O comentário não se extinguiu dentro de 9 nem de 99 dias. O segundo retorno de Ralof foi discutido em Riverwood, e na verdade em todo o Estado de Whiterun, ao longo de todo o ano, sendo relembrado por muito mais tempo. Tornou-se uma fábula para os pequenos meninos, e finalmente o Ralof Mata-Dragão, “A sorte vem para poucos”, eles diziam; mas foi somente quando Ralof chegou à idade geralmente mais sóbria de cinqüenta que começaram a achar aquilo estranho.

Ralof, depois do primeiro choque, descobriu que ser dono do seu próprio nariz e o Sr. Ralof de Riverwood era bastante agradável. Por alguns anos foi muito feliz e não se preocupou demais com o futuro. Mas, sem que se desse conta disso, sentia um arrependimento cada vez maior por não ter voltado à Windhelm depois do desastre em Helgen. Às vezes se pegava pensando, especialmente no outono, em terras selvagens, e estranhas imagens de montanhas que nunca havia visto apareciam em seus sonhos.

Começou a dizer para si mesmo: “Talvez eu também volte a cruzar o Rio algum dia.” Ao que a outra metade de sua mente sempre respondia: “Ainda não.” As coisas continuaram assim até Ralof chegar ao fim dos vinte e estar próximo de seu trigésimo aniversário. Começou a se sentir inquieto, e as velhas trilhas pareciam marcadas demais. Olhava mapas e se perguntava sobre o que estaria além das suas bordas: a maior parte dos mapas feitos em Riverwood mostrava espaços em branco além de seus limites. Pegou o costume de vagar até mais longe, na maioria das vezes sozinho, e Gerdur e seus outros amigos o vigiavam com ansiedade. Freqüentemente era visto andando e conversando com os estranhos andarilhos que tinham começado a aparecer em Riverwood nessa época.

Havia rumores sobre coisas estranhas acontecendo no mundo lá fora, e como Ulfric Stormcloak não tinha até aquele momento aparecido ou enviado recados já por vários anos, Ralof recolhia todas as notícias que conseguia. Os elfos da floresta, que raramente entravam em Riverwood, podiam agora ser vistos passando em direção ao Sul através dos bosques à noite, passando e não retornando; mas eles estavam abandonando Skyrim para voltar para Valenwood e não estavam mais preocupados com os problemas do lugar. Havia, entretanto, khajiits na estrada em quantidade incomum. Eram a principal fonte de notícias de partes distantes que os nórdicos de Riverwood possuíam - se é que desejavam qualquer notícia: geralmente os khajiits diziam pouco e os nórdicos perguntavam menos ainda.

Mas agora Ralof sempre encontrava khajiits estranhos de países distantes, procurando refúgio em Cyrodiil. Estavam preocupados, e alguns deles falavam aos sussurros sobre Nahkriin e a Terra de Skuldafn.

Os nórdicos só conheciam esse nome em lendas do passado escuro, como uma sombra no fundo de suas memórias; mas era um nome agourento e perturbador. Parecia que o poder maligno da Garganta do Mundo havia sido expulso pela Companhia de Gormlaith Cabo-Dourado para reaparecer com força maior nas velhas fortalezas de Skuldafn. As Torres tinham sido reconstruídas, dizia-se. Dali o poder estava se espalhando em todas as direções, e lá no extremo oriente e ao sul havia guerras e o medo crescia. Os mortos-vivos se multiplicavam de novo nas antigas tumbas. Os trolls estavam longe de suas terras e tinham deixado de ser estúpidos; eram astutos e tinham armas terríveis. E havia murmúrios sobre criaturas ainda mais horríveis que todas essas, mas que não tinham nome.

É claro que nada disso chegou aos ouvidos dos cidadãos comuns. Mas mesmo os mais surdos e os que menos saíam de casa começaram a ouvir histórias estranhas, e aqueles que tinham negócios nas fronteiras começaram a ver coisas esquisitas. As conversas no Gigante Adormecido em Riverwood, numa noite na primavera do aniversário de Ralof, demonstravam que mesmo no confortável coração de Riverwood rumores foram ouvidos, embora a maioria dos moradores ainda risse deles.

— A gente anda escutando coisas estranhas ultimamente — disse Sven.

— Ah! — disse Orgnar. — A gente escuta se der ouvidos. Mas eu posso escutar histórias agradáveis e contos infantis em casa, se quiser.

— Não há dúvida que sim — retorquiu Sven. — E eu digo que há mais verdade em algumas delas do que você possa imaginar. Então, quem inventou as histórias? Veja os dragões, por exemplo...

— Não, 'brigado' — disse Orgnar. — Não vejo nada. Ouvi falar deles quando era rapaz, mas não preciso acreditar nisso hoje em dia. Só existe uma coisa relacionada a dragão em Riverwood, que é o Sopro de Dragão — disse ele, provocando o riso geral.

— Tudo bem — disse Sven, rindo com os outros. — Mas e esses homens-árvores, esses que podemos chamar de gigantes? Dizem que um homem maior que uma árvore foi cruzando os campos de Whiterun há pouco tempo.

— Quem disse isso?

— Meu primo Yrgnjolf é um. Ele trabalha para o Sr. Pelagia em Whiterun e sobe até os montes para caçar. Ele viu um. A Companhia o levou ao chão.

— Disse que viu, talvez. Esse seu primo vive dizendo que viu coisas, e pode ser que ele veja coisas que não estão lá.

— Mas esse era grande como um olmo, e estava andando: avançava sete jardas a cada passo, como se fosse uma polegada.

— Então aposto que não era uma polegada. O que ele viu era um olmo, é bem possível.

— Mas esse estava andando, eu te digo; e não existe olmo por lá.

— Então Yrgnjolf não pode ter visto um - disse Orgnar. Houve risos e aplausos: a platéia parecia achar que Orgnar tinha marcado um ponto.

— Mesmo assim — disse Sven —, você não pode negar que outros, além do nosso Asgarne, viram pessoas esquisitas atravessando Riverwood - atravessando, imagine você: existe mais gente que foi barrada nas fronteiras. Os Fronteiros nunca estiveram tão ocupados. E ouvi dizer que os elfos estão indo para Cyrodiil. Dizem que estão indo para Valenwood de novo, muito além da Torre Branca. — Sven acenou o braço vagamente: nem ele nem qualquer um ali sabia a que distância ficava Valenwood, além das velhas torres para lá da fronteira Sul de Riverwood. Mas existia uma velha tradição de que lá longe ficavam as terras dos elfos, dos quais às vezes grupos de elfos vinham para Skyrim, para nunca mais voltar. — Eles estão viajando, viajando pelas estradas. Estão indo para o Sudoeste e nos deixando — disse Sven, meio que cantando as palavras, balançando a cabeça triste e solenemente.

Mas Orgnar riu.

— Bem, isso não é nenhuma novidade, se você acredita nas velhas histórias. E não consigo ver que importância isso pode ter para mim ou para você. Deixe-os viajar! Mas eu garanto que você não os viu navegando; nem qualquer outra pessoa de Riverwood.

— Bem, eu não sei — disse Sven pensativo. Ele acreditava ter visto um elfo uma vez nos bosques, e ainda esperava ver mais deles algum dia. Dentre todas as lendas que tinha ouvido em sua infância, esses fragmentos de contos e histórias semi-esquecidas sobre os elfos, que os nórdicos contavam, sempre o tocavam profundamente. — Existem alguns, mesmo por essas partes — disse ele. — Tem o Sr. Ralof. Ele me disse que estavam navegando, e ele sabe um pouco sobre os elfos. E o velho Sr. Hod sabia mais: tive muitas conversas com ele quando era garotinho.

— Nenhum dos dois regula bem — disse Orgnar. — Pelo menos o velho Hod é louco por trabalho e não sabe de nada além disso, e Ralof está ficando louco também. Se é daí que você recolheu suas informações, não precisa inventar mais nada. Bem, amigos, vou para casa. À sua saúde! — Esvaziou sua caneca e saiu fazendo barulho.

Sven ficou sentado em silêncio e não falou mais. Tinha muito em que pensar. Em primeiro lugar, havia muito trabalho a fazer naquela noite no bar e o dia seguinte seria cheio, se o tempo melhorasse. Sven era o bardo da cidade. Mas tinha outras coisas na cabeça além da cantoria. Depois de uns momentos suspirou, levantou-se e saiu. Era o começo de mão-chuva e o céu estava clareando depois de uma chuva pesada. O sol tinha se posto e um entardecer pálido e fresco morria dentro da noite. Ele caminhou sob as primeiras estrelas através de Riverwood, assobiando doce e pensativamente.

Foi bem nessa época que Savos Aren, o elfo negro, resolveu aparecer depois de uma longa ausência. O velho elfo era o Arque-Mago do Colégio de Winterhold, cuja fama em Riverwood se devia principalmente ao seu talento com apresentações de magia e ilusões. Seu oficio real era muito mais difícil e perigoso, mas o pessoal de Riverwood não sabia nada sobre isso. Para eles, ele era apenas uma atração. Por isso a excitação das crianças. Conheciam-no de vista, embora ele aparecesse em Riverwood de vez em quando e nunca ficasse por muito tempo. Mas nem eles, nem os mais velhos dentre os velhos tinham visto uma de suas exibições de pergaminhos - elas agora pertenciam a um passado lendário. Tinha estado fora por três anos depois que Ralof se alistou no Exército de Ulfric Stormcloak. Então fez uma visita rápida a Ralof depois do incidente de Helgen e, depois de ter dado uma boa olhada nele, partiu novamente. Durante um ou meses consecutivos havia aparecido com bastante freqüência, chegando sem ser esperado depois do anoitecer e indo embora sem avisar antes do nascer do sol. Não discutia seus próprios assuntos e viagens, e parecia principalmente interessado em pequenas notícias sobre a saúde e os afazeres de Ralof.

Depois, de repente, suas visitas cessaram. Já fazia mais de nove meses que Ralof não o via ou tinha notícias dele, e começou a pensar que o mago nunca mais voltaria e tinha perdido completamente o interesse pelo assunto do dragão. Mas naquela noite, enquanto Sven estava indo para casa e anoitecia, veio a já conhecida batida na janela do escritório.

Ralof recebeu seu velho amigo com surpresa e grande prazer. Eles olharam bem um para o outro.

— Ora, ora... — disse Savos — Você parece o mesmo de sempre!

— Você também — replicou Ralof; mas em segredo pensou que Savos parecia mais velho e desgastado. Quis saber notícias suas e do mundo lá fora, e logo os dois estavam numa conversa animada, que durou até tarde da noite.

Na manhã seguinte, depois de um desjejum tardio, o mago e Ralof estavam sentados perto da janela do escritório. Havia um fogo forte na lareira, mas o sol estava quente, e o vento vinha do sul. Tudo estava muito viçoso, e o verde novo da primavera brilhava nos campos e nas pontas dos dedos das árvores. O cabelo de Savos talvez estivesse agora mais branco, e sua barba e sobrancelhas mais longas, e seu rosto mais marcado pela preocupação e pela sabedoria; mas os olhos vermelhos brilhavam como sempre, e ele fumava e soprava anéis de fumaça com o mesmo vigor e prazer.

Agora fumava em silêncio, pois Ralof estava quieto, perdido em pensamentos. Mesmo na luz do dia ele sentia a sombra escura das notícias trazidas por Savos. Finalmente quebrou o silêncio.

— Ontem à noite você começou a dizer coisas estranhas sobre o dragão, Savos — disse ele. — E aí parou, porque disse que era melhor conversar esses assuntos de dia. Não acha que devia terminar agora? Você diz que o dragão é perigoso, muito mais perigoso do que eu imagino. De que maneira?

— De muitas maneiras — respondeu o mago. — Ele é muito mais poderoso do que jamais ousei pensar no início, tão poderoso que no final poderia literalmente dominar qualquer um da raça dos mortais que o desafiasse. O dragão os quebraria. Em Akavir, há muito tempo, dragões viviam em harmonia e se reproduziam, até que começaram a se espalhar por Tamriel, como se diz. E eram, é claro, de muitos tipos: alguns mais poderosos, outros menos. Os dragões menos importantes permaneceram em Akavir, servindo com lealdade àqueles dragões poderosos que se recusaram a voar para o norte, sul, leste ou oeste, e para os outros dragões esses eram insignificantes – embora eu os considere um risco para os mortais. Mas os dois irmãos, os dois primeiros Filhos de Akatosh, esses eram perigosos. Quando o incidente de Helgen aconteceu, e este dragão negro de que fala foi para Leste e nunca mais apareceu, os pesquisadores do Colégio tinham absoluta certeza que ele pertencia à pesquisadores dos Akavir, que tentaram, e com muita sorte conseguiram, chocar um ovo de dragão. O Colégio dos Sussurros, por sua vez, determinou que dragões são simplesmente “formas e seres”: eternos, imortais, imutáveis e inquebráveis. Eles não tem idade e são imortais; suas almas duram além da vida física. Não existem exemplos de ovos de dragão ou de dragonites. A Baía Ilíaca é cheia de história dessas coisas, mas todos os ovos foram provados como de dragonites, não de verdadeiros dragões. Eles não procriam como os animais.

— Que assustador! — disse Ralof. Houve outro longo silêncio. — Há quanto tempo você sabe dessas coisas? - perguntou Ralof finalmente.

— Sei? — disse Savos — Sei de muitas coisas que apenas os Sábios sabem, Ralof. Mas se quer dizer “sei sobre este dragão”, bem, ainda não sei, pode-se dizer. Há um último teste para ser feito. Mas não duvido mais do que já suponho. Quando foi que comecei a supor? — continuou ele cismando, em busca da resposta em sua memória. — Deixe-me ver. Foi no ano em que a Companhia de Gormlaith expulsou o poder escuro de Nirn, um pouco antes da Destruição de Ivarstead, quando Alduin foi banido no tempo. Uma sombra cobriu meu coração quando eu pesquisei sobre isso, embora eu ainda não soubesse o que temia. Sempre me perguntava como apenas três nórdicos tinham derrotado o Devorador de Mundos, pois aquele era o primogênito de Akatosh - isso ao menos estava claro desde o início. Aí ouvi a história estranha de Hakon Um-Olho de fontes mais confiáveis, de como o tinha “derrotado”, e não pude acreditar nela. Não havia quase mais nada que eu pudesse fazer. Não poderia tomar decisões sem causar um grande mal, e não conseguiria fazê-lo, de qualquer forma. Eu só podia observar e esperar. Talvez pudesse ter consultado Septimus Signus, mas alguma coisa sempre me impedia.

— Quem é Septimus Signus? - perguntou Ralof. — Nunca ouvi falar nele antes.

— Talvez não — respondeu Savos — Ele não se preocupa, ou não se preocupava, com dragões. Apesar disso, é um dos grandes entre os mais sábios magos. Era um dos chefes de minha Ordem e o mais renomado pesquisador dos Pergaminhos Antigos. Seu conhecimento é profundo, mas seu orgulho cresceu na mesma proporção, e ele se ofende se alguém se intrometer. A história da derrota de Alduin é da sua alçada. Estudou-a por muito tempo, procurando os segredos perdidos de sua feitura; mas quando os dragões foram debatidos no último conselho dos magos antes que ele se refugiasse além dos domínios de Winterhold, tudo o que nos revelou sobre seu estudo se mostrou contra meus receios. Então minha dúvida adormeceu - de modo inquieto. Ainda observei e esperei. Finalmente soube que algo escuro e mortal estava em ação. Passei a maioria dos dias desde essa época descobrindo a verdade sobre isso. Desde que Helgen foi queimada, ando muito preocupado com você, e com todos esses nórdicos encantadores, absurdos e desamparados. Seria um triste golpe para o mundo se o Poder do Dragão dominasse Riverwood; se todos vocês, estúpidos e alegres nórdicos fossem todos escravizados.

Ralof estremeceu. — Mas por que isso deveria acontecer? — perguntou ele. — E por que ele iria querer escravos assim?

— Para falar a verdade — replicou Savos —, acredito que até sua derrota pela Companhia de Gormlaith - até então, veja bem - ele ignorou totalmente a existência do poder dos homens do norte. Você deve ficar agradecido. Mas a sua segurança passou. Ele não precisa de vocês - tem muitos servidores úteis – mas não se esquecerá de vocês novamente. E nórdicos miseravelmente escravizados seriam muito mais do agrado dele do que nórdicos felizes e livres. Existem coisas assim, como malícia e vingança.

— Vingança? — disse Ralof. — Vingança por quê? Ainda não entendo o que tudo isso tem a ver com Riverwood, comigo e com aquele dragão em particular.

— Tem tudo a ver — disse Savos — Você ainda não sabe do perigo real; mas saberá. Eu não sabia ao certo da última vez que vim aqui; mas chegou a hora de falar. Veja esta carta.

Savos retirou-a do bolso das calças, onde estava presa dentro de um envelope envelhecido. Soltou-a e a entregou lentamente a Ralof.

— Você consegue ver essas marcas nela? — perguntou o mago.

Ralof enxergou as linhas que corriam ao longo de papel, grossas e brutas como se estivessem rasgando seda.

— Não consigo ler essas letras — disse Ralof numa voz trêmula.

— Não — disse Savos —, mas eu consigo. Essas letras são dracônico, de uma modalidade arcaica, mas a língua é a dos dragões, a qual não vou pronunciar aqui. Mas isto em Língua Comum quer dizer, aproximadamente: Aqui jazem nossos senhores caídos, o poder furioso de Alduin revive. São estes os versos na Pedra Dracônica. Quem me enviou isto foi um velho conhecido meu, Farengar, que está me auxiliando nesta busca por uma luz. Este Alduin, o Devorador de Mundos, é o dragão majestoso que foi derrotado há muito tempo na Garganta do Mundo. O Senhor de todos os dragões do Norte. Negro, com olhos vermelhos como o sangue que ainda corre nas veias. Não foi assim que você me descreveu o dragão que atacou Helgen naquele dia? Não era esta a aparência dele?

Ralof estava sentado em silêncio e paralisado. Parecia que o medo estava estendendo uma mão enorme, como uma nuvem escura que nascia no Leste e avançava para envolvê-lo.

— Este dragão! — gaguejou. — Como, como foi parar em Helgen? Não havia sido destruído, derrotado, aniquilado pelos heróis de outras eras?

— Ah! — disse Savos. — Essa é uma longa história. Seu início remonta à Era Merética, agora apenas lembrados pelos mestres conhecedores das tradições. Se eu tivesse de lhe contar tudo, ficaríamos aqui sentados até o inverno chegar. Mas ontem à noite lhe falei sobre Alduin, o Devorador de Mundos, o Primogênito de Akatosh. Concluo agora que os rumores que os Sábios tanto especulam são verdadeiros: ele realmente ressurgiu; libertou-se de sua prisão nas correntes do Tempo e voltou à sua antiga fortaleza nas Torres de Skuldafn. Até vocês já ouviram esse nome, como uma sombra rondando os limites das velhas histórias. Sempre, depois de uma derrota e uma pausa, a Sombra toma outra forma e cresce novamente.

— Gostaria que isso não tivesse acontecido na minha época — disse Ralof.

— Eu também — disse Savos Aren. — Como todos os que vivem nestes tempos. Mas a decisão não é nossa. Tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado. E, Ralof, nosso tempo já está começando a ficar negro. O Devorador de Mundos está se tornando muito forte. Seus planos ainda não estão amadurecidos, eu acho, mas estão amadurecendo. Será muito difícil para nós. Já seria, mesmo se não fosse por esse acaso terrível. Para o Devorador de Mundos falta ainda uma coisa que lhe dê força e sabedoria para derrotar todas as resistências, quebrar todas as defesas e cobrir todas as terras com uma segunda escuridão. Ele precisa dos seus fiéis aliados. Ele terá de escolher a dedo agora aqueles em quem confia, pois seu próprio irmão o traiu há muitas eras. Os seus três mais confiáveis Grah-Zeymahzin, os mais poderosos de todos, se refugiaram dos Akaviri, e as mãos dos dragicidas nunca os tocaram ou macularam. Sete eram seus mais poderosos aliados, que se mantiveram ao seu lado durante a Destruição de Ivarstead, mas os nórdicos enterraram em grandes terrenos somente três desses sete, os outros sumiram. Nove de seus grah-zeymahzin o traíram, pois foram persuadidos pelo irmão de Alduin, que pelo caminho da sabedoria os guiou. Há muito tempo caíram perante as espadas dos Akaviri, e se tornaram ossos enterrados em nossas terras, sombras sob sua grande Sombra, seus mais terríveis servidores, amaldiçoados por traição. Há muito tempo. Faz muitas eras que os Nove foram enterrados. E seus piores aliados em terra eram os Sacerdotes Dracônicos, poderosos e orgulhosos, seduzidos pelo Devorador de Mundos. Mas, quem sabe? Conforme as sombras cresçam novamente, estes também podem retornar. Mas deixa para lá! Não devemos falar dessas coisas nem numa manhã de Riverwood. A situação agora é esta: os Sacerdotes Dracônicos foram reunidos por ele; e ele sabe onde os seus aliados estão enterrados. Os Três Grah-Zeymahzin ainda estão escondidos. Mas não o preocupam mais. Precisa apenas de alguns aliados poderosos e leais. Se os recuperar, poderá comandar a todos novamente, onde quer que estejam, até mesmo os Três, que logo saberão do retorno de seu Senhor. E este é o acaso terrível, Ralof. Nós acreditávamos que o Devorador de Mundos estava desaparecido, então nenhum dos outros males havia de nos preocupar, que havia sido destruído pelos heróis do passado, como deveria ter acontecido. Mas agora sabemos que ele não desapareceu, que foi encontrado. Agora ele sabe que pode usar destes outros males de que te falei. Então está procurando, procurando, e todo o seu pensamento está concentrado nisso. É sua grande esperança e nosso grande receio.

— Por que, por que não foi destruído? — gritou Ralof. — E como aconteceu aos heróis de não matá-lo, se eram tão fortes?

— Foi banido — disse Savos. — Antigamente a força de resistência dos homens contra ele era maior; e homens e dragões não eram tão estranhos uns aos outros. Os dragões aliados ao irmão de Alduin vieram ajudá-los. Este é um capítulo da antiga história que merece ser recordado; naquele tempo também havia tristeza, e uma escuridão crescente, mas houve pessoas valorosas e feitos que não foram totalmente em vão. Um dia, talvez, eu lhe conte toda a história, ou quem sabe você a escute de alguém que a conhece melhor. Mas por enquanto, já que acima de tudo você precisa saber como essa coisa foi parar em Helgen no triste dia de sua execução, e isso já dá uma história bem longa, vou me limitar a essa parte. Foi Gormlaith Cabo-Dourado, Senhora das Torres Valtheim, que juntamente com Hakon Um-Olho derrotou Alduin, embora ela tenha sucumbido nesta empresa; Felldir, o Velho, um associado ao Colégio de Winterhold, usou os Pergaminhos Antigos que mencionei mais cedo para enviar Alduin deste plano para um plano sem forma, para ficar para sempre perdido no Tempo. Dessa forma Alduin foi subjugado e seu espírito fugiu e ficou escondido no vazio por muitos anos, até que sua sombra tomou forma novamente em Helgen. Por trás disso havia algo mais em ação, além de qualquer desígnio de quem fez este Mundo. Não posso dizer de modo mais direto: Alduin estava designado a voltar. Nesse caso você também estava designado a presenciar seu retorno. E este pode ser um pensamento encorajador.

— Mas não é — disse Ralof. — Embora eu não tenha certeza de que entendi o que me contou. Mas como você soube tudo isso sobre o Devorador de Mundos, e sobre os Pergaminhos? Você realmente sabe de tudo isso, ou ainda está só adivinhando?

Savos olhou para Ralof, e seus olhos brilharam.

— Eu sabia muito, e aprendi muito — respondeu ele. — Mas não vou prestar contas de tudo o que fiz para você. A história de Gormlaith e Hakon e do Devorador de Mundos, a verdadeira história, agora é conhecida por todos os Sábios. E ficou demonstrado, apenas pela sua descrição do dragão que destruiu Helgen, que aquele dragão era o Devorador de Mundos, mesmo deixando de lado outras evidências.

— E quando você descobriu isto? — perguntou Ralof, interrompendo.

— Agora há pouco, nesta sala, é claro — respondeu o mago secamente. — Mas já esperava fazer essa descoberta. Voltei de escuras jornadas e de uma longa procura para fazer o teste final. É a última prova e as coisas agora estão muito claras. Descobrir a parte de Septimus Signus, e ajustá-la à lacuna da história exigiu alguma reflexão. Posso ter começado com suposições a respeito dos Pergaminhos Antigos, mas não estou supondo agora. Eu sei. Eu o encontrei!

— Você encontrou este Septimus?

— Bem, isso foi meses atrás. Paguei por isso com muitos dias escuros e perigosos. Já fazia muito tempo que o rastro era antigo quando comecei a segui-lo novamente, depois do incidente de Helgen. E minha busca teria sido em vão, se não fosse pela ajuda que tive de um amigo: Vorstag, o maior viajante e caçador do mundo nesta era. Juntos procuramos Septimus Signus em toda a extensão de Skyrim, sem esperança e sem sucesso. Mas finalmente, quando eu tinha desistido da busca e me voltava para outras coisas, ele foi encontrado. Meu amigo retornou, depois de passar por grandes perigos, trazendo o meu velho companheiro. O que Septimus estivera fazendo não dizia. Apenas chorava e nos chamava de cruéis por termos adivinhado sua localização, mostrando muitos sinais de loucura: e quando o pressionamos com muita bajulação, lamentou-se e nos adulou, e esfregou as longas mãos, lambendo os dedos como se doessem. Mas receio que não há sombra de dúvida: ele tinha feito um percurso longo e furtivo, passo a passo, milha a milha, até finalmente chegar à alguma coisa concreta para suas pesquisas. Neste ponto, seria muito estupido duvidar de qualquer palavra que Septimus dissesse. Embora fossem dificeis de entender, pois o que ele falava era codificadamente o que ele pensava. O Pergaminho havia sido usado, e sua função havia sido efetuada. O efeito do banimento de Alduin só poderia ter acabado.

— Mas por que não destruí-lo, como os heróis do passado já deveriam ter feito há muito tempo? — gritou Ralof novamente. — Se tivesse me avisado, ou mesmo mandado um recado, eu teria informado Ulfric.

— Deveriam? Como o exército de Windhelm faria isso? Em Helgen, os soldados tentaram combater o dragão?

— Sim, mas sem sucesso. Mas acho que ele poderia ser destruído com um exército mais poderoso. Talvez num acordo de paz entre os dois lados da Guerra, onde aceitariam Ulfric como o verdadeiro Rei.

Savos riu de modo severo. — Suas pequenas armas, é claro, não derrotariam nem um dragão comum. Este dragão já passou por milhares de milhares de flechas incólume, e nem foi arranhado. Mas não há aço nesta Riverwood que possa sequer raspar a carcaça de Alduin. Nem mesmo as bigornas e os fornos dos antigos anões poderiam fazer algum aço tão potente. Alguém disse que o fogo dos dragões poderia derrotar e consumir os outros, mas hoje em dia não sobrou nenhum dragão na terra cujo velho fogo seja quente o suficiente; nem nunca houve qualquer dragão, nem mesmo Viinturuth, o Negro, que pudesse danificar de qualquer modo o Devorador de Mundos, pois ele foi feito pelo próprio Akatosh. Só existe uma maneira: encontrar todos os possíveis aliados e baní-lo novamente, escravizá-lo fisicamente e enfraquecê-lo. Se você realmente quer destruí-lo, teríamos que buscar conselhos sobre aonde buscar conselhos sobre conselhos.

— É claro que quero destruí-lo! — gritou Ralof. — Ou, bem.... fazer com que ele seja destruído. Não sou talhado para buscas perigosas. Falhei uma vez a defender o meu próprio rei. Não quero falhar a defender meu mundo. Gostaria de nunca ter visto o dragão! Por que veio a mim? Por que fui escolhido?

— Perguntas desse tipo não se podem responder — disse Savos. — Pode ter certeza de que não foi por méritos que outros não tenham: pelo menos não por poder ou sabedoria. Mas você foi escolhido, e portanto deve usar toda força, coração e esperteza que tiver.

— Mas tenho tão pouco dessas coisas! Você é sábio e poderoso. Você não ficaria com este fardo?

— Não! — gritou Savos, levantando-se de repente. — Com esse dever eu teria uma responsabilidade grande e terrível demais. E se eu pudesse fazer isso, estas preocupações ganhariam uma força ainda maior e mais fatal. — Seus olhos brilharam e seu rosto se acendeu como se estivesse iluminado por dentro. - Não me obrigue! Pois eu não quero ficar como o próprio Septimus. Mas o caminho do dragão até meu coração é através da piedade, piedade pela fraqueza e pelo desejo de ter forças para fazer o bem. O desejo de derrotá-lo e controlá-lo seria grande demais para minhas forças. E vou precisar delas. Grandes perigos me esperam. E agora — disse o mago, voltando-se para Ralof —, a decisão é sua! Mas sempre ajudarei você. — Colocou a mão no ombro de Ralof. — Ajudarei você a carregar este fardo, enquanto precisar carregá-lo. Mas precisamos fazer alguma coisa logo. O Devorador de Mundos está se aproximando.

Houve um longo silêncio. Savos Aren sentou-se novamente e tirava baforadas de seu cachimbo, como se estivesse perdido em pensamentos. Seus olhos pareciam fechados, mas sob as pálpebras estavam vigiando Ralof atentamente. Ralof olhou fixamente para as brasas vermelhas na lareira, até que elas encheram toda a sua visão, e ele parecia estar olhando no interior de profundos poços de fogo. Estava pensando nas lendárias rochas da Garganta do Mundo, e no terror do dragão.

— Bem — disse Savos finalmente. — Em que está pensando? Já decidiu o que fazer?

— Não! — respondeu Ralof, saindo da escuridão e voltando a si, surpreso ao descobrir que não estava escuro, e que da janela podia ver o jardim iluminado pelo sol. — Ou, talvez, sim. Pelo que entendi do que você disse, suponho que devo manter essa informação e guardá-la, pelo menos por agora, não importa o que isso me acarrete.

— O que quer que aconteça, será lento, lento para o mal e para o bem, se guardá-la com esse propósito.

— Espero que sim — disse Ralof. — Mas espero que possa encontrar logo algum outro confidente melhor que fará mais uso disso. Mas por enquanto parece que represento um perigo, um perigo para todos os que vivem perto de mim. Não posso saber dessas coisas e ficar aqui. Devo deixar Riverwood, Whiterun, deixar tudo e ir embora, avisar Jarl Ulfric da ameaça que nos cobre. — Ele suspirou. — Gostaria de salvar Riverwood, se pudesse — embora tenha havido ocasiões em que pensei não ter palavras para descrever a estupidez e idiotice dos habitantes daqui, e senti que o bom para eles seria um terremoto ou uma invasão de orcs. Mas não sinto assim agora. Sinto que enquanto Riverwood permanecer a salvo e tranqüilo atrás de mim, a minha andança será mais suportável: saberei que em algum lugar existe um chão seguro, mesmo que meus pés não possam pisá-lo de novo. É claro que às vezes pensei em ir embora, mas imaginava isso como um tipo de férias, uma série de aventuras como as da Companhia de Whiterun ou ainda melhores, terminando em paz. Mas isto agora significa o exílio, fugir de um perigo para cair em outro, levando notícias ruins por onde quer que eu vá. E suponho que devo ir só, se estou fazendo isto para salvar Riverwood. Mas sinto-me muito pequeno, e extirpado de minhas raízes e bem desesperado. O Devorador de Mundos é tão forte e terrível!

Não disse a Savos, mas enquanto falava um grande desejo de voltar às tropas de Ulfric Stormcloak queimava em seu coração — seguir Ulfric, e talvez até batalhar ao seu lado novamente. Um desejo tão forte que superou o medo: quase poderia correr para fora e depois para a estrada, depois através do Rio para as terras dos antigos Reis do Norte.