Por um tempo, todos continuaram a conversar e a pensar na viagem passada e nos perigos que estavam à frente, mas a virtude das antigas construções da Alta Hrothgar eram tais, que logo todos os medos e ansiedades foram expulsos de suas mentes. O futuro, bom ou mau, não foi esquecido, mas deixou de ter qualquer poder sobre o presente. A saúde e a esperança cresceram nos viajantes, que ficavam felizes com a chegada de cada novo dia, apreciando cada refeição, cada palavra e cada canção.

Assim os dias passaram, com cada manhã surgindo bela e reluzente, e cada noite seguindo-a fresca e clara. Mas o outono estava se esvaindo rápido. Lentamente, a luz dourada se apagou num prata pálido, e as últimas folhas caíram das árvores nuas. Um vento frio começou a soprar das montanhas em direção ao Leste. Masser, a maior das duas luas, se exibia redonda e vermelha no céu noturno, fazendo inveja a todas as estrelas menores. Mas abaixo, no Sul, uma estrela brilhava vermelha. A cada noite, conforme a lua minguava de novo, ela brilhava mais e mais. Ralof podia vê-la de sua janela, profunda no céu, queimando como um olho atento que resplendia sobre as árvores na beira do vale.

Os viajantes já estavam havia quase dois meses na casa dos Barbacinza; crepúsculo-do-sol tinha passado, levando os últimos resquícios do outono, e estrela-da-noite estava passando, quando os patrulheiros enviados por Savos Aren e Arngeir começaram a retornar. Alguns tinham ido para o Norte, além das cabeceiras das cavernas de Orotheim, entrando em Morthal; outros tinham ido para o Leste, e com o auxílio de Vorstag e dos Guardiões da Alvorada vasculharam as terras subindo o Rio Treva e chegando a Narzulbur, nas montanhas, para ver se os orcs que moravam lá ainda viviam para si mesmos, ignorando completamente os assuntos do resto do mundo, ou se haviam se unido à sombra do Leste. Muitos tinham ido para o Oeste e para o Sul; alguns desses tinham transposto as Montanhas e entrado nas propriedades dos Perjurados, enquanto outros tinham subido pelo Rio Karth, subindo as encostas montanhosas, finalmente atingindo o antigo lar de Septimus Signus em Harmugstalh. Septimus não estava lá, e eles voltaram pela passagem chamada de Reduto das Torres Partidas. Orthorn Elsinorin, um grande mago que uma vez já lecionou no Colégio de Winterhold, enviou seus dois filhos Athellor e Orintur, para auxiliar Savos Aren após saber dos feitos de Ancano. Estes foram os últimos a retornar; tinham feito uma longa viagem, passando por Ansilvund e entrando numa região estranha, mas só falaram sobre sua missão com Savos e Arngeir.

Em parte alguma os mensageiros descobriram sinais ou notícias dos vampiros ou de outros servidores do Inimigo. Nem os Guardiões da Alvorada tinham notícias novas. Nada se ouviu ou viu sobre Septimus, mas os lobos selvagens ainda estavam se reunindo, outra vez empreendendo caçadas, chegando até a região das Terras de Sarethi e suas grandes fazendas. Três dos cavalos dos vampiros foram encontrados imediatamente, afogados no Lago Geir. Nas pedras da correnteza mais abaixo, foram descobertos os cadáveres de mais cinco, e também um longo couro acinzentado, furado e rasgado. Não se viu qualquer outro sinal dos vampiros, e em lugar algum sua presença foi sentida. Pareciam ter desaparecido do Estado de Rift.

— Dentre os aliados de Alduin, podemos saber o que aconteceu com os vampiros, pelo menos — disse Savos Aren. — É arriscado ficarmos confiantes demais, mas acho que agora podemos ter esperanças de que os servos do vampiro rei tenham sido dispersados, e obrigados a voltar, como puderam, ao seu Mestre em Skuldafn, derrotados e envergonhados. Se isso for verdade, levará algum tempo até que consigam recomeçar a caçada. É claro que o Devorador de Mundos tem outros servidores, mas estes terão de viajar todo o percurso até as fronteiras da Alta Hrothgar antes de poder pegar nossa trilha. E se formos precavidos, será difícil encontrá-la. Mas não podemos demorar mais.

Arngeir chamou os viajantes certo dia. Olhou gravemente para Ralof. — Chegou a hora — disse ele. — Se você deve partir, é preciso que vá agora. Mas os que o acompanham não devem confiar em que sua missão seja facilitada por alguma guerra ou força. Devem entrar no domínio do Devorador de Mundos sem ajuda. Você ainda mantém sua palavra, Ralof, que deseja fazer isso?

— Sim — disse Ralof.

— Então não posso ajudá-lo em muita coisa, nem mesmo com conselhos — disse Arngeir. — Consigo prever muito pouco do seu caminho, e como sua tarefa deve ser desempenhada eu não sei. A Sombra agora já chegou aos pés das Montanhas, e avança até a região próxima ao Pico do Vento Norte; sob a Sombra tudo fica escuro aos meus olhos. Você vai deparar com muitos inimigos, alguns declarados, alguns disfarçados; e poderá encontrar amigos em seu caminho, quando menos esperar. Enviarei mensagens, quantas puder, para todos os que conheço pelo mundo afora; mas as terras hoje em dia se tornaram tão perigosas que algumas podem muito bem se extraviar, ou chegar depois de você. E escolherei pessoas para acompanhá-lo, até onde estejam dispostos ou até onde a sorte de cada um permita. O número deve ser pequeno, já que sua esperança repousa na velocidade e no segredo. Mesmo que pudessem lhe oferecer uma horda de soldados nórdicos em armadura com seus bravos machados e martelos, isso de pouco valeria, a não ser para acordar o poder de Skuldafn. A Demanda da Alta Hrothgar deverá ser composta de Sete; e os Sete Andantes devem ser colocados contra os Sete Sacerdotes, que são maus. Com você, Savos Aren deve partir, pois esta será sua maior tarefa, e talvez o fim de seus trabalhos. Quanto aos restantes, devem representar todos os interessados: elfos, criaturas e homens. Faendal de Valenwood irá representando os elfos, e Kharjo, companheiro de Dro’marash, representará as criaturas. Estão dispostos a ir no mínimo até as passagens das Montanhas, e talvez mais além. Representando os homens, você terá Vorstag, filho de Rorstag, pois os dragões são de grande interesse para ele.

— Vorstag! — disse Ralof.

— Sim — disse ele com um sorriso. — Peço novamente permissão para ser seu companheiro, Ralof de Riverwood.

— Eu teria implorado que viesse comigo — disse Ralof —, mas pensei que você iria para Solitude com Erik.

— E irei — disse Vorstag. — E a Espada de Uriel Septim deverá ser reforjada antes que eu parta para a guerra. Mas sua estrada e a nossa serão a mesma por muitas centenas de milhas. Portanto, Erik, o Príncipe de Solitude, também estará na nossa Demanda. É um homem valoroso.

— Agora a conta dos Sete está completa. Em sete dias, a Demanda da Alta Hrothgar deve partir.

A Espada de Uriel Septim foi reforjada na Forja da Lua, na metade do caminho dos Sete Mil Passos para a Alta Hrothgar pelos melhores ferreiros rubroguardas, e na lâmina foi inscrito o desenho do dragão dos Septim; em volta dele foram escritas várias runas, pois Vorstag, filho de Rorstag, ia guerrear nas fronteiras de Skuldafn. Muito brilhante ficou aquela espada depois de restaurada; nela a luz do sol reluzia vermelha, e a luz da lua brilhava fria, e seu gume era resistente e afiado. E Vorstag lhe deu um novo nome, chamando-a de Arandagon, a Destruição do Rei.

Vorstag e Savos Aren andavam juntos ou se sentavam, conversando sobre a estrada e os perigos que encontrariam, e ponderando os mapas relatados e desenhados, e os livros de estudo que haviam em Alta Hrothgar. Algumas vezes, Ralof ficava junto, mas estava satisfeito em apenas confiar na liderança deles, e passava o maior tempo possível com Gwilin.

Era uma manhã fria perto do final de estrela-da-noite. O Vento Leste soprava assobiando, como se estivessem batalhando com as duras paredes de pedra negra. Nuvens desmanchadas corriam no céu, altas e baixas. Quando as sombras soturnas da noite começaram a cair, a Demanda da Alta Hrothgar estava pronta para partir. Deviam começar a viagem com a chegada do crepúsculo, pois Arngeir os havia aconselhado a seguir sob a proteção da noite sempre que pudessem, até estarem longe de Alta Hrothgar.

— Vocês devem temer os muitos olhos dos servidores de Alduin — disse ele. — Não duvido de que a notícia da derrota dos vampiros já tenha chegado até ele, que deve estar tomado de ira. Em breve seus espiões estarão espalhados nas terras do Norte, a pé e voando. Vocês devem se precaver até do céu que os cobre enquanto avançam no caminho.

A Demanda levou poucos equipamentos de guerra, pois a esperança que tinha estava depositada no segredo, não na batalha. Vorstag levou Arandagon, e nenhuma outra arma, e seguiu vestindo apenas sua armadura de malha marrom com as ombreiras metálicas, que agora cobriam os dois ombros, pois esta era a vestimenta dos Guardiões da Alvorada. Erik tinha uma espada longa, semelhante à de Vorstag, mas de linhagem inferior, levando também um escudo a corneta de guerra de Torygg.

— Ela soa alto e claro nos vales das colinas — disse ele — e assim faz com que todos os inimigos de Solitude fujam! — Colocando-a nos lábios, emitiu um clangor, cujos ecos reverberaram de pedra em pedra, e todos que escutaram aquela voz em Ivarstead saltaram de pé.

— Você deve evitar tocar essa corneta novamente, Erik — disse Arngeir —, até que esteja nas fronteiras da sua terra, e seja forçado por uma terrível necessidade.

— Talvez — disse Erik. — Mas meu pai sempre tocou esta corneta antes de partir, e embora daqui para frente devamos andar protegidos pelas sombras, não partirei como um ladrão no meio da noite.

Apenas Kharjo, o khajiit, vestia uma grande camisa de couro, rodeada por bolsos e acessórios, cheios de cintos correndo por todo o corpo; no cinto que rodeava sua cintura, haviam, de cada lado, duas maças negras, pois os khajiits não se incomodavam em carregar peso. Faendal levava um arco e uma aljava, e no cinto uma faca comprida e branca. Ralof só levou um machado novo que Gwilin o trouxe de Ivarstead. Savos não precisava de armas, pois ele usava uma magia muito poderosa, mas amarrada ao longo de seu corpo estava sua espada, Beldastare. Arngeir forneceu a todos roupas grossas e pesadas, e eles levavam também casacos e mantos revestidos de pele. Roupas e mantimentos sobressalentes, juntamente com cobertores e outros artigos necessários, seriam carregados por um cavalo, exatamente o pobre animal que tinham trazido de Whiterun.

A estada em Ivarstead tinha operado uma mudança admirável nele: estava agora lustroso, e parecia ter recuperado o vigor da juventude. Foi Ralof quem insistiu que o animal fosse o escolhido, declarando que Nazeero (como o chamava) pereceria se fosse deixado para trás.

— Aquele animal quase consegue falar — disse ele —, e falaria, se permanecesse aqui por mais tempo. Lançou-me um olhar tão significativo quanto as palavras de Savos: se não me deixar ir com você, Ralof, vou segui-lo por minha própria conta.

Desse modo, Nazeero estava indo como animal de carga, e apesar disso era o único membro da Demanda que não demonstrava sinais de depressão. As despedidas foram feitas no grande salão perto da lareira, e agora eles estavam apenas esperando Savos, que ainda não tinha saído da casa.

O brilho do fogo das tochas vinha das portas abertas, e luzes suaves que brilhavam nas várias janelas. Gwilin, embrulhado numa capa, estava quieto na soleira da porta ao lado de Ralof. Vorstag estava sentado com a cabeça tombada sobre os joelhos; apenas Arngeir entendia completamente o que aquela hora significava para ele. Os outros podiam ser vistos como sombras cinzentas na escuridão.

Nesse momento, Arngeir saiu com Savos Aren, e chamou a Companhia até ele. — Esta é minha última palavra — disse ele em voz baixa. — Ralof está partindo na Demanda da Alta Hrothgar. Apenas sobre ele recaem exigências. Os outros partem com ele como companheiros livres, para ajudá-lo no caminho. A vocês é permitido permanecer em algum ponto, ou voltar, ou desviar por outros caminhos, como o destino permitir. Quanto mais avançarem, mais difícil será recuar; apesar disso não lhes e impingido qualquer juramento ou compromisso de continuar além do que estiverem dispostos. Pois vocês ainda não conhecem a força dos próprios corações, e não podem prever o que cada um vai encontrar na estrada.

— Desonesto é aquele que diz adeus quando a estrada escurece — disse Kharjo.

— Talvez — disse Arngeir —, mas não jure que caminhará no escuro aquele que não viu o cair da noite.

— Ainda assim, o juramento feito pode fortalecer o coração que treme — disse Kharjo.

— Ou destruí-lo — disse Arngeir. — Não olhem muito à frente! Mas partam agora com coragem nos corações! Adeus, e que a bênção dos barbacinzas e dos homens e de todos os Divinos os acompanhe. Que as estrelas brilhem em seus rostos!

— Boa... boa sorte! — gritou Gwilin, tiritando de frio. — Não suponho que você consiga escrever um diário, Ronaan, meu amigo, mas vou estar esperando um relatório completo quando você voltar. E não demore muito! Boa viagem!

Os outros quatro Barbacinzas estavam nas sombras, e assistiam à partida da Companhia, dando-lhes adeus em voz baixa. Não houve riso, nem canção ou musica. Foram seguindo, então, abaixo os Sete Mil Passos. Além das nuvens para baixo, Ivarstead estava iluminada com muitas velas e fogueiras. Então, com um derradeiro olhar em direção à Alta Hrothgar que piscava no escuro, caminharam para dentro da noite.

Savos ia na frente, acompanhado por Vorstag, que conhecia a região até mesmo no escuro. Os outros iam atrás em fila, e Faendal, que enxergava muito bem, ia na retaguarda. A primeira parte da viagem foi dura e melancólica, e Ralof se lembraria muito pouco dela, a não ser pelo vento. Por muitos dias sem sol, um vento gelado soprou das Montanhas no Leste, e nenhuma roupa parecia capaz de impedir a penetração de seus dedos ávidos. Embora a Companhia estivesse bem agasalhada, raramente se sentiam aquecidos, seja em movimento seja descansando. Dormiam mal acomodados no meio do dia, em alguma cavidade do terreno dos Sete Mil Passos, ou escondidos embaixo das montanhas, assustados com os gritos horríveis de trolls do gelo durante a noite. No fim da tarde, eram acordados pelo vigia, e faziam sua refeição principal: geralmente fria e triste, pois raramente arriscavam acender uma fogueira. De noite, prosseguiam novamente, escolhendo sempre o caminho que conduzisse a um ponto mais perto de Ivarstead. Num primeiro momento, os Ralof teve a impressão - de que, embora caminhassem e tropeçassem até se sentirem exaustos, estavam se arrastando como lesmas, sem chegar a lugar algum. A cada novo dia, a região parecia ser a mesma do dia anterior, com os mesmos degraus de pedra escura e neve.

Mesmo assim, o chão chegava cada vez mais perto. Ao Leste, as montanhas agora se erguiam cada vez mais altas, e estendiam-se para o Oeste; e perto do pé da cordilheira principal expandia-se uma região cada vez mais ampla de colinas desoladas, e de vales profundos cheios de águas turbulentas. As trilhas eram raras e tortuosas, freqüentemente conduzindo-os apenas até a beira de alguma cascata íngreme, ou a algum lugar com neve fofa. Chegaram a Ivarstead no final do segundo dia de caminhada, e de lá partiram logo.

Já estavam havia duas semanas na estrada, quando o tempo mudou. O vento de repente abrandou e tomou o rumo do Sul. As nuvens que passavam rápido subiram e se desmancharam; o sol apareceu, pálido e límpido. Alvoreceu um dia frio e claro, ao final de uma longa e difícil marcha noturna. Os viajantes atingiram uma cordilheira baixa, coroada por antigos azevinhos cujos troncos, de um verde acinzentado, pareciam ser feitos da mesma rocha das colinas. As folha s escuras brilhavam, e os frutos vermelhos resplandeciam à luz do sol nascente.

Mais adiante, ao Sul, Ralof podia ver as formas apagadas de montanhas imponentes, que pareciam agora obstruir o caminho que a Companhia estava tomando. À esquerda dessas montanhas altas assomavam três picos; o mais alto e mais próximo deles se erguia como um dente coberto de neve; a encosta Garganta do Mundo, grande e deserta, ainda estava em sua maior parte coberta pelas sombras, mas nos pontos em que o sol já podia atingi-la via-se um brilho vermelho.

Savos parou ao lado de Ralof e olhou em volta, com a mão na testa.

— Saímo-nos bem — disse ele. — Chegamos aos limites da região que os homens chamam de a Vergonha de Haemar; muitos nórdicos viveram aqui em dias mais felizes, quando Haemar viveu dentro dessas cavernas com seu povo, mas Haemar era ambicioso e tinha desejo de amizade com terríveis príncipes daédricos, e esta foi sua vergonha e sua perdição. Em linha reta, percorremos quarenta e cinco léguas, embora nossos pés tenham percorrido muitas milhas mais. A região e o clima ficarão agora mais amenos, mas talvez bem mais perigosos.

— Perigoso ou não, um nascer de sol de verdade é mais que bem-vindo — disse Ralof, jogando para trás o capuz e permitindo que a luz da manhã batesse em seu rosto. — Mas as montanhas estão na nossa frente. Devemos ter rumado para o Leste durante a noite.

— Não — disse Savos — Mas você enxerga mais longe na luz do dia. Depois desses picos, a cordilheira faz uma curva em direção ao Sudoeste. Há muitos mapas na casa de Arngeir, mas acho que você nunca se deu ao trabalho de dar uma olhada neles.

— Fiz isso algumas vezes — disse Ralof. — Mas não me lembro de quase nada.

— Não preciso de mapas — disse Kharjo, que tinha alcançado Faendal, e estava olhando ao redor com um brilho estranho nos olhos profundos e azuis. — Ali está ao sul a região pelas quais nossos pais passaram antigamente, e ali hoje nenhum homem ou khajiit vivo ousa estar. É um grande templo, embora muitos achem que seja um calabouço ou uma tumba nórdica. Seu nome é Arco do Vento. Vi-o apenas uma vez, de longe, quando estava acordado, mas conheço as montanhas e seus nomes, ali mais ao oeste estão, sob as próprias montanhas, as Cataratas Ermas, que agora são chamadas de Abismo Negro, Tenurr Avek na língua dos khajiits, vale lembrar. Ali, a algumas horas de caminhada, a triste e cinzenta Cidade Queimada, e além dela ficam as Pedras Guardiãs e Falkreath. Ali as Montanhas dividem, e entre seus braços fica um Lago, e ao norte do lago está Whiterun, a Cidade dos Cavalos, onde acharemos alguns amigos, provavelmente.

— É para Whiterun que estamos indo — disse Savos. — Se subirmos pela passagem que chamamos de Passo do Vento Gritante, sob a encosta mais distante do Lago, ali fica a passagem para Riverwood, onde subiremos direto para Whiterun.

— Escuras são as montanhas daquele lugar — disse Kharjo —, e frio é o sol que nasce e bate nelas. Meu coração estremece quando penso que posso vê-las em breve.

— Que você se alegre com a vista, meu bom khajiit! — disse Savos. — Mas não importa o que você faça, de modo algum podemos permanecer naquelas montanhas. Precisamos ir para Whiterun e saber mais sobre essa Pedra Dracônica da qual Farengar me falou. Depois...

Ele parou.

— Sim, e depois? — perguntou Ralof.

— Saberemos se nossos temores têm fundamento... finalmente — disse Savos Aren. — Não podemos contemplar um futuro muito distante. Vamos nos contentar em pensar que o primeiro estágio foi concluído com segurança. Acho que vamos descansar aqui, não só durante o dia, mas também de noite. Existe um ar terrível na Vergonha de Haemar, mas muita maldade precisa ocorrer numa região antes que ela se esqueça dos povos antigos e bons, se alguma vez foi habitada por eles. Muitos elfos procuraram abrigo no coração do Povo de Haemar, e viveram aqui nessas cavernas por muito tempo, para se proteger do terrível frio de Skyrim.

— Isso é verdade — disse Faendal, que conhecia muito da história de Tamriel, fosse de Skyrim ou Valenwood. — Mas os elfos dessa região eram de uma raça estranha a nós, o povo da floresta, e as árvores e o capim não se recordam deles agora. Só escuto as pedras lamentando por eles: escavaram-nos das profundezas, moldaram-nos em formas belas, construíram-nos em edifícios altos, mas se foram. Eles se foram. Partiram com medo de Clavicus Vile e suas maquinações vis dentro dessas cavernas há muito tempo.

Naquela manhã, acenderam uma fogueira dentro da Caverna de Haemar, onde haviam muitas construções de madeira, mas não ousaram passar dos grandes arcos inacabados, e a ceia matinal que fizeram foi mais animada do que qualquer refeição desde que tinham partido. E não tinham a intenção de continuar antes da noite do dia seguinte.

Apenas Vorstag estava inquieto e não dizia nada. Depois de uns momentos, abandonou a Companhia e caminhou até a crista, fora da caverna; ali parou, olhando para o Sul e para o Oeste, a cabeça numa postura de quem tentava escutar algo. Depois voltou até a Caverna, e olhou para cima em direção aos outros, que estavam rindo e conversando.

— Qual é o problema, Vorstag? — perguntou Ralof. — O que está procurando? Está sentindo falta do Vento Leste?

— Na verdade não — respondeu ele. — Mas sinto falta de alguma coisa. Já estive na Vergonha de Haemar muitas vezes, pois aqui vivia, antes de ser subjugado pela Guarda da Alvorada, um clã de vampiros que não mencionarei o nome. Nenhum povo habita esta região atualmente, mas sempre houve muitas outras criaturas, especialmente pássaros e até trolls do gelo. No entanto, tudo está em silêncio agora, com a exceção de vocês. Posso sentir. Não se escuta nenhum som por milhas à nossa volta, e as suas vozes parecem fazer o chão ecoar. Não entendo.

Savos Aren olhou para baixo, num súbito interesse. — Mas qual você acha que é o motivo? — perguntou ele. — Existe alguma coisa além da surpresa de ver uma companhia de sete, onde pessoas são tão raramente vistas ou ouvidas?

— Espero que seja só isso — respondeu Vorstag. — Mas sinto como se estivéssemos sendo vigiados, e tenho uma sensação de medo que nunca senti aqui antes.

— Então devemos ter cuidado — disse Savos Aren. — Se você traz um guardião da Guarda da Alvorada numa viagem, é melhor prestar atenção ao que ele diz, especialmente se esse guardião é Vorstag. Devemos parar de conversar em voz alta, descansar em silêncio e montar guarda.

Naquele dia, Ralof foi o encarregado do primeiro turno da guarda, mas Vorstag o acompanhou. Os outros adormeceram. Então o silêncio aumentou, a ponto de o próprio Ralof senti-lo. A respiração dos que dormiam podia ser claramente ouvida. A cauda de Nazeero se agitando, e seus pés se movimentando ocasionalmente, produziam altos ruídos. Ralof podia escutar as próprias juntas rangendo quando se mexia. Um silêncio mortal o envolvia, e sobre tudo estava um céu limpo e azul, à medida que o sol subia do Leste. Ao Leste, na distância, uma mancha escura apareceu, e cresceu, dirigindo-se para o Oeste como fumaça levada pelo vento.

— O que é aquilo, Vorstag? Não parece uma nuvem — disse Ralof ao Guardião da Alvorada num sussurro. Este não respondeu; estava olhando para o céu com grande atenção. Mas logo Ralof pôde perceber por si mesmo o que se aproximava.

Bandos de pássaros, voando em grande velocidade, davam reviravoltas e descreviam círculos, atravessando toda a região como se procurassem alguma coisa; chegavam cada vez mais perto.

— Fique deitado e quieto! — sussurrou Vorstag, puxando Ralof para o abrigo da sombra de uma carroça em ruínas, um regimento inteiro de pássaros tinha de repente se separado do resto do batalhão e vinha, voando baixo, direto para a crista. Ralof pensou que era uma espécie de corvo de tamanho grande. Quando passaram por cima deles, numa multidão tão densa que sua sombra os seguia escura sobre o chão, ouviu-se um grasnado estridente.

Vorstag não se levantou antes que os pássaros tivessem desaparecido na distância, ao Norte e ao Oeste, e o céu estivesse limpo outra vez. Então pulou de pé e foi acordar Savos Aren.

— Regimentos de águias negras estão sobrevoando toda a região entre o Lago Geir e o Estado de Whiterun, no qual acabamos de entrar — disse ele. — Passaram sobre a Vergonha de Haemar. Não são nativos desta região, são águias de osso originárias do norte de Solitude. Só vi águias assim há muito tempo, sobrevoando o Castelo Volkihar. Não sei o que fazem aqui: talvez haja algum problema no Norte do qual estão fugindo, mas acho que estão espionando a região. Acho que devemos partir outra vez esta noite. A Vergonha de Haemar não é mais um lugar seguro para nós: está sendo vigiado.

— E nesse caso, o Passo do Vento Gritante também estará sendo observado — disse Savos Aren. — E não imagino como poderemos atravessá-lo sem sermos vistos. Mas vamos pensar nisso quando chegar a hora. Quanto a partirmos ao escurecer, receio que esteja certo.

— Ainda bem que nossa fogueira fez pouca fumaça, e o fogo ficou fraco antes que as águias de osso viessem — disse Vorstag. — Devemos apagá-la. Não podemos acender mais fogo algum.

— Ora, ora, tinha que aparecer essa praga! — disse Ralof, que recebeu a notícia: nada de fogo, e a partida ao cair da noite, assim que acordou no final da tarde. — Tudo por causa de um bando de águias! Eu estava ansioso por uma refeição noturna de verdade: algo quente.

— Bem, pode continuar ansioso — disse Savos Aren. — Pode haver muitos banquetes inesperados à sua frente. Quanto a mim, queria um pouco de skooma para beber tranqüilo, e aquecer os pés. Mas, de qualquer forma, podemos ter certeza de uma coisa: o clima vai ficar mais quente conforme nos aproximarmos do Sul.

— Quente demais, imagino — murmurou Ralof. — Mas estou começando a achar que já era hora de vermos Whiterun, e o fim da Estrada, por assim dizer. Primeiro pensei que essa Vergonha de Haemar aqui poderia ser um atalho para Skuldafn, até que você e Kharjo fizeram aquele discurso. Essas montanhas devem ser estranhamente longas!

Durante todo o dia, a Companhia permaneceu escondida. Os pássaros negros sobrevoaram o lugar onde estavam várias e várias vezes, mas, à medida que o sol descia no Oeste e se avermelhava, desapareceram em direção ao Sul. Uma a uma, estrelas brancas irrompiam no céu que se apagava.

Guiados por Vorstag, descobriram uma boa trilha. Ralof teve a impressão de que era o que restava de uma estrada antiga, que havia sido larga e bem planejada, conduzindo da Vergonha de Haemar até os portões de Helgen. A lua, agora cheia, subiu sobre as montanhas, lançando uma luz pálida, sob a qual as sombras das rochas ficaram negras. Muitas delas pareciam ter sido construídas a mão, embora agora estivessem decadentes e arruinadas, numa região desolada.

Era aquela hora fria que antecede os primeiros sinais da aurora e a lua estava baixa. Ralof olhou para o céu. De repente, viu ou sentiu uma sombra passando sobre as estrelas altas, como se por um instante elas se apagassem e depois brilhassem de novo. Um tremor percorreu-lhe o corpo.

— Você viu alguma coisa passando? — sussurrou ele para Savos, que ia logo à frente.

— Não, mas senti algo, seja lá o que for — respondeu ele. — Pode ser apenas uma nuvenzinha fina.

— Então essa nuvem passou bem rápido — murmurou Vorstag. — E não foi o vento que a carregou.

Nada mais aconteceu naquela noite. A manhã seguinte surgiu ainda mais clara que a anterior. Mas o ar estava frio de novo; o vento já estava voltando em direção ao leste. Por mais duas noites, continuaram a marcha, subindo sem parar, mas cada vez mais lentamente. Conforme a estrada galgava a montanha descrevendo curvas, e as montanhas assomavam, cada vez mais próximas. Na terceira manhã, as montanhas do Passo do Vento Gritante se erguiam diante deles: tanto tempo havia se passado e um cheiro fétido ainda exalava de Helgen, que ficava logo atrás, coberta de cinzas e brasa. O vento tinha mudado de rumo, soprando agora do Nordeste. Savos sentiu o ar e olhou para trás.

— O inverno avança às nossas costas — disse ele em voz baixa para Vorstag. — As Montanhas no Norte estão mais brancas que antes; a neve já desce pelas suas encostas. Esta noite devemos nos dirigir para Oeste, para o passo do Vento Gritante. É possível que sejamos vistos por vigias naquela passagem estreita, e algum perigo pode estar nos esperando; mas o clima pode acabar sendo um inimigo mais fatal que qualquer outro. Que caminho acha que devemos tomar agora, Vorstag?

Ralof ouviu essas palavras, e percebeu que Savos e Vorstag estavam continuando alguma discussão que havia começado muito antes. Continuou escutando, ansiosamente.

— Não posso ver nada de bom em nosso caminho, Savos, do início ao fim, como você bem sabe — respondeu Vorstag. — E os perigos, conhecidos e desconhecidos, vão aumentar conforme prosseguirmos. Mas precisamos continuar, e não será bom adiar a passagem pelas montanhas. Mais para o Sul, não há passagens, até se chegar ao Forte Neugrad. Não confio naquele caminho, desde que você trouxe a notícia sobre Ancano, pois há muitos magos estranhos vivendo lá. Quem pode dizer com que armadilhas nos depararemos? Quem pode dizer agora, na verdade, até mesmo a que lado os oficiais da própria Whiterun estão servindo, se eles pagam tributos a Skuldafn, como o Mestre Mago do Colégio sugeriu?

— É verdade, ninguém pode saber! — disse Savos. — Mas há outro caminho, que não é pela passagem das montanhas: o caminho escuro e secreto, do qual já falamos. Mas não vamos falar nele outra vez! Não por enquanto. Não diga nada aos outros, eu lhe peço, não até que fique claro que não há outra saída. Precisamos decidir antes de continuar — respondeu Savos.

— Então vamos ponderar o assunto em nossas mentes, enquanto os outros descansam e dormem — disse Vorstag.

No fim da tarde, enquanto os outros terminavam seu desjejum, Savos Aren e Vorstag foram juntos para um lado, e ficaram olhando para as montanhas. As encostas estavam escuras e sombrias, e o pico se escondia em meio a nuvens cinzentas.

Ralof os observava, tentando adivinhar para qual lado a discussão penderia. Quando voltaram, Savos falou, e assim Ralof soube que a decisão fora enfrentar o clima e a passagem alta. Ficou aliviado. Não podia adivinhar qual era o outro caminho secreto e escuro, mas a simples menção dele parecera causar grande consternação a Vorstag, e Ralof ficou feliz que tal caminho tivesse sido abandonado.

— Pelos sinais que temos visto ultimamente — disse Savos —, receio que o Passo do Vento Gritante possa estar sendo vigiado, também tenho dúvidas sobre o clima que está vindo atrás de nós. Pode nevar. Devemos ir a toda velocidade possível. Mesmo assim, serão duas marchas até podermos atingir o topo da passagem. Vai escurecer cedo esta noite. Devemos partir assim que se aprontarem.

— Vou acrescentar um conselho, se me for permitido — disse Erik. — Eu já lutei sob as encostas das Montanhas de Winterhold, e sei alguma coisa sobre viagens em lugares altos. Vamos deparar com um frio rigoroso, se não com coisas piores, antes de descermos do outro lado. De nada vai adiantar viajarmos tão secretamente e morrermos congelados. Quando deixarmos este lugar, onde ainda existem algumas árvores e arbustos, cada um de nós deve levar um feixe de lenha, o maior que puder carregar.

— E Nazeero poderia levar mais um pouco, não poderia, rapaz? — disse Ralof.

O cavalo lançou-lhe um olhar pesaroso.

— Muito bem — disse Savos Aren. — Mas não devemos usar a lenha - a não ser que tenhamos de escolher entre o fogo e a morte.

A Companhia partiu de novo, em boa velocidade no início, mas logo o caminho ficou íngreme e difícil. Em alguns pontos, a estrada tortuosa e inclinada tinha quase desaparecido, e estava bloqueada por muitas pedras caídas. A noite ficou totalmente escura sob grandes nuvens. Um vento forte fazia rodamoinhos por entre as rochas. Passaram por Helgen tortuosamente, e o cheiro fétido de cadáveres queimados parecia ter se transformado em cheiro de decomposição.

Por volta de meia-noite, eles tinham alcançado a parte mais baixa das grandes montanhas. A trilha estreita agora se torcia sob uma parede inclinada de encostas à esquerda, sobre as quais os flancos austeros das montanhas se erguiam, invisíveis na escuridão; à direita ficava um abismo de escuridão, no qual a própria terra caia para dentro de um precipício fundo.

Com muito esforço, subiram a encosta angulosa, e pararam por uns minutos no topo. Ralof sentiu um toque suave em seu rosto. Estendeu a mão e viu os flocos de neve, de um branco apagado, caindo-lhe sobre a manga da roupa. Continuaram. Mas logo a neve começou a cair mais densa, enchendo todo o ar, rodando perante os olhos de Ralof. As figuras escuras e curvadas de Savos e Vorstag, apenas um ou dois passos à frente, mal podiam ser vistas.

Savos Aren parou. A neve se espessava sobre seu capuz e ombros; as botas afundavam nela até a altura dos tornozelos.

— Era isto que eu temia — disse ele. — Que me diz agora, Vorstag?

— Que também temia isto — respondeu ele —, mas temia menos que outras coisas. Eu sabia do risco da neve, embora ela raramente caia assim tão pesada aqui no Sul, a não ser nas montanhas altas. Mas ainda não subimos muito, ainda estamos bem embaixo, onde as trilhas geralmente ficam abertas durante todo o inverno.

— Pergunto se isso não é um artifício do Devorador de Mundos — disse Erik. — Dizem na minha terra que os dragões governar tempestades somente com sua Voz, pois os dragões tem uma Voz mais poderosa do que qualquer homem. Tem poderes estranhos e muitos aliados.

— O braço dele realmente cresceu — disse Kharjo —, se ele pode usar a Voz tão no Leste para nos atrapalhar aqui, a trezentas léguas de distância.

— O braço dele cresceu — disse Savos.

Enquanto estavam ali parados, o vento cessou, e a neve foi diminuindo, até quase parar. Continuaram aos tropeços. Mas não tinham avançado mais que duzentos metros quando a tempestade retornou, com fúria renovada. O vento assobiava, e a tempestade se transformou numa nevasca que não permitia ver nada. Logo, até mesmo Erik começou a encontrar dificuldades para prosseguir. Ralof, curvado quase até o chão, avançava a duras penas atrás dos outros, mas ficava cada vez mais claro que não poderiam ir muito mais além se a neve continuasse. Os pés de Ralof pesavam como chumbo. Até mesmo Kharjo, que tinha uma pelagem resistente no corpo animalesco resmungava ao caminhar penosamente no frio.

A Companhia parou de repente, como se tivesse chegado a um acordo sem dizer qualquer palavra. Ouviram ruídos sinistros na escuridão que os envolvia. Podia ter sido apenas um truque do vento nas rachaduras e fendas da parede rochosa, mas o som era semelhante ao de gritos agudos e gargalhadas alucinadas. Pedras começaram a cair da encosta da montanha, zunindo sobre suas cabeças, ou batendo contra a trilha ao lado deles. De tempo em tempo, ouviam um rumor abafado, e uma enorme pedra descia rolando das alturas ocultas acima deles.

— Não podemos continuar esta noite — disse Erik. — Quem quiser chamar isto de vento que chame, mas há vozes fatais no ar, e essas pedras estão sendo arremessadas em nossa direção.

— Eu chamo de vento — disse Vorstag. — Mas isso não invalida o que você disse. Há muitos seres malignos e hostis no mundo, que têm pouco amor por aqueles que andam sobre duas pernas, e mesmo assim não são aliados de Alduin, mas têm os próprios propósitos. Alguns estão no mundo há mais tempo que ele.

— Os elfos que moravam nessa terra antes dos dragões chegarem aqui eram terríveis, e tinham nomes cruéis para as coisas, e jeitos cruéis de fazê-las — disse Kharjo —, há muitos anos, quando rumores sobre Alduin ainda não tinham sido ouvidos por estas terras.

— Pouco importa quem seja o inimigo, se não pudermos vencer seu ataque — disse Savos Aren solenemente.

— Mas que podemos fazer? — gritou Ralof.

— Ou parar onde estamos, ou voltar — disse Savos. — Não adianta continuar. Um pouco mais acima, se me recordo direito, esta trilha abandona a encosta e penetra num valo raso e largo, ao pé de uma ladeira longa e difícil. Ali não teremos abrigo da neve, ou das pedras - ou de qualquer outra coisa.

— E não adianta irmos em frente enquanto a tempestade persistir disse Vorstag. — Não passamos por lugar algum nesta subida que oferecesse mais abrigo que a parede deste penhasco, sob o qual estamos.

— Abrigo! — murmurou Ralof. — Se isto for abrigo, então uma parede e nenhum telhado fazem uma casa.

A Companhia agora se mantinha o mais perto possível do penhasco. O penhasco dava para o Sul, e perto da base se inclinava um pouco para fora, de modo que assim esperavam ter alguma proteção do vento Norte e das pedras que caíam. Mas rajadas formavam rodamoinhos por toda a volta, e a neve caía em nuvens ainda mais densas.

Aconchegaram-se uns aos outros, com as costas contra a parede. Nazeero, o cavalo, ficou parado na frente de Ralof, paciente, mas desanimado, protegendo-o um pouco. Mas logo a neve já lhe cobria os jarretes, e subia cada vez mais. Se não tivesse companheiro, Ralof seriam logo inteiramente enterrado. Uma grande sonolência tomou conta de Ralof, que se sentia afundar rapidamente num sonho quente e nebuloso. Imaginava que um fogo lhe aquecia os pés, e das sombras do outro lado da lareira vinha a voz de Gwilin falando. Esperava coisa melhor de seu diário, dizia ele. Nevasca no dia 12 de Estrela-da-Manhã: não precisava voltar para contar isso! Mas eu precisava descansar e dormir, Gwilin, respondeu Ralof com esforço, quando sentiu que alguém o sacudia, e acordando a contragosto. Erik o havia desenterrado de um monte de neve.

— Isto será a morte de todos nós, Savos — disse Erik. — É inútil permanecermos aqui até que a neve cubra nossas cabeças. Precisamos fazer alguma coisa que nos salve!

— Dê-lhes isto — disse Savos, remexendo em sua mochila e retirando um odre de couro. — Apenas um gole para cada um - cada um de nós. É muito precioso. É uma poção de resistência ao frio. Recebi de Arngeir quando nos despedimos. Passe uma rodada.

Logo que Ralof engoliu um pouco da bebida quente e aromática sentiu nova coragem, e a sonolência pesada abandonou seus braços e pernas. Os outros também se reanimaram e sentiram renovada esperança e vigor. Mas a neve não abrandou. Caía ao redor, mais espessa que nunca, e o vento soprava mais forte.

— Que me diz de fogo? — perguntou Erik de súbito. — A escolha agora parece ser entre o fogo e a morte, Savos. Sem dúvida estaremos escondidos de todos os olhos hostis quando a neve nos cobrir, mas isso não nos ajudará em nada.

— Você pode fazer uma fogueira, se conseguir — respondeu Savos Aren. — Se houver espiões que agüentem esta tempestade, então eles poderão nos ver, com ou sem fogo.

Mas embora tivessem trazido lenha e gravetos a conselho de Erik, estava além das habilidades dos elfos, e até mesmo dos khajiits, acender uma chama que pudesse vingar em meio àquele turbilhão de vento, e que pudesse acender o combustível molhado.

Finalmente, com relutância, o próprio Savos Aren deu uma ajuda.

Pegando um feixe de lenha, segurou-o no alto por um momento, e então abriu as mãos e uma labareda se formou nelas. Como ele não se queimava, Ralof não sabia, mas o fogo irradiava de suas palmas. Impulsionou a mão direita na lenha. Imediatamente, grandes chamas verdes e azuis se precipitaram numa fogueira, e a lenha flamejou e estalou.

— Se houver alguém para ver, então pelo menos eu me revelei a eles — disse ele. — Escrevi “Savos Aren está aqui” em sinais que podem ser lidos desde a Alta Hrothgar até Windhelm.

Mas a Companhia não se preocupava mais com espiões ou olhos hostis. Seus corações estavam deliciados em ver a luz do fogo. A lenha queimava alegremente, e embora por toda a volta a neve chiasse, e poças de gelo derretido se formassem sob seus pés, eles conseguiam aquecer as mãos na chama com prazer. Ali ficaram, agachados num círculo em volta das pequenas labaredas dançantes e reluzentes. Uma luz brilhava nos rostos cansados e ansiosos; atrás deles, a noite era como uma parede negra. Mas a lenha queimava rápido, e a neve ainda caía.

A fogueira foi diminuindo, e o último feixe foi jogado nela.

— A noite está acabando — disse Vorstag. — A aurora não tarda a chegar, pelo que eu consigo ver observando os céus.

— Isso se alguma aurora existente nesse nosso mundo conseguir romper essas nuvens — disse Kharjo.

Erik afastou-se do círculo e olhou para a escuridão. — A neve está enfraquecendo — disse ele — e o vento está abrandando.

Ralof olhou com cansaço para os flocos que ainda caíam da escuridão, para se revelarem brancos por um momento à luz do fogo que se extinguia, mas por um bom tempo não pôde ver qualquer sinal de que diminuíam. Então, de repente, ao sentir o sono começar a dominá-lo outra vez, teve consciência de que o vento estava realmente abrandando, e de que os flocos estavam maiores e mais raros. Muito devagar, uma luz fraca começou a crescer. Finalmente, a neve parou de cair completamente.

A medida que ficava mais forte, a luz revelava um mundo silencioso e encoberto. Abaixo do refúgio onde estavam, havia cúpulas e montes brancos e profundezas informes abaixo dos quais a trilha que tinham pisado estava totalmente perdida; mas os picos acima deles estavam ocultos em grandes nuvens, ainda pesadas com a ameaça de neve.

Kharjo olhou para cima e balançou a cabeça. — Khenarthi não nos perdoou — disse ele. — Ela ainda tem mais neve para lançar sobre nós, se prosseguirmos. Quanto mais rápido descermos e voltarmos, melhor.

Com isso todos concordaram, mas a retirada agora era difícil. Podia muito bem ser impossível. A apenas alguns passos das cinzas da fogueira, a neve subia a uma altura significativa, além das cabeças de Ralof; em alguns pontos, tinha sido carregada e empilhada pelo vento em montes contra o penhasco.

— Se Savos se dispusesse a ir à frente com uma chama forte, poderia derreter a neve e fazer uma trilha para vocês — disse Faendal. — A tempestade quase não o incomodara, e só ele de toda a Companhia ainda permanecia tranqüilo.

— Se os elfos pudessem voar sobre montanhas, poderiam trazer o sol para nos salvar — respondeu Savos. — Mas preciso de algum material para trabalhar. Não posso queimar a neve.

— Bem — disse Erik —, quando cabeças estão perdidas, corpos devem servir, como dizemos em minha terra. O mais forte de nós deve procurar um caminho. Vejam! Apesar de tudo agora estar coberto de neve, nossa trilha, quando subimos, fez uma curva naquela saliência rochosa lá embaixo . Foi ali que a neve começou a pesar demais. Se pudéssemos chegar àquele ponto, talvez ficasse mais fácil prosseguir. Não fica a mais de duzentos metros de distância, eu acho.

— Então vamos forçar uma trilha até ali, você e eu — disse Vorstag.

Vorstag era o mais alto da Companhia, mas Erik, pouco mais baixo, era mais atarracado e tinha uma constituição mais forte. Ele foi à frente, seguido por Vorstag. Lentamente foram indo, e logo estavam andando com bastante dificuldade. Em alguns lugares, a neve subia à altura dos ombros, e freqüentemente Erik parecia estar nadando ou cavando com os braços, em vez de andar.

Faendal os observou por uns momentos com um sorriso nos lábios, e então voltou-se para os outros. — Os mais fortes devem procurar um caminho, vocês dizem? Mas eu digo: deixe um lavrador arar, mas escolha uma lontra para nadar, e para correr leve sobre capim e folha ou sobre a neve - um elfo.

Com isso, pulou para frente com agilidade, e então Ralof notou pela primeira vez,embora soubesse disso há muito tempo, que o elfo não estava usando botas, mas apenas sapatos leves, como sempre fazia, e que seus pés quase não deixavam marcas na neve.

— Até a volta! — disse ele a Savos — Vou encontrar o sol! — Então, rápido como um corredor sobre terra firme, ele disparou, e logo alcançando os homens que se arrastavam, com um aceno de mão os ultrapassou, e correu na distância, desaparecendo atrás da curva rochosa.

Os outros esperaram aconchegados uns aos outros, observando até que Erik e Vorstag foram se transformando em manchas negras naquela brancura. Finalmente, eles também desapareceram de vista. O tempo passava lentamente. As nuvens desceram e agora alguns flocos de neve começaram a cair rodopiando novamente.

Uma hora, talvez, tenha se passado, embora parecesse muito mais, e então finalmente viram Faendal voltando. Ao mesmo tempo, Erik e Vorstag reapareceram na curva muito atrás dele, e subiram a ladeira com esforço.

— Bem — disse Faendal, enquanto subia correndo —, eu não trouxe o sol. Ele está andando nos campos azuis do Sul, e uma pequena coroa de neve nesse montinho do Vento Gritante não o preocupa nem um pouco. Mas eu trouxe de volta uma chama de esperança para aqueles que se destinam a andar a pé. Logo após a curva, há o maior monte de neve que o vento pôde acumular. Ali nossos Homens Fortes quase foram soterrados. Ficaram desesperados, até que voltei e lhes disse que o monte era pouco mais espesso que uma parede. E do outro lado a neve diminui de repente, e mais abaixo não passa de uma coberta branca para refrescar os pés de Ralof.

— É como eu falei — disse Kharjo. — Não foi uma tempestade comum, é a má vontade de Khenarthi. Ela não gosta de alguma coisa em nós, e aquela neve foi acumulada para impedir que escapássemos.

— Mas, felizmente, sua Khenarthi esqueceu que você tem homens por companhia — disse Erik, que chegava naquele instante. — E homens fortes, se me permite dizer; embora homens mais fracos com pás talvez fossem mais úteis. Mesmo assim, cavamos um caminho por entre o monte de neve, e por isso podem ficar agradecidos todos aqui que não podem correr com a leveza dos elfos. Kynareth teria sido mais atenciosa.

— Mas como desceremos até lá, mesmo que vocês tenham feito um caminho no meio da neve? — disse Ralof.

— Tenham esperança! — disse Erik. — Estou cansado, mas ainda me resta alguma força, e a Vorstag também. Vocês podem, sem dúvida, podem se arranjar pisando na trilha atrás de nós. Vamos!

Vorstag e Faendal foram atrás. Ralof ficou maravilhado com a força de Erik, vendo a passagem que tinha aberto apenas com seus braços e pernas. Mesmo agora, carregado como estava, ia alargando a trilha para os que vinham atrás, jogando para os lados a neve enquanto prosseguia.

Finalmente chegaram ao grande monte de neve. Fora arremessado sobre a trilha da montanha como uma parede abrupta e íngreme, e seu topo, agudo como se apontado por facas, tinha duas vezes a altura de Erik; mas no meio uma passagem tinha sido aberta, subindo e descendo como uma ponte. Ali esperaram com Faendal que o resto da Companhia chegasse.

Atrás, na trilha estreita, mas agora bem marcada, veio Savos, conduzindo Nazeero com Kharjo empoleirado na bagagem. Por último veio Vorstag com Ralof. Atravessaram a passagem, mas Ralof mal tinha colocado os pés no chão quando, com um rumor profundo, desabou um monte de pedras e uma porção de neve, que subiu pulverizada e cegou parcialmente a Companhia por uns momentos. Eles se agacharam contra o penhasco, e, quando o ar ficou limpo novamente, viram que a passagem atrás deles estava bloqueada.

— Basta! Basta! — gritou Kharjo. — Estamos indo embora o mais rápido possível! — E de fato, com aquele último golpe, a malícia da montanha pareceu se esgotar, como se Kynareth estivesse satisfeita com a derrota dos invasores e em saber que não iriam retornar. A ameaça da neve sumiu no céu; as nuvens começaram a se abrir e a luz ficou mais intensa.

Como Faendal tinha dito, eles viram que a neve ficava cada vez mais baixa conforme desciam, de modo que até Ralof podia caminhar novamente. Logo todos eles pisavam mais uma vez na saliência rochosa plana que ficava no alto da ladeira íngreme, onde tinham sentido os primeiros flocos de neve na noite anterior. A manhã agora já avançava. Daquele lugar alto, olharam para trás em direção ao Oeste, por sobre as regiões mais baixas. Na distância, no trecho de terra que ficava no pé da montanha, estava o valezinho do qual tinham saído para subir pela trilha.

As pernas de Ralof doíam. Estava congelado até os ossos e faminto; sua cabeça rodava ao pensar na marcha longa e dolorosa colina abaixo. Manchas negras flutuavam diante de seus olhos. Esfregou-os, mas as manchas negras persistiam. Na distância abaixo dele, mas ainda bem acima das bases das colinas mais baixas, pontos pretos faziam círculos no ar.

— Os pássaros outra vez — disse Vorstag, apontando para baixo.

— Não podemos evitar agora — disse Savos — Quer sejam bons ou maus, ou quer não tenham nada a ver conosco, devemos descer imediatamente. Nem mesmo nas partes mais baixas dessas montanhas devemos esperar outra noite cair!

Um vento frio soprava atrás deles, enquanto davam as costas para o Passo do Vento Gritante, e iam aos tropeços ladeira abaixo.

Kynareth os derrotara.