Enquanto na estalagem em Whiterun eles se preparavam para dormir, a escuridão cobria Riverwood; uma névoa se espalhava pelos vales estreitos e nas margens do rio. A casa de Ralof permanecia em silêncio. Hod abriu a porta com cuidado e espiou lá fora. Durante todo o dia, um sentimento de pavor estivera crescendo dentro dele, o que o impedia de descansar ou dormir: havia uma ameaça crescente no ar parado da noite. Olhando através da escuridão, viu uma sombra negra se mover sob as árvores; teve a impressão de que o portão se abriu sozinho e se fechou de novo sem fazer barulho algum. Foi tomado de pânico. Recuou e por um momento ficou parado no salão, tremendo. Depois fechou e trancou a porta.

A noite ficou mais escura. Um ruído suave de cavalos furtivamente conduzidos vinha da alameda. Pararam do lado de fora do portão, e três figuras negras entraram, como sombras noturnas se arrastando pelo chão. Uma delas se dirigiu à porta, e as outras foram uma para cada canto da casa, ficando as três ali, paradas como sombras de pedras, enquanto a noite passava lentamente. A casa e as árvores quietas pareciam estar à espera, ansiosas.

As folhas se moviam muito levemente, e um galo cantou na distância. A hora fria que antecipa a aurora estava passando. A figura perto da porta se mexeu. Na escuridão sem lua ou estrela uma lâmina brilhou, como se uma luz gelada tivesse sido desembainhada. Houve uma batida, surda, mas pesada, e a porta tremeu.

— Abra, em nome de Molag Bal! — disse uma voz aguda e ameaçadora. Ao segundo golpe, a porta cedeu, caindo para trás com os batentes destruídos e a fechadura quebrada. As figuras negras entraram rápido.

Naquele exato momento, por entre as árvores na redondeza, uma corneta soou. Rasgou a noite como o fogo no topo de uma colina.

— ACORDEM! VAMPIRO! ACORDEM! Hod não tinha ficado parado. Assim que viu as formas escuras saindo sorrateiras do jardim, percebeu que devia fugir correndo, ou então morreria. E de fato correu, saindo pela porta traseira, indo através do jardim e atravessando as plantações. Quando atingiu a casa mais próxima, a mais de uma milha, caiu na porta de entrada. — Não, não, não! — gritava ele. Não, eu não! Não sou eu! — Demorou um tempo até alguém entender o que ele estava balbuciando. Finalmente perceberam que havia inimigos em Riverwood, alguma estranha invasão que vinha da floresta. E então não perderam tempo.

— VAMPIROS!

Alvor e seus amigos estavam soando o toque de corneta de Riverwood, que não se ouvia havia mais de um século, desde a invasão dos lobos.

— ACORDEM! ACORDEM!

Na distância, cornetas soavam em resposta. O alarme estava se espalhando. As figuras negras fugiram da casa. Uma delas deixou cair uma capa azul na escada, ao sair correndo. Na alameda, irrompeu o ruído de cascos, que se apressavam num galope, martelando o chão e se distanciando no escuro. Por toda a volta de Riverwood ouvia-se o ruído de cornetas tocando, e vozes gritando e pés correndo.

Mas os vampiros correram como o vento para o norte. Podiam deixar os caipiras tocando as cornetas! Alduin cuidaria deles mais tarde. Por enquanto, tinham outra missão: sabiam que a casa estava vazia e Ralof tinha desaparecido. Atropelaram os guardas do portão e desapareceram de Riverwood.

Pouco tempo depois de se deitar, Ralof despertou de um sono profundo, de repente, como se algum ruído ou presença o tivesse perturbado. Viu que Vorstag estava sentado, alerta, em sua cadeira: os olhos brilhavam à luz do fogo que, reavivado, queimava forte; mas ele não fez qualquer sinal ou movimento. Ralof logo adormeceu de novo, mas seus sonhos das longínquas terras cobertas de neve e guerra foram mais uma vez perturbados pelo ruído de vento e de cascos que galopavam.

O vento parecia envolver a casa e sacudi-la; na distância ele ouviu uma corneta tocando freneticamente. Abriu os olhos, e ouviu um galo cantando alto no pátio da estalagem. Vorstag abrira a cortina e empurrara as folhas das janelas ruidosamente. A primeira luz do dia, cinzenta, penetrou na sala, e um ar frio entrou pela janela aberta.

Logo que Vorstag tinha acordado Ralof, levou-o até seu quarto. Quando o viu, sentiu-se feliz por ter seguido o conselho do Guardião: as janelas tinham sido forçadas, e as folhas abertas estavam batendo, as cortinas esvoaçavam; as camas tinham sido reviradas e as almofadas, rasgadas e jogadas no chão; o tapete dourado estava estraçalhado.

Vorstag foi imediatamente chamar a estalajadeira. A pobre Hulda parecia estar sonolenta e amedrontada. Mal tinha cerrado os olhos durante toda a noite (pelo menos assim afirmava), mas não ouvira barulho algum.

— Jamais uma coisa assim aconteceu na minha vida! — gritava ela, levantando as mãos horrorizada. — Hóspedes que não podem dormir em seus quartos, e boas almofadas completamente estragadas! Que tempos são estes?

— Tempos sombrios — disse Vorstag. — Mas por enquanto você pode ficar em paz, depois que tiver se livrado de nós. Vamos partir imediatamente. Não se incomode com o desjejum: um gole e um lambisco, em pé, vão ser o suficiente. Temos poucos minutos para aprontar a bagagem.

Hulda se apressou para providenciar que os cavalos ficassem prontos e para trazer-lhes um “lambisco”. Mas logo voltou desanimada. Os cavalos tinham desaparecido! As portas do estábulo tinham todas sido arrombadas durante a noite, e eles não estavam mais lá: não apenas o cavalo de Ralof, mas todos os outros cavalos ou animais do lugar, inclusive a égua de Vorstag.

Ralof ficou arrasado com a notícia. Como podiam ter esperanças de chegar a Alta Hrothgar, como Savos instruira, a pé, perseguidos por inimigos a cavalo? Era melhor partirem para as Luas! Vorstag ficou sentado quieto por um tempo, olhando Ralof, como se medisse a força e a coragem dele.

— Cavalos não nos ajudariam a escapar de vampiros nem que estes estivessem andando a pé. Muito menos, na verdade, se estivessem andando a pé — disse ele finalmente, pensativo, como se adivinhasse o que Ralof estava pensando. — Não levaríamos muito mais tempo a pé, não nas estradas que pretendo tomar. De qualquer modo, eu ia caminhar. A comida e as provisões é que são o problema. Não podemos contar com a possibilidade de comer qualquer coisa antes de chegarmos a Alta Hrothgar, a não ser o que levarmos conosco; devemos levar mais do que achamos que vamos precisar, pois podemos nos atrasar, ou ser forçados a fazer um trajeto maior, saindo do caminho direto. Quanto pode carregar nas costas?

— O tanto que precisarmos — disse Ralof com o coração pesado, mas tentando mostrar que era mais forte do que parecia (ou sentia) ser. Não se pode fazer alguma coisa, Sra. Hulda? — perguntou ele. — Não podemos conseguir uns dois cavalos na Fazenda dos Nasceguerras, ou pelo menos um, para levar a bagagem? Não acho que possamos alugá-los, mas acho que podemos comprá-los — acrescentou sem certeza, pensando se poderia pagar o preço pedido.

— Duvido — disse a proprietária tristemente. — Se os cavalos fugiram do estábulo, com certeza não foi diferente nas fazendas ao redor dele, e eles se foram. Quanto a outros animais, cavalos ou montarias, o que quer que seja, há muito poucos deles em Whiterun, e não estarão à venda. Mas farei o que puder. Vou tirar Saadia da cama e mandá-la por aí o mais rápido possível.

— Sim — disse Vorstag, relutante. - É melhor fazer isso. Acho que devemos tentar levar pelo menos uma égua. Mas, por outro lado, perdemos toda a esperança de partir cedo, e escapar em segredo! Era melhor tocar uma corneta para anunciar nossa partida. Isso foi parte do plano deles, sem dúvida.

— Há uma migalha de conforto — disse Ralof. — E mais que uma migalha, eu espero: podemos tomar o café da manhã enquanto esperamos - e sentados. Vamos chamar a Saadia também.

No fim, foram mais de três horas de atraso. Saadia e Mikael vieram com a notícia de que não havia cavalo ou égua de jeito nenhum na vizinhança - com a exceção de um: Nazeem tinha um cavalo que poderia vender. — Um pobre animal, meio morto de fome — disse Mikael. — Mas Nazeem não vai se separar dele por menos do triplo de seu valor, sabendo da sua situação; não se o conheço de verdade.

— Nazeem — disse Ralof. — Será que isso é algum truque? Será que o animal não fugiria de volta para ele com todas as nossas coisas, ou poderia ajudá-lo a nos seguir, ou alguma coisa do tipo?

— Fico pensando — disse Vorstag. — Mas não posso imaginar qualquer animal correndo de volta para casa, para o encontro dele, uma vez que tivesse fugido. Acho que é só malícia do senhor Nazeem: apenas um jeito de aumentar os lucros com essa história toda. O maior perigo é que o pobre animal esteja quase morrendo. Mas parece que não há outra escolha. Quanto ele quer pelo cavalo?

O preço que Nazeem deu foi mil e duzentos septims; isso é realmente pelo menos o triplo do valor de um cavalo naquelas partes. Era um animal magro, mal-alimentado e abatido, mas não tinha jeito de quem ia morrer logo. A própria Hulda pagou pelo animal, e ofereceu a Ralof mais cento e oitenta septims, para de certo modo compensar a perda dos cavalos. Era uma mulher honesta, e rica para os parâmetros de Whiterun; mas dois mil e trezentos septims foram um golpe para ela, e ser trapaceada por Nazeem tornava tudo ainda mais difícil de agüentar.

Para falar a verdade, no final ele levou a melhor. Descobriu-se que apenas um cavalo fora realmente roubado. Os outros tinham sido afugentados, ou tinham fugido apavorados, e foram encontrados, vagando em diferentes lugares da região.

Em Whiterun eles tinham de trabalhar mais, mas Saadia tratava bem deles; somando tudo, tiveram sorte: perderam uma viagem escura e perigosa. Mas jamais chegaram a Alta Hrothgar. Entretanto, nesse meio tempo, a Sra. Hulda ficou achando que seu dinheiro tinha-se ido de verdade, e que talvez tivesse feito um mau negócio. E ela teve outros problemas. Pois houve uma grande agitação, logo que os outros hóspedes acordaram e souberam da notícia do ataque à estalagem. Os viajantes do Sul tinham perdido muitos cavalos, e punham a culpa na proprietária em voz alta, até que ficaram sabendo que uma pessoa de seu próprio grupo também tinha desaparecido, justamente o companheiro vesgo de Nazeem. A suspeita recaiu imediatamente sobre ela.

— Se vocês pegam um ladrão de cavalos, e o trazem para minha casa — disse Hulda furiosa —, vocês mesmos têm de pagar por todos os prejuízos, e não vir gritando em cima de mim. Vão perguntar a Nazeem onde o seu belo amigo está! — Mas, ao que parecia, o fugitivo não era amigo de ninguém, e nenhum deles podia se lembrar de quando se juntara ao grupo.

Depois do desjejum Ralof e Vorstag tiveram de rearrumar as mochilas e juntar mais suprimentos para a viagem mais longa que agora estavam esperando. Eram quase dez horas quando conseguiram partir. Nessa hora, toda Whiterun fervilhava, excitada. A chegada de um sobrevivente de Helgen, o aparecimento dos vampiros; o assalto aos estábulos, e mais ainda a notícia de que Encapuzado, o Guardião, tinha se juntado ao misterioso guerreiro, deram uma história e tanto, que iria durar por muitos anos enfadonhos. A maioria dos habitantes Whiterun se acotovelava na estrada para ver a partida dos viajantes. Os outros hóspedes da estalagem estavam nas portas ou pendurados nas janelas.

Vorstag tinha mudado de idéia, e decidira deixar Whiterun pela Estrada Principal. Qualquer tentativa de atravessar o campo imediatamente só pioraria as coisas: metade dos habitantes os seguiria, para ver o que iriam fazer, e impedir que invadissem suas terras.

Disseram adeus a Saadia e Mikael, e se despediram de Hulda com muitos agradecimentos. — Espero que possamos nos encontrar de novo algum dia, quando as coisas estiverem bem outra vez — disse Ralof. — Nada seria melhor para mim do que ficar em sua casa por uns tempos, em paz.

Foram pisando firme, ansiosos e melancólicos, sob os olhos da multidão. Nem todos os rostos eram amigáveis, muito menos as palavras gritadas. Mas Vorstag parecia ser respeitado pela maioria dos habitantes de Whiterun, e aqueles para quem ele olhava fechavam as bocas e se afastavam.

Conforme iam passando, os dois não tomavam conhecimento das cabeças curiosas que espiavam das portas, ou surgiam sobre muros ou cercas. Mas chegando perto da ponte, Ralof viu uma casa escura e malcuidada atrás de uma cerca espessa: a última fazenda de Whiterun. Em uma das janelas, viu de relance um rosto amarelento, com olhos furtivos, vesgos; o rosto desapareceu imediatamente.

“Então é aí que o sulista está escondido!”, pensou ele. “Ele se parece muito com um orc.”

Sobre a cerca-viva, um outro homem os encarava com atrevimento. Tinha sobrancelhas negras e grossas, e olhos escuros e desdenhosos; sua grande boca se crispou numa expressão zombeteira. Estava fumando um cachimbo preto e curto. Quando se aproximaram, tirou-o da boca e cuspiu.

— Dia, Capuzinho! — disse ele. — Já de saída? Finalmente encontrou algum amigo? — Vorstag fez um sinal afirmativo com a cabeça, mas não respondeu. — Sentido, soldado! — disse ele a Ralof. — Suponho que sabe com quem está se metendo? Com Encapuzado, o Destemido! Mas eu já ouvi outros nomes não tão bonitos. Cuidado esta noite! E não trate mal meu pobre e velho cavalo — completou ele, cuspindo mais uma vez.

Finalmente deixaram a visão da Fortaleza do Dragão para trás. A escolta de crianças e vagabundos que os tinha seguido se cansou e virou as costas, ao chegar na ponte. Passando por ela, continuaram na Estrada por algumas milhas. Ela fazia uma curva para a esquerda, dobrando-se sobre si mesma em direção ao oeste, conforme contornava as margens do Rio Branco, e depois começava a descer suavemente em direção a uma região de florestas.

Depois de descerem pela estrada determinado trecho, e deixarem Whiterun, erguendo-se alta e escura lá atrás, chegaram a uma trilha estreita que conduzia em direção ao Leste. — É aqui que vamos deixar o espaço aberto e procurar abrigo — disse Vorstag.

— Nenhum “atalho”, suponho! — disse Ralof. — O último atalho que eu tomei com os Stormcloaks pela floresta quase acabou em desastre.

— Ah, mas eu não estava com vocês — riu Vorstag. — Meus caminhos, atalhos ou não, não dão errado. — Olhou a estrada de cima a baixo. Não se via ninguém; ele foi na frente apressado, indicando o caminho em direção ao vale cheio de árvores.

Seu plano, pelo que os outros podiam entender sem conhecer a região, era ir em direção a Rocha de Guldun primeiro, mas manter a direita e passar pelo acampamento do lado sul, e então dar a volta o mais diretamente possível as terras selvagens, até chegar às Torres Valtheim. Fazendo esse caminho, se tudo corresse bem, provavelmente evitariam uma emboscada, pois se Savos poderia estar lá, os vampiros também estariam. Mas, é claro, eles não agüentariam uma emboscada de vinte vampiros, e a descrição feita por Vorstag dos ataques que ele costumava presenciar não era nada encorajadora.

Entretanto, nesse meio tempo, caminhar não era desagradável. Na verdade, se não fosse pelos acontecimentos incômodos da noite anterior, Ralof teria apreciado mais essa parte da viagem do que qualquer outra até aquele momento. O sol brilhava, claro mas não quente demais. As florestas no vau e ainda estavam cheias de folhas e de cores, e pareciam pacíficas e benéficas. Vorstag conduzia Ralof confiante, entre várias trilhas que se entrecruzavam. Se estivesse sozinho, logo perderia a noção do caminho e ficaria perdido. Ele o levava num curso errante, com muitas vira-voltas, para enganar qualquer um que os perseguisse.

— Nazeem certamente viu em que ponto deixamos a estrada — disse ele. — Mas não acho que nos seguirá em pessoa. Ele conhece a região por aqui o suficiente, mas sabe também que não é páreo para mim numa floresta. É do que ele pode contar a outros que tenho medo. Não acho que estejam muito longe. Se estão pensando que fomos para Windhelm, tanto melhor.

Talvez por causa da habilidade de Vorstag, ou talvez por outro motivo, eles não viram sinal ou ouviram ruído algum de qualquer outra coisa viva por todo aquele dia: nenhum ser de duas pernas, com a exceção de pássaros, nem seres de quatro pernas, a não ser uma raposa e alguns esquilos. No dia seguinte começaram a rumar por um caminho que conduzia sempre em direção ao sul e leste; e ainda assim tudo estava quieto e pacífico. No segundo dia fora de Whiterun, foram recebidos pelos Stormcloaks do acampamento e saíram na manhã do terceiro dia.

O terreno descera continuamente, desde que saíram da Estrada, e agora entravam numa região ampla e plana, muito mais difícil de atravessar. Estavam um pouco além das fronteiras do Estado de Whiterun, num lugar deserto e sem trilhas, e se aproximavam das Tumbas de Hillgrund. Agora o solo se tornava úmido, e em alguns lugares lamacento, formando poças aqui e ali, e eles deparavam com grandes trechos de juncos, cheios do trinar de pequenos pássaros escondidos. Tinham de escolher cuidadosamente onde pisavam, para manterem os pés secos e não se desviarem do caminho. No início fizeram um bom progresso, mas à medida que continuavam, sua passagem foi ficando mais lenta e perigosa.

O chão era enganador e traiçoeiro, e não havia trilha permanente, nem mesmo para os Guardiões da Alvorada, porque os charcos sempre mudavam de lugar. As moscas começavam a atormentá-los, e o ar se enchia de nuvens de pequenos mosquitos que lhes subiam pelas mangas e lhes entravam nos cabelos.

Passaram um dia miserável naquele local solitário e desagradável. O lugar onde acamparam era úmido, frio e desconfortável; os insetos picadores não os deixavam dormir.

Também havia criaturas abomináveis assombrando os juncos e moitas que, pelo ruído que produziam, eram parentes malignos do grilo. Havia milhares delas, chiando por toda a parte, crique-craque, crique-craque, sem parar, toda a noite, deixando Ralof quase maluco.

O dia seguinte, o quarto, foi um pouco melhor, e a noite quase tão desconfortável. Embora os insetos tivessem sido deixados para trás, os mosquitos ainda os perseguiam. Ralof, que estava deitado, mas era incapaz de fechar os olhos, teve a impressão de que na distância havia uma luz no céu do Leste: piscando e sumindo várias vezes. Não era a aurora, pois ainda faltavam algumas horas.

— Que é essa luz? — disse ele a Vorstag, que tinha se levantado e estava parado, olhando para frente, dentro da noite.

— Não sei — respondeu Vorstag. — Está longe demais para que se possa distinguir. É como um raio que sai pulando do topo das colinas.

Ralof se deitou de novo, mas por um bom tempo ainda pôde ver os clarões brancos, e contra eles a figura alta e escura de Vorstag, parado quieto e atento. Finalmente adormeceu e entrou num sono agitado.

Não tinham avançado muito no quinto dia quando deixaram as últimas poças e juncos dos pântanos para trás. A região diante deles começou a subir continuamente. Agora, no horizonte ao leste, podiam ver uma fileira de colinas. A mais alta delas ficava à direita e um pouco separada das outras. Tinha um topo em forma de cone, levemente aplainado na parte mais alta.

— Aquelas são as Torres Valtheim — disse Vorstag. — A estrada para Windhelm, que deixamos lá atrás à nossa direita, passa ao sul dele perto de sua base. Chegaremos lá por volta do meio-dia, se formos reto naquela direção. Suponho que seja o melhor a fazer.

— O que está querendo dizer? — perguntou Ralof.

— Quero dizer: quando chegarmos lá, não há certeza do que podemos encontrar. As Torres ficam perto da estrada.

— Mas certamente estávamos com esperanças de encontrar Savos lá.

— Sim, mas a esperança é pequena. Se é que ele está vindo para cá, pode ser que não passe por Whiterun, e assim não saberá o que estamos fazendo. E, de qualquer forma, a não ser que por sorte cheguemos lá quase juntos, não nos encontraremos; não será seguro para ele ou para nós permanecer ali esperando por muito tempo. Se os vampiros não conseguirem nos encontrar na região deserta, é provável que também se dirijam para as Torres Valtheim. De lá se tem uma vista completa. Na verdade, há muitos pássaros e animais nessa região que poderiam nos ver aqui onde estamos, de lá da primeira torre. Nem todos os pássaros são confiáveis, e existem outros espiões mais maldosos do que esses. Alguns elfos da floresta, se é que o Devorador de Mundos seria capaz de corromper a mente desse tipo de elfo para ajudá-lo, são capazes de conversas com os animais e extrair informações deles.

Ralof olhava as colinas distantes cheio de ansiedade. Ralof olhou para o céu claro, receando ver falcões ou águias sobrevoando sua cabeça, com olhos brilhantes e hostis. — Você realmente faz com que eu me sinta mal e solitário, Vorstag! — disse ele. — O que nos aconselha a fazer?

— Eu acho — respondeu Vorstag devagar, como se não tivesse muita certeza. — Eu acho que a melhor coisa a fazer é ir direto para o leste saindo daqui, o mais direto que pudermos, andando na direção da Rocha de Gallow, e não das Torres Valtheim. Ali poderemos pegar uma trilha que passa pelo sopé das colinas; ela nos levará as Torres Valtheim pelo lado oeste, e não tão abertamente. Ali decidiremos o que fazer.

Avançaram durante todo o dia, até que a noite fria começou a cair precocemente. O solo ficou mais seco e estéril, mas havia névoa e vapor depositados sobre os pântanos atrás deles, Alguns pássaros melancólicos piavam choros os, até que o sol redondo e vermelho se afundou lentamente nas sombras do oeste; depois dominou o silêncio vazio.

No fim do dia depararam com uma corrente de água que descia das colinas para se perder no charco estagnado, e subiram ao longo de suas margens enquanto havia luz. Já era noite quando finalmente pararam e montaram acampamento sob alguns armeiros raquíticos próximos à beira da água. À frente, erguiam-se sobre o céu crepuscular as encostas das montanhas, desertas e nuas. Naquela noite montaram guarda, e Vorstag, ao que tudo indica, não dormiu nem um pouco. Estavam na lua crescente e, nas primeiras horas da noite, uma luz fria e cinzenta se deitou sobre a terra. Na manhã seguinte partiram novamente, logo após o nascer do sol. O ar estava gelado e o céu ostentava um azul claro e pálido. Ralof se sentia reconfortado, como se tivesse tido uma noite de sono contínuo. Já estavam se acostumando a fazer longas caminhadas sem muitas provisões.

As montanhas se aproximaram. Formavam uma cordilheira ondulada, sempre subindo a uma altura de quase 300 metros, para depois cair, aqui e acolá, formando fendas baixas ou passagens que levavam para a terra do Leste, mais além. Ao longo da crista da cordilheira, Ralof podia ver o que parecia ser o resto de muralhas e fossos cobertos de mato, e nas fendas ainda existiam ruínas de velhas construções de pedra. Ao anoitecer já tinham atingido o pé das encostas oeste, e ali acamparam.

Era a noite do dia cinco de caifrio, e já fazia seis dias que tinham saído de Whiterun. De manhã encontraram, pela primeira vez desde que deixaram a floresta, uma trilha bem visível. Viraram para a direita e seguiram por ela, em direção ao sul. A trilha parecia ter sido feita com grande habilidade, descrevendo uma linha que parecia escolher os pontos menos expostos e mais ocultos, tanto para alguém que olhasse do topo de alguma colina como para quem olhasse das planícies do Oeste. Mergulhava em vales estreitos, abraçava barrancos íngremes; quando atravessava trechos mais planos e abertos, viam-se de seus dois lados fileiras de grandes seixos e pedras cortadas, que protegiam os viajantes quase como uma cerca-viva.

— Fico pensando quem teria feito esta trilha, e por que motivo — disse Ralof, enquanto caminhavam por uma dessas avenidas, onde as pedras eram estranhamente grandes e colocadas bem próximas umas das outras. Não tenho certeza se gosto dela: ela tem... bem, uma aparência tumulesca. Existe algum túmulo nessas Torres Valtheim?

— Não, não há túmulo nenhum nas Torres Valtheim, nem nas outras torres antigas — respondeu Vorstag. — Os homens de Atmora não viveram aqui, embora nos seus últimos dias tenham defendido as colinas por um período, contra o mal dos elfos da neve que vinha de Saarthal. Esta trilha foi feita para levar as fortes ao longo das estradas. Mas muito depois, nos dias posteriores ao final da Guerra dos Dragões, construíram uma torre de observação chamada de Olhos de Galthor. Ela foi queimada e destruída, e nada mais resta agora, a não ser alguns improvisos em ruínas, como se em uma obra incompleta. Apesar disso, já foi alta e bonita. Conta-se que Reman Cyrodiil II já esteve ali olhando, à espera de seus exércitos Akaviri, que invadiam Tamriel derrotando os dragões remanescentes após o final da Guerra dos Dragões.

Ralof olhou para Vorstag. Parecia que ele sabia tanto de história antiga quanto dos caminhos pelos lugares ermos. — Quem foi Reman Cyrodiil? — perguntou Ralof. — Mas Vorstag não respondeu, e parecia estar perdido em pensamentos. De repente, após alguns minutos pensativos, uma voz baixa murmurou, e pareceu que todos os animais pararam para ouvir:

Reman Cyrodiil foi um grande rei que ao som das harpas cantarei;

Da Torre de Neve aos castelos de areia, foi o último a ser rei

Longa sua espada, esguia sua lança, tão grande seu resplendor

Que o invasor povo de Akavir o nomeou como seu Imperador

Ele e sua linha ajudaram a combater o fogo do dragão

E seu nome era Cyrod, o senhor das terras do coração

— Não pare! — disse Vorstag.

— É tudo o que eu lembro — gaguejou Ralof, corando. — Aprendi com o meu pai, quando era menino. Ele costumava me contar histórias como essa, sabendo que eu sempre estava pronto para ouvir falar sobre reis. Foi ele que me ensinou a ler. Era muito sabido nessas coisas de livros, o velho. Hoje em dia não ouço mais canções ou poemas sobre imperador algum, ou qualquer um desses palermas de Cyrodiil. Mas meu pai escrevia poesias. Escreveu o que eu acabei de cantar.

— Ele não escreveu isso — disse Vorstag. — o que você cantou é parte do poema que se chama Acorda o Fogo do Dragão, escrita numa língua antiga. Alguém deve tê-la traduzido. Eu não sabia disso.

— Havia mais um bom pedaço — disse Ralof. — Tudo sobre os dragões. Eu não aprendi essa parte, pois me dava calafrios. Nunca pensei que eu mesmo estaria vivo para ver um! Ver Alduin! — gritou Ralof. — Espero que não chegue a isso de novo!

— Não fale esse nome tão alto! — disse Vorstag.

Já era meio-dia quando atravessaram o Rio Branco e chegaram à frente da extremidade sul da trilha e viram adiante, na pálida luz do céu de caifrio. O Rio Branco corria ali rápido e profundo, mas a Companhia há muitas eras, tinha construído uma ponte sobre ele. A ponte era um sólido arco de pedra lisa e cinzenta, estreito o suficiente para que apenas dois homens passassem lado a lado. Os Companheiros levaram três dias apenas para completar a ponte; quando terminaram, construíram robustas fortalezas de madeira em cada extremidade para que ninguém a atravessasse sem sua autorização. Havia muito tempo a madeira tinha dado lugar à pedra. As Torres Valtheim, dois castelos atarracados, feios e fortes, idênticos em todos os aspectos, com a ponte unindo-os em arco, guardavam a travessia havia séculos. Grandes muralhas exteriores, profundos fossos e pesados portões de carvalho e ferro protegiam os caminhos, as bases da ponte erguiam-se do interior de robustas fortalezas internas, havia um antemuro e uma porta de madeira em cada margem, e um pequeno espaço no meio da ponte defendia o arco propriamente dito, que subia a encosta norte da colina como uma ponte. Decidiram ir para a torre Sul imediatamente, enquanto a luz do dia ainda era intensa. Não era mais possível se esconderem, e só podiam esperar que nenhum espião ou inimigo os estivesse observando. Não se via nada em movimento na colina. Se Savos Aren estivesse nas redondezas, não dava sinais disso.

Na primeira torre das Valtheim encontraram uma reentrância coberta, em cuja parte inferior havia muito lôdo, com as encostas cobertas de capim. Ali deixaram o cavalo e todas as mochilas e bagagens. Depois de meia hora de subida dificultosa, Vorstag alcançou o topo da torre; Ralof o seguiu, cansado e sem fôlego. A última subida era íngreme e pedregosa.

No topo encontraram, como Vorstag tinha dito, um grande posto de vigia, de uma construção antiga de madeira, agora ruindo, ou coberta pelo mato havia muito tempo. Mas no centro um monte de pedras quebradas tinham sido empilhadas, fazendo lembrar uma construção tumular. Estavam enegrecidas, como se pela ação do fogo. Em volta dessas pedras, a turfa estava queimada até as raízes e em todo o interior do círculo o mato estava chamuscado e murcho, como se chamas tivessem varrido o topo da colina: mas não havia sinal de qualquer coisa viva. Haviam sacos de dormir e lanternas espalhadas por todos os lados, além de alguns baús. Bandidos haviam montado acampamento ali recentemente.

Em pé, sobre a borda das construções em ruínas, puderam ter uma boa visão de toda a região em volta, pois a maior parte das terras era vazia e sem acidentes, com a exceção de trechos de florestas distantes, na direção sul, além dos quais via-se, aqui e ali, o brilho de águas distantes. Abaixo de onde estavam, nesse lado sul, a estrada se estendia como uma fita, vindo do oeste e descrevendo curvas que subiam e desciam, até desaparecer atrás de uma serra escura no leste. Nada se movia nela.

Seguindo com os olhos a linha da estrada em direção ao leste, viram as Montanhas: os sopés mais próximos eram escuros e sombrios; atrás deles se erguiam formas cinzentas mais altas, e atrás destas, por sua vez, ficavam altos picos brancos, luzindo contra as nuvens.

— Bem, aqui estamos! — disse Ralof. — A aparência do lugar é triste e nem um pouco convidativa! Não há água nem abrigo, e nem sinal de Savos. Mas não o culpo por não ter nos esperado - se é que passou por aqui.

— Também gostaria de saber — disse Vorstag, olhando em volta, pensativo. — Mesmo que ele tivesse chegado a Whiterun um ou dois dias depois de nossa partida, poderia ter chegado aqui primeiro. Ele pode cavalgar muito rápido quando há necessidade. — De repente se abaixou e olhou a pedra no topo da pilha; era mais chata que as outras e mais branca, como se tivesse escapado do fogo.

Vorstag a apanhou e examinou, virando-a entre seus dedos. — Alguém tocou nesta pedra recentemente — disse ele. — O que acha destas marcas?

Na parte inferior da pedra, que era plana, Ralof viu alguns riscos:

— Parece um triângulo, um risco no meio, um círculo e mais três traços menores — disse Ralof, girando a pedra entre seus dedos sujos.

— Isso pode ser uma marca-de-sombra, com os ramos bem mais finos — disse Vorstag. — Pode ser um sinal deixado por Savos, embora seja impossível ter certeza, pois essas marcas são muito usadas por ladrões. De fato, são o principal meio de comunicações entre eles. Os riscos são perfeitos e certamente parecem recentes. Mas as marcas podem significar alguma coisa muito diferente e não ter nada a ver conosco. Os Guardiões da Alvorada às vezes usam essas marcas, e algumas vezes passam por aqui.

— O que poderia significar se Savos tivesse feito? — perguntou Ralof.

— Diria que representa perigo — respondeu Vorstag — e que significam que Savos esteve aqui no dia 3 de caifrio: quer dizer, há três dias. Também podem significar que ele estava com pressa e que havia perigo por perto, de modo que ele não teve tempo ou não arriscou escrever nada mais longo ou direto. Se isto for verdade, devemos tomar cuidado.

— Gostaria que pudéssemos ter certeza de que foi ele quem deixou as marcas, qualquer que seja o significado delas — disse Ralof. — Seria um grande conforto saber que ele está no caminho, na nossa frente ou atrás de nós.

— Talvez — disse Vorstag. — Tenho comigo que ele esteve aqui, e em perigo. Há marcas de fogo aqui, e agora a luz que vimos há três noites no céu do leste volta à minha mente. Acho que foi atacado no topo da torre, mas qual foi o resultado disso não posso dizer. Ele não está mais aqui, e precisamos cuidar de nós mesmos e fazer nosso caminho para a Alta Hrothgar, da melhor maneira possível.

— Preferia ir a Windhelm e falar ao Rei Ulfric sobre tudo isso. Ele nos ofereceria muito mais abrigo e segurança do que qualquer outro no mundo. A que distância fica a Alta Hrothgar? — perguntou Ralof, olhando ao redor com cansaço. O mundo era selvagem e grande, visto das Torres Valtheim.

— Não sei se os Sete Mil Passos já foram medidos em milhas, — respondeu Vorstag. — Alguns dizem que a distância é uma, outros dizem que é outra. É uma estrada estranha, e as pessoas se sentem infelizes quando chegam ao fim dela, não importa se o tempo de viagem for muito ou pouco. Mas eu sei quanto eu demoraria indo sozinho, com tempo bom e sorte: doze dias daqui até Ivarstead, onde a estrada cruza o Rio Treva, que vem de Riften. Temos no mínimo quinze dias de viagem à frente, pois não acho que poderemos usar a estrada.

— Quinze dias! — disse Ralof. — Muita coisa pode acontecer nesse tempo.

— Muita coisa — disse Vorstag.

Ficaram uns instantes quietos no topo da colina, perto de sua borda sul. Naquele lugar solitário, Ralof percebeu, pela primeira vez de forma clara e completa, como estava longe de casa e o perigo que corria. Teve um desejo amargo de que sua sorte o tivesse deixado ficar no pacífico e amado Condado, e um desejo flamejante de que pudesse ir para Windhelm. O perigo da batalha parecia de certo modo um pouco menos obscuro e incerto o que o dessa jornada. Olhou para baixo, para a estrada odiosa, que levava de volta para o Sul - para o seu lar. De repente percebeu que duas manchas negras se moviam lentamente ao longo dela, indo para o oeste, e olhando de novo ele viu que outras três estavam se arrastando em direção ao leste, vindo ao encontro das duas.

— Olha — disse ele, apontando para baixo.

Imediatamente, Vorstag se jogou no chão atrás do posto de observação em ruínas, puxando Ralof junto com ele.

— O que é? — cochichou ele.

— Não sei, mas temo o pior — respondeu Vorstag.

Subiram devagar até a borda do círculo de novo, e espiaram através de uma fenda entre duas pedras cortadas. A luz já não estava tão forte, pois a luminosidade matinal tinha diminuído, e nuvens que vinham do leste haviam coberto o sol, que agora começava a se pôr. Os dois viram as manchas negras, mas Ralof não pôde adivinhar o formato com certeza; mesmo assim, alguma coisa lhe dizia que lá, na distância, estavam vampiros se encontrando na estrada além do sopé da colina.

— Sim — disse Vorstag, que enxergava melhor e não tinha mais dúvidas. — Os servos do Devorador de Mundos estão aqui!

Exploraram o pequeno vale e as encostas à sua volta. Não muito distante, encontraram uma fonte de água clara no flanco da colina, e perto dela pegadas que não tinham mais que um ou dois dias. No próprio valezinho, encontraram vestígios recentes de uma fogueira, e outros de um acampamento apressado. Havia algumas pedras caídas na borda do vale que ficava mais próxima da colina. Atrás dessas pedras Ralof encontrou um pequeno estoque de lenha cuidadosamente empilhada.

— Pergunto-me se o velho Savos não passou por aqui — disse ele a Vorstag. — Quem quer que tenha colocado essas coisas aqui pretendia voltar, ao que parece.

Vorstag ficou muito interessado nessas descobertas. — Deveria ter esperado e examinado esta parte — disse ele, apressando-se em direção à fonte para examinar as pegadas. — É exatamente como eu temia — disse ele quando voltou. — Você pisou na terra fofa e as marcas estão adulteradas ou confusas. Guardiões da Alvorada passaram por aqui recentemente. Foram eles que deixaram a lenha. Mas também existem várias pegadas mais novas que não foram deixadas pelos Guardiões da Alvorada. Pelo menos, um conjunto delas foi feito por botas pesadas de aço, um ou dois dias atrás. Pelo menos um. Não posso ter certeza agora, mas acho que muitos pés calçados com botas estiveram aqui. — Parou quieto, numa reflexão ansiosa.

Ralof teve uma visão dos vampiros, de capa e botas. Se essas criaturas já tivessem encontrado o valezinho, quanto mais rápido Vorstag o levasse para algum outro lugar, melhor. Ralof olhava a reentrância com grande desagrado, agora que tinha tido notícia dos inimigos na Estrada, apenas a algumas milhas dali.

— Não é melhor desocupar a área logo, Vorstag? — perguntou ele impaciente. — Está ficando tarde e eu não gosto deste buraco: por algum motivo, aqui meu coração fica pesado. Vamos voltar para a Valtheim.

— Sim, certamente precisamos decidir o que fazer imediatamente — respondeu Vorstag, olhando para cima e considerando o tempo e o clima. — Bem, Ralof — disse ele finalmente —, também não gosto daqui, mas não consigo pensar em nenhum lugar melhor que pudéssemos alcançar antes do cair da noite. Pelo menos aqui estamos escondidos por enquanto, e se sairmos é muito mais provável que sejamos vistos por espiões. A única coisa possível seria sair de nosso caminho, de volta para o norte deste lado das colinas, onde o terreno é muito parecido com o daqui. A estrada está sendo vigiada, e poderíamos ter de cruzá-la, se tentássemos nos esconder nas moitas do lado sul. Do lado norte da estrada, além das colinas, o terreno é descampado e plano por várias milhas.

— Os vampiros podem enxergar no escuro? — perguntou Ralof. — Quero dizer, eles parecem geralmente ter usado mais os narizes que os olhos, farejando-nos, se farejando é a palavra correta, pelo menos à luz do dia. Mas você me obrigou a deitar no chão quando os viu lá embaixo, e agora fala em sermos vistos, caso saiamos daqui.

— Fui muito descuidado na Torre Sul — respondeu Vorstag. — Estava muito ansioso por encontrar algum sinal de Savos, mas foi um erro nós dois ficarmos lá em cima tanto tempo. Pois além de os vampiros verem especialmente no escuro, podem usar espiões, como vimos lá em Whiterun.

Eles próprios não conseguem enxergar o mundo da luz como nós, mas nossas formas lançam sombras em suas mentes, que apenas o sol do meio-dia pode destruir; e no escuro eles percebem muitos sinais e formas que ficam escondidos de nós: nessas ocasiões é que devemos receá-los mais. E a qualquer hora, sentem o cheiro do sangue de criaturas vivas, desejando-o e odiando-o. Sentidos também, existem outros além da visão e do olfato. Podemos sentir a presença deles - preocupa nossos corações desde que chegamos aqui, e antes que os víssemos; eles sentem a nossa presença de forma mais aguda. Além disso — acrescentou ele, e nesse momento sua voz se reduziu a um sussurro —, o meu sangue em especial os atrai.

— Então não há saída — disse Ralof, olhando à sua volta furioso. — Se sair daqui, serei visto e caçado! Se ficar, vou atraí-los para mim!

Vorstag colocou a mão no ombro dele. — Ainda há esperança — disse ele. — Você não está sozinho. Vamos considerar como um sinal esta lenha que está colocada aqui, pronta para uma fogueira. Aqui não há muito abrigo ou defesa, mas o fogo deverá servir como ambos. Alduin pode usar o fogo em seus desígnios maléficos, como pode usar todas as coisas, mas vampiros não apreciam muito o fogo, e temem os que se defendem com ele. O fogo é nosso amigo em lugares ermos.

Pode ser — murmurou Ralof. — Também não consigo pensar numa maneira melhor de dizer “ei, estamos aqui!”, sem gritar. Aliás, acho que é a mesma coisa.

No canto mais baixo e mais bem protegido do valezinho da Torre Norte, acenderam uma fogueira, e prepararam uma refeição. As sombras da noite começaram a cair, e ficou mais frio. De repente perceberam que estavam com muita fome, pois não tinham comido nada desde o café da manhã; mesmo assim não ousaram fazer mais que uma ceia frugal. As regiões à frente eram vazias, a não ser por pássaros e animais, lugares inóspitos abandonados por todas as raças do mundo. Às vezes Guardiões da Alvorada passavam além das colinas, mas eram poucos e não ficavam. Outros viajantes eram raros, e tinham propósitos maldosos: trolls poderiam vir de vez em quando dos vales ao norte das montanhas. Somente na estrada era possível encontrar viajantes, em sua maioria khajiits, correndo atrás de seus próprios negócios, sem ajuda ou palavra para oferecer a estranhos.

— Não posso pensar num modo de fazer nossa comida durar — disse Ralof. — Fomos cautelosos o bastante nos últimos dias, e esta ceia não é nenhum banquete. Mesmo assim usamos mais do que deveríamos, se ainda temos duas semanas à frente, talvez mais ainda.

— Há comida na floresta — disse Vorstag — amoras, raízes e ervas, e tenho alguma habilidade como caçador se for necessário. Não precisa ter medo de passar fome antes de o inverno chegar. Mas colher e apanhar comida é um trabalho longo e cansativo, e precisamos nos apressar. Por isso, aperte os cintos e pense com esperança nas mesas da casa de Arngeir!

O frio aumentou com o cair da noite. Olhando da borda do valezinho eles não conseguiam enxergar nada, a não ser um terreno cinzento que agora desaparecia rapidamente na sombra. O céu ficou limpo de novo e lentamente se encheu de estrelas piscando. Ralof se aconchegou em volta do fogo, embrulhado em todas as roupas e cobertores que tinha; mas Vorstag parecia satisfeito com uma única capa, e se sentou um pouco separado, fumando seu cachimbo, pensativo.

À medida que a noite caía e o fogo brilhava mais forte, ele começou a contar-lhe histórias para afugentar o medo de seu coração. Sabia muitas histórias e lendas de antigamente, de elfos e homens e dos feitos bons e malignos dos Dias Antigos. Ralof ficou imaginando qual se ria a idade dele, e onde ele tinha aprendido toda aquela tradição.

— Conte-me sobre Hakon Um-Olho — disse Ralof de repente, quando Vorstag fez uma pausa ao fim de uma história sobre os Reinados Imperiais da Segunda Era. — Você sabe mais algum pedaço da história?

— Sei sim — respondeu Vorstag. — E você também sabe, pois ela nos diz respeito.

— Só sei o pouco que Savos me contou — disse Ralof devagar. — Hakon foi o último dos jarls da linhagem de Olaf Um-Olho. Junto com Gormlaith Cabo-Dourado e seus companheiros de exílio, ele foi para a Garganta do...

— Não! — disse Vorstag. — Não acho que a história deva ser contada agora, com os servidores do Devorador de Mundos por perto. Se conseguirmos chegar à casa de Arngeir, poderá ouvir ali a história inteira.

— Então me conte alguma outra história de antigamente — pediu Ralof. — Uma história sobre os elfos antes que começassem a ser malignos e ambiciosos. Gostaria muito de escutar mais sobre os altos elfos do passado ou os elfos da floresta do presente; a escuridão está caindo sobre nós com tanta força...

— Vou contar-lhe a história de Mannimarco, o Rei dos Vermes — disse Vorstag. — Resumida, pois essa é uma longa história da qual não se sabe o fim; e ninguém atualmente, com exceção de Calcelmo de Markarth, pode lembrá-la exatamente como era contada há tempos. É uma triste história sobre ambição e traição; mesmo assim ela pode animar seu coração, pois fala de terras longíquas e incríveis. — Então ele começou, não a falar, mas a cantar suavemente:

Ó sagrada Ilha de Artaeum, onde a luz rosada infunde o ar,

Pelas torres e pelas flores, uma gentil brisa a passar,

De penhascos inclinados à espuma do mar à vista,

É sempre fim de tarde em sua fronteira harmonista,

Essa mística casa é da Ordem Psijic:

Onde vivem aqueles que sabem aconselhar,

Os cautelosos, os sábios, e os que virão a reinar.

Dez e trinta anos depois que os grande Reman caíram,

Dois prodígios estudantes uma amizade fundiram.

O coração de um era límpido e puro, do outro frio e escuro,

O segundo, Mannimarco, numa dança mortal entraria,

Sua alma vermes e ossos, a arte da necromancia.

Amaldiçoando almas, ele conjurou um terrível feitiço.

O primeiro, Galerion, tinha mágica forte e ousada

Desafiou o seu amigo abaixo da grande Torre Acinzentada

E o disse ‘seu misticismo perturbado não merece seu poder

Traz horror aos nossos espíritos, sua loucura deve ceder’

Mannimarco zombou, odiando toda a paz e vida

E voltou para suas artes negras, a magia proibida

Ó sagrada Ilha de Artaeum, quão lenta a percepção

Quando a medonha verdade revelada, fraca a punição

O macabro Mannimarco da ilha dos sábios foi enviado

Para a Beleza da Alvorada, seu contrato foi selado

‘Um lobo você encontrou, e o meteu entre o rebanho’,

Galerion disse a seu mestre ‘Nunca há Tamriel de sofrer

Nenhum terror novamente que atinja tal tamanho’.

‘Não ouvirei mais sobre ele’, Galerion ouviu responder

E não foi a primeira vez que viu seu Mestre insensível parecer

Despreocupado com homens e elfos, em seu grande palácio

‘Não foi a primeira vez’, pensou Galerion ‘devo construir

Uma nova Ordem para trazer a magia a todos,

Uma Sociedade de Magos, e o poder há de surgir’.

Então ele deixou a baía azul da formosa ilha,

E cantamos de Vanus Galerion e de sua maravilha

Que trouxe para a nossa terra sua forte e ousada magia

Durante os anos ele viu a destruição de seu amigo

Pelos mares de Tamriel, estradas, fazendas e rios

O alcance de Mannimarco se esticava como uma mão

Segurando com toda força, espalhando a escuridão

Vorstag suspirou e fez uma pausa, antes de começar a falar de novo. — Essa é uma canção — disse ele — no estilo mais comum entre os altos elfos, mas é difícil reproduzi-la na Língua Comum, e o que cantei é apenas um eco rude dela. Fala sobre Mannimarco, o Rei dos Vermes. Fala sobre o encontro de Vanus Galerion, um nobre do reinado de Lorde Gyrnasse de Sollicich-on-Ker e do mago ascendente de descendência nobre das Ilhas do Pôr do Sol. Os mais pródigos aprendizes da Ilha de Artaeum eram Mannimarco e Ganus, mas enquanto Ganus usava seus poderes recém-desenvolvidos nas artes das antigas tradições para honrar seus pais e sua aceitação como aprendiz, Mannimarco os dedicava para o estudo das artes escuras. Ele ficou fascinado pelo segredo dos necromantes, e foi seduzido pelo segredo de prender e amaldiçoar as almas alheias. Quando Mannimarco começou a fazer experiências, ele atraiu a atenção de Galerion. Galerion confrontou o amigo abaixo da Torre de Ceporah, a torre cinzenta, “seu misticismo perturbado não merece seu poder, traz horror aos nossos espíritos, sua loucura deve ceder”. Corrompido por suas experiências, Mannimarco riu, pois ele já odiava o caminho da vida e o caminho da paz. Então a Ordem Psijic enviou Mannimarco para Tamriel em exílio, e este começou a coletar cadáveres para construir um grande exército e já desenvolvia seus próprios planos. Galerion disse a seus mestres que eles haviam cometido um erro, e toda Tamriel estaria ameaçada com a presença de Mannimarco. Os mestres ignoraram Galerion e não agiram sobre a ameaça crescente. Foi então que Galerion navegou para Tamriel, onde sob a permissão do Rei de Firsthold, Rilis XII, construiu a Sociedade dos Magos.

Conforme Vorstag ia falando, Ralof observava seu rosto estranho e intenso, pouco iluminado pelo brilho vermelho do fogo. Os olhos brilhavam e a voz era cheia e profunda. Sobre ele, um céu negro e estrelado. De repente, uma luz pálida apareceu sobre a madeira velha atrás dele. A lua crescente subia lentamente sobre a colina que projetava sua sombra sobre eles, e as estrelas acima do topo da colina desapareceram.

A história terminou. Ralof se mexeu e espreguiçou. — Olha! — disse Ralof. — Secunda está subindo: deve estar ficando tarde.

Vorstag olhou para cima. No mesmo momento em que fez isso, viu no topo da colina algo pequeno e escuro contra o brilho do luar. Talvez fosse apenas uma pedra grande, ou alguma rocha saliente evidenciada pela luz fraca. Ralof permaneceu sentado em silêncio. Vorstag estava observando atentamente o luar sobre o topo da torre. Tudo parecia silencioso e quieto, mas Ralof sentiu um terror gelado tomando conta de seu coração, e agora Vorstag não falava mais. Aconchegou-se mais perto do fogo.

— Não sei o que é — disse Ralof. — Mas de repente senti medo, não saio deste vale por nenhum dinheiro do mundo; senti que alguma coisa estava subindo a encosta.

— Você viu alguma coisa? Fique perto do fogo, com seu rosto virado para fora! — gritou Vorstag. — Pegue alguns dos gravetos mais longos e fique pronto para atacar.

Por um período em que nem respiraram ficaram ali sentados, em silêncio e alerta, com as costas voltadas para a fogueira, cada um olhando as sombras que os envolviam. Nada aconteceu. Não havia som ou movimento na noite. Ralof se mexeu, sentindo que deveria quebrar o silêncio: queria gritar bem alto.

— Psssiu! — sussurrou Vorstag. — O que é aquilo? — interrompeu Ralof no mesmo momento, todo assustado.

Sobre a saliência do pequeno vale, do lado oposto ao da colina, sentiram, mais propriamente do que viram, uma sombra se levantar, uma sombra ou mais de uma. Forçaram os olhos, e as sombras pareciam crescer. Logo não havia mais dúvida: três ou quatro figuras negras e altas estavam ali, na encosta, olhando para baixo em direção a eles: tão escuras eram que pareciam buracos negros na escuridão que os envolvia. Ralof pensou ter ouvido um chiado fraco, como um sopro venenoso, e sentiu um frio fino e cortante. Depois as figuras avançaram lentamente.

Imediatamente, embora tudo continuasse como antes, escuro e sombrio, as figuras se tornaram terrivelmente claras. Ralof podia ver através do véu da noite. Havia cinco figuras altas: duas em pé, na saliência do valezinho, três avançando. Nos seus rostos brancos brilhavam olhos agudos e impiedosos, vermelhos e amarelados; sob as capas havia grandes túnicas cinzentas; sobre os cabelos cinzentos, elmos de prata; nas mãos magras, uma fluorescência avermelhada; característica magia negra dos vampiros.

Seus olhos caíram sobre ele e o penetraram enquanto corriam na sua direção. Desesperado, Ralof puxou seu machado, tendo a impressão de que dele emanava um brilho vermelho, como se estivesse em brasa. Duas das figuras pararam. A terceira era maior que as outras: o cabelo que tinha seu início na nuca era longo e brilhante, e sobre sua cabeça careca estava uma coroa. De suas costas enormes e cinzentas, duas asas em pele e osso se esticavam com dificuldade, e eram feitas de cartilagem mole. Suas mãos tinham dedos horrivelmente pontudos, tinha as feições de um orc. Numa mão segurava uma longa espada, e na outra uma faca; tanto a faca quanto a mão que a segurava brilhavam com uma luz fraca avermelhada. Ele pulou para frente e avançou sobre Ralof.

Naquele instante, Ralof se jogou para frente em direção ao chão, e ouviu sua própria voz gritando alto: ó Rei Ulfric! Windhelm, Skyrim! Ao mesmo tempo, golpeou os pés do inimigo. Um grito agudo cortou a noite, e ele sentiu uma dor, como se um dardo envenenado tivesse penetrado seu pescoço. Ao desmaiar viu de relance, como se por entre um turbilhão de névoa, Vorstag saltando da escuridão com um pedaço de lenha em chamas em uma mão e uma besta de madeira na outra. Num último esforço, deixando cair o machado, Ralof se arrastou para baixo de um saco de dormir e meteu a mão no pescoço, agarrando seu amuleto de Talos.