a entender muitas coisas que achava estranhas em você. Não vai nos contar mais coisas? Pois é triste pensar que Erik tenha morrido às vistas de sua terra natal.

— Não posso contar nada além do que já contei — respondeu Gwilin. — Embora sua história me traga muitos presságios. Acho que foi uma visão que você teve, nada além disso; alguma sombra de má fortuna que aconteceu ou vai acontecer. A não ser que seja na verdade algum truque mentiroso do Devorador de Mundos.

— Não, não foi uma visão — disse Aldis. — Pois os trabalhos dele enchem o coração de ódio; mas meu coração se encheu de tristeza e pena.

— Mas como uma coisa dessas poderia ter realmente acontecido? — perguntou Gwilin. — Nenhum barco poderia ter sido carregado de Forgulnthur através de passagens tão estreitas. E como poderia qualquer embarcação navegar nas espumas dos pântanos e não afundar nas batidas, mesmo estando cheia de água?

— Não sei — disse Aldis. — Mas de onde veio esse barco?

— De Whiterun — disse Gwilin. — A Companhia subiu o Karth em três barcos, até chegarem aos pântanos de Forgulnthur.

— Vocês estiveram na Alta Hrothgar — disse Aldis —, mas parece que entendem muito pouco do poder dela. Se homens têm contato com os Barbacinza, então podem esperar que coisas estranhas aconteçam. Pois é perigoso para os mortais sair do mundo deste sol, e poucos antigamente conseguiram sair de lá incólumes, pelo que se diz. Erik ó Erik! — gritou ele. — O que lhe disseram eles, os Barbacinzas? O que foi que eles viram? —Então, voltando-se para Gwilin, falou mais uma vez em voz baixa. — Essas perguntas acho que você poderia responder, Gwilin, da Guarda da Alvorada. Mas talvez não aqui nem agora. Mas para evitar que você continue achando que o que lhe contei foi uma visão, vou acrescentar isto: o escudo de Erik finalmente retornou, na realidade, e não em sonho. O escudo chegou mas estava partido em dois, como se tivesse sido golpeado por um machado ou uma espada. Os pedaços chegaram à praia separadamente: um foi encontrado em meio aos juncos onde ficam as sentinelas de Haafingar, ao norte, perto do Mar; o outro foi encontrado rodopiando na correnteza, por uma pessoa que por algum motivo fora ao rio. Acasos estranhos, mas a verdade virá à tona, como se diz. E agora a corneta do primogênito jaz em dois pedaços sobre o colo de Elisif, que está sentada em sua alta cadeira, aguardando notícias. Você não sabe me dizer nada sobre o escudo partido?

— Não, eu não sabia disso — disse Gwilin. — Mas o dia em que você a ouviu soando, se seus cálculos estão certos, foi o dia em que paramos de receber mensagens. E agora sua história me enche de temor. Pois, se Erik estava em perigo e foi morto, receio que todos os seus companheiros tenham perecido também. E eram meus amigos. Você não está disposto a ignorar sua dúvida a meu respeito e me deixar partir? Estou cansado, cheio de tristeza e com medo. Mas tenho um feito a cumprir, ou tentar, antes que eu também seja morto. E ainda precisarei me apressar mais, se dois viajantes são tudo o que sobrou do Conselho. Volte, Aldis, valoroso Capitão de Haafingar, e defenda sua cidade enquanto puder, e deixe-me ir para onde meu destino me conduz.

— Para mim não há consolo em nossa conversa — disse Aldis —, mas certamente você extrai dela mais pavor do que é necessário. A não ser que a própria gente de Whiterun tenha vindo até ele, quem ataviou Erik como se fosse para um funeral? Não os dremoras, pois conheço de suas invocações e armas, e soube as reconhecer no barco de Erik, e nem os servidores do Devorador de Mundos. Alguém de sua Companhia, suponho eu, ainda vive. Mas o que quer que tenha acontecido na Fronteira Norte, de você, Gwilin, não duvido mais. Se os dias difíceis me fizeram um juiz de palavras e rostos, então posso fazer uma suposição sobre os elfos! Embora nesse ponto — ele sorriu — haja algo estranho em você, Gwilin, um ar altmeri, talvez. Mas há mais coisas em nossas palavras do que eu a princípio imaginara. Eu deveria levá-lo agora para Solitude, para responder lá a Elisif, a Bela, e terei de pagar com a vida, se neste momento escolher um caminho que acabe se mostrando ruim para minha cidade. Por isso, não vou decidir apressadamente o que deve ser feito. Mesmo assim, devemos sair daqui sem mais demora.

Levantou-se e deu algumas ordens. Imediatamente, os homens que estavam reunidos à sua volta se separaram em pequenos grupos, e foram em várias direções, desaparecendo rapidamente nas sombras das rochas e árvores. Logo apenas Synnolian e Tapius permaneciam.

— E vocês, Gwilin e Barknar, virão comigo e meus guardas — disse Aldis. — Não podem ir pela estrada em leste, se este era o seu propósito. Aquela região será mais perigosa por alguns dias, e depois desse tumulto ainda mais vigiada do que antes. E não poderão, de qualquer forma, avançar muito hoje, pois estão cansados. Nós também estamos. Estamos indo para um de nossos esconderijos, a menos de dez milhas daqui. Os draugrs e os espiões do Devorador de Mundos ainda não o encontraram, e, se o encontrassem, poderíamos defendê-lo por muito tempo, mesmo contra muitos inimigos. Lá poderemos nos deitar e descansar um pouco, e vocês também. Pela manhã decidirei qual é a melhor coisa a fazer. Para mim e para vocês.

A Gwilin nada restava a não ser ceder àquele pedido, ou ordem. Em qualquer caso, parecia uma decisão sábia naquele momento, uma vez que a emboscada dos homens de Haafingar transformara uma viagem através do Rift numa aventura mais perigosa do que nunca.

Partiram imediatamente: Synnolian e Tapius um pouco à frente, e Aldis, Gwilin e Barknar atrás. Enquanto caminhavam, o mais rápido que os viajantes conseguiam, iam conversando em voz baixa.

— Interrompi nossa conversa — disse Aldis — não só porque o tempo urgia, como bem disse o Mestre Barknar, mas também porque estávamos nos aproximando de assuntos que não deviam ser discutidos abertamente diante de muitos homens. Foi por esse motivo que preferi discutir o assunto de meu irmão, e deixei de lado o Devorador de Mundos. Você não foi totalmente franco comigo, Gwilin.

— Não contei nenhuma mentira, e disse todas as verdades que podia — disse Gwilin.

— Não o culpo — disse Aldis. — Você falou com habilidade numa posição difícil, e de maneira sábia, ao que me pareceu. Mas eu percebi ou supus mais do que disseram suas palavras. Você não era amigo de Erik, ou pelo menos vocês não se separaram como amigos. Você, e os que partiram com ele também, suponho eu, têm alguma mágoa. Eu o amava muito, e de bom grado vingaria sua morte; apesar disso, conhecia-o bem. O Devorador de Mundos - arriscaria dizer que o Devorador de Mundos estava entre eles e era causa de contenda em sua Companhia. Está claro que é algum tipo de legado, e essas coisas não trazem paz entre aliados, não se as histórias antigas podem ensinar alguma coisa. Não estou quase atingindo o alvo?

— Quase, pelo que me diziam as mensagens — disse Gwilin. — Mas não exatamente o centro. Não houve contenda na Companhia, embora tenha havido dúvida: dúvida sobre que caminho deveriam tomar além de Forgulnthur. Mas, seja como for, as histórias antigas também nos ensinam o perigo de palavras precipitadas em se tratando de coisas como legados.

— Então é como eu pensava: o problema da Companhia era apenas com Erik: ele queria que a responsabilidade de derrotar o Devorador de Mundos fosse trazida a Solitude. Ai de mim! É crueldade do destino que você, a última pessoa que o viu, tenha seus lábios selados, e esconda de mim o que mais quero saber: o que se passava no coração e no pensamento dele em suas últimas horas. Tendo ou não errado, disto tenho certeza: ele morreu com dignidade, realizando algo de bom. Seu rosto estava ainda mais belo do que em vida. Mas, Gwilin, a principio eu o pressionei muito com perguntas sobre o Devorador de Mundos. Perdoe-me! Foi uma insensatez, naquela hora e lugar. Não tive tempo para pensar. Tínhamos tido uma luta difícil, e havia coisas demais em minha cabeça. Mas no próprio momento em que lhe falava, eu me aproximei do alvo, e então deliberadamente desviei o tiro. Pois você deve saber que muitas coisas ainda se preservam da antiga tradição dos Governantes da cidade, e são mantidas em segredo. A casa de meus patrões não é da linhagem de Tiber Septim, embora o sangue de Cyrodiil corra em nossas veias. Sabemos que a linhagem deles remonta a Jolethe Direnni, a boa regente, que governou no lugar de seu irmão quando este foi reivindicar o título de Imperador. E este era o Imperador Pelagius, o Louco e o Terceiro, que só teve um filho, Cassynder, e este jamais retornou a Skyrim. E os regentes têm governado a cidade desde esse dia, embora isso tenha acontecido há muitas gerações de homens. E disso eu me lembro a respeito de Erik, quando ele era um menino e nós dois juntos aprendíamos a história dos antepassados dele e de nossa cidade: ele era um eterno insatisfeito com o fato do pai dele não ser totalmente relacionado a Tiber Septim. “Por que se essa Jolethe era irmã de Pelagius, o Louco, e somos descendentes dela, somos menos Septims do que o Imperador?”, perguntava ele. “Tenho certeza que, talvez, em lugares de menores realeza em alguns anos em que o Imperador não retornasse, seríamos declarados herdeiros legítimos”, Torygg respondia. “Em Haafingar dez mil anos não seriam suficientes.” Ai de mim! Pobre Erik. Isso não lhe diz algo sobre ele?

— Realmente — disse Gwilin. — Mas ele sempre tratou Vorstag com respeito depois de partir, pelo que diziam as cartas.

— Não duvido disso — disse Aldis. — Se ele concordava com a reivindicação de Vorstag, como você diz, provavelmente o reverenciaria muito. Mas o momento crucial ainda não chegara. Eles ainda não tinham chegado a Solitude, nem se tornado rivais nas guerras locais. Mas estou me desviando do assunto. Eles, da casa de Torygg, sabem muito da antiga tradição, transmitida de pai para filho, e além disso preservam muita coisa em seus tesouros: livros e cadernos escritos em pergaminhos envelhecidos, sim, e na pedra, e em folhas de prata e ouro, em vários caracteres diferentes. Alguns ninguém consegue decifrar, e, quanto ao resto, poucos agora os manuseiam. Posso ler alguma coisa neles, pois fui ensinado. Foram esses registros que trouxeram o Arque-Mago até nós. Vi-o pela primeira vez quando era criança, e ele esteve em nossa cidade duas ou três vezes depois disso.

— O Arque-Mago? — perguntou Gwilin. — Ele tinha um nome?

— Nós o chamávamos de Agaialor, à maneira dos elfos — disse Aldis — e ele ficava satisfeito. Tenho muitos nomes em diferentes lugares, dizia ele. Agaialor entre os elfos, no norte Savos Aren para o leste eu nunca vou.

— Savos! — disse Gwilin. — Pensei que fosse ele, Savos Aren, o Arque-Mago, o mais querido dos conselheiros, Líder da Companhia dos Barbacinza. Eles o perderam nas Cataratas Ermas.

— Perderam Savos Aren! — disse Aldis. — Parece que um destino mau perseguia sua sociedade. Realmente é difícil acreditar que alguém possuidor de tanta sabedoria e poder - pois fez coisas maravilhosas entre nós - possa ter perecido, e desse modo o mundo tenha perdido tanta sabedoria. Você tem certeza disso, de que ele não os deixou apenas, partindo quando julgou necessário?

— Infelizmente sim — disse Gwilin. — Viram-no ser soterrado.

— Percebo que há uma grande história de terror nisso — disse Aldis — que talvez você possa me contar à noite. Esse Savos Aren era mais que um mestre das tradições, percebo agora: um grande promotor dos feitos de nossa época. Se tivesse estado entre nós para que pudéssemos consultá-lo sobre as palavras duras de nosso sonho, poderia tê-las esclarecido sem a necessidade de um mensageiro. Mas talvez não tivesse feito isso, e a viagem de Erik já estivesse marcada pelo destino. Savos Aren nunca nos falava sobre o que ainda iria acontecer, e nunca revelou seus propósitos. Conseguiu a permissão de Elisif, não sei como, para examinar os segredos de nossos tesouros, e eu aprendi um pouco com ele, quando estava disposto a ensinar (e isso era raro). Sempre procurava e nos perguntava acima de tudo sobre a Grande Batalha que foi travada na Garganta do Mundo nos primórdios de Haafingar, na qual Aquele que não nomeamos foi derrotado. Era ávido por saber histórias sobre Tiber Septim, embora dele tivéssemos pouco para contar, pois nunca soubemos nada de concreto sobre o fim de sua linhagem.

Nesse ponto, a voz de Aldis reduziu-se a um sussurro. — Mas isso eu aprendi, ou adivinhei, e desde então guardei em segredo em meu coração: que Martin Septim deixou algo nas mãos de alguém, antes de batalhar com Mehrunes Dagon, para nunca mais ser visto entre os homens mortais em sua forma original. Eu achava que aqui estava a resposta para a indagação de Savos. Mas na época parecia um problema que dizia respeito apenas aos que procuravam os ensinamentos antigos. E também eu não achei, quando as palavras enigmáticas do sonho de Erik e da mãe foram discutidas entre nós, que a Espada e a Voz fosse essa mesma coisa. Lamento que tenha ido em tal missão! Eu teria sido escolhido por meu pai e pelos anciões, mas ele se ofereceu, por ser o mais velho e o mais corajoso (ambas as coisas verdadeiras), e ninguém conseguiria detê-lo. Mas não tema mais nada! Eu não tomaria essa responsabilidade, nem que a encontrasse na estrada. Nem que Solitude estivesse sendo destruída e apenas eu pudesse salvá-la desse modo, tomando os exércitos do Devorador de Mundos para o bem deles e para minha glória. Não. Não anseio por tais triunfos, Gwilin, da Guarda da Alvorada.

— O Conselho dos Barbacinza também não — disse Gwilin. — Nem eu. Eu preferiria não ter nada a ver com tais assuntos.

— Quanto a mim — disse Aldis — gostaria de ver as árvores outra vez em flor nos pátios dos reis, e os Reis de Cyrodiil retornarem a Skyrim, e Solitude em paz: Haafingar de novo como era antigamente, cheia de luz, altiva e bela, bonita como uma rainha entre outras rainhas: não uma senhora de muitos escravos, não, nem sequer uma senhora gentil de escravos voluntários. A guerra deve acontecer, enquanto estivermos defendendo nossas vidas contra um destruidor que poderia devorar tudo; mas não amo a espada brilhante por sua agudeza, nem a flecha por sua rapidez, nem o guerreiro por sua glória. Só amo aquilo que eles defendem: a cidade dos homens de Cyrodiil em Skyrim, e gostaria que ela fosse amada por seu passado, sua tradição, sua beleza e sua sabedoria presente. Não que ela fosse temida, a não ser da maneira que os homens temem a dignidade de um homem velho e sábio. Por isso, não tenha medo de mim! Não peço que me conte mais nada. Não peço nem que me diga se agora eu estou chegando mais perto do alvo. Mas se estiver disposto a confiar em mim, é possível que eu possa aconselhá-lo em sua demanda atual, qualquer que seja ela - talvez até mesmo ajudá-lo.

Gwilin não respondeu. Quase cedeu ao desejo de ser aconselhado, e ajudado, de contar àquele homem digno, cujas palavras pareciam tão belas e sábias, tudo o que passava por sua cabeça. Mas alguma coisa o impediu. Tinha o coração tomado de medo e tristeza: se ele e Barknar realmente fossem, como parecia provável, tudo o que sobrara dos enviados pelo Barbacinza, então ele era o único que sabia do segredo de sua missão. Mais valia uma desconfiança imerecida do que palavras incautas. E as maquinações e imaginações que agora se faziam em sua mente sobre Erik, da terrível mudança que o medo de Alduin causara nele, estavam muito presentes em sua mente, quando olhava para Aldis e ouvia sua voz: os dois eram diferentes, mas ao mesmo tempo muito parecidos.

Continuaram caminhando em silêncio, passando como sombras cinzentas e verdes sob as velhas árvores, os pés não fazendo ruído algum; sobre eles muitos pássaros cantavam, e o sol reluzia sobre o teto polido de folhas escuras das florestas perenes do Rift. Barknar não participara da conversa, embora tivesse escutado tudo, ao mesmo tempo em que estivera prestando atenção, com seus sensíveis ouvidos, a todos os ruídos suaves da floresta ao redor deles. Notou uma coisa: em toda a conversa, o nome de Septimus Signus não fora mencionado uma só vez. Estava feliz por isso, embora achasse que seria um exagero esperar que jamais ouviria aquele nome de novo. Logo percebeu também que, embora estivessem caminhando sozinhos, havia muitos homens por perto: não apenas Tapius e Synnolian, entrando e saindo das sombras à frente, mas outros, dos dois lados, todos trilhando seu caminho secreto na direção de algum lugar indicado.

Uma vez, olhando de repente para trás, como se alguma comichão na pele o avisasse de que estava sendo observado, teve a impressão de captar de relance um pequeno vulto escuro se escondendo atrás de um tronco de árvore. Abriu a boca para falar e a fechou em seguida. — Não tenho certeza — disse para si mesmo — e por que motivo deveria lembrá-los do velho vilão, se eles preferem esquecê-lo? Eu gostaria de conseguir fazer o mesmo!

Assim foram caminhando, até que as florestas ficaram menos densas e o terreno começou a descer mais abruptamente. Então desviaram outra vez, à direita. Olhando ao oeste podiam ver, mais abaixo e numa névoa de luz, planícies e amplas campinas, e, tremeluzindo distantes ao sol que se punha, as águas caudalosas do Rio Yorgrim.

— Aqui, infelizmente, terei de tratá-lo com descortesia — disse Aldis. — Espero que perdôe esse gesto, partindo de uma pessoa que até agora tem dado suas ordens movida pela cortesia , e evitando que vocês fossem mortos ou presos. Mas não é permitido a nenhum forasteiro, nem mesmo a alguém de Riften que lute ao nosso lado, ver a trilha pela qual agora iremos com os olhos abertos, pois é área inimiga: stormcloak. Devo vendar seus olhos.

— Como quiser — disse Gwilin. — Até os elfos se comportam dessa maneira quando há necessidade, e de olhos vendados alguns atravessam as fronteiras do Forte da Alvorada, no extremo sudeste do Rift, tão belo.

— Não é por um lugar tão belo que deverei conduzi-los — disse Aldis. — Mas fico satisfeito em saber que vocês aceitam a imposição voluntariamente, e não à força.

Chamou em voz baixa e imediatamente Synnolian e Tapius surgiram das árvores e vieram na direção deles. — Vendem os olhos destes hóspedes — disse Aldis. — De modo seguro, mas sem incomodá-los. Não amarrem suas mãos. Eles darão sua palavra de que não tentarão olhar. Poderia confiar que eles fechassem os olhos por sua própria conta, mas os olhos podem se abrir, se os pés tropeçarem. Conduzam-nos e cuidem para que não vacilem.

Com cachecóis vermelhos os dois guardas vendaram os olhos dos hobbits, e puxaram-lhe os capuzes os capuzes quase até a boca; então rapidamente tomaram cada um pela mão e continuaram em seu caminho. Tudo o que Gwilin e Barknar souberam dessa última milha da estrada depreenderam adivinhando no escuro. Um pouco depois perceberam que estavam numa trilha que descia abruptamente; logo ficou tão estreita que eles precisaram ir em fila indiana, roçando os corpos em muralhas rochosas de ambos os lados; os guardas vinham atrás e os guiavam, com mãos firmes sobre os seus ombros. Em alguns momentos passavam por lugares difíceis e eram carregados por um trecho, e depois recolocados no chão. Todo o tempo o ruido do vento assobiando os acompanhava do lado direito, e ia ficando mais próximo e mais alto. Finalmente pararam.

Rapidamente Synnolian e Tapius fizeram-nos girar várias vezes, e eles perderam todo o senso de direção. Subiram por um trecho: parecia frio e o ruido do vento ficara fraco. Então veio por trás a voz de Aldis, bem próxima. — Deixem-nos ver! — disse ele.

Os cachecóis foram removidos e os capuzes puxados para trás; os dois piscaram e ficaram boquiabertos. Estavam sobre um chão molhado de terra fofa, que era a soleira, por assim dizer, de várias luxuosas cabanas de pele. Os raios horizontais do sol que se punha atrás batiam nele e a luz vermelha se partia em muitos raios bruxuleantes de cores iridescentes. Era como se estivessem à janela de alguma torre élfica, cuja cortina fosse feita com cordões de ouro e prata, rubis, safiras e ametistas, tudo ardendo num fogo que não consumia.

— Ao menos tivemos a sorte de chegar à hora certa de recompensá-los por sua paciência — disse Aldis. — Este é um dos nossos mais belos campos, e é uma pena que atualmente esteja em território inimigo: o Campo Imperial de Marchaleste, o mais belo de todos os acampamentos do Leste, aqui é uma terra de muita segurança. Poucos do povo do “dono” dessas terras tiveram oportunidade de vê-la. Entrem agora e vejam!

No momento em que falava, o sol se pôs, e o fogo mergulhou no fluxo das águas. Eles se viraram e passaram por um arco baixo e austero.

Imediatamente se viram numa larga barraca real, larga e tosca, com um teto irregular e inclinado. Algumas tochas estavam acesas e lançavam uma luz fraca nas paredes tremeluzentes. Muitos homens já estavam lá. Outros ainda vinham chegando em grupos de dois ou três através de uma porta lateral estreita e escura. Quando seus olhos começaram a se acostumar à escuridão, os dois viram que o vale era maior do que tinham suposto e estava repleto com um bom estoque de armas e mantimentos.

— Bem, este é nosso refugio — disse Aldis. — Não é um lugar muito confortável, mas aqui vocês poderão passar a noite em paz. Pelo menos é seco, e há comida, embora não tenhamos fogo. Agora só há duas saídas: a passagem mais além, pela qual vocês entraram com os olhos vendados, e através do norte. Agora descansem um pouco, até a hora da refeição noturna.

Os dois foram levados até um canto, onde lhes foi oferecida uma cama baixa para deitarem, se quisessem. Enquanto isso os homens se ocupavam pelo vale, em silêncio e numa pressa ordenada. Tábuas leves foram retiradas das paredes e colocadas sobre cavaletes e guarnecidas com material de cozinha. Quase tudo era simples e sem adornos, mas bem-feito e bonito: travessas redondas, tigelas e pratos de barro vitrificado marrom ou de buxo torneado, polido e limpo. Aqui e ali se via uma taça ou bacia de bronze polido; um cálice liso de prata foi colocado no lugar do Capitão, no meio da mesa no fundo do vale.

Aldis caminhava entre os homens, interrogando cada um conforme entravam, numa voz baixa. Alguns haviam retornado da perseguição aos sulistas, outros, deixados para trás como vigias perto da estrada, entraram por último. Todos os sulistas haviam sido destruídos, exceto o grande dragão: o que lhe acontecera ninguém sabia dizer. Do inimigo nenhum movimento se via, nem sequer um espião-draugr.

— Você não viu nem ouviu nada, Marsus? — perguntou Aldis ao último que chegou.

— Bem, senhor, não — disse o homem. — Pelo menos nenhum draugrc. Mas eu vi, ou tive a impressão de ter visto, uma coisa meio estranha. Já tinha quase anoitecido, naquela hora em que os olhos fazem as coisas ficarem maiores do que são. Por isso, talvez não tenha sido nada além de um esquilo. — Ao ouvir isso, Barknar ficou de orelha em pé. — Mas, se for esse o caso, era um esquilo preto, e não vi nenhum rabo. Era como uma sombra no chão, e se escondeu atrás de um tronco de árvore quando me aproximei, e subiu nela com a mesma velocidade de um esquilo. O senhor não permite que matemos animais selvagens sem motivo, e me pareceu que aquilo não passava de um animal selvagem, por isso não tentei atirar nenhuma flecha.

De qualquer forma, estava escuro demais para um tiro certeiro e a criatura entrou na escuridão das folhas num piscar de olhos. Mas fiquei lá um tempo, pois ela parecia estranha, e depois corri de volta. Tive a impressão de ouvir o bicho chiar para mim de cima da árvore conforme me virei. Talvez um grande imga. Pode ser que, sob a sombra do Devorador de Mundos, alguns do povo-árvore de Valenwood estejam fugindo para as nossas florestas. Comenta-se que lá eles têm gente gorila.

— Talvez — disse Aldis. — Mas, se for verdade, isso será um mau presságio. Não queremos os fugitivos da Cidade Errante em Skyrim.

Barknar imaginou que ele tinha lançado um olhar rápido em direção aos dois enquanto falava; mas Barknar não disse nada. Por um tempo ele e Gwilin ficaram deitados observando a luz das tochas, e os homens andando de um lado para o outro e conversando aos sussurros. Então, de repente, Gwilin adormeceu. Barknar discutia consigo mesmo, ponderando prós e contras. “Ele pode estar sendo sincero”, pensou ele, “e também pode não estar. Palavras belas podem ocultar um coração maligno.” Barknar bocejou. “Poderia dormir uma semana inteira, e isso me faria bem. E o que posso fazer, se ficar acordado, só eu sozinho, com todos esses homens grandes ao redor? Nada, Barknar; mas mesmo assim você tem de ficar acordado.” E de alguma forma conseguiu. A luz desapareceu no vale, e sobreveio uma sombra. O som do farfalhar das árvores continuava, nunca mudando de tom, de manhã, de tarde ou de noite. Barknar passou os dedos nos olhos.

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Agora mais tochas estavam sendo acesas. Um barril de vinho foi perfurado. Barricas com mantimentos estavam sendo abertas. Homens traziam água. Alguns lavavam as mãos em bacias. Uma grande vasilha de cobre e uma toalha branca foram trazidas para Aldis, e ele se lavou.

— Acorde nossos convidados — disse ele — e leve-lhes água. Está na hora de comer alguma coisa, e estou morrendo de fome.

Gwilin se sentou, bocejou e espreguiçou-se. Barknar, não habituado a ser servido, olhou meio surpreso para o homem alto que se curvou, segurando uma bacia de água diante dele.

Depois de terem viajado e acampado por tanto tempo, depois de dias passados em regiões desertas e solitárias, a refeição noturna pareceu um banquete para os dois: beber um vinho clarete, fresco e perfumado, comer pão com manteiga, e carnes salgadas, e frutas secas, e um bom queijo vermelho, com as mãos limpas e com facas e pratos limpos. Nem Gwilin nem Barknar recusaram nada do que lhes foi oferecido, nem uma segunda, e na verdade nem uma terceira porção. O vinho correu em suas veias e pernas cansadas, e eles se sentiram alegres e com os corações leves, como não se sentiam desde que partiram da terra de Alta Hrothgar.

Quando tudo estava terminado, Aldis os levou a uma barraca na parte de trás do vale, parcialmente protegido por cortinas; uma cadeira e dois bancos foram levados para lá. Uma pequena lamparina de barro queimava num nicho.

— Pode ser que logo desejem dormir — disse ele —, especialmente o bom Barknar que não conseguiu pregar os olhos antes de comer - talvez por medo de cegar a lâmina de uma nobre fome, ou por medo de mim, isso eu não sei. Mas não é bom dormir logo depois de uma refeição, e pior ainda se a refeição foi precedida de um período de abstinência. Vamos conversar um pouco. Em sua viagem desde Alta Hrothgar deve ter havido muitas coisas para contar. E vocês, também, talvez desejassem aprender alguma coisa sobre nós e sobre as terras onde estão agora. Contem-me sobre Erik, meu amigo, e sobre o nobre Agaialor, e sobre o belo povo de Ivarstead.

Gwilin deixara de se sentir sonolento, e estava disposto a conversar. Mas, embora a comida e o vinho o tivessem deixado relaxado, ele não perdera de todo a sua cautela. Barknar sorria e cantarolava para si mesmo, mas quando Gwilin falou ficou imediatamente satisfeito em escutar, arriscando-se apenas algumas vezes a fazer uma exclamação para indicar que estava de acordo.

Gwilin contou muitas histórias, mas sempre desviava do assunto da demanda da Companhia, e do dragão, alongando-se mais na função valorosa desempenhada por Erik em todas as suas aventuras, com os lobos no ermo, na neve sob o Vento Gritante, e nas Cataratas Ermas, onde Savos Aren caíra. Tudo como fora detalhadamente descrito por Faendal em suas cartas para a Alta Hrothgar. Aldis ficou muito comovido com a história da fuga na ponte das Cataratas Ermas, quando Morokei avançou contra Savos.

— Erik deve ter ficado constrangido ao fugir dos draugrs — disse ele —, ou até mesmo da coisa má que você mencionou, o sacerdote - mesmo que tenha sido o último a sair de lá.

— Ele foi o último — disse Gwilin —, mas Vorstag se viu forçado a conduzi-los. Só ele sabia o caminho depois da queda de Savos Aren. Mas, se não houvesse uma missão a cumprir, acho que nem ele nem Erik fugiriam.

— Talvez tivesse sido melhor se Erik caísse lá com Savos Aren — disse Aldis —, não indo ao encontro do destino que o aguardava sobre os pântanos de Forgulnthur.

— Talvez. Mas agora me conte sobre suas aventuras — disse Gwilin, colocando o assunto de lado mais uma vez. — Eu gostaria de saber mais sobre Águianeve e seu Forte, e sobre Solitude, a que resiste por tanto tempo. Que esperança vocês alimentam em relação à sua cidade nessa longa guerra?

— Que esperança alimentamos? — disse Aldis. — Faz tempo que já não temos esperança alguma. A espada de Uriel Septim, se realmente retornar, talvez possa renová-la, mas não acho que conseguirá mais do que postergar o dia fatal, a não ser que outra ajuda inesperada chegue, dos elfos ou homens. Pois o Devorador de Mundos cresce e nós diminuímos. Somos um povo em extinção, um outono sem primavera. Os homens de Cyrodiil se estabeleceram por toda a volta das praias e regiões próximas ao mar das terras do Norte, mas a maior parte deles se entregou ao mal e à loucura. Muitos se enamoraram da escuridão e das artes negras; outros se entregaram inteiramente ao ócio e ao prazer, e outros ainda lutaram entre si até que, enfraquecidos, foram conquistados pelos homens selvagens. Não se afirma que alguma vez artes malignas tenham sido praticadas em Haafingar, ou que o Devorador de Mundos tenha sido evocado com deferência por lá; a antiga sabedoria e beleza trazidas do oeste permaneceram por muito tempo no reino dos filhos de Tiber Septim, o Ysmir, e ainda perduram. Mesmo assim, foi Haafingar que provocou sua própria ruína, caindo passo a passo no desvario, e achando que o Devorador de Mundos estava adormecido, aquele que na verdade estava apenas banido, e não destruído. A morte esteve sempre presente, pois os homens ainda estavam (como sempre estiveram em seu reino antigo, e foi por isso que o perderam) com fome de vida eterna e imutável. Reis construíam túmulos mais esplêndidos que as casas dos viventes, e consideravam velhos nomes nas listas de seus ancestrais mais caros do que os nomes de filhos. Senhores sem filhos sentavam-se em salões antigos e ficavam meditando sobre heráldica; em câmaras secretas homens mirrados preparavam fortes elixires, ou nas altas e frias torres faziam perguntas às estrelas. E o último rei da linhagem de Agnorith não tinha herdeiros para o Norte. Mas os jarls regentes eram mais sábios e mais afortunados. Mais sábios, porque recrutaram a força de nosso povo entre a gente vigorosa da costa marítima, e entre os fortes montanheses de Hraggstad. E fizeram uma trégua com os povos altivos do norte, que nos tinham frequentemente assaltado, homens violentos, mas nossos parentes distantes, diferentes dos selvagens elfos negros orientais e dos cruéis alik’r. Pois assim consideramos os homens em nossa tradição, chamando-os de Imperiais, ou homens do centro-oeste, que eram os cyrodiílicos; e os Nórdicos, homens que vieram de Atmora, que são os de Whiterun e seus parentes que ainda moram no norte, e os bárbaros, os rubroguardas, que vivem nos desertos escuros, e além disso, vivem os bons do povo deles. Mas agora, se os nórdicos ficaram em alguns aspectos mais semelhantes a nós, realçando artes e boas maneiras, nós também ficamos mais parecidos com eles, e mal podemos reivindicar o título de Imperiais. Nós nos tornamos talvez não nórdicos, mas com certeza nortenhos, mas com a memória de outra realidade. Pois agora, como os nórdicos, amamos a guerra e a coragem como coisas boas em si mesmas, como um esporte e uma finalidade; e, embora ainda consideremos que um guerreiro deve ter mais habilidades e conhecimentos além do oficio das armas e da morte, estimamos um guerreiro, não obstante, acima dos homens de outros ofícios. Essa é a necessidade de nossos dias. Até Erik, meu príncipe, era assim: um homem de bravura, e por esse motivo era considerado o melhor homem de Haafingar depois da morte de seu pai. E realmente era muito valoroso: nenhum herdeiro de Solitude foi por tanto tempo tão dedicado em seu trabalho, tão entusiasta na batalha, nem tocou nota mais poderosa na Grande Corneta. — Aldis suspirou e ficou em silêncio por um tempo.

— Em todas as suas histórias, senhor, o senhor não fala muito sobre os elfos — disse Barknar, criando coragem de repente. Tinha notado que Aldis parecia se referir aos elfos com reverência, e isso, mais até que sua cortesia, seu vinho ou sua comida, tinha angariado o respeito de Barknar e apaziguado suas suspeitas.

— De fato, mestre Barknar — disse Aldis —, pois não sei o que posso e o que não posso dizer sobre a tradição dos altos elfos, pois quando se está sob as ordens dos Thalmor, qualquer coisa é um delito. Mas aí você toca em outro ponto no qual mudamos, decaindo de Cyrodiil para Skyrim. Pois como deve saber, se Savos Aren foi seu companheiro e se conversaram com Arngeir, a Companhia de Ysgramor, pais dos nórdicos, lutaram contra os elfos nas primeiras guerras, e foram recompensados pela dádiva do reino do norte, derrotando os falmers. Mas em Tamriel homens e elfos, todos os seus tipos, não apenas os elfos da neve, os antigos inimigos da humanidade nórdica, se tornaram estranhos nos dias de treva, devido às artes dos inimigos, e pelas lentas mudanças do tempo durante as quais cada espécie avançou mais em duas estradas divididas. Nós, os homens de Haafingar, estamos ficando como outros homens, como os homens de Marchaleste, nossos inimigos, pois mesmo eles, que são adversários do Devorador de Mundos, evitam os elfos e falam de Morrowind ou das Ilhas do Pôr-do-Sol com receio. Apesar disso, ainda há entre nós alguns que têm relacionamento com os elfos quando precisam, e vez por outra alguém vai em segredo até fora de Skyrim para procurar sabedoria, e quase nunca retorna. Não eu. Pois considero perigoso para homens mortais nos dias de hoje irem voluntariamente procurar o Povo Antigo. Apesar disso invejo vocês, que conversaram com um povo que tem uma sabedoria tão avançada quanto eles, mas em nossa própria tradição: os Barbacinza da Alta Hrothgar.

— Os Barbacinza! Arngeir! — exclamou Barknar. — O senhor deveria vê-los, realmente deveria, senhor. Sou apenas um peregrino, e nunca subi tanto o percurso para realmente chegar a Alta Hrothgar, se o senhor me entende, e não sou muito bom em poesia - não para compor poesia: algumas rimas cômicas, talvez, mas não poesia de verdade -, por isso não posso expressar meus sentimentos. Precisariam ser cantados. Seria necessário o Encapuzado, quer dizer, Vorstag, ou o próprio Gwilin, para isso. Mas eu gostaria de poder fazer uma canção sobre eles. Eles são sábios, senhor! A sabedoria flui em suas mentes! Duros como os diamantes, suave como o luar. Quentes como a luz do sol, frescos como o gelo sob as estrelas. Altivos e distantes como uma montanha de neve. Mas estou dizendo um monte de besteiras, e fugindo do que queria falar.

— Então eles devem ser realmente sábios — disse Aldis. — Perigosamente inteligentes comparados aos outros homens.

— Não sei são perigosos — disse Barknar. — Parece-me que as pessoas levam consigo seus perigos quando vão para a Alta Hrothgar, e os descobrem lá porque os levaram. Mas talvez o senhor os pudesse chamar de perigosos, porque eles são tão fortes em si mesmos. O senhor poderia se despedaçar contra eles, como um navio contra uma pedra. Mas nem a pedra nem o rio devem ser responsabilizados. Agora, Eri... — Barknar parou e ficou com o rosto vermelho.

— Sim? Agora, Erik, você estava dizendo? — disse Aldis. — O que ia dizer? Ele levou esse perigo consigo?

— Sim, senhor, com as suas desculpas, e seu príncipe era um homem bom, se me permite dizer. Mas o senhor sempre esteve no rastro certo. Eu observei Erik e o escutei, da subida a Alta Hrothgar até sua descida – por minha própria curiosidade, se o senhor me entende, e não desejando qualquer mal a Erik -, e minha opinião é que pelas cartas que o príncipe élfico de Valenwood enviou, ele pela primeira vez viu claramente o que eu adivinhei antes: o que queria. Desde a primeira vez que pensou nisso, ele quis marchar sozinho para Skuldafn, para ter sua própria glória.

— Barknar! — gritou Gwilin horrorizado. Ficara mergulhado nos próprios pensamentos por um tempo, e saiu deles repentinamente e tarde demais.

— Salve-me! — disse Barknar ficando com o rosto lívido, e em seguida completamente vermelho. — Lá vou eu de novo! Toda vez que você abre essa sua boca enorme, você atola seu pé, meu pai costumava me dizer. E com toda razão. E essa agora, e essa agora! Agora, olhe aqui, senhor! — voltou-se ele, dirigindo-se a Aldis com toda a coragem que conseguiu reunir. — Não vá tirar vantagem de meu amigo élfico porque o companheiro dele não passa de um tolo. O senhor falou bonito o tempo todo. Mas beleza que vale é beleza que faz, como se diz. Agora o senhor tem uma chance para mostrar seu valor.

É o que parece — disse Aldis, devagar e muito baixo, com um sorriso estranho. — Então esta é a resposta a todos os enigmas! Erik sabia que os portões de Skuldafn em algum momento estariam fragilizados, e que poderíamos entrar e vencer uma batalha. E aqui, nesta região deserta, tenho vocês: dois viajantes, e um exército de homens às minhas ordens, e essa valiosa informação. Um belo lance de sorte! Uma chance para Aldis, Capitão de Haafingar, mostrar seu valor! Ha! — Ficou de pé, muito altivo e grave, os olhos negros faiscando.

Gwilin e Barknar saltaram de seus bancos e ficaram lado a lado, com as costas contra a parede, procurando com as mãos os punhos das espadas. Fez-se silêncio. Todos os homens na caverna pararam de conversar e olharam para eles, surpresos. Mas Aldis sentou-se outra vez na cadeira e começou a rir baixinho, e de repente assumiu outra vez a expressão grave.

Que infelicidade para Erik! Foi uma provação grande demais! disse ele. Que capacidade vocês tiveram de aumentar minha tristeza, vocês dois, viajantes de uma terra estranha, carregando notícias para entregar ao perigo dos homens! Mas vocês fazem pior juízo dos imperiais do que eu faço dos nórdicos. Somos sinceros, nós, homens de Haafingar. Raramente nos vangloriamos, e então confirmamos nossas palavras, ou morremos na tentativa. Nem que encontrasse um exército do mundo na estrada, mataria sua metade para destruir Skuldafn. Mesmo que fosse um homem que desejasse essa glória, e mesmo que não soubesse direito de que se tratava quando falei, ainda honraria minhas palavras como um juramento, e me pautaria por elas. Mas não sou esse homem. Ou pelo menos sou sábio o suficiente para saber que há alguns perigos dos quais os homens devem fugir. Sentem-se tranqüilos! E console-se, Barknar. Se tiver a impressão de ter tropeçado, considere que isto estava fadado a acontecer. Seu coração é perspicaz além de fiel, e enxergou com mais clareza que seus olhos. Pode parecer estranho, mas não houve risco em declarar isso a mim. Pode até ajudar o elfo que é seu amigo. Será para o bem dele, se estiver ao meu alcance. Por isso, console-se. Mas nem mesmo mencione essa idéia em voz alta de novo. Uma vez é o suficiente.

Os dois viajantes voltaram aos seus lugares e se sentaram bem quietos.

Os homens retomaram à bebida e à conversa, percebendo que seu capitão tinha feito alguma brincadeira com seus pequenos convidados, e que tudo terminara.

Bem, Gwilin, finalmente nos entendemos disse Aldis. Se você assumiu essa missão involuntariamente, a pedido de outros, então merece minha compaixão e respeito. E admiro você: não pedir a ajuda dos exércitos. Vocês são um povo novo, e um mundo novo para mim. Todo o seu povo é assim? Sua terra deve ser um reino de paz e felicidade, e lá os viajantes devem ser muito respeitados.

Nem tudo está bem por lá disse Gwilin , mas certamente os viajantes são respeitados.

Mas as pessoas lá devem se cansar, mesmo nas mais agradáveis viagens, como acontece com todos os seres sob o sol deste mundo. E vocês estão longe de casa e exaustos. Chega por hoje. Durmam, vocês dois - em paz, se puderem. Nada temam! Não desejo mais conversar sobre isso, ou para que o perigo fortuito não me desvie de meu caminho, e eu tenha pior resultado nesse teste do que Gwilin, da Guarda da Alvorada. Vão agora e descansem - mas primeiro me digam só uma coisa, se quiserem. Aonde desejam ir, e com que finalidade. Pois preciso vigiar e esperar, e pensar. O tempo passa. Pela manhã deveremos cada um ir depressa pelos caminhos a nós designados.

Gwilin se viu tremendo, quando o primeiro choque do medo passou. Agora um grande cansaço tomava conta de seu corpo, envolvendo-o como uma nuvem. Não conseguia mais dissimular ou resistir.

Eu pretendia achar um caminho para chegar perto de Skuldafn disse ele numa voz baixa. Estava indo para as montanhas. Preciso achar a Companhia e entregar uma mensagem de Arngeir. Os Barbacinza me disseram que fizesse isso. Não acho que conseguirei chegar lá.

Aldis o observou por um momento, num assombro grave. Então de repente apanhou o elfo que se desequilibrava, e, erguendo-o suavemente, acompanhou-o para a cama, deitou-o ali e o cobriu bem agasalhado. Imediatamente, Gwilin caiu num sono profundo. Uma outra cama foi colocada ao lado para seu companheiro. Barknar hesitou um momento, e depois fez uma grande reverência. Boa noite, Capitão, meu senhor disse ele. Arriscou-se, senhor!

Arrisquei-me? disse Aldis.

Sim, senhor, e demonstrou seu valor: o maior de todos.

Aldis sorriu. Um peregrino esperto, o Mestre Barknar. Mas não é nada disso: o elogio que vem daquele que merece o elogio está acima de todas as recompensas. Mesmo assim, esse elogio nada significa. Eu não tinha vontade ou desejo de fazer nada diferente do que fiz.

Muito bem, senhor disse Barknar. O senhor disse que meu amigo tinha um ar altmeri; e isso não foi tão bom, mas foi verdadeiro, pois ele é muito sábio. Mas posso dizer isto: o senhor tem um ar também, senhor, que me faz lembrar de, de... bem, de Savos Aren, dos magos.

Talvez disse Aldis. Talvez você tenha a capacidade de discernir à distância o ar de Cyrodiil. Boa noite!

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.