Quando Ralof voltou a si, ainda apertava o amuleto de Talos desesperadamente na mão. Estava deitado perto da fogueira, que agora estava alta e produzia uma chama forte. Vorstag se debruçava sobre ele.

— O que aconteceu? Onde está o rei vampiro? — perguntou ele ansiosamente.

O amigo, ao ouvi-lo falar, por alguns momentos ficou tão enlevado que não conseguiu responder, nem tampouco entendeu a pergunta. Finalmente Ralof descobriu que ele não tinha visto nada além das formas sombrias vindo na direção dele, mas que se havia um vampiro rei, esse tipo de vampiro tinha a capacidade de se transformar num bando de morcegos e desaparecer no véu da noite. De repente, para seu pavor, Vorstag descobrira que seu amigo tinha desaparecido; naquele momento, a figura negra passou correndo por ele e desapareceu se transformando em morcegos. Vorstag aniquilou todo o resto e os transformou em pó com fogo e sua besta. Vorstag escutara a voz de Ralof, mas parecera-lhe que ela vinha de um ponto muito distante, ou de baixo da terra, gritando palavras estranhas. Vorstag não pôde ver mais nada, até que tropeçou no corpo de Ralof, que parecia morto, com o rosto virado na madeira queimada e caído sobre o machado. Vorstag o carregou até perto do fogo, e depois desapareceu. Isso já fazia algum tempo.

Ralof estava ficando visivelmente desconfiado de Vorstag outra vez; enquanto despertava novamente ele voltou, surgindo de repente das sombras.

Assustou-se, e Ralof, empunhando o machado, ficou de pé, para tentar se proteger; mas Vorstag se ajoelhou rapidamente ao lado dele.

— Não sou nenhum vampiro, Ralof — disse ele suavemente. — Nem sou aliado deles. Estive tentando descobrir alguma coisa através de seus movimentos, mas não percebi nada. Não consigo entender por que foram embora, e por que não atacam de novo. Mas não senti a presença deles em nenhum ponto aqui por perto.

Vorstag ficou muito preocupado ao escutar o que Ralof tinha a dizer, balançou a cabeça e suspirou. Então percebeu que teria que aquecer a maior quantidade possível de água nas pequenas chaleiras de Ralof, e que teria de banhar o ferimento dele. — Mantenha o fogo bem forte, e se mantenha bem aquecido! — disse ele. — Acho que posso entender melhor as coisas agora — disse ele em voz baixa. — Parece que só havia cinco inimigos. Por que não estavam todos aqui, não sei; mas não acho que esperavam encontrar resistência. Retiraram-se por enquanto. Mas receio que não estejam longe. Voltarão quando chegar outra noite, se não conseguirmos escapar. Estão apenas esperando, porque acham que seu propósito está quase realizado, e que o Mata-Dragão falso não pode ir muito mais longe. Receio, Ralof, que acreditam que você tem um ferimento mortal, que fará com que se submeta à vontade deles. Ao que tudo indica, você foi infectado pela sanguinare vampiris. Não se desespere! — disse Vorstag. — Agora deve confiar em mim. Você é feito de uma fibra mais resistente do que eu havia imaginado, embora Savos tivesse me prevenido disso. Você não foi assassinado, e acho que resistirá ao poder maligno do ferimento por mais tempo do que o inimigo espera. Farei o que estiver ao meu alcance para ajudá-lo e curá-lo. Proteja-se bem enquanto eu estiver fora!

Saiu apressado e desapareceu de novo na escuridão.

Ralof tentava manter-se acordado, embora a dor causada pelo ferimento crescesse lentamente, e um frio mortal começasse a se espalhar pelo seu corpo, partindo do pescoço e atingindo o braço e o flanco. Ele aquecia o corpo e banhava o ferimento. A noite passou, lenta e cansativa. A aurora começava a crescer no céu, e o valezinho se enchia de uma luz cinzenta, quando Vorstag finalmente retornou.

— Olha! — gritou ele, abaixando-se e pegando do chão uma capa vermelha que tinha ficado ali, escondida pela escuridão. Cerca de trinta centímetros acima da bainha inferior havia um rasgo. — Isto foi o golpe do seu machado — disse ele. — Receio que tenha sido o único ferimento que fez no inimigo; pois não está ensanguentada. Mais terrível para ele foi ouvir o nome de Ulfric Stormcloak. Provavelmente achou que havia um exército todo aqui. E mais fatal para você foi isto! — Abaixou-se de novo e levantou um cordão de espinhos e couro com um grande rubi no meio. Conforme Vorstag a ergueu, Ralof viu que o colar estava partido perto da extremidade, e que a ponta estava quebrada. — Infelizmente seus olhos não se enganaram — disse ele. — É a mais pura verdade que se tratava de um rei vampiro. Existem muito poucos desses no mundo hoje, e não sabia que havia remanescentes desse tipo em Skyrim, muito menos em um lugar como a Cripta da Caverna Escura. Atualmente, mais poucos ainda têm o poder de cura capaz de fazer frente a venenos tão malignos. Mas farei o que puder.

Da bolsa acoplada ao seu cinto, encheu a mão com um pó em tom arroxeado. — Esse pó — disse ele —, caminhei muito para encontrá-lo, pois os vampiros que matei ontem vagaram e cambalearam por muitas milhas antes de morrerem. Mas nas moitas que ficam lá adiante, ao sul da estrada, consegui encontrar o corpo de um pelo cheiro podre, e assim que o arrastei para o sol ele se transformou em pó. Esmagou um pouco do pó nos dedos, e ele emanou uma fragrância doce e pungente. — Foi sorte tê-lo encontrado, pois esse pó geralmente voa com o vento e se dispersa. Pó de Vampiro é o nome que lhe davam. O pó não é conhecido no Norte, a não ser por alguns daqueles que vagam pelas cavernas e lugares em que vampiros costumam morar. Tem grandes poderes relacionados à cura do vampirismo, mas sobre um ferimento como esse sua eficácia pode ser pequena.

Jogou o pó na água fervente e banhou o pescoço de Ralof. A fragrância do vapor era reconfortante, e Vorstag que não estava ferido sentiu sua mente acalmada e lúcida. Diziam que o Pó de Vampiro era tudo de bom que sobrava da alma de um vampiro quando ele morria. O pó também teve certo poder sobre o ferimento, pois Ralof sentiu que a dor e também a sensação de frio cediam; mas a vida não voltou ao seu braço, e ele não podia movê-lo ou levantar a mão. Arrependia-se amargamente de sua tolice, reprovando sua pouca determinação. Agora percebia que, tendo atacado o vampiro rei, havia obedecido não apenas ao seu próprio desejo, mas também à vontade imperativa dos inimigos.

Perguntava-se se ficaria mutilado para o resto da vida, e como conseguiriam prosseguir a viagem agora. Sentia-se fraco demais para ficar em pé. Vorstag estava ponderando justamente essa questão. Logo decidiram deixar as Torres Valtheim o mais rápido possível. — Agora acho — disse Vorstag — que os servos do Devorador de Mundos estiveram vigiando este lugar já por alguns dias. Se Savos passou por aqui, foi forçado a ir embora, e não voltará mais. De qualquer forma, corremos grandes perigos depois do escurecer, desde o ataque da noite passada, e dificilmente encontraremos um perigo maior, onde quer que estejamos.

Logo que o dia raiou por completo, comeram algo rapidamente e embalaram a bagagem. Para Ralof era impossível caminhar; então Vorstag carregou a maior parte da bagagem, colocando-o montado no cavalo. Nos últimos dias, o pobre animal tinha melhorado, de forma inesperada; já parecia mais gordo e forte, e tinha começado a demonstrar afeição pelos novos donos, especialmente por Vorstag. O tratamento de Nazeem devia ter sido muito duro, para que a viagem por esse lugar deserto lhe parecesse tão melhor que sua vida anterior.

Partiram em direção ao sul. Isso significaria atravessar o Rio Branco, mas era o caminho mais curto até a região mais arborizada. E eles precisavam de lenha. Vorstag tinha recomendado que Ralof fosse mantido aquecido, especialmente à noite, e além disso o fogo representaria alguma proteção para os dois. Diminuir o trajeto cortando caminho, atalhando uma outra grande volta da Estrada, também estava nos planos dele: a leste das Torres Valtheim a Estrada mudava de rumo e fazia uma grande curva para o Sul.

Prosseguiram lenta e cuidadosamente, contornando a encosta sul da colina, e em pouco tempo estavam na borda da Estrada. Não havia sinal dos vampiros nem de qualquer outro espião. Mas no momento em que a atravessaram correndo, escutaram dois gritos: uma voz fria chamando, e uma voz fria respondendo. Tremendo, jogaram-se para frente, dirigindo-se para as moitas que ficavam adiante. A região à frente descia em direção ao sul, mas era deserta e sem trilhas: arbustos e árvores raquíticas cresciam em trechos densos, com grandes espaços vazios entre eles. O capim era ralo, áspero e cinzento; as folhas nas moitas estavam amareladas e caindo. Era uma região triste, e a viagem era lenta e melancólica. Falavam pouco enquanto avançavam. O coração de Ralof estava penalizado ao ver Vorstag andando ao seu lado, cabisbaixo, com as costas curvadas sob o peso da bagagem.

Antes que o primeiro dia de viagem terminasse, a dor de Ralof começou a aumentar de novo, mas ele não mencionou o fato por um bom tempo. Quatro dias se passaram, sem que o chão ou a paisagem mudassem de modo significativo, a não ser pelas Torres Valtheim, que sumiam lentamente atrás deles, e pelas montanhas distantes, que ficavam um pouco mais próximas. Mas, desde aquele grito distante, não tinham visto ou ouvido sinais de que o inimigo estivesse vigiando ou seguindo seus passos. As horas escuras eram as mais temidas, e eles montavam guarda, revezando durante a noite, esperando ver, a qualquer momento, figuras negras surgindo na noite cinzenta, mal iluminada pela lua velada de nuvens. Apesar disso, nada viram, nada escutaram, exceto o suspiro das folhas esbranquiçadas e do capim. Nenhuma vez sentiram a presença maligna que os tinha rondado antes do ataque no valezinho.

Parecia bom demais esperar que os vampiros já tivessem perdido sua trilha. Quem sabe se não estavam esperando, preparando alguma emboscada, nalguma passagem estreita?

Ao final do quinto dia, o solo começou de novo a subir, lentamente, saindo do vasto e raso vale no qual tinham descido. Vorstag agora mudara o curso outra vez, dirigindo-se para o sudoeste, e no fim do sexto dia tinham chegado ao topo de uma ladeira de subida difícil, vendo à frente um amontoado de colinas cobertas por florestas; à direita, um rio cinzento brilhava pálido na fraca luz do sol. Na distância, entretanto, vislumbravam um grande forte, num vale pedregoso, meio velado pela névoa.

— Receio que devemos voltar para a Estrada neste ponto, e continuar nela por mais um trecho — disse Vorstag. — Chegamos ao Forte Amol, que foi invadido por necromantes e conjuradores. Ele fica perto dos Campos do Braço Quebrado, os morros dos gigantes ao nordeste de Ivarstead, e beira o Rio Treva, que se junta às margens de Ivarstead mais ao sul. Nesse ponto, o Rio Treva vira o Lago Geir. É um grande volume de água. Não há como atravessar o Rio Treva abaixo de suas cabeceiras nos Campos do Braço Quebrado, seríamos pegos pelos gigantes, a não ser utilizando a Ponte da Vigília da Névoa, pela qual a Estrada atravessa.

— O que é aquele outro rio que estamos vendo lá adiante? — perguntou Ralof.

— Aquele não é rio nenhum, é o Lago Geir, como já disse, o Lago de Ivarstead — respondeu Vorstag. — A Estrada vai acompanhando a borda das colinas por muitas milhas, desde a Ponte de Whiterun até o os Sete Mil Passos. Mas ainda não pensei em como o atravessaremos ou como subiremos os próprios. Um rio de cada vez! Teremos sorte se não encontrarmos a última Ponte tomada pelo inimigo.

No dia seguinte pela manhã, atingiram de novo a beira da Estrada. Vorstag ia na frente, mas não havia sinal de viajantes ou vampiros. Naquele ponto, sob a sombra das colinas, tinha chovido. Vorstag julgou que a chuva tinha caído dois dias antes, e que tinha apagado as pegadas. Nenhum vampiro tinha passado por ali desde então, pelo que podia ver.

Apressaram-se pela Estrada o mais rápido que conseguiram e, depois de uma ou duas milhas, depararam com a ponte da Vigília da Névoa, na base de uma ladeira curta e íngreme. Tinham receado encontrar figuras negras esperando ali, mas não viram nenhuma. Vorstag fez com que Ralof se abrigasse numa moita ao lado da Estrada, enquanto foi na frente explorar a região.

Logo ele voltou correndo. — Não vejo sinal do inimigo — disse ele. — E gostaria muito de saber o que isso significa. Mas encontrei algo muito estranho. — Estendeu a mão, mostrando uma pedra singular, de um verde-claro. — Encontrei-o na lama, no meio da Ponte — disse ele. — É um cordão, um Amuleto de Talos. Se foi colocado lá, ou se caiu por acaso, não posso dizer; mas me traz esperança. Tomarei o amuleto como um sinal de que podemos atravessar a Ponte; mas depois dela não devemos nos arriscar a continuar na Estrada, sem algum outro sinal mais evidente.

Mais uma vez prosseguiram. Atravessaram a Ponte a salvo, não escutando nenhum ruído, a não ser o da água em torvelinho contra seus três grandes arcos. Uma milha mais adiante, no castelo da Vigília da Névoa, encontraram um desfiladeiro estreito que conduzia para o leste, através das terras íngremes à esquerda da Estrada. Neste ponto, Vorstag deixou a Estrada, e logo estavam os dois perdidos num lugar sombrio, de árvores escuras distribuídas entre os pés de colinas taciturnas.

Ralof ficou contente por deixar a região melancólica e a perigosa Estrada para trás, mas esse novo trecho parecia hostil e ameaçador. Conforme avançavam, as colinas à frente ficavam cada vez mais altas. Aqui e ali, sobre topos e cordilheiras, podiam ver os restos de antigas muralhas de pedra, e ruínas de torres: tinham uma aparência agourenta. Ralof, que não estava andando, tinha tempo para olhar à frente e pensar. Lembrava-se do relato que Savos fizera de suas viagens uma vez, e das torres ameaçadoras sobre as colinas ao norte da Estrada, na região próxima à floresta dos gigantes, onde sua primeira aventura séria tinha ocorrido. Ralof supunha estar agora na mesma região, e imaginava se por acaso passariam pelo mesmo ponto.

— Quem mora por aqui? — perguntou ele. — E quem construiu essas torres? Essa região pertence aos gigantes?

— Não — disse Vorstag. — Os gigantes não constroem nada. Ninguém mora aqui. Os homens moraram numa certa época, eras atrás; mas ninguém permanece agora. Tornaram-se um povo extinto, dizem as lendas, pois foram destruídos pelos elfos das neves. Mas muitas das regiões ao Sul de Saarthal foram destruídas nos anos posteriores à Noite das Lágrimas para nunca mais serem reconstruídas. Mas tudo isso faz muito tempo, e as colinas os esqueceram, embora uma sombra ainda cubra a região.

— Onde você aprendeu essas histórias, se toda a região está vazia e esquecida? — perguntou Ralof. — Aves e animais não contam histórias desse jeito, pois não sobreviveram para sequer saber delas.

— Os herdeiros de Tiber Septim não esquecem todas as coisas passadas — disse Vorstag. — E muitas outras coisas que posso contar são relembradas em Alta Hrothgar.

— Você esteve muitas vezes em Alta Hrothgar? — perguntou Ralof.

— Estive — disse Vorstag. — Ponderei morar lá uma época, e ainda volto quando posso. Ali está minha paz e minha sabedoria; mas meu destino não é me acomodar em paz, mesmo na bela casa de Arngeir e sua Ordem.

As colinas agora começavam a enclausurá-los. Atrás, a Estrada continuava seu caminho em direção ao Lago Geir, mas ambos agora estavam escondidos. Os viajantes chegaram a um vale comprido; estreito, profundo, escuro e silencioso. Árvores com raízes velhas e retorcidas se debruçavam sobre abismos, e se amontoavam em ladeiras íngremes cobertas de pinheiros.

Ralof e seu cavalo ficaram muito cansados. Avançavam devagar, pois tinham de fazer seu caminho em meio a uma região sem trilhas, cheia de árvores e rochas caídas. Vorstag evitava ao máximo escalar as encostas, por causa de Ralof, e também porque era realmente difícil achar algum caminho que os tirasse dos vales estreitos.

Já estavam havia dois dias nessa região quando o clima se tornou úmido. O vento começou a soprar continuamente do oeste, derramando a água dos mares distantes sobre as cabeças pretas das colinas, na forma de uma chuva fina que alagava tudo. Ao cair da noite estavam todos ensopados, e o acampamento que fizeram não tinha conforto, pois não conseguiram acender fogueira alguma. No dia seguinte, as colinas à frente ficaram ainda mais altas e íngremes, o que os forçou a mudar de rumo, indo para o norte. Vorstag parecia estar ficando ansioso: já estavam a quase dez dias das Torres Valtheim, e a reserva de provisões estava começando a ficar escassa.

Continuava a chover.

Naquela noite, acamparam numa saliência rochosa com uma muralha de pedra atrás deles, na qual havia uma caverna não muito profunda, a Caverna de Snapleg, uma simples concavidade na encosta. Ralof estava inquieto. O frio e a umidade faziam com que seu ferimento doesse mais que nunca, e a dor e o sentimento de frio mortal impediam que dormisse. Ficava deitado, virando-se de um lado para o outro e escutando, cheio de terror, os furtivos ruídos da noite: vento nas fendas das rochas, água gotejando, um estalo, a queda repentina e estrepitosa de uma rocha desprendida. Sentiu que figuras negras se aproximavam para sufocá-lo, mas, quando se sentou, não viu nada além das costas de Vorstag, sentado e arqueado para frente, fumando seu cachimbo, vigiando. Deitou-se de novo e entrou num sonho agitado, no qual ele caminhava sobre a grama de seu jardim em Riverwood, mas a imagem parecia apagada e fraca, menos nítida que as sombras altas e negras que olhavam sobre a cerca-viva. De manhã, acordou e viu que a chuva tinha parado. As nuvens ainda estavam densas, mas iam se desfazendo, e pálidas faixas azuis apareciam por entre elas. O vento estava mudando de novo. Não partiram cedo. Imediatamente após um desjejum frio e pouco reconfortante, Vorstag saiu sozinho, dizendo a Ralof que ficasse sob o abrigo da encosta até que ele voltasse. Ia escalar, se pudesse, para dar uma olhada na configuração do terreno.

Quando voltou, não estava confiante. — Desviamos demais para o norte — disse ele. — E temos de achar um caminho para voltar outra vez em direção ao sul. Se continuarmos por onde estamos indo, acabaremos chegando nas Sombras de Outono, muito ao leste de Ivarstead. Ali é região de trolls e gigantes, que eu conheço pouco. Talvez pudéssemos achar um caminho e chegar a Ivarstead pelo sudeste, mas isso levaria muito tempo, pois não sei o caminho, e nossa comida não seria suficiente. De uma maneira ou de outra, temos de achar o Lago Geir.

Pelo resto daquele dia, avançaram aos tropeços sobre o solo pedregoso.

Encontraram uma passagem entre duas colinas, que os conduziu a um vale que ia do sul para o oeste, a direção que queriam tomar; mas no fim do dia descobriram que seu caminho estava novamente bloqueado por uma cordilheira; os topos escuros, contrastando com o céu, quebravam-se em muitas pontas nuas, como os dentes de um serrote cego.

Podiam escolher entre voltar ou escalar.

Decidiram tentar a escalada, que resultou em muita dificuldade. Logo Ralof foi obrigado a descer do cavalo e caminhar, o que fazia à custa de muito esforço. Mesmo assim, várias vezes quase perderam as esperanças de conseguir levar o cavalo colina acima, ou até de achar uma trilha para eles mesmos, carregados de coisas como estavam. A luz já tinha quase se extinguido, e estavam exaustos, quando finalmente atingiram o topo. Tinham escalado até um passo estreito entre dois pontos mais altos, e o terreno descia íngreme novamente, apenas um pouco à frente. Ralof se jogou no chão e ficou deitado, tremendo. Seu braço esquerdo estava paralisado, e sentia como se garras de gelo segurassem seu ombro e flanco. As árvores e rochas ao redor pareciam sombrias e escuras.

— Não podemos continuar — Vorstag pensou em voz alta. — Receio que isso tenha sido demais para você.

— Que devemos fazer? Você acha que poderão curar-me na Alta Hrothgar, se chegarmos lá?

— Veremos — respondeu Vorstag. — Não há mais nada que eu possa fazer nesta região deserta; e é principalmente por causa do seu ferimento que estou tão ansioso por continuar. Mas tenho dito que não podemos prosseguir esta noite.

— Qual é o problema comigo? — perguntou Ralof em voz baixa, olhando desesperado para Vorstag. — O ferimento foi pequeno, e já está fechado. Não se vê nada a não ser uma marca fria e branca em meu pescoço.

— Você foi mordido pelas presas de um rei vampiro — disse Vorstag. — E há algum veneno ou malefício em ação, que está além da minha habilidade de expulsar. Não se trata de sanguinare vampiris. Mas não perca a esperança, amigo!

A noite era fria sobre o alto desfiladeiro. Acenderam uma pequena fogueira sob as raízes retorcidas de um velho pinheiro, que se curvava sobre uma cavidade rasa: parecia que uma pedra tinha sido extraída dali. Sentaram-se, um perto do outro. O vento soprava frio através da passagem, e eles escutaram as copas das árvores abaixo gemendo e suspirando. Ralof entrara numa espécie de delírio, imaginando que asas escuras e infinitas pairavam sobre ele, e que montando as asas estavam perseguidores que o procuravam em todas as concavidades das colinas.

O dia amanheceu claro e bonito; o ar estava limpo, e a luz era pálida no céu recentemente lavado pela chuva. Os corações se sentiram mais fortes, mas eles queriam que o sol aquecesse suas pernas e braços, que estavam enregelados e duros. Assim que ficou claro, Vorstag foi olhar a região do ponto que ficava ao leste da passagem. O sol tinha se levantado, e brilhava forte, quando voltou com notícias mais animadoras. Estavam agora indo mais ou menos na direção correta.

Se continuassem pela encosta da cordilheira, teriam as Montanhas à sua esquerda. Alguma distância à frente, Vorstag tinha visto um trecho do Rio Treva de novo, e sabia que, embora estivesse escondida, a Estrada para o Lago Geir não estava longe do Rio, e ficava na margem mais próxima do ponto onde estavam.

— Devemos voltar para a Estrada de novo — disse ele. — Não há esperança de acharmos uma trilha através destas colinas. Apesar de todo o perigo que correremos ali, a Estrada é o único caminho para Ivarstead.

Logo após comerem, partiram novamente. Desceram devagar a encosta sul da cordilheira; mas o caminho foi bem mais fácil do que esperavam, pois a descida era muito menos íngreme desse lado, e logo Ralof pôde montar de novo. O pobre e velho cavalo de Nazeem estava desenvolvendo um talento inesperado para achar uma trilha, e para evitar ao máximo qualquer solavanco que pudesse perturbar seu montador. Os ânimos dos dois se elevaram de novo. Até Ralof se sentia muito melhor na luz da manhã, mas de quando em quando uma névoa parecia obscurecer sua visão, e ele passava as mãos sobre os olhos.

De repente, Vorstag voltou-se e gritou: — Há uma trilha aqui!

Quando o cavalo o alcançou, Ralof viu que não tinha sido engano: via-se claramente o início de uma trilha, que subia com muitas curvas, saindo da floresta abaixo, e desaparecia no topo da colina atrás deles. Em alguns pontos, estava agora apagada e coberta de vegetação, ou sufocada por árvores e pedras caídas; mas parecia ter sido muito usada em alguma época. Era uma trilha feita por braços fortes e pés pesados. Aqui e ali velhas árvores tinham sido cortadas ou arrancadas, e grandes rochas cortadas ou colocadas de lado para abrir caminho.

Seguiram a trilha por um tempo, pois ela oferecia o caminho mais fácil até lá embaixo, mas iam com cuidado, e a ansiedade aumentou quando chegaram na floresta escura, e a trilha ficou mais plana e larga. De súbito, saindo de uma faixa de pinheiros, viram uma ladeira íngreme que descia, e virava para a esquerda num ângulo fechado, contornando uma saliência rochosa da colina. Quando atingiram a curva, viram que a trilha continuava numa faixa plana sob a parede de um rochedo baixo coberto de árvores.

A Estrada se estendia quieta, sob as sombras compridas do início da noite. Não se via qualquer sinal de viajantes. Como agora não havia outro caminho que pudessem tomar, desceram o barranco, e virando à esquerda avançaram o mais rápido possível. Logo uma saliência nas colinas bloqueou a luz do sol que se deitava rápido no oeste. Um vento frio descia ao seu encontro, vindo das montanhas à frente.

Estavam começando a procurar um lugar fora da Estrada, onde pudessem acampar durante a noite, quando ouviram um som que trouxe um pavor repentino de volta aos seus corações: o ruído de cascos atrás deles. Olharam para trás, mas não podiam enxergar muito longe por causa das várias curvas da Estrada. Com a máxima velocidade possível, deixaram aos tropeços o caminho batido, penetrando na densa vegetação de urzais e mirtilos que cobria as encostas acima, até que chegaram num pequeno trecho coberto por densas aveleiras. Ao espiarem por entre os arbustos, puderam ver a Estrada, apagada e cinzenta sob a luz que enfraquecia, cerca de dez metros abaixo de onde estavam. O som dos cascos se aproximou. Avançavam rápido, com um suave trotar. Então ouviram baixinho, como que carregado pela brisa, um som suave, como se pequenos sinos estivessem tocando.

— Esse não parece um cavalo dos vampiros! — disse Ralof, escutando atentamente. Vorstag concordou esperançoso, mas permaneceu cheio de suspeitas. Tinham sentido medo de perseguições por tanto tempo que qualquer som atrás deles parecia agourento e hostil. Mas Vorstag agora se curvava para frente, e, abaixando-se até o chão, com uma mão sobre a orelha, fez uma expressão de alegria.

A luz desaparecia, e as folhas e arbustos farfalhavam suavemente. Os sinos agora soavam alto e mais perto, vinham as patas em trote rápido. De repente apareceu, lá embaixo, um cavalo branco, reluzindo nas sombras, correndo muito. No crepúsculo, a testeira brilhava e reluzia, como se estivesse adornada com pedras que pareciam estrelas. As roupas do cavaleiro eram roupas de segunda mão, e o capuz estava jogado para trás; o cabelo castanho esvoaçava brilhante no vento veloz. Ralof teve a impressão de que uma luz branca brilhava através da figura e das vestes do cavaleiro, como se viesse através de um véu tênue.

Vorstag pulou do esconderijo e correu em direção à Estrada, saltando com um grito através do urzal; mas antes mesmo que tivesse se movido ou gritado, o cavaleiro puxou as rédeas e parou, olhando para cima em direção à moita onde estavam. Quando viu Vorstag, desceu do cavalo e correu para encontrá-lo, gritando: “Finalmente, Vorstag! Bom te ver!” na língua aleydüna.

A fala e a voz clara, musical, não deixava dúvidas no coração: o cavaleiro era um elfo da floresta. Nenhuma outra criatura habitante do vasto mundo tinha uma voz tão neutra. Mas parecia haver um tom de aflição naquele chamado, e Ralof viu que agora ele falava com Vorstag cheio de ansiedade e urgência. Logo Vorstag fez um sinal, e Ralof saiu dos arbustos, correndo para a Estrada. — Este é Gwilin, que mora na casa do Sr. Temba Braço-Longo — disse ele. — Já serviu na Guarda da Alvorada conosco.

— Salve, que bom que finalmente os encontrei! — disse o elfo a Ralof. — Fui enviado de Ivarstead por Klimmek, sob ordem dos Barbacinza, para encontrá-los. Temíamos que estivessem correndo perigo na estrada.

— Então Savos chegou a Alta Hrothgar — Ralof gritou, alegre.

— Não. Savos Aren ainda não tinha chegado a Ivarstead quando parti, mas isso já faz muitos dias — respondeu Gwilin. — Os Barbacinza receberam uma notícia que os preocupou. Alguns de meu povo, viajando por sua terra além das Pedras Guardiãs, souberam que as coisas deram errado, e enviaram mensagens o mais rápido possível. Disseram que os servos dos Oito Sacerdotes estavam espalhados, e que vocês estavam perdidos, carregando um fardo pesado, sem orientação, pois Savos Aren não tinha voltado. Até mesmo na Alta Hrothgar existem poucas pessoas que podem batalhar abertamente contra os Oito Sacerdotes; mas do jeito que as coisas estavam, Arngeir enviou mensageiros para o Norte, Oeste e Sul. Pensou-se que vocês poderiam ter mudado de direção para evitar os perseguidores, e perdido o rumo nesse lugar deserto. A parte designada a mim foi pegar a Estrada, e eu cheguei até a Ponte da Vigília da Névoa, deixando ali um sinal, há sete dias. Três dos servos dos servidores de Alduin estiveram na Ponte, mas retiraram-se e os persegui em direção ao norte. Também encontrei outros dois, mas eles rumaram para o sul. Desde então tenho procurado sua trilha. Há dois dias a encontrei, e a segui através da Ponte; hoje observei o ponto por onde voltaram e desceram das colinas de novo. Mas venham! Não há tempo para mais notícias. Já que estão aqui, devemos correr o perigo da Estrada e ir. Há cinco dos servidores deles atrás de nós, e quando encontrarem suas pegadas na Estrada, virão atrás de vocês como o vento. E não são todos. Onde estão os outros, eu não sei. Receio que Ivarstead já esteja tomada pelos inimigos.

Enquanto Gwilin falava, as sombras da noite aumentaram. Ralof sentiu um grande cansaço tomando conta de seu corpo. Desde que o sol começara a se pôr, a névoa sobre seus olhos tinha ficado mais densa, e ele sentia que uma sombra começava a se instalar entre ele e os rostos dos amigos. Agora a dor o acometia, e ele sentia frio. Estava zonzo, e se agarrava ao braço de Vorstag.

— Meu amigo está doente e ferido — disse Vorstag. — Ele não pode continuar montando depois do cair da noite. Precisa descansar.

Gwilin segurou Ralof, que quase caía ao chão, e tomando-o gentilmente nos braços, olhou seu rosto com grande ansiedade. Rapidamente, Vorstag contou-lhe sobre o ataque ao acampamento nas Torres Valtheim, e da mordida mortal. Falou sobre o encontro da capa.

Gwilin tremeu ao passar as mãos sob o pescoço de Ralof, mas continuou observando-o com grande atenção.

— Há coisas maléficas correndo no sangue deste homem — disse ele. — Apesar de seus olhos não poderem vê-las. Cuide dele, Chefe dos Guardiões, até que cheguemos à casa de Arngeir! Mas tenha cuidado, e toque-o o menos possível. Infelizmente, os ferimentos causados por este tipo de vampiro estão além de meu poder de cura. Farei o que puder - mas o que acho mais necessário agora é partir sem descanso.

Ele apertou o ferimento no pescoço de Ralof com os dedos, e seu rosto ficou mais sério, como se o que tivesse concluído o preocupasse. Mas Ralof sentiu que o frio diminuía em seu flanco e braço; um pequeno calor se espalhava do pescoço para o ombro, e a dor ficou mais suportável. A escuridão do início da noite parecia ficar menos densa à sua volta, como se uma nuvem tivesse sido retirada. Via de novo os rostos dos amigos mais claramente, e retornou a seu coração um bocado de nova esperança e força.

— Você montará meu cavalo — disse Gwilin. — Vou encurtar o estribo até a aba da sela, e você deve sentar-se o mais firme que conseguir. Mas não precisa ter medo: meu cavalo não deixa cair nenhum cavaleiro que eu ordene que ele conduza. Seu passo é leve e suave; se o perigo chegar perto demais, ele o levará para longe com uma velocidade que nem os cavalos dos vampiros podem alcançar.

— Não, ele não deve fazer isso! — disse Ralof. — Não vou montá-lo, se ele me levar para Alta Hrothgar ou qualquer outro lugar, deixando Vorstag para trás e em perigo.

Gwilin sorriu. — Duvido muito que nosso amigo fique em perigo com ou sem você, e principalmente se não estiver com você — disse ele. — A perseguição continuaria atrás de você, deixando-nos em paz. É você, Ralof, e a sabedoria e reputação que você carrega desde sua Riverwood, que nos traz todo o perigo.

Ralof não teve resposta para aquilo, e foi persuadido a montar o cavalo branco de Gwilin. O cavalo de Nazeem foi então carregado com a maioria dos fardos dos outros, de modo que agora todos marcharam mais facilmente, e por um período avançaram com boa velocidade; mas Vorstag começou a ter dificuldade em acompanhar o ritmo dos pés rápidos e descansados do elfo. E adiante ele os conduziu, para dentro da escuridão, e continuou em frente, sob as nuvens densas da noite. Não havia lua nem estrelas.

Só quando viram a aurora cinzenta é que permitiu que parassem. O cavalo de Nazeem estava naquela hora quase dormindo sobre as pernas cambaleantes; e até mesmo Vorstag dava sinais de cansaço, que se manifestava em seus ombros curvados. Ralof montava o cavalo num sonho escuro.

Abrigaram-se sob o urzal que ficava a alguns metros da borda da estrada, e adormeceram imediatamente. Parecia-lhes que mal tinham fechado os olhos, quando Gwilin, que tinha montado guarda enquanto dormiam, acordou -os de novo. O sol já tinha subido bastante no céu, e as nuvens e a névoa da noite tinham se dissipado.

— Bebam isso — disse a eles Gwilin, derramando para Vorstag e Ralof um pouco de uma poção, de um frasco de vidro verde amarrado com alguns barbantes.

O líquido era transparente como água, não tinha gosto, e ao contato com a boca não era nem frio nem quente; mas parecia que força e vigor fluíam-lhes para os braços e as pernas ao beberem dele. Depois disso, comer o pão velho e as frutas secas (que era tudo o que restava agora) parecia satisfazer-lhes a fome mais do que os melhores desjejuns de Riverwood.

Tinham descansado menos que cinco horas quando pegaram a Estrada de novo. Gwilin ainda forçou a viagem, e só permitiu duas paradas rápidas durante todo o dia de marcha. Desse jeito, cobriram quase vinte milhas antes do cair da noite, e chegaram a um ponto onde a Estrada fazia uma curva à direita, e descia em direção ao fundo do vale, indo direto para o Lago Geir. Até agora, não tinha havido sinais ou ruídos da perseguição, mas freqüentemente Gwilin parava para escutar por uns momentos, quando eles ficavam para trás, e uma expressão ansiosa cobria seu rosto. Uma ou duas vezes, dirigiu-se a Vorstag na língua ayleidüna.

Mas por mais ansiosos que os guias estivessem, era ponto pacífico que os cavalos não podiam mais prosseguir aquela noite. Iam tropeçando, zonzos e cansados. A dor de Ralof tinha redobrado, e durante o dia as coisas à sua volta tinham se embaçado em sombras de um cinza fantasmagórico. Ele quase recebeu com alegria a chegada da noite, pois então o mundo parecia menos pálido e vazio.

Os cavalos ainda estavam cansados quando partiram de novo, no dia seguinte bem cedo. Ainda havia muitas milhas a percorrer até o Lago, e eles avançavam mancando, no melhor ritmo possível.

— Nosso perigo ficará maior um pouco antes de atingirmos o lago — disse Gwilin. — Meu coração me adverte que os perseguidores estão vindo rápido atrás de nós, e outros perigos podem estar à espera em Ivarstead.

A Estrada ainda descia a colina íngreme, e agora em alguns pontos havia bastante capim dos dois lados, no qual os cavalos iam pisando quando podiam, para aliviar o cansaço das patas. No fim da tarde, chegaram a um lugar onde a Estrada entrava abruptamente embaixo da sombra escura de pinheiros altos, e então mergulhava num valo profundo, com paredes íngremes e úmidas de pedra vermelha. Ecos reverberavam à medida que avançavam com pressa e parecia haver o ruído de muitos passos, seguindo os passos deles. De repente, como se por um portão de luz, a Estrada saiu novamente da extremidade do túnel para o espaço aberto. Ali, na base de uma subida íngreme, viram adiante um trecho comprido e plano, e além dele o Lago Geir.

Na margem oposta, havia um barranco inclinado e escuro, marcado por uma trilha tortuosa; mais além, as montanhas altas subiam, saliência após saliência, e pico além de pico, para dentro do céu que se apagava. A maior de todas estava alta e admirável, a Garganta do Mundo, entre todas as outras enormes montanhas.

Ainda se ouvia um som como o de pés perseguindo-os no valo; um ruído que se apressava, como se um vento se levantasse, derramando-se através dos ramos dos pinheiros. Num momento, Gwilin se virou para escutar, e então jogou-se para frente com um grito:

— Fujam! — gritou ele. — Fujam! Os vampiros estão nos alcançando! O cavalo branco saltou para frente. Gwilin e Vorstag seguiam na retaguarda. Tinham atravessado apenas metade daquele espaço plano, quando de repente escutaram o galope de cavalos. Saindo por entre as árvores que tinham deixado havia pouco, viram um vampiro a galope. Puxou as rédeas de seu cavalo e parou, oscilando na sela. Um outro o seguiu, e depois outro, e mais dois ainda.

— Vá embora! Galope! — gritou Gwilin para Ralof.

Ele não obedeceu imediatamente, pois uma estranha relutância o segurava. Fazendo o cavalo andar, voltou-se e olhou para trás. Os vampiros pareciam montar seus grandes cavalos como estátuas ameaçadoras sobre uma colina, enquanto toda a floresta e as terras à sua volta se retraíam dentro de uma espécie de névoa. De repente, percebeu que eles, em silêncio, ordenavam que esperasse. Então, de imediato, o medo e o ódio acordaram dentro dele. Sua mão abandonou a rédea e empunhou o machado, e com um clarão vermelho o desembainhou.

— Galope! Galope! — gritou Gwilin, e então, alto e bom som, gritou para o cavalo na língua ayleidüna: hilyat, hilyat, Nedhelas! Imediatamente, o cavalo saltou e correu como o vento ao longo do último trecho da Estrada. No mesmo momento, os cavalos negros vieram descendo a colina em perseguição, e dos vampiros vinham gritos terríveis.

Houve resposta; e para a infelicidade de Ralof e seus amigos, das árvores e rochas à sua esquerda, quatro outros vampiros em cavalos saíram em disparada. Dois vinham na direção de Ralof; dois galopavam alucinadamente para o Lago, para impedir sua fuga. Ralof tinha a impressão de que corriam como o vento, ficando rapidamente maiores e mais escuros, à medida que o trajeto que faziam convergia com o dele.

Ralof por um instante olho para trás, por sobre os ombros. Não conseguia mais ver os amigos. Os Cavaleiros estavam ficando para trás: nem mesmo seus grandes animais eram páreo em velocidade para o cavalo branco de Gwilin. Olhou para frente de novo, e perdeu as esperanças. Parecia não haver chance de atingir o Lago antes de ser interceptado pelos outros, que esperavam numa emboscada. Agora podia vê-los com nitidez: parecia que tinham deixado de lado os capuzes e as capas pretas, e estavam vestidos de vermelho e preto. As espadas estavam nuas nas mãos pálidas, longos cabelos desciam até as costas da maioria. Eram quase todos elfos negros. Os olhos amarelos brilhavam, e eles o chamavam com vozes cruéis.

Agora o medo havia tomado conta da mente de Ralof. Não pensou mais em seu machado. Nenhum grito partiu dele. Fechou os olhos e agarrou-se à crina do cavalo. O vento assobiava em seus ouvidos, e os sinos dos arreios tilintavam frenética e estriduladamente. Um sopro de frio mortal o atravessou como uma lança quando, num último esforço, semelhante a um clarão de fogo branco, o cavalo élfico, como se estivesse voando, passou bem diante do rosto do vampiro que ia na frente. Ralof ouviu a água espirrar, espumando sob seus pés. Sentiu-a avançar e depois se afastar, quando o cavalo deixava o rio e se esforçava para subir o caminho de pedra. Estava subindo o barranco inclinado. Tinha atravessado o Lago.

Mas os perseguidores vinham logo atrás. No topo do barranco, o cavalo parou e se voltou, relinchando furiosamente. Havia cinqüenta vampiros na beira da água lá embaixo, e o ânimo de Ralof fraquejou diante da ameaça daqueles rostos voltados para cima. Não conseguia pensar em nada que pudesse impedir que eles atravessassem o Lago Geir com a rapidez com que ele o fizera, e sentia que era inútil tentar escapar pelo caminho comprido e incerto que ia do Lago até o limite de Ivarstead, se os vampiros chegassem a atravessar.

De qualquer maneira, sentiu-se forçado a parar. O ódio mais uma vez se agitava nele, mas não tinha mais força para se recusar. De repente, o vampiro mais próximo esporeou seu cavalo, forçando-o a avançar. O cavalo refreou ao toque da água, empinando nas patas traseiras. Com grande esforço, Ralof sentou-se ereto e brandiu o machado.

— Voltem! — gritou ele. — Voltem para a Terra de Skudalfn, e depois para a Cripta da Caverna Escura, e não me sigam mais! — Sua voz soava fina e trêmula aos seus próprios ouvidos. Os vampiros pararam, mas Ralof não tinha o poder de Savos Aren. Seus inimigos riam dele, com um riso rude e arrepiante. — Volte! Volte! — gritavam eles. — Vamos levá-lo para Skuldafn!

— Voltem! — sussurrou ele.

— Mata-Dragão! Mata-Dragão! — gritavam eles com vozes mortais, e imediatamente o líder forçou o cavalo para dentro da água, seguido de perto por outros dois. Por Ulfric Stormcloak — disse Ralof num último esforço, levantando o machado. — Vocês não terão nem os meus amigos, nem a mim!

Então o líder, que já tinha atravessado o Lago até a metade, levantou-se nos estribos, ameaçador, e ergueu a mão. Ralof foi tomado por uma espécie de adormecimento. Sentia a língua aderindo à boca, e o coração batendo com dificuldade. Seu machado caiu da mão trêmula nas profundezas do lago. O cavalo élfico empinou, bufando. O cavalo negro que vinha à frente já tinha quase saído da água.

Naquele momento, houve um trovão e um estrondo: um ruído enorme das florestas fez com que uma árvore caísse ao chão. Com a visão embaçada, Ralof conseguiu distinguir o movimento de dois imensos tigres dente-de-sabre correndo alucinadamente em direção aos vampiros. Parecia a Ralof que chamas verdes piscavam nos olhos deles, e ele imaginou enxergar no meio da floresta mais dois tigres correndo, fortes e gordos, com presas espumantes. Os três Cavaleiros que ainda estavam na água sucumbiram: desapareceram, subitamente atirados ao chão pelos dentes furiosos. Os que estavam atrás recuaram, com medo.

Com os sentidos já bem fracos, Ralof escutou gritos, e teve a impressão de ver, atrás dos vampiros que hesitavam na beira da água, uma figura brilhante de luz branca; e atrás dela corriam pequenas formas sombrias, acenando com chamas, que brilhavam na névoa cinzenta que caía sobre o mundo.

Os cavalos negros ficaram alucinados, e, pulando para frente, apavorados, conduziram os cavaleiros para dentro da enchente que avançava. Seus gritos agudos foram afogados no ruído do lago, que os carregava para suas profundezas. Então Ralof sentiu que estava caindo, e o ruído e a confusão pareceram aumentar e engoli-lo, juntamente com os inimigos. Não escutou nem viu mais nada.