— Você deve partir sem que ninguém saiba, e logo — disse Savos.

Três semanas haviam passado, e nada de Ralof se aprontar para ir.

— Eu sei, mas as duas coisas são difíceis — objetou ele. — Se eu simplesmente desaparecer novamente, como fiz antes, essa história nunca estará encerrada em Riverwood.

— É claro que você não deve desaparecer! — disse Savos. — De nada adiantaria! Eu disse logo, não instantaneamente. Se puder pensar num modo de escapar de Riverwood sem que todo mundo fique sabendo, vale a pena esperar um pouco. Mas você não deve demorar demais.

— Que tal no outono, ou depois do meu aniversário? — perguntou Ralof. — Acho que provavelmente até lá posso organizar alguma coisa.

Para falar a verdade, Ralof relutava em partir, agora que o momento chegara. Riverwood parecia uma residência muito mais desejável do que fora por muitos anos, e ele desejava aproveitar ao máximo o seu último verão no Condado. Sabia que, quando o outono chegasse, pelo menos uma parte de seu coração consideraria com mais carinho a idéia de viajar, como sempre acontecia nessa estação. Na realidade, decidira ir em seu trigésimo aniversário. Esse parecia, de alguma forma, ser o dia adequado para partir e segui-lo. A possibilidade de voltar à Windhelm predominava em sua mente, sendo a única coisa que tornava suportável a idéia de ir embora. Pensava o minimo possível no dragão e a que lugares este poderia acabar por levá-lo. Mas não revelava todos os seus pensamentos a Savos. O que o mago adivinhava era difícil dizer.

Savos olhou Ralof e sorriu.

— Muito bem — disse ele. — Acho que assim está bom, mas não pode ser nem um pouco depois. Estou ficando muito ansioso. Enquanto isso se cuide, e não dê qualquer pista do seu destino! E cuide para que você não fale nada. Se você der com a língua nos dentes, vou realmente transformá-lo num sapo.

— Quanto ao meu destino — disse Ralof —, seria difícil eu me trair e revelá-lo a alguém, pois não tenho ainda uma idéia clara.

— Não seja ridículo — disse Savos — Não o estou prevenindo para que não deixe seu endereço no correio! Mas você está deixando Riverwood, e ninguém deve saber disso, até que esteja bem longe. E você vai ter de ir, ou pelo menos partir, em direção ao Norte, Sul, Leste ou Oeste - e certamente ninguém deve saber a direção.

— Tenho estado tão ocupado pensando em deixar Riverwood e dizer adeus, que nunca nem cogitei qual direção tomar para chegar a Windhelm — disse Ralof. — Por onde devo ir? E pelo que devo me guiar? Qual será minha busca?

— Mas você ainda não está conseguindo enxergar muito longe — disse Savos. — Nem eu. Sua tarefa pode ser encontrar as fraquezas de Alduin; mas derrotá-lo... essa busca pode estar destinada a outros. Eu não sei. De qualquer modo, você ainda não está pronto para aquela longa estrada.

— Não mesmo! — disse Ralof. — Só Ulfric poderia derrotar o dragão com a sua Voz. Mas enquanto isso, que caminho devo tomar?

— Em direção ao perigo; mas sem precipitação demasiada, e não direto demais — respondeu o mago. — Se quer um conselho, vá para Whiterun. Essa viagem não deve ser muito perigosa, embora a estrada esteja menos fácil do que antes, e ficará pior até o fim do ano.

— Whiterun — disse Ralof. - Muito bom: vou para o norte, com destino a Whiterun. Levarei Frodnar para visitar os elfos caçadores; ficará encantado. — Ele falava de modo suave, mas seu coração de repente foi tomado pelo desejo de ver a casa de Jarl Balgruuf, o Grande e respirar o ar daquela rochosa montanha, onde grande parte do povo ainda vivia em paz.

Numa noite de verão, uma notícia espantosa chegou ao Mercado de Riverwood e ao Gigante Adormecido. Gigantes e outros prodígios nas fronteiras de Riverwood foram esquecidos para dar lugar a assuntos mais importantes: Ralof iria se mudar para a capital do Estado.

— Sim, estarei de mudança neste outono — dizia ele. — Um veterano meu amigo está procurando uma casa confortável, ou talvez uma pequena mansão. Na verdade, com a ajuda deste amigo, ele já tinha escolhido e comprado uma casinha perto da Fazenda Pelagia, no campo além de Whiterun. Fingia para todos, com a exceção de Savos, que pretendia ficar por lá permanentemente.

A decisão de partir em direção ao leste havia lhe sugerido isto; Whiterun ficava na fronteira norte de Riverwood, e, como passara alguns anos de infância ali, seu retorno parecia no mínimo digno de crédito.

Savos permaneceu em Riverwood por mais de dois meses. Então, numa manhã no final de meio-ano, logo após o plano de Ralof estar finalmente pronto, de repente anunciou que estava partindo de novo no dia seguinte.

— Só por pouco tempo, espero — disse ele. — Mas vou subir além das fronteiras do norte para conseguir mais notícias, se puder. Descansei mais do que devia.

Falava de modo calmo, mas Ralof teve a impressão de que estava bastante preocupado.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou ele.

— Bem, não; mas escutei umas coisas que me deixaram ansioso e precisam ser averiguadas. Se, no fim das contas, julgar necessário que você parta com urgência, voltarei imediatamente, ou pelo menos mandarei um recado. Enquanto isso continue com seu plano; mas tenha mais cuidado do que nunca, especialmente com os céus.

Partiu ao amanhecer.

— Posso voltar qualquer dia desses — disse ele. — Devo estar de volta o mais tardar para sua festa de despedida. Afinal de contas, acho que você pode precisar da minha companhia na estrada.

No início, Ralof ficou bastante perturbado, e sempre se perguntava o que Savos Aren teria ouvido; mas a ansiedade se acalmou, e naquele clima agradável esqueceu os problemas por uns tempos. Raramente Riverwood tinha visto um verão mais bonito, ou um outono mais pródigo: as árvores carregadas de maçãs, o mel pingando dos favos, as espigas de trigo altas e cheias. O outono já avançava, e Ralof não tinha voltado a se preocupar com Savos outra vez. Fogoração estava passando, e ainda nenhuma notícia dele.

O aniversário, e a mudança, se aproximavam, e mesmo assim ele não veio nem enviou recado. Riverwood começou a ficar movimentada. Alguns amigos de Ralof vieram para ficar e ajudá-lo com a bagagem: Solgki Olhosdarte e Holmur Mjorardesson e, é claro, seus amigos especiais Thruwulf Unhaespectral e Ucheor Magonegro. Só estes quatro viraram todo o lugar de ponta-cabeça. Em 20 de fogoração, duas carroças cobertas saíram carregadas em direção à Fazenda Pelagia, levando para a casa nova, através da ponte, a mobília e os mantimentos que Ralof não tinha vendido. No dia seguinte Ralof ficou realmente ansioso, sempre esperando que Savos aparecesse. Turda-feira, a manhã de seu aniversário, surgiu linda e clara, exatamente como tinha sido no ultimo ano.

Savos ainda não aparecera. À noite Ralof deu sua festa de despedida: bem modesta, apenas um jantar para ele e sua família; estava preocupado e não sentia ânimo para festas. Pesava-lhe o coração pensar que em breve teria de se separar de sua irmã e de seu querido sobrinho.

Buscava um modo de dizer isso a eles.

Entretanto, os quatro estavam alegres, e a festa logo ficou bastante animada apesar da ausência de Savos. A sala de jantar estava vazia, a não ser por uma mesa com cadeiras, mas a comida estava boa, e o vinho também.

Depois de muitas canções, e conversar sobre muitas coisas que tinham feito juntos, fizeram um brinde ao aniversário de Ralof, e então beberam à saúde dele juntos, de acordo com o hábito dos nórdicos. Então saíram para arejar um pouco e olhar as estrelas, e depois foram dormir. A festa de Ralof tinha acabado, e Savos não aparecera.

Na manhã seguinte ficaram ocupados carregando outra carroça com o resto da bagagem. Ralof estava inquieto e ansioso, tentando em vão captar algum sinal de Savos Aren. Decidiu esperar até o começo da noite. Depois disso, se Savos precisasse vê-lo com urgência, iria até a Fazenda Pelagia, e poderia até chegar lá antes, pois Ralof ia a pé. Seu plano – pelo prazer de dar uma última olhada em Riverwood, mais do que por qualquer outro motivo - era caminhar da ponte até a subida da montanha, com bastante calma.

— Devo treinar um pouco também — disse ele, olhando-se num reflexo de um prato empoeirado no salão quase vazio.

Havia muito não fazia caminhadas cansativas, e achou que o reflexo estava um tanto balofo. O sol se pôs. A casa de Ralof parecia triste, um lugar melancólico e desarrumado. Ralof andou pelas conhecidas salas, e viu a luz do pôr-do-sol desmaiar nas paredes, e sombras que vinham dos cantos já se insinuando. O interior da casa escureceu lentamente. Saiu e desceu pelo caminho que conduzia até o portão d e entrada, indo em seguida por uma passagem estreita até a estrada. Tinha certa esperança de ver Savos subindo a passos largos em meio ao crepúsculo.

O céu estava claro e as estrelas ficavam cada vez mais brilhantes.

Terei uma noite agradável — disse ele em voz alta. — Isso é um bom começo. Tenho vontade de caminhar. Não agüento esperar mais. Vou partir, e Savos deve me seguir. — Virou-se para voltar, e então parou, ouvindo vozes logo ali, do outro lado da esquina da rua de Riverwood. Uma delas certamente era do velho Alvor; a outra era estranha, e de certo modo desagradável. Não conseguia entender o que dizia, mas ouviu as respostas do ferreiro, que tinha uma voz bem grossa. O velho parecia desconcertado.