A tarde já terminava, e a luz cinza outra vez se apagava rápido, quando pararam para descansar. Sentiam-se muito cansados. As montanhas estavam veladas pelo crepúsculo cada vez mais escuro. Savos Aren permitiu que tomassem um pouco de poção de estamina. Depois de comerem alguma coisa, ele convocou uma reunião.

— É claro que não podemos continuar esta noite — disse ele. — O ataque no Passo do Vento Gritante nos deixou exaustos, e precisamos descansar um pouco aqui.

— Então, que devemos fazer?

— Ainda temos a viagem e nossa missão pela frente — respondeu Savos Aren. — Não temos outra escolha a não ser prosseguir, ou voltar para a Alta Hrothgar.

O rosto de Ralof se iluminou visivelmente à simples menção do retorno. Mas Vorstag e Erik não fizeram nenhum sinal. Ralof parecia confuso.

— Gostaria de voltar para lá — disse ele. — Mas como podemos voltar sem que eu me sinta envergonhado - a não ser que realmente não haja outra saída, e já estejamos derrotados?

— Você está certo, Ralof — disse Savos. — Voltar seria admitir a derrota, e enfrentar uma derrota ainda maior. Se voltarmos agora, nós deveríamos permanecer lá: não poderemos partir outra vez. Então, mais cedo ou mais tarde, Ivarstead seria cercada, e depois de um tempo curto e amargo, destruída, assim como a Alta Hrothgar, pois lá haveria de haver uma batalha, com certeza. Os Sacerdotes Dracônicos são inimigos mortais, mas são ainda apenas sombras em comparação ao poder e terror que possuiriam se Alduin não fosse destruído.

— Então devemos prosseguir — disse Ralof com um suspiro.

— Existe um caminho que podemos tentar — disse Savos. — Desde o inicio. Quando comecei a considerar esta viagem, pensei que deveríamos tentá-lo. Mas não é um caminho agradável, e não o mencionei à Companhia antes. Vorstag era contra, até que a passagem através das montanhas fosse pelo menos tentada.

— Se é uma estrada ainda pior que o Passo do Vento Gritante, então é realmente maligna — disse Ralof. — Mas é melhor que você fale dela, e nos permita conhecer o pior imediatamente.

— A estrada de que falo conduz ao Monte das Cataratas Ermas — disse Savos Aren. Apenas Kharjo levantou a cabeça, com fogo nos olhos. Um terror tomou conta dos outros, à menção daquele nome. Para Ralof, que sempre viveu na sombra daquelas construções, o Monte das Cataratas Ermas era uma lenda que trazia um vago medo.

— A estrada pode conduzir ao Monte, mas como podemos saber se nos conduzirá através dele? — disse Vorstag com uma expressão sombria.

— Este não é um nome de bom agouro — disse Erik. — Nem vejo a necessidade de irmos para lá. Se não podemos atravessar as montanhas, vamos viajar e dar a volta no Passo do Vento Gritante, pois chegaremos à Passagem da Canela de qualquer jeito, e por lá chegaremos a Riverwood, onde os homens são fieis ao Jarl de Whiterun, que é amigo do meu povo. Ou podemos continuar, até chegar às Fortalezas de Ilinalta, seguindo a estrada Oeste para Whiterun, de qualquer modo sucederemos.

— As coisas mudaram desde que você veio do Oeste, Erik — respondeu Savos. — Não ouviu o que eu contei sobre Ancano? Com ele, tenho coisas a resolver antes que tudo esteja acabado. Mas não devemos chegar perto de qualquer lugar com tantos magos como as Fortalezas de Ilinalta, pois é certo que ele vê a magia como o único poder verdadeiro, e está criando um exército. Se de alguma forma isso puder ser evitado, não passaremos por lá. As estradas estão fechadas para nós por aquele lado, enquanto Alduin e Ancano viverem. Os olhos atentos de Ancano e do Devorador de Mundos estarão espreitando. Quando você veio para o Sul, Erik, aos olhos do Devorador de Mundos pareceu apenas um viajante perdido vindo do Oeste, e um assunto de pouca importância para ele: sua mente estava ocupada em se fortalecer. Mas agora você retorna como um membro da Demanda da Alta Hrothgar, e correrá perigo enquanto permanecer conosco. O perigo crescerá a cada légua que nos aproximarmos do Sul sob o céu aberto. Desde nossa tentativa declarada na passagem da montanha, nossa situação ficou mais desesperadora, eu receio. Agora vejo poucas esperanças, se logo não desaparecermos de vista por um período, ou cobrirmos nossa trilha. Portanto, aconselho que não sigamos nem através das montanhas, e que nem as contornemos. Sem contar que nosso destino para Whiterun limita-se à consultar Farengar Fogo-Secreto sobre a Pedra Dracônica, que segundo ele me disse, está escondida nas profundezas das Cataratas Ermas. Aquele destino acabaria sendo o nosso de qualquer modo. Essa estrada de que falo é, pelo menos, a que o Devorador de Mundos menos espera que tomemos.

— Não sabemos o que ele espera — disse Erik. — Pode estar vigiando todas as estradas, as prováveis e as improváveis. De qualquer forma, entrar nas Cataratas Ermas seria andar para dentro de uma armadilha, pouco melhor que bater nos portões das Torres de Skuldafn. O nome das Cataratas Ermas é no mínimo um nome negro de se falar.

— Você está falando do que não sabe, quando compara as Cataratas Ermas à fortaleza de Alduin — respondeu Savos Aren. — Só eu aqui já estive nas masmorras do Devorador de Mundos, e mesmo assim, apenas na moradia de seu servo no Labyrinthian. Aqueles que atravessam os portões de Skuldafn não retornam. Mas eu não os conduziria às Cataratas Ermas a não ser que houvesse esperança de sairmos de lá. Se houverem inimigos lá, é claro que podemos nos dar mal. Mas nenhum bandido faz refúgio naquelas ruínas atualmente. Os orcs agora se reúnem somente em suas fortalezas, longe de todos os assuntos, se preocupando somente em caçar e comer e proteger. É até possível que outros defensores de Tamriel estejam lá, movidos pelo mesmo motivo que nós, e que em algum salão profundo possamos encontrar aliados, é preciso trilhar o caminho escolhido pela necessidade!

— Vou trilhar o caminho ao seu lado, Savos. — disse Kharjo. — Vou procurar nos salões dos nórdicos, não importa o que esteja esperando lá - se você conseguir encontrar as portas que estão fechadas.

— Muito bom, Kharjo — disse Savos. — Você me encoraja. Vamos encontrar juntos as portas trancadas. E vamos atravessá-las. Em ruínas e caminhos que podem parecer difíceis, a cabeça de um khajiit tem menos chance de se confundir do que as dos elfos ou homens. Não será a minha primeira visita às Cataratas Ermas. Por um longo tempo, estive lá procurando Malyn Varen, um mago de minha Ordem, depois que ele desapareceu. Atravessei as Minas, e saí outra vez, vivo.

— Eu também explorei as partes menos profundas daquelas ruínas uma vez — disse Vorstag em voz baixa. — Mas, embora também tenha saído vivo, as lembranças são muito maléficas. Não gostaria de entrar nas Cataratas Ermas uma segunda vez.

— E eu não gostaria de entrar lá nem uma vez — disse Ralof.

— É claro que não — disse Savos Aren. — E quem gostaria? Mas a pergunta é a seguinte: quem vai me seguir, se eu for para lá?

— Eu vou — disse Kharjo cheio de vontade.

— Eu vou — disse Vorstag numa voz pesada. — Você seguiu minha liderança na neve, que quase acabou em desastre, e não teve uma palavra para me reprovar. Seguirei agora a sua liderança - se este último aviso não o demover. Não é no dragão, nem em nós aqui que estou pensando agora, mas em você, Savos. E digo a você: se passar pelas portas das Cataratas Ermas, peço e imploro, tome cuidado!

— Eu não vou — disse Erik. — A não ser que o voto de toda a Companhia esteja contra mim. Que dizem Faendal e o soldado? É evidente que a voz de todos os membros deve ser ouvida.

— Não quero ir para as Cataratas Ermas — disse Faendal.

Finalmente, Ralof falou. — Não quero ir — disse ele. — Mas também não quero recusar o conselho de Savos. Peço que não haja votação, antes que tenhamos dormido um pouco. Será mais fácil votar na luz da manhã do que nessa escuridão fria. Como os ventos uivam!

Ao ouvir essas palavras, todos caíram num silêncio profundo. Escutavam o vento chiar por entre os rochedos e árvores, e havia uivos e lamentos ao redor deles, nos espaços vazios da noite.

De repente, Vorstag se pôs de pé. — Como os ventos uivam — gritou ele. — Uivam como o uivar dos lobos. Os lobos se deslocaram para o oeste das montanhas!

— Então precisamos esperar pela manhã — disse Savos. — É como eu digo. A caçada está em ação! Mesmo que vivamos para ver a aurora, quem agora gostaria de viajar para o Norte de noite, com os lobos atrás de nós?

— A que distância ficam os Montes das Cataratas Ermas? — perguntou Erik, passando a mão nos cabelos alaranjados.

— Havia uma porta, a norte da Passagem da Canela, a cerca de quinze milhas num vôo de pássaro, e talvez vinte numa corrida de lobos — disse Savos Aren austero.

— Então vamos partir logo que a luz apareça amanhã, se pudermos disse Erik. — O lobo que se escuta é pior que o inimigo que se teme.

— É verdade — disse Vorstag, soltando a espada na bainha. — Mas onde o lobo uiva, os inimigos também rondam.

Como defesa durante a noite, a Companhia subiu ao topo da pequena colina sob a qual estiveram abrigados. Estava coberto por um emaranhado de árvores velhas e retorcidas, ao redor das quais ficava um círculo interrompido, feito de pedras. No centro fizeram uma fogueira, já que não havia esperanças de que a escuridão e o silêncio impedissem que sua trilha fosse descoberta por bandos de animais caçadores.

Sentaram-se ao redor da fogueira, e os que não estavam de guarda cochilaram inquietos. O pobre cavalo, Nazeero, de pé, tremia e suava. Os uivos dos lobos agora estavam por toda a volta, algumas vezes mais próximos, outras mais distantes. Na calada da noite, muitos olhos brilhantes foram vistos espiando sobre a saliência da colina. Alguns avançaram quase até o círculo de pedras. Numa falha do círculo podia-se ver uma forma grande e escura de lobo, parada, observando-os. Soltou um uivo de arrepiar, como se fosse um capitão chamando sua tropa para o assalto.

Savos levantou-se e avançou, fazendo um brilho avermelhado sair da palma de suas duas mãos. — Escute, Cão de Alduin! — gritou ele. — Savos Aren está aqui. Fuja, se der valor à sua pele asquerosa! Vou murchar você do rabo até o focinho, se ousar pôr as patas neste círculo.

O lobo rosnou e avançou em direção a eles com um grande salto. Nesse momento, ouviu-se um zunido agudo. Faendal tinha disparado seu arco. Houve um grito medonho, e a figura que saltava caiu no chão com um som abafado; a flecha élfica tinha-lhe perfurado a garganta. Os olhos que espiavam desapareceram de repente. Vorstag e Savos andaram mais à frente, mas a colina fora abandonada; o bando de animais caçadores tinha fugido. Em toda a volta, a escuridão ficou silenciosa, e nenhum grito foi trazido no suspirar do vento.

A noite já estava terminando, e no Oeste, Secunda descia, brilhando vacilante por entre as nuvens que se desmanchavam. De repente, Ralof despertou de seu sono. Sem avisar, uma tempestade de uivos soou, feroz e alucinada, por toda a volta do acampamento. Um grande bando de lobos tinha-se reunido em silencio, e agora os atacava por todos os lados de uma vez.

Na luz trêmula, quando a lenha nova se acendeu num clarão, Ralof viu muitas formas cinzentas pularem por sobre o círculo de pedras. Muitas outras as seguiram. Na garganta de um líder corpulento, Vorstag enterrou sua espada; com um grande impulso, Erik decepou a cabeça de um outro, confuso por uma pancada no escudo de lobo que Erik carregava. Ao lado deles, Kharjo se postava com as robustas pernas abertas, brandindo e girando suas duas maças, que batiam incontrolavelmente no rosto de vários lobos. O arco de Faendal cantava.

Na luz inconstante do fogo, Savos pareceu crescer de repente: ergueu-se, numa grande figura ameaçadora, como o monumento de algum rei antigo de pedra, colocado sobre uma colina. Agachando-se como uma nuvem, ele levantou um feixe em chamas e caminhou em direção aos lobos, que recuaram. Jogou o feixe flamejante no ar a uma grande altura, A lenha fulgurou numa radiação súbita e branca, semelhante a um raio, e ouviu-se sua voz, estrondosa como um trovão. Houve um estrondo e um estalo, e a árvore sobre ele explodiu em folhas e botões de fogo que cegavam os olhos. O fogo atingiu, uma a uma, as copas das árvores. Toda a colina estava coroada por uma luz ofuscante. As espadas e facas dos defensores brilhavam e faiscavam.

A última flecha de Faendal se acendeu em chamas quando cruzou o ar, e queimando atingiu o coração de um grande chefe dos lobos. Todos os outros fugiram. Lentamente, o fogo foi se extinguindo, até não sobrar nada além de cinzas e brasas; uma fumaça amarga se enrolava sobre os troncos das árvores, subindo da colina, escura, enquanto a primeira luz da aurora aparecia pálida no céu. Os inimigos tinham sido expulsos e não retornaram.

Quando a luz da manhã apareceu completamente, não se viam sinais dos lobos, e eles procuraram em vão os corpos dos mortos. Nenhum vestígio da fuga permanecia, a não ser pelas árvores carbonizadas e as flechas de Faendal espalhadas pelo topo da colina. Todas estavam perfeitas, exceto uma, da qual só sobrara a ponta.

— É como eu temia — disse Savos. — Estes não eram lobos comuns, caçando comida no ermo. Vamos comer rápido e partir!

Naquele dia, o tempo mudou de novo, quase como se estivesse sob o comando de um poder que não via mais utilidade na neve, já que a Companhia tinha se retirado da passagem, um poder que desejava agora uma luz clara, na qual os seres que se movessem nas terras desertas pudessem ser vistos de longe. O vento estivera mudando seu curso de Norte para Noroeste durante a noite, e agora tinha parado. As nuvens desapareceram em direção ao Sul, o céu se abria, alto e azul. Quando pararam na encosta da colina, prontos para partir, a luz pálida do sol reluzia sobre os topos das montanhas,

— Temos de chegar ao portão antes do pôr-do-sol — disse Savos —, ou receio que não possamos chegar até elas de forma alguma. Não é longe, mas nosso caminho pode ser cheio de curvas, pois nesta região Vorstag não pode nos guiar, raramente ele andou por aqui, e apenas uma vez eu estive sob a parede Oeste das Cataratas Ermas, e isso foi há muito tempo.

— Ali está a estrada — disse ele, apontando para o Sudeste, onde as encostas das montanhas desciam íngremes até a sombra de seus pés. Na distância, via-se uma fileira apagada de penhascos nus, e no meio deles, mais alta que o resto, uma grande parede cinzenta. — Quando deixamos a passagem, levei vocês na direção Sul, e não de volta ao ponto de partida, como alguns de vocês podem ter notado. Foi bom que fiz isso, pois agora temos muito menos milhas a atravessar, e estamos com pressa. Vamos!

— Não sei o que desejar — disse Erik, austero, — Que Savos encontre o que procura, ou que chegando ao penhasco encontremos os portões perdidos para sempre. Todas as escolhas parecem ruins, e sermos capturados entre os lobos e a parede parece a chance mais provável. Vá na frente!

Kharjo agora caminhava ao lado do mago de tão ansioso que estava por chegar nos Túmulos das Cataratas Ermas. Juntos conduziam a Companhia de volta, em direção às montanhas. A comprida estrada que antigamente conduzia às Cataratas Ermas vindo do Sul se estendia ao longo do curso de um rio, o Rio Branco, que saía da base dos penhascos, perto de onde ficavam as portas. Mas, ou Savos estava perdido ou então o terreno tinha mudado nos últimos anos, pois ele não atingiu o rio onde esperava encontrá-lo, apenas a algumas milhas de onde tinham partido.

A manhã já avançava em direção ao meio-dia, e ainda a Companhia vagava aos tropeços num terreno deserto de pedras vermelhas. Em nenhum lugar puderam ver qualquer brilho de água ou ouvir o som dela. E tudo estava desolado e seco. Sobreveio o desânimo. Não viam nenhum ser vivo, e não havia sequer um pássaro no céu; mas o que a noite traria, se os pegasse naquela terra perdida, nenhum deles queria pensar.

De repente, Kharjo, que se tinha apressado à frente dos outros, voltou-se, chamando-os. Estava em pé sobre um rochedo, e apontava para a direita. Subindo depressa, eles viram lá embaixo um canal fundo e estreito. Estava silencioso, e a água andava calma, manchada de vermelho e marrom; mas na margem mais próxima havia uma trilha, bastante obstruída e estragada, que seguia seu caminho desenhando curvas, por entre as paredes e as pedras que pavimentavam uma antiga estrada.

— Ah! Aqui está finalmente! — disse Savos. — É aqui que o rio corre. O Rio Branco. Mas o que aconteceu à água, não posso imaginar, costumava ser veloz e ruidosa, agora está calma demais. Venham! Precisamos nos apressar! Estamos atrasados.

A Companhia tinha os pés doloridos e todos estavam cansados; mas foram caminhando com dificuldade ao longo da trilha acidentada e tortuosa por muitas milhas. O sol já descia em direção ao Oeste. Depois de uma parada rápida e uma refeição apressada, partiram novamente. Diante deles, as montanhas se erguiam severas, mas a trilha pela qual seguiam se estendia sobre um vaio fundo, e eles só conseguiam ver as saliências mais altas, e os picos distantes ao Leste.

Savos agora forçava um passo rápido, e os outros o seguiam o mais rápido que conseguiam. Alcançaram a tira de terra seca entre o lago e os penhascos: era estreita, geralmente de uma largura que não chegava a doze metros, e cheia de rochas e pedras caídas; mas eles encontraram um caminho, agarrando -se ao penhasco, e mantendo a maior distância possível da água escura. Uma milha mais ao Sul ao longo da praia, encontraram azevinhos. Tocos e ramos mortos apodreciam nas partes mais rasas; ao que parecia, restos de antigas moitas, ou de uma cerca -viva que certa vez teria emoldurado a estrada através do vale submerso. Mas próximas ao penhasco ainda havia, fortes e vivas, duas árvores altas, mais altas que qualquer azevinheiro que Ralof jamais tinha visto ou imaginado. As grandes raízes se espalhavam da rocha até a água. Mas agora se erguiam acima das cabeças, rígidas, escuras e silenciosas, jogando profundas sombras noturnas em volta de seus pés, eretas como pilares feito sentinelas no final da estrada. Acima das árvores, erguia-se uma enorme montanha, e acima dessa montanha estavam imensos arcos de pedra negra obsidiana, muito grandes. Depois de algum tempo da subida íngreme, chegaram ao grande portão.

— Bem, finalmente estamos aqui — disse Savos Aren. — Aqui começam os Grandes Túmulos das Cataratas Ermas, onde os nórdicos enterravam seu povo caído nas guerras. Muitas pessoas se empenharam na construção dessas ruínas, e durante muito tempo aqui serviu mais como centro de comercio do que como tumba. Aqueles foram dias mais felizes, quando havia ainda uma forte amizade entre povos de raças diferentes, até mesmo entre khajiits e elfos.

— Não foi culpa dos khajiits que a amizade acabou — disse Kharjo.

— Nunca soube que tenha sido culpa dos elfos — disse Faendal.

— Ouvi as duas coisas — disse Savos —, e não vou fazer um julgamento agora. Mas peço a vocês dois, Faendal e Kharjo, que pelo menos sejam amigos, e que me ajudem. Preciso de ambos. O portão está fechado, e quando mais rápido eu encontrar um meio de abri-lo, melhor. A noite está chegando.

Voltando-se para os outros, ele disse: — Enquanto procuro, vocês poderiam se aprontar para entrar nas ruínas? Pois aqui receio que devamos dizer adeus ao nosso bom animal de carga. Devem deixar de lado a maior parte das coisas que trouxemos contra o clima mais rigoroso: não vão precisar delas lá dentro, e nem, espero, quando tivermos atravessado e avançarmos para o Sul. No lugar dessa bagagem, cada um de vocês deve pegar uma parte do que o pônei vinha carregando, especialmente a comida e os frascos de água.

— Mas não podemos deixar o pobre e velho Nazeero para trás neste lugar abandonado, Savos. — gritou Ralof, furioso e aflito. — Depois de ele ter vindo até aqui e tudo mais!

— Sinto muito, Ralof — disse o mago. — Mas quando o portão se abrir, acho que você não vai conseguir puxar o seu Nazeero para dentro. Terá de escolher entre o cavalo e seu destino.

— Não faria nenhuma diferença matá-lo ou soltá-lo aqui, com todos esses lobos rondando.

— Espero que faça alguma diferença — disse Savos Aren, colocando a mão sobre a cabeça do cavalo, e falando em voz baixa. — Vá e leve consigo palavras de proteção e orientação — disse ele. — Você é um animal sábio, e aprendeu muito em Ivarstead. Faça seu caminho por lugares onde possa achar capim, e desse modo chegue em tempo à casa de Drelas, onde você deve descansar, ou a qualquer lugar aonde deseje ir.

Nazeero, parecendo entender bem o que estava acontecendo, aproximou-se dele, colocando o focinho perto da orelha de Ralof. Ralof soltou as correias e descarregou todas as mochilas do cavalo, jogando-as no chão. Os outros escolheram as coisas, fazendo uma pilha de tudo o que poderia ser deixado para trás, e dividindo o resto entre si. Quando terminaram de fazer isso, voltaram-se para Savos Aren. Ele parecia não ter feito nada. Estava parado entre as duas árvores, olhando fixamente a parede lisa do penhasco, como se fosse perfurá-la com os olhos.

— Bem, aqui estamos nós, todos prontos — disse Ralof. — Podemos entrar agora, eu suponho. Agora vamos!

Foi na frente, e colocou o pé no primeiro degrau. Mas, nesse momento, várias coisas aconteceram. Nazeero, o cavalo, soltou um relincho alucinado de medo e, virando-se, disparou para trás, para dentro da neve.

Os outros se voltaram e viram na neve vários pontos marrons, como se um exército de bárbaros estivesse avançando das escadas anteriores ao portão. Cinco ladrões com armas de pedra e ferro fraco estavam correndo em sua direção, e Faendal esquivou de uma flecha que teria acertado sua garganta. Vinte outros ladrões apareceram, avançando na direção deles e se agitando. Parecia que o Monte das Cataratas Ermas estava tomado por um grupo de ladrões, que tomou a Companhia por invasores.

— Para dentro! Pelo portão! Rápido! — gritou Savos, pulando para trás. Despertando-os do terror que parecia ter aprisionado ao solo os pés de todos, os guiou.

Quase não deu tempo. Ralof acabado de entrar, e Savos mal colocara o pé esquerdo lá dentro quando os ladrões começaram a se aproximar demais. Um deles chegou correndo e gritando por Talos até a entrada da passagem, a adaga reluzindo à luz das estrelas.

Savos Aren se voltou e parou. Com a mão direita brandindo Beldastare, usou a mão esquerda para lançar um imenso feixe de luz para um dos arcos que se estendiam por cima das Cataratas Ermas. Nada aconteceu além de um tremor. Usou a espada para fazer um corte na barriga do ladrão, que estava sem armadura e caiu para trás com muito sangue e lançou outro feixe. Com um eco ensurdecedor, o arco caiu sob as cabeças de uma linha de ladrões, e levou o portão de metal escuro para baixo, e mais pedaços de pedra começaram a cair, e perdeu-se toda a luminosidade. Através da rocha sólida ouvia-se o ruído de algo se quebrando, ou sendo rasgado.

— Pobre Nazeero — disse Ralof numa voz sufocada. — Pobre Nazeero, lobos e ladrões! Mas os ladrões foram demais para ele. Que Talos o ajude, pobre cavalo.

Escutaram Savos Aren voltar descendo os degraus, e lançar o mesmo feixe de luz nas pedras que agora cobriam o lugar em que o portão de metal costumava ficar. Houve um tremor na pedra e o chão oscilou, mas nada se abriu. Savos suspirou e olhou para a Companhia no escuro.

— Muito bem! — disse o mago. — A passagem atrás de nós está bloqueada agora, e só existe uma saída - do outro lado das montanhas. Receio, pelos ecos, que haja um monte de pedras contra o portão e que sejam em maioria dos arcos que ficavam sobre as ruínas. Sinto muito, pois eram bonitos e estavam ali havia muito tempo.

— Senti que algo horrível estava próximo desde o primeiro momento em que paramos em frente ao portão — disse Ralof. — Quem eram eles, e se tomaram este lugar, quem nos garante que não encontraremos mais aqui?

— Não sei — respondeu Savos -, mas provavelmente eram ladrões, que viviam sob as montanhas. Existem seres mais inúteis e repugnantes que os lobos nos lugares profundos do mundo.

Erik murmurou em voz baixa, mas o eco da rocha amplificou o som para um sussurro alto que todos puderam escutar: — Nos lugares profundos do mundo! E para ali estamos indo, contra minha vontade. Quem agora vai nos guiar nessa escuridão mortal?

— Eu — disse Savos —, e Kharjo deve caminhar ao meu lado. Sigam a minha luz! — Quando o mago avançou subindo os degraus largos, ergueu sua mão, da qual emanou uma irradiação fraca que se transformou numa estrela iluminada. Ele fechou as mãos e a irradiação se apagou, mas a estrela continuou o acompanhando como se fosse um cão ao serviço de seu mestre. Após um pequeno acampamento de ladrões, cuja brasa ainda queimava no carvão, encontraram uma grande escada.

Contaram duzentos degraus, largos e rasos; no fundo encontraram uma passagem em arco, sobre um chão plano conduzindo para dentro da escuridão.

— Vamos nos sentar para descansar e comer alguma coisa, aqui neste patamar, já que não achamos uma sala de jantar — disse Ralof, que subitamente sentiu uma fome enorme.

A proposta foi bem recebida por todos; sentaram-se nos degraus mais altos, figuras apagadas na escuridão. Depois de comerem, Savos Aren deu a todos um terceiro gole da poção de estamina.

— Receio que não dure por muito mais tempo — disse ele. — Mas acho que precisamos de um pouco, depois do pavor que passamos na entrada. E, a não ser que tenhamos muita sorte, vamos precisar de todo o resto antes de atingirmos o outro lado! Tenham cuidado com a água também! Há muitos riachos e poças nesses túmulos, mas não devem ser tocados. É possível que não tenhamos oportunidade de encher nossos frascos até atravessarmos.

— Quanto tempo vai demorar para chegarmos ao outro lado?

— Não posso dizer — disse Savos Aren. — Depende de muitas coisas. Mas indo em linha reta, sem errar o caminho, pode levar três ou quatro marchas, eu acho. Não deve haver menos de quarenta milhas entre o Portão Sul e o Portão Norte, em linha reta, e a estrada pode ter muitas curvas.

Logo depois de um breve descanso, começaram a caminhar outra vez. Todos estavam ansiosos para terminar a viagem o mais rápido possível, e dispostos, cansados como estavam, a continuar a marcha ainda por várias horas. Savos ia na frente como antes. No ombro esquerdo estava a estrela reluzente, cuja luz mostrava apenas o chão diante de seus pés. Na mão direita carregava a espada Beldastare. Atrás vinha Kharjo, com os olhos de tigre faiscando na luz fraca, enquanto virava a cabeça de um lado para outro. Atrás do khajiit caminhava Ralof, que tinha retirado da bainha seu novo machado.

Atrás de Ralof ia Faendal, e atrás deste Erik. Na escuridão atrás deles, austero e silencioso, caminhava Vorstag. A passagem fez algumas curvas, e depois começou a descer. Continuou constantemente para baixo por um tempo, antes de ficar plana de novo. O ar ficou quente e abafado, mas não era desagradável, e algumas vezes eles sentiam no rosto correntes de ar mais fresco, que vinham de aberturas semi-ocultas nas paredes. Havia muitas dessas aberturas. No raio pálido do feitiço do mago, Ralof via de relance escadas e arcos, além de outras passagens e túneis, que se dirigiam para cima, ou desciam abruptamente, ou se abriam numa escuridão vazia de ambos os lados. Qualquer um ficaria desnorteado. Kharjo era de pouca ajuda para Savos, a não ser por sua vigorosa coragem. Pelo menos não se incomodava, ao contrário dos outros, com a escuridão em si.

Freqüentemente, o mago o consultava em pontos onde a escolha de caminhos era duvidosa, mas era sempre Savos quem dizia a última palavra. Os lúgubres Túmulos das Cataratas Ermas eram vastos e intrincados, mais do que podia conceber a imaginação de Kharjo, embora estivesse tão ansioso por explorar o local, que era uma lenda para todos. Para Savos Aren, as lembranças de uma viagem realizada há muito tempo eram agora de pouca ajuda, mas mesmo na escuridão, e apesar de todas as curvas da estrada, ele sabia aonde desejava ir, e não vacilou, enquanto havia um caminho que conduzia na direção de seu objetivo.

— Não tenham medo — disse Vorstag. Estavam fazendo uma pausa mais longa do que costumavam, e Savos e Kharjo conversavam em voz baixa; os outros estavam reunidos mais atrás, esperando ansiosos. — Não tenham medo! Estive com ele em muitas viagens, apesar de nunca ter participado de uma jornada tão escura; há histórias em Markarth que contam coisas que ele fez, maiores que quaisquer outras que já vi. Ele não vai se perder, se houver um caminho para se encontrar. Trouxe-nos aqui contra nossos temores, mas nos conduzirá para fora, a qualquer preço que precisar pagar. É mais provável ele encontrar o caminho de casa numa noite cega do que qualquer um.

Para a Companhia, era bom ter um guia assim. Eles não tinham combustível, nem qualquer jeito de acender tochas; na fuga desesperada pela passagem, muitas coisas tinham sido abandonadas. Mas sem qualquer luz, logo teriam fracassado. Não só havia muitas estradas para escolher, mas também em muitos pontos havia buracos e alçapões, e poços escuros ao lado do seu caminho, nos quais seus pés ecoavam conforme iam passando. Havia fissuras e rachaduras nas paredes e no chão, e de quando em quando uma fenda se abria bem diante de seus pés. A mais larga delas tinha mais de dois metros de largura. O barulho da água se agitando subia lá debaixo, como se alguma roda de moinho estivesse virando nas profundezas. À medida que esses perigos ficavam mais freqüentes, a marcha tornava-se mais lenta. Já lhes parecia que estavam andando sempre em frete, num caminho sem fim que conduzia às raízes da montanha. Estavam mais que cansados, e mesmo assim não parecia haver consolo na idéia de pararem em qualquer lugar.

O ânimo de Ralof se elevara um pouco depois da escapada, e depois de comer algo e tomar um gole da bebida; mas agora uma forte inquietude, que chegava às raias do medo, tomava conta dele outra vez. Embora em Alta Hrothgar tivesse sido curado do golpe do vampiro, esse ferimento cruel não deixara de ter efeitos. Os sentidos de Ralof estavam mais aguçados e sensíveis a coisas que não se podiam ver. Um sinal de mudança de que logo teve consciência foi o fato de poder enxergar mais no escuro que qualquer um de seus companheiros, talvez com exceção de Savos Aren. Segurou mais firme no punho de seu machado e foi em frente, obstinado.

A Companhia atrás dele raramente falava, e mesmo assim em sussurros apressados. Não havia ruído além do ruído de seus próprios pés; os passos pesados e monótonos das botas de couro de Kharjo; o pisar forte de Erik, os passos leves de Faendal; e atrás os passos lentos de Vorstag. Quando paravam por uns instantes, não se ouvia nada, a não ser ocasionalmente o ruído distante de água correndo ou gotejando, invisível.

Já era noite quando haviam entrado nas partes tumulares. Tinham caminhado por várias horas, fazendo apenas paradas rápidas, quando Savos Aren deparou com seu primeiro grande teste. Diante dele estava um arco amplo e escuro, que se abria para três passagens: todas conduziam mais ou menos para a mesma direção, mas a passagem à esquerda descia vertiginosamente, enquanto a da direita subia, e o caminho do meio parecia continuar, suave e plano, mas muito estreito.

— Não me lembro de modo algum deste lugar! — disse Savos parando indeciso sob o arco. Levantou a estrela na esperança de haver alguma marca ou inscrição que pudesse ajudá-lo em sua escolha, mas nada disso apareceu. — Estou cansado demais para decidir — disse ele, balançando a cabeça. — E suponho que todos vocês estejam tão cansados quanto eu, ou ainda mais cansados. É melhor pararmos aqui pelo resto da noite. Sabem o que quero dizer! Aqui está sempre escuro, mas lá fora a lua tardia já se dirige para o Oeste, e a meia-noite já passou.

— Pobre Nazeero! — disse Ralof. — Fico imaginando onde estará. Espero que aqueles lobos ainda não o tenham capturado.

À esquerda do grande arco, encontraram uma porta de pedra: estava parcialmente fechada, mas se abriu facilmente a um leve empurrão. Atrás dela parecia haver um quarto, cortado na rocha.

— Calma! Calma! — gritou Savos Aren, quando Ralof e Erik empurraram a porta para frente, felizes por encontrar um lugar onde poderiam descansar com pelo menos um pouco mais de sensação de abrigo do que na passagem aberta. — Calma! Vocês ainda não sabem o que está aí dentro. Vou na frente. — Entrou com cuidado, e os outros fizeram uma fila atrás. — Aí está! Disse ele apontando com a estrela, que desceu para seu pé, para um ponto no meio do chão. Diante deles, viram um buraco grande e redondo, como a boca de um poço. Correntes quebradas e enferrujadas estavam caídas sobre a borda, e desciam pelo poço negro. Ao redor estavam fragmentos de pedra.

— Um de vocês poderia ter caído, e agora ainda estaria imaginando quando iria chegar ao fundo — disse Vorstag para Ralof. — Deixem que o guia vá na frente, enquanto vocês ainda têm um.

— Este lugar parece ter sido uma guarita, feita para que as três passagens fossem vigiadas — disse Kharjo. — É fácil perceber que aquele buraco foi um poço para o uso dos guardas, coberto com uma tampa de pedra. Mas a tampa está quebrada, e todos nós devemos nos precaver no escuro.

Erik se sentiu curiosamente atraído pelo poço. Enquanto os outros estavam desenrolando cobertores e preparando leitos próximos às paredes da sala, o mais longe possível do buraco no chão, ele se arrastou até a borda e espiou lá dentro. Um ar frio pareceu bater em seu rosto, subindo de profundezas invisíveis.

Movido por um súbito impulso, ele tateou o chão procurando uma pedra solta, deixando-a cair no poço. Sentiu o coração bater muitas vezes antes que se ouvisse qualquer som. Então, lá embaixo, como se a pedra tivesse caído em águas profundas, nalgum lugar cavernoso, ouviu-se um ruído bem distante, mas amplificado e repetido no poço oco.

— Que foi isso? — perguntou Savos. Erik não disse nada, mas podia ver os olhos vermelhos de Savos faiscando.

Nada mais se ouviu por vários minutos; mas depois, das profundezas, vieram batidas fracas: tum-tá, tá-tum. Pararam, e quando os ecos silenciaram, as batidas se repetiram: tá-tum, tum-tá, tá-tá, tum, Soavam como sinais de algum tipo, e provocaram inquietação em todos; mas depois de um tempo as batidas silenciaram e não se ouviram de novo.

— Aquilo foi o som de um martelo, ou eu nunca ouvi um martelo — disse Kharjo.

— Sim — disse Savos —, e eu não gosto disso. Pode não ter nada a ver com o barulho que ouvimos, mas provavelmente alguma coisa foi incomodada, e seria melhor tê-la deixado quieta. Vamos tentar descansar um pouco sem mais problemas.

Erik se sentou arrasado perto da porta, naquela escuridão total; mas de quando em quando se voltava, com medo de que alguma coisa desconhecida se arrastasse para fora do poço. Queria cobrir o buraco, mesmo que fosse só com um cobertor, mas não ousou mexer ou se aproximar dele, apesar de Savos Aren parecer adormecido. Na verdade, Savos não estava dormindo, embora estivesse deitado imóvel e em silêncio. Estava mergulhado em pensamentos, tentando relembrar cada detalhe de sua primeira viagem nas Cataratas Ermas, e considerando ansiosamente o próximo caminho que deveriam tomar; uma escolha errada naquele momento poderia ser desastrosa. Depois de uma hora, levantou-se e se aproximou de Erik.

— Vá para um canto e durma um pouco, Vossa Graça — disse ele num tom gentil. Suponho que você precisa dormir. Não consigo pegar no sono, então é melhor eu fazer a guarda. Sei qual é o problema comigo — murmurou ele, enquanto se sentava perto da porta. — Preciso de um pouco de skooma! Não uso desde aquela manhã antes da tempestade de neve.

A última coisa que Erik viu, antes de adormecer, foi a figura escura do velho mago agachado no chão, protegendo com as mãos nodosas um frasco arroxeado. O brilho da estrela, agora mais fraco por ordem do mago, cintilou no vidro de skooma.

Foi Savos quem acordou todos os outros. Tinha ficado sentado, fazendo a guarda sozinho por seis horas, deixando que os outros descansassem.

— E durante a guarda tomei minha decisão — disse ele. — Não tenho vontade de ir pelo caminho do meio, e não gostei do cheiro do caminho à esquerda: há um ar pestilento lá embaixo, ou então não sou um guia. Escolhi a passagem da direita. Está na hora de começarmos a subir outra vez.

Por oito horas escuras, sem contar duas breves paradas, marcharam adiante; não encontraram perigos, nem escutaram nada, e não viram nada a não ser o brilho apagado da luz do mago, brilhando como fogo-fátuo na frente deles. O corredor que tinham escolhido ia cada vez mais para cima.

Pelo que podiam julgar, subia em grandes curvas, e conforme iam subindo, a passagem ficava mais alta e larga. Agora não havia outras aberturas para outras galerias ou túneis dos dois lados, e o chão era plano e seguro, sem poços ou rachaduras. Evidentemente, tinham tomado o que certa vez tinha sido uma estrada importante, e avançavam mais rápido agora que na primeira marcha. Assim foram adiante cerca de quinze milhas, medidas numa linha direta na direção Leste, embora na realidade devam ter caminhado Vinte milhas ou mais.

Tinham andado o máximo que os viajantes podiam aguentar sem descanso, e estavam todos pensando num lugar onde pudessem dormir, quando de repente as paredes à direita e à esquerda desapareceram. Pareciam ter passado através de algum arco, entrando num espaço negro e vazio. Atrás deles vinha uma forte corrente de ar mais quente, e na frente sentiam a escuridão fria sobre seus rostos. Pararam e se juntaram, cheios de ansiedade.

Savos parecia satisfeito. — Escolhi o caminho certo — disse ele. — Finalmente estamos chegando às partes habitáveis, e acho que não estamos longe do lado Norte. Mas estamos num ponto muito elevado, a não ser que eu esteja enganado. Pelo ar que estou sentindo, diria que estamos num salão amplo. Agora vou arriscar um pouco de luz de verdade.

Levantou a mão, e por um breve instante houve um clarão, como um relâmpago. Sombras grandes saltaram e fugiram, e por um segundo eles viram um teto amplo acima de suas cabeças, apoiado em muitos pilares feitos de pedra. Adiante, e dos dois lados, se espalhava um enorme salão vazio; as paredes negras, polidas e lisas como vidro, brilhavam e faiscavam. Enxergaram outras três entradas, arcos negros e escuros: um diretamente à frente, rumando para o Leste, e um de cada lado. Depois disso, a luz se apagou.

— Isso é tudo que vou arriscar por enquanto — disse Savos. — Costumava haver grandes janelas na encosta da montanha, e aberturas conduzindo para a luz, nos pontos mais altos das tumbas. Acho que as atingimos agora, mas lá fora é noite outra vez, e não podemos ter certeza até amanhã cedo. Se estou certo, amanhã poderemos realmente ver o dia nascendo, espiando aqui dentro. Mas enquanto isso é melhor não avançarmos mais. Vamos descansar, se pudermos. As coisas estão indo bem até agora, e a maior parte da estrada escura já passou. Mas ainda não atravessamos as Cataratas, e há um bom caminho até os Portões que lá embaixo se abrem para o mundo.

Os membros da Companhia passaram a noite no grande salão cavernoso, encolhidos num canto para escapar da corrente de vento: parecia haver um fluxo constante de ar frio vindo através do arco Sul. Por toda a volta, pairava a escuridão, vazia e imensa, e eles se sentiam oprimidos pelo abandono e pela vastidão das paredes de pedra, e pelas escadarias e corredores que se ramificavam interminavelmente.

— Deve ter havido uma multidão de nórdicos por aqui nalguma época disse Ralof —; e cada um deles mais ocupado que um texugo por mais de quinhentos anos Para construir tudo isto, e quase tudo em rocha dura! Para que fizeram isto? Certamente eles não viviam nesses buracos escuros?

— Não são buracos — disse Vorstag. — Este era um grande túmulo feito para guardar um antigo general nórdico, um grande segredo e seu exército. Conforme iam falecendo, iam sendo enterrados aqui. E antigamente não era escuro, mas cheio de luz e esplendor, embora fosse uma tumba, como ainda lembram as canções.

Levantou-se e, parado no escuro, começou a cantar numa voz grave, enquanto os ecos se espalhavam em direção ao teto.

O mundo jovem, nevado o monte

E limpo era da lua à fronte

Sem peia pedra e rio então

Vagava Balfring na solidão

A montes e vales, nome ele deu

Da fonte nova ele bebeu

No Lago Ilinalta foi se mirar

E viu um diadema estelar

Gemas em linha prateada

Sobre a fronte ensombreada

O mundo belo, os montes altos

Nos dias antigos e sem sobressaltos

Em Windhelm e Whiterun

Dos fortes reis que agora vão

No mar do Norte, além do dia:

Belo o mundo que Balfring via.

Rei era ele, em trono entalhado

Salão de pedra e encolunado

No teto pedra, pedra no chão

E metal negro no bom portão

A luz da lua, de estrela e sol

Presa em lâmpada de cristal

Por noite uma nuvem não tolhida

Brilhava bela toda a vida

Pelos deuses alados ele lutou

Por através dos campos comandou

E os dragões ele serviu

Com o maior exército que já se viu

O povo de Windhelm não se cansava

Toda a cidade retumbava

Ao som de harpas e canções

E trombetas junto aos portões.

O mundo é cinza, velho o monte,

Da forja o fogo em cinza insonte;

Sem som de harpa ou martelada:

No lar de Balfring, sombra e nada.

Para a tumba, além de suas terras

O levaram para as Cataratas Ermas

Mas ainda há estrela que reluz

No Lago Ilinalta, sem vento e luz.

— Gostei! — disse Ralof. — Gostaria de aprendê-la. O levaram para as Cataratas Ermas! Mas parece que com essa canção a escuridão fica mais pesada, pensando em todas aquelas luzes. Existem ainda montes de jóias e ouro espalhados por aqui?

Vorstag ficou em silêncio. Tendo cantado sua canção, não restava mais nada a dizer?

— Montes de jóias? — disse Savos. — Não. Os ladrões sempre saqueavam as Cataratas Ermas; na existe mais nada nos salões superiores. E desde que terminaram de enterrar os nórdicos do exército do Rei Balfring aqui, ninguém mais ousa procurar as passagens e as tesourarias nos lugares mais fundos: agora estão cobertas pela água - ou por uma sombra de medo.

Fez-se um silêncio profundo. Um a um, os outros adormeceram. Ralof fazia a guarda. Como um ar que vinha através de portas invisíveis, de lugares profundos, o medo o dominou. Sentia as mãos frias e a cabeça pesada. Tinha Os ouvidos atentos. Toda sua mente esteve concentrada em escutar e nada mais, por duas horas arrastadas; mas não escutou nenhum ruído.

Seu turno na guarda estava quase no fim quando, mais além do ponto onde supunha estar o arco Norte, Ralof imaginou ter visto dois pontos de luz clara, quase semelhantes a olhos luminosos. Teve um sobressalto.

“Acho que quase adormeci durante a guarda”, pensou ele. “Estava à beira de um sonho.” Levantou-se e esfregou os olhos, e permaneceu em pé, olhando para a escuridão, até que foi dispensado por Faendal.

Quando se deitou, logo adormeceu, mas teve a impressão de que o sonho continuava: ouviu sussurros, e viu os dois pontos de luz clara se aproximando, lentamente.

Acordou e viu que os outros estavam falando em voz baixa perto dele, e que uma luz fraca lhe batia no rosto. Lá de cima, sobre o arco Norte, através de uma passagem de ar próxima ao teto, vinha um raio longo e claro; atravessando o salão em direção do arco Leste, a luz também avançava, fraca e distante.

Ralof se sentou. — Bom dia! — disse Savos Aren. — Pois dia se faz outra vez, finalmente. Eu estava certo, como vê. Estamos num ponto alto do lado Norte das Cataratas Ermas. Antes de o dia acabar, deveremos encontrar o último portão, e veremos a Fortaleza do Dragão do outro lado.

— Ficarei feliz — disse Kharjo. — Olhei as Cataratas Ermas, que são realmente muito grandes, mas se tornaram escuras e temíveis, e não encontramos qualquer sinal de meu povo. Agora duvido que algum khajiit tenha chegado até aqui.

Depois de tomarem o desjejum, Savos decidiu continuar a marcha imediatamente.

— Estamos cansados, mas poderemos descansar melhor quando sairmos daqui — disse ele. — Acho que nenhum de nós deseja passar mais uma noite nessas tumbas.

— De jeito nenhum! — disse Erik. — Que caminho vamos tomar? Continuamos para o Leste?

— Talvez — disse Savos. — Mas ainda não sei exatamente onde estamos. Vamos em direção àquela luz no Oeste. Se pudéssemos encontrar uma janela, isso ajudaria bastante, mas receio que a luz só chegue aqui através das passagens de ar.

Seguindo-o, a Companhia passou por baixo dos arcos Oeste. Viram-se num corredor largo. À medida que avançavam por ele, a luz ia ficando mais forte, e perceberam que ela vinha através de uma entrada à direita. Era alta e quadrada, e a porta de pedra ainda estava no lugar, semi-aberta. Além dela via-se um grande cômodo quadrado.

Estava fracamente iluminado, mas aos olhos deles, depois de tanto tempo na escuridão, parecia de uma luminosidade ofuscante; os olhos piscaram repetidas vezes no momento em que entraram. Os pés pisaram uma grande camada de poeira sobre o chão, e tropeçaram em coisas que estavam na passagem, cujas formas eles não puderam distinguir num primeiro momento.

O cômodo era iluminado por uma grande fogueira pendurada no teto, mais à frente. A luz batia diretamente numa alavanca no meio da sala: um único bloco retangular, de metal, que estava sobre uma grande escultura nórdica de um homem velho, provavelmente um grande guerreiro, que Ralof acreditou ser Balfring. Quando terminaram de suspirar e admirar a luz, voltaram-se para Savos. Ele parecia não ter feito nada. Estava parado na frente de um portão, olhando fixamente para as suas grades, como se fosse perfurá-la com os olhos. Kharjo andava de um lado para o outro, batendo na pedra aqui e ali com sua maça, procurando passagens secretas. Faendal se encostava contra a parede, como se tentasse escutar alguma coisa.

— E agora? — disse Ralof. — Não vão puxar esta alavanca? Ou estamos procurando por outras portas? Não vejo qualquer sinal delas.

— Esta alavanca está acompanhada dos ídolos dos nórdicos dos tempos Antigos. Nada que acompanhe estes símbolos, por meus conhecimentos desse tipo de calabouço, é confiável, a não ser que um enigma já tenha sido resolvido – e não foi, porque o portão está fechado, essa alavanca não trará bons resultados — disse Kharjo. — São enigmas arranjados, e nem mesmo seus donos que já morreram há muito tempo poderiam nos ajudar nessa questão, se seu segredo foi esquecido.

— Mas este portão não foi feito para ser um segredo conhecido apenas pelos nórdicos — disse Savos, de repente voltando ao normal e virando-se para os outros. — A não ser que as coisas estejam completamente mudadas, olhos que sabem o que procurar podem encontrar os sinais.

Andou para frente, em direção à Companhia. Exatamente no meio do salão a majestosa escultura de Balfring estava ali, rachada e trincada. Então recuou outra vez.

— Olhem! — disse ele. — Podem ver alguma coisa agora?

A luz da fogueira mágica que não se apagava brilhou então na majestosa face esculpida de Balfring, que entre os dentes, como se o Rei estivesse abrindo a boca e dentro da boca houvesse uma grande placa de metal escuro, estava o desenho de uma serpente em prata.

— Aí está um dos ídolos antigos, a serpente! — gritou Kharjo.

— E ali em cima estão os outros! — disse Faendal. — Outra cobra e uma grande baleia do Mar.

— Exatamente isso! — disse Kharjo. — Se soubermos a combinação, poderemos girar as placas à nossa esquerda e o portão há de abrir para nós.

— Sim — disse Savos —, este portão é provavelmente trancado por este segredo enigmático. Alguns dos portões dos nórdicos só se abrem em ocasiões especiais, apenas para pessoas determinadas, e alguns ainda têm fechaduras e chaves que são indispensáveis, mesmo quando as ocasiões e as palavras necessárias são conhecidas. Este portão não tem chave.

— Mas você sabe a combinação, Savos? — perguntou Erik surpreso.

— Não! — disse o mago.

Os outros olharam desolados; apenas Vorstag, que conhecia bem Savos Aren, permaneceu em silêncio e imóvel.

— Então, de que adiantou nos trazer até este ponto maldito? — gritou Erik, voltando-se para olhar a escuridão com um calafrio. — Disse-nos que uma vez tinha passado através das Cataratas. Como pode ser, se você não sabia como atravessar tudo?

— A resposta à sua primeira questão, Erik — disse o mago —, é que eu não sei a combinação - ainda. Mas logo veremos. E — acrescentou ele com um brilho nos olhos vermelhos sob as sobrancelhas grossas — você pode perguntar qual a utilidade de meus feitos quando eles demonstram ser inúteis. Quanto à sua segunda pergunta: duvida do que contei? Ou não lhe sobra nenhuma inteligência? Eu não entrei por aqui. Fui pelas profundezas cavernosas. Se quiser saber, vou dizer que esse portão se abre para fora. De dentro, pode-se abri-lo com as mãos. De fora, nada poderá movê-lo, a não ser a combinação. Não se pode forçá-lo. Há mágica antiga aqui.

— Que vai fazer então? — perguntou Ralof, não se assustando com as sobrancelhas grossas do mago.

— Se me permitirem um pouco de paz, sem perguntas tolas, procurarei a provável combinação para abri-la. Certa vez eu sabia todos os encantamentos em todas as línguas, de elfos, homens ou orcs, que eram usados para esse propósito. Ainda posso lembrar um grande número desses encantamentos sem ter de vasculhar minha mente. Mas esse portão não se abrirá com encantamento ou magia alguma, pois é maquinação nórdica. Mas serão necessárias apenas algumas tentativas, eu acho, e não precisarei chamar Vorstag para lhe perguntar as combinações costumeiras deste tipo de ruína. A combinação está explicitada em algum lugar: isso parece certo.

Voltou-se para o rochedo e continuou o observando.

Muitas vezes repetiu as tentativas em ordem diferente, ou variando-as. Então tentou outras combinações, uma após a outra, repetindo as escolhas e mudando elas à sua própria sorte. Depois pronunciou muitas palavras isoladas, da língua dos elfos. Nada aconteceu. Mais uma vez, Savos se aproximou da parede rochosa, e levantando a voz falou em tons de comando e ira crescente.

Num rompante, assustando a todos, o mago pulou de pé. Estava rindo!

— Consegui! — gritou ele. — É claro, é claro! Absurdamente simples, como a maioria dos enigmas quando você descobre a resposta.

Dando olhadelas para o lado com seus brilhantes olhos vermelhos, ele mexeu muitas vezes nos três pilares a sua esquerda com três animais, a cobra, a águia e a baleia, e acertou cobra, cobra e baleia. Correndo, apertou a mão na alavanca e puxou com toda sua força, temendo o pior. Demorou um pouco, mas soltando poeira, o portão começou a subir. Através da abertura, podia-se ver uma escada sombria, descendo inclinada; mas além dos degraus mais baixos, a escuridão era mais profunda que a noite. A Companhia observava, estupefata.

— No fim, eu estava errado — disse Savos. — E Kharjo também. A combinação secreta estava inscrita no arco o tempo todo! Ali em cima estão duas pedras, uma cobra e uma baleia. Aqui, caída e trincada no chão está a que caiu do meio, uma cobra. Simples demais para um erudito mestre nas tradições nestes dias suspeitos. Aqueles eram tempos mais felizes. Agora vamos!

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Seguindo-o, a Companhia passou por baixo do arco Norte. Viram-se num corredor largo. À medida que avançavam por ele, a luz ia ficando mais forte, e perceberam que ela vinha através de uma entrada à direita. Era alta e quadrada, e a abertura estava coberta por teias de aranha. Quando a cortaram, viram uma câmara tão grande que havia uma abertura no teto pela qual o sol iluminava todo o lugar.

Estava fracamente iluminado, mas aos olhos deles, depois de tanto tempo na escuridão, parecia de uma luminosidade ofuscante; os olhos piscaram repetidas vezes no momento em que entraram. Os pés pisaram uma grande camada de poeira sobre o chão, e tropeçaram em coisas que estavam na passagem, cujas formas eles não puderam distinguir num primeiro momento.

A luz batia diretamente numa mesa no meio da sala: um calabouço retangular, coberto por uma grade no chão, e alguma coisa que no momento soou como a neve derretendo caía exatamente ali, e causava um eco de pingo imenso. Quando Ralof determinou-se a explorar mais o lugar, viu o que Faendal parecia ainda estar examinando, um elfo negro vestido em couro agarrado em teias de aranha.

— Está morto? — murmurou Ralof, inclinando-se para olhar mais de perto, com uma estranha sensação de mau presságio. Savos veio rapidamente para o lado dele.

Ralof mal tocara seu machado na bainha quando ela veio. Um pouco à frente e à esquerda ele a viu, saindo de um buraco negro de sombra entre as pedras, a forma mais odiosa que ele jamais vira, horrível além do horror de um pesadelo. Era muito semelhante a uma aranha, mas maior que as grandes feras caçadoras, e mais terrível que elas por causa do propósito maligno em seus olhos sem remorso. Haviam vários olhos horríveis, agrupados em sua cabeça protuberante. Tinha grandes chifres, e atrás de seu curto pescoço em forma de haste estava um enorme corpo inchado, um vasto saco intumescido, balançando e caído por entre as pernas o tronco era preto, manchado com marcas lívidas, mas a barriga embaixo era clara e luminosa, exalando um cheiro ruim. As pernas eram curvas, com grandes juntas nodosas bem acima de suas costas, e tinha pêlos espetados como espinhos de aço, e na extremidade de cada perna havia uma garra.

Assim que, apertando o corpo mole e pesado e dobrando as pernas, ela saiu pela abertura superior de sua toca, moveu-se a uma terrível velocidade, ora correndo sobre suas pernas rangentes, ora dando um salto repentino. Estava entre o elfo e a Companhia. Ralof teria gritado se Savos não houvesse colocado o dedo indicador na boca, sinalizando que deveria fazer silêncio. Viram o elfo abrir seus olhos avermelhados, mas quando o elfo os viu, gritou com toda sua força:

— Matem! Matem ela, tirem isso de perto de mim! Não me deixem morrer, Arkay me ajude! Socorro!

E então forma horripilante virou seus muitos olhos para a Companhia. Então avançou. Nunca se vira um ataque tão violento no mundo selvagem dos animais. Ralof, uma pequena criatura comparada à aranha, armado apenas de um machado de ferro, saltou com bravura contra a torre de chifres e carapaça. Perturbada, como se tivesse sido despertada de algum sonho de volúpia pelo grito dele, lentamente voltou a malícia apavorante de seu olhar na direção dele. Mas quase antes de ela perceber que avançava sobre ela uma fúria maior do que qualquer outra provada em anos incontáveis, o machado golpeou sua pata e decepou a garra. Ralof saltou para dentro dos arcos de suas pernas, e com um rápido impulso de sua outra mão desferiu um golpe contra o aglomerado de olhos na cabeça abaixada. Um grande olho escureceu. Outro em seguida; uma flecha élfica o perfurara.

Agora Ralof estava bem debaixo dela, no momento longe do alcance de seu ferrão e suas garras. Sua vasta barriga estava sobre Ralof com sua luz pútrida, e o mau cheiro que vinha dela quase o derrubou. Mas ainda lhe restava fúria para mais um golpe, e antes que ela pudesse cair com o corpo sobre ele, sufocando-o com toda a sua pequena coragem atrevida, ele, num esforço desesperado, rasgou-lhe um talho no corpo com o machado. A reluzente espada de Vorstag rasgou uma das patas. Savos ateava fogo ao corpo dela. Calombosa, esburacada e corrompida era a sua carapaça antiga como a eternidade, mas sua espessura era sempre alimentada de dentro para fora, formando camada sobre camada de excrescência maligna. A lâmina fez um talho horroroso, mas aquelas dobras hediondas não podiam ser perfuradas pela força humana. Ela recuou quando golpeada, e então ergueu a enorme bolsa de sua barriga bem acima da cabeça de Ralof. O veneno espumava e borbulhava do ferimento. Abrindo agora as pernas, ela fez seu enorme peso cair sobre ele outra vez. Cedo demais.

Pois Ralof ainda estava de pé e segurou com as duas mãos o machado com a lâmina para cima, afastando aquele teto horrível; e assim a aranha, com o impulso de sua própria disposição maligna, num esforço maior que o da mão de qualquer guerreiro, jogou-se sobre um cravo cruel. A espada foi penetrando cada vez mais fundo, enquanto Ralof era lentamente prensado contra o chão. Ela deu um pulo e foi para o lado. Ralof avançou. Cambaleava como um bêbado, mas avançou. E após algumas flechadas do elfo da floresta, a aranha finalmente recuou, encolhida e derrotada, tentando aos trancos e barrancos correr deles. Atingiu o buraco do qual saiu e, passando apertada, deixou um rastro de muco verde-amarelado e esgueirou-se para dentro, no momento em que Faendal desfechava um último tiro em suas pernas rastejantes.

A aranha se fora, e se porventura permaneceu por muito tempo em sua toca, cuidando de sua malícia e miséria, e em lentos anos de escuridão se curou de dentro para fora, reconstruindo o aglomerado de olhos, até poder, com fome mortal, armar mais uma vez suas horripilantes ciladas nas Cataratas Ermas, esta história não conta.

— Ugh! Este cheiro! — disse Ralof. — Está ficando cada vez mais forte, embora ela tenha ido embora.

De repente estavam sob a sombra, e ali no meio dela viram a abertura de uma caverna, onde o elfo negro sorria em alívio.

— A entrada é por aqui — disse ele baixinho. — Esta é a entrada do túnel. Muito obrigarem por salvar a vida deste humilde explorador. Sou Arvel! — Pode ter dito seu nome, mas não disse o nome do túnel cujo corpo bloqueava a passagem: Dilon Saraan, as Sendas dos Mortos. Dele vinha um fedor, um odor repugnante, como se uma imundície inominável estivesse empilhada e guardada na escuridão lá dentro.

— É o único caminho para fora, Arvel? — perguntou Ralof.

— É, sim — respondeu ele. — Sim, devemos ir por aqui agora.

— Você está querendo dizer que já atravessou este buraco? — disse Faendal, olhando para o elfo com muitas dúvidas na alma.

Os olhos de Arvel cintilaram. — Vocês não sabem porque eu estou aqui? Não, vocês não sabem. Mas sim, uma Garra de Ouro. Eu sei como funciona; a Garra, as marcas, a porta no Salão dos Contos. Eu sei todos os segredos, eu sei todas as combinações. Me deixem descer e eu os ajudarei. Não acreditam no poder que os nórdicos esconderam lá dentro.

— E como você chegou aqui, eu gostaria de saber — disse Savos. — Parece que você está mexendo com assuntos ocultos, Arvel. Ninguém deveria atravessar essas ruínas; muito menos com intenções ambiciosas. Existem segredos ocultos, muito obscuros, nesses salões.

— Bem — disse Erik. — Com ou sem segredos, se for o único caminho, devemos tomá-lo, e acreditar nas palavras deste elfo.

Faendal tomou a faca élfica da bainha e cortou com dificuldade as teias de aranha gosmentas que cobriam o corpo de Arvel. Alguns passos e já estavam num a escuridão total e impenetrável. Só nos corredores sem luz anteriores a Companhia não tinha visto escuridão semelhante, e se possível aqui ela era mais profunda e mais densa. Lá havia ares circulando, e ecos, e uma sensação de espaço. Onde estavam agora o ar era parado, estagnado, pesado, e o silêncio era total.

Uma longa mão mal-cheirosa cobriu a boca de Ralof e uma outra o pegou pelo pescoço, enquanto alguma coisa se enrolava em torno de sua perna. Pego de surpresa, ele tombou para trás e caiu nos braços de quem o atacara.

— Idiotas! — chiou Arvel na escuridão. — Por que eu dividiria o segredo com qualquer um? Por que eu dividiria o tesouro?

Na medida que Arvel correu para a escuridão, como magia, várias luzes em fogo se acenderam: eram como a que haviam encontrado no Salão do Portão, fogo mágico. Brilhava como fogo normal, e tocha por tocha começou a se acender ao redor da Companhia e do fugitivo. Enquanto Savos não via razão para pará-lo, Erik correu atrás dele, dominado pela fúria da traição.

Uma sombra emergiu das câmaras mortuárias do lugar, que agora iluminado era um grande túmulo. Parou na frente de Arvel. A Companhia toda parou de correr e ficaram imóveis e calados, Arvel também. Era alta, descarnada e dura como ossos velhos, com uma carne pálida como leite. Sua armadura era antiga e enferrujada, mas era diferente dos padrões da atualidade; malha esverdeada e um metal que parecia mais resistente do que qualquer um forjado em Windhelm ou Solitude.

Ralof ouviu a exalação sair de Arvel num longo silvo.

— Não avance mais — preveniu o ladrão. A voz estava quebrada como a de um rapaz. Atirou o elmo de ferro da cabeça para o chão por sobre os ombros, a fim de liberar o peso para a batalha, e pegou na espada com ambas as mãos. O vento parara. Estava muito frio.

O Draugr deslizou para a frente sobre pés silenciosos.

Arvel enfrentou o inimigo com bravura.

— Lute comigo, aberração!

Ergueu a espada bem alto acima da cabeça, desafiador. As mãos tremiam com o peso da arma, ou talvez devido ao frio. O draugr parou. Ralof viu seus olhos, azuis, mais profundos e mais azuis do que quaisquer olhos humanos, de um azul que queimava como gelo. Os olhos de Ralof fixaram-se na espada que estremecia, erguida, e observou o luar que corria, frio, ao longo do metal. Durante um segundo, atreveu-se a ter esperança.

Emergiram em silêncio, das sombras, gêmeos do primeiro.

Três... quatro... cinco... Arvel talvez tivesse sentido o frio que vinha com eles, mas não chegou a vê-los, não chegou a ouvi-los. A espada antiga do draugr veio pelo ar, tremendo. Arvel parou-a com o aço. Quando as lâminas se encontraram, não se ouviu nenhum ressoar de metal com metal, apenas um som agudo e fino, no limiar da audição, como um animal a guinchar de dor. Arvel deteve um segundo golpe, e um terceiro, e depois recuou um passo. Outra chuva de golpes, e recuou outra vez.

Atrás dele, para a direita, para a esquerda, em seu redor, os observadores mantinham-se em pé, pacientes, sem rosto, silenciosos, com os padrões mutáveis de suas delicadas armaduras a torná-los quase invisíveis na floresta. Mas não faziam um gesto para intervir. Uma vez e outra, as espadas encontraram-se, até Ralof querer tapar os ouvidos, protegendo-os do estranho e angustiado lamento de seus choques.

Então, a parada do elfo negro chegou um momento tarde demais. A espada do draugr trespassou a cota de malha por baixo de seu braço. O ladrão gritou de dor. Surgiu sangue por entre os aros, correu ao frio, e as gotas pareciam vermelhas como fogo onde tocavam a pedra. Os dedos de Arvel esfregaram o flanco. Sua mão veio empapada de vermelho.

O draugr disse qualquer coisa numa língua que Ralof não conhecia; sua voz era como o quebrar do gelo num lago de inverno, e as palavras, escarnecedoras.

Arvel, o Leve, encontrou sua fúria.

— Por Azura! — gritou, e atacou, rosnando, erguendo com ambas as mãos a espada e brandindo-a num golpe lateral paralelo ao chão, carregado com todo seu peso. A parada do draugr foi quase displicente.

Quando as lâminas se tocaram, o aço despedaçou-se.