— Acho que não podemos ficar aqui por muito tempo — disse Vorstag. Olhou na direção das montanhas e ergueu sua espada. — Adeus, Savos — gritou ele. — Eu não disse a você: se passar pelas portas das Cataratas Ermas, tome cuidado? Infelizmente, o que eu disse tinha fundamento. Que esperança temos agora, sem você? — Voltou-se para a Companhia. — Vamos ter de nos arranjar sem esperanças — disse ele. — Pelo menos, podemos ainda nos vingar. Vamos criar coragem e parar de chorar! Venham! Temos à frente uma longa estrada, e muito a fazer.

Levantaram-se e olharam ao redor. Ao Norte, o vale subia e entrava numa abertura escura entre dois grandes braços das montanhas. Abaixo das pedras das quais desceram aos tropeços estavam as margens do Lago Ilinalta, que espumavam e corriam, cantando alegremente.

— Estamos na Passagem da Canela — disse Vorstag. — Teríamos vindo pelo Passo do Vento Gritante e passado por aqui e contornaríamos as Cataratas Ermas, se a sorte tivesse sido mais generosa.

— Ou se os Divinos tivessem sido menos cruéis — disse Kharjo. — Lá estão eles, sorrindo em Aetherius! — O khajiit ergueu o punho para o céu distante, e virou as costas.

Mesmo assim, as águas do Lago Ilinalta eram escuras: de um azul profundo, como o céu numa noite clara, visto de um quarto iluminado por uma lamparina. A superfície era plácida e sem ondulações. Em volta via-se um gramado macio, que descia até a margem contínua e desnuda.

— Aquele é o lago no qual Balfring se olhou! O profundo Ilinalta! — disse Kharjo com tristeza. — Lembro-me do que ele disse: “Que você se alegre com a vista! Mas não poderemos nos demorar lá”. Agora vou viajar muito antes de poder me alegrar outra vez. Sou eu quem deve ir embora depressa, e ele quem deve ficar.

A Companhia agora descia a estrada que vinha da saída. Estava acidentada e danificada, sumindo numa trilha sinuosa em meio a urzes e tojos que cresciam por entre as pedras rachadas. Mas ainda se podia ver que havia muito tempo um grande caminho pavimentado subira, descrevendo curvas, das terras baixas das Cataratas Ermas.

Em alguns pontos se erguiam obras em pedra estragadas, margeando o caminho, e montículos verdes cobertos por bétulas esbeltas, ou por pinheiros suspirando ao vento. Uma ponte de madeira os conduziu para perto do gramado no meio do Lago Ilinalta, uma pequena ilha, e não muito distante da margem erguia-se uma única coluna de pedra, quebrada na extremidade.

— Aquela é a Pedra da Senhora! — gritou Kharjo. — Não posso passar por aqui sem me voltar um momento para olhar para a maravilha do vale!

— Então seja rápido — disse Vorstag, voltando-se para olhar a montanha. — O sol se põe cedo. Talvez os draugrs não ousem sair das montanhas, mas devemos estar bem longe daqui antes do escurecer, e nosso destino nem vai para o Sul. Temos que dar a volta e ir Norte, urgentemente. A lua está entrando na fase minguante. Esta noite será escura.

— Venha comigo, Ralof! — gritou o khajiit, saltando da ponte. — Não posso permitir que você deixe de ver uma das Altas Pedras. — Foi correndo pela ilha. Ralof o seguiu lentamente, atraído pelas águas azuis e plácidas, apesar do sofrimento e do cansaço que sentia.

Ao lado da pedra erguida, Kharjo parou e olhou para cima. Estava com rachaduras e desgastada pelo tempo, e o desenho marcado em constelações desenhadas de uma senhora sentada numa rocha estava quase invisível.

— Este pilar marca o ponto de fogoração, pois existe uma Alta Pedra para cada mês de um ano, e segundo o que me foi dito, essas pedras estão espalhadas por Skyrim inteira, feitas para que os heróis do passado pudessem reescrever seus destinos. Cada uma representa uma constelação diferente de Tamriel. Podem fazer preces para essas pedras, e as constelações os atenderão, com certeza. — disse o khajiit. — Vamos contemplá-lo uma vez, antes de partirmos! Oh, Lago Ilinalta, belo e maravilhoso! — continuou Kharjo, agora virando-se para o Lago. — Ali permanece o Lua de Prata até que sua tripulação acorde. Adeus! — Fez uma reverência, depois se voltou e foi correndo pela ponte, chegando até a estrada outra vez.

A estrada agora tomava o rumo do Norte, e subia rapidamente, distanciando - se da região entre os braços das montanhas. Um pouco acima do lago encontraram um grande conjunto de pedras pintadas e árvores, cheio de pequenos poços e árvores altas.

— Estes são os Campos da Árvore Adormecida — disse Kharjo. — Não chegue perto! Aí vivem os gigantes e seus mamutes, e nesses dias escuros eles não gostam que ninguém chegue perto deles.

— Logo se tornam somente árvores e areia, pois muitos dos bons povos gigantes que viviam aqui se reuniram no coração do Campo — disse Vorstag. — Nossa estrada acompanha as areias e árvores dos Campos por muito tempo. Pois levarei vocês pela estrada que Savos escolheu, e primeiro espero chegar à Torre de Vigília Oeste de Whiterun - mais à frente. — Todos olharam na direção em que Vorstag apontava, e puderam ver uma corrente de fumaça subindo para o céu, e uma névoa avermelhada cobria o lugar.

— Ali está a Torre da Vigília Oeste! — disse Faendal. — É a grande torre onde os guardas cavaleiros guardam a cidade de invasores e do povo dos khajiits, que muitas vezes são indesejados em Whiterun.

Viajaram por três horas, até que seguindo com seus olhos argutos a trilha que ia para Whiterun, e depois de Whiterun para Oeste, Vorstag viu uma sombra no verde distante, um borrão escuro que se movia rapidamente. Jogou-se no chão e escutou com atenção. Mas Faendal ficou de pé ao seu lado, protegendo seus claros olhos élficos com a mão longa e delgada, e não viu uma sombra, nem um borrão, mas as pequenas figuras de cavaleiros, muitos cavaleiros, e a luz da manhã sobre as pontas de suas lanças era como o faiscar de diminutas estrelas além do limite da visão dos homens normais. Muito atrás deles, uma fumaça negra subia em fios finos e encaracolados.

Havia um silêncio nos campos vazios, e Kharjo podia ouvir o ar se movendo no capim.

— Cavaleiros! — gritou Vorstag, pulando de pé. — Muitos cavaleiros montando cavalos velozes estão vindo em nossa direção!

— Sim — disse Faendal. — Há cento e cinco deles. Têm os cabelos escuros, e as lanças brilhantes. Nórdicos e uma elfa negra os lidera, muito alta.

Vorstag sorriu. — Agudo é o olhar dos elfos — disse ele.

— Não! Os cavaleiros estão a pouco mais de cinco léguas de distância — disse Faendal.

— Cinco léguas ou uma — disse Erik —, não podemos escapar deles nesta terra deserta. Vamos esperá-los aqui ou devemos seguir nosso caminho?

— Vamos esperar — disse Vorstag. — Estou cansado, e as Cataratas Ermas foram um fracasso. Podemos receber notícias desses cavaleiros.

— Ou lanças — disse Kharjo.

— Eu não disse que conseguiríamos boas notícias — falou Vorstag. Mas, sejam boas ou más, vamos esperar aqui.

Então os três companheiros deixaram o topo da colina, onde poderiam ser um alvo fácil contra o céu pálido, e desceram devagar a encosta norte. Pararam um pouco acima do pé da colina, e embrulhando-se com os mantos dados por Arngeir sentaram-se uns perto dos outros sobre o capim ralo. O tempo passava lento e pesado. O vento era fino e penetrante.

Kharjo estava inquieto.

— O que você sabe sobre esses cavaleiros, Vorstag? — perguntou ele. — Estamos aqui sentados esperando morte súbita?

— Já estive entre eles — disse Vorstag. — São voluntariosos e cheios de orgulho, mas têm o coração sincero, são generosos em pensamentos e ações; destemidos mas não cruéis; sábios mas incultos, não escrevendo nenhum livro mas cantando muitas canções, a maneira dos filhos dos homens antes dos Anos Escuros da Era Merética.

— Mas Savos comentou sobre um boato de que eles pagam tributo a Skudalfn — disse Kharjo.

— Não acredito nisso mais do que Erik acredita — respondeu Vorstag.

— Logo saberá da verdade — disse Erik. — Eles já estão se aproximando de nós com seus cavalos.

Finalmente, até mesmo Ralof pôde ouvir a batida distante de cascos galopantes. Os cavaleiros, seguindo a trilha, desviaram das pedras e se aproximaram das colinas. Galopavam na velocidade do vento. Agora o som de vozes fortes e nítidas vinha ecoando através dos campos. De repente avançaram com um barulho de trovão, e o cavaleiro mais à frente mudou de rumo, passando ao lado do pé da colina, e conduzindo o grupo de volta ao sul, ao longo da orla ocidental da cordilheira. Atrás dele ia uma longa fila de homens vestidos de mantos metálicos e amarelos, velozes, brilhantes, terríveis e belos de se olhar.

Os cavalos eram de grande estatura, fortes e com patas bem proporcionadas; as capas amareladas reluziam, as caudas longas esvoaçavam ao vento, as crinas caíam trançadas sobre os pescoços imponentes. Os homens que os montavam combinavam muito bem com eles: altos e esbeltos; os cabelos escuros como a noite saíam dos elmos leves e desciam-lhes em longas tranças pelas costas; os rostos eram cobertos por um elmo uniforme. Nas mãos traziam longas lanças de freixo, escudos pintados com um cavalo em um campo amarelo pendiam-lhes das costas, longas espadas estavam penduradas em seus cintos, as bainhas das vestimentas de malha de metal polido desciam-lhes até os joelhos.

Galopavam em pares, e, embora de quando em quando um deles se erguesse nos estribos e olhasse para os dois lados, eles pareciam não perceber os cinco forasteiros, sentados em silêncio e vigiando-os O exército quase passara por eles quando Vorstag se levantou e chamou em voz alta:

— Que notícias têm da Cidade, Cavaleiros de Whiterun?

Com velocidade e habilidade assombrosas, eles pararam seus cavalos, viraram e voltaram. Logo os cinco companheiros se viram num círculo de cavaleiros movimentando-se numa roda que não parava, subindo a encosta da colina atrás deles, e descendo, dando várias voltas ao redor deles, fechando o cerco cada vez mais. Vorstag permanecia quieto, e os outros quatro ficaram sentados sem se mexer, pensando no rumo que as coisas tomariam.

Sem qualquer palavra ou chamado, de repente, os Cavaleiros pararam. Uma floresta de lanças apontava para os estranhos, e alguns dos cavaleiros tinham nas mãos arcos, com as flechas já ajustadas às cordas. Então um deles avançou, uma elfa alta, mais alta que os demais; de seu elmo, como uma crista, pendiam seus cabelos ruivos. Aproximou-se até que a ponta de sua lança ficasse a uns trinta centímetros do peito de Vorstag, que não se mexeu.

— Quem são vocês, e o que fazem nesta terra? — perguntou a elfa negra em armadura de couro, a única que não se vestia como os outros, usando um sotaque élfico, numa maneira e tom semelhantes aos de Savos, um elfo de Morrowind.

— Chamam-me Encapuzado — respondeu Vorstag. — Venho do sul.

A elfa saltou do cavalo. Dando a lança a um outro que se aproximou e desceu do cavalo ao lado dele, puxou sua espada e ficou cara a cara com Vorstag, observando-o atentamente, não deixando de demonstrar surpresa. Finalmente, falou outra vez.

— Primeiro pensei que vocês fossem draugrs — disse ela —, mas agora vejo que não é assim. Ele era rápido e imenso, e sua voz era tão grossa quanto a Torre de Vigília. Perdemos muitos homens, mas acabamos com o tormento. Achava que nossa sorte estava perdida, se vocês fossem draugrs, um exército para vingar seu senhor. Mas há algo estranho em você, Encapuzado — deitou os olhos vermelhos e brilhantes outra vez no Guardião da Alvorada. — Isso não é nome que se dê a um homem. E estranhas também são suas vestes. Vocês surgiram do capim? Como escaparam de nossa vista? Vocês são do povo dos elfos?

— Não — disse Vorstag. — Apenas um de nós é um elfo, Faendal do Reino de Falinesti, da longínqua Valenwood. Mas de que tormento é esse que falam com tanta aflição?

A elfa olhou-os com surpresa renovada, mas seus olhos endureceram. — Um dragão! — disse ela, e uma sombra cresceu nos rostos de toda a Companhia. — Poucos escaparam de seu fogo. A Torre de Vigília está em chamas. Quinhentos homens vieram para derrotá-lo, mas agora sabemos que podem morrer. Estes são dias estranhos! Não pode ser que com tantos lugares para centrar sua ira, seja logo Whiterun que os retornados queiram atacar. — De repente lançou para os outros da Companhia um olhar frio. — Por que não falam, vocês que estão em silêncio?

Kharjo se levantou e plantou os pés afastados no chão: sua mão agarrou firmemente o cabo da maça e os olhos azuis brilharam. — Diga o seu nome, senhora-dos-cavalos, e então lhe direi o meu, e outras coisas também — disse ele.

— Quanto a isso — disse a elfa, olhando para o khajiit com desdém —, o forasteiro deve se declarar primeiro. Mas meu nome é Irileth, guardiã do Jarl Balgruuf, e chamam-me de General na Terra de Whiterun.

— Então, Irileth, Guardiã da Terra de Whiterun, deixe que Kharjo, o khajiit, associado de Ri’saad, o peça desculpas pela suspeita. Mas fala de um dragão? Pois é um dragão que estamos caçando, há muito tempo. Este seria um imenso dragão negro?

Os olhos de Irileth reluziram, e os homens de Whiterun soltaram murmúrios assustados. — Era um dragão de bronze, de asas muito largas e tinha uma cauda pontuda, na forma de uma flecha. Agora, Kharjo, o khajiit, se foi pelos seus atos que este dragão veio aterrorizar nossa cidade, cortarei sua cabeça, juba e rabo se não correr assustado como os gatos fazem — disse Irileth.

— Ele não está sozinho — disse Faendal, aprumando seu arco e ajustando uma flecha com mãos que se movimentavam mais rápido que os olhos. — Você morreria antes que desferisse o golpe.

Irileth ergueu sua espada, e as coisas poderiam ter acabado mal, mas Erik saltou no meio deles, levantando a mão. — Peço suas desculpas, Irileth! — gritou ele. — Quando souber mais, você poderá entender por que enfureceu meus companheiros. Não temos más intenções para com Whiterun, nem para com seu povo, seus homens e seus cavalos, nem sabíamos deste dragão de bronze do qual fala, pois na nossa consciência só existia um dragão supostamente vivo. Não poderia ouvir nossa história antes de atacar?

— Está bem — disse Irileth abaixando sua espada. — Mas os que vagueiam pela Terra de Whiterun dos Cavaleiros seriam mais sábios se fossem menos arrogantes nestes dias duvidosos. Primeiro diga-me seu nome correto, Encapuzado.

— Antes me diga a quem serve — disse Vorstag. — É amigo ou inimigo de Alduin, o Senhor de Skuldafn?

— Sirvo apenas ao Senhor dos Cavaleiros, o Jarl Balgruuf, filho de Galmurth — respondeu Irileth. — Não servimos ao Poder da Terra Negra distante, mas também não estamos em guerra declarada contra ele; se estão fugindo dele, então é melhor que abandonem esta terra. Existem problemas atualmente em todas as nossas fronteiras, e estamos sendo ameaçados, mas só desejamos ser livres, e viver como temos vivido, mantendo nosso próprio senhor, sem servir a nenhum senhor estrangeiro, seja ele bom ou mau, até que os Jarls decidam um novo Alto Rei. Em dias melhores, recebíamos bem os visitantes, mas nestes tempos o forasteiro não-convidado nos encontra alertas e duros. Digam! Quem são vocês? A quem servem? A mando de quem estão caçando dragões em nossas terras?

— Não sirvo a homem nenhum — disse Vorstag —, mas persigo os servidores de Alduin por quaisquer terras onde possam andar. Há poucos entre os homens mortais que sabem mais sobre dragões, e eu não os estou caçando desta maneira por escolha própria. O dragão que perseguimos é de uma malícia terrível. Nessas condições, um homem não contará as cabeças dos inimigos exceto com a espada. Não estou desarmado.

— Bem-vindos! — disse um elfo que chegou naquele momento, correndo em seu cavalo branco, que empinou ao parar. Era um elfo da floresta, e seus cabelos longos desciam como uma catarata pela armadura uniforme com a dos outros soldados, mas este não usava um elmo. — Raramente somos receptivos com forasteiros nestes últimos tempos; vivemos agora em tempos escuros, e não nos relacionamos com outros povos voluntariamente. Mesmo nossos próprios parentes do Norte estão separados de nós. Mas ainda existem alguns de nós que saem daqui para coletar notícias, e para vigiar nossos inimigos. Peragon é meu nome. Sou um escudeiro do Comandante Caius, que escutou rumores sobre sua vinda, pois os mensageiros de Arngeir passaram por Whiterun, em seu caminho de volta.. Vocês não parecem maus! E já que vêm com um elfo que é meu parente, estamos dispostos a fazer amizade com vocês, como Arngeir pediu; embora não seja nosso costume levar estranhos pelas nossas terras. Mas devem ficar aqui esta noite. Quantos são?

— Cinco — disse Faendal. — Eu, Ralof de Riverwood, dois homens, um dos quais é Vorstag, um grande amigo do povo de Cyrodiil. Viemos das Cataratas Ermas.

— O nome de Vorstag, filho de Rorstag, é conhecido em Whiterun como Thorolf Dragão-Águia — disse Peragon. — E ele tem a simpatia do Jarl. Então está tudo bem. Mas você só falou de quatro.

— O oitavo é um khajiit — disse Faendal.

— Um khajiit! — disse Peragon. — Isto não está bem. Não deixamos que o povo vendedor entre na Fortaleza do Dragão. A entrada deles é permitida em nossa terra, mas não nos palácios do Jarl. Não posso deixar que ele vá além do Distrito da Nuvem.

— Mas este é da nossa Companhia, do confiável povo de Ri’saad, e amigo dos Barbacinza — disse Ralof. — Foi o próprio Arngeir quem o escolheu para ser um de meus companheiros, e ele tem se mostrado corajoso e fiel!

Os soldados conversaram entre si em voz baixa, e fizeram perguntas a Vorstag. — Muito bem — disse Peragon finalmente. — Vamos permitir, embora a contragosto, pois acabamos de voltar de uma batalha tortuosa, e se tivermos passar por mais desentendimento, meu coração ficará aterrorizado. Se Thorolf e Faendal estiverem dispostos a vigiá-lo e a responder por ele, poderá passar. Mas agora não devemos alongar a discussão. Nosso povo não deve permanecer aqui fora. Estivemos vigiando as estradas, desde quando vimos uma grande tropa de draugrs indo na direção nas Cataratas Ermas, ao longo das bordas das montanhas, muitos dias atrás, carregando uma arca dourada que me parecia terrível. Não sabia que eles podiam andar na luz do dia. Há lobos uivando nas fronteiras da floresta. Se vocês realmente vieram das Cataratas Ermas, o perigo não pode estar muito atrás. Amanhã cedo devem prosseguir.

Finalmente, quando a tarde morria, chegaram às fronteiras da Cidade, e numa clareira aberta em meio às primeiras árvores encontraram o local da grande batalha: as cinzas ainda estavam quentes e fumegantes. Ao lado havia uma grande pilha de elmos e malhas metálicas, escudos partidos e espadas quebradas, arcos e dardos e outros equipamentos de guerra. Sobre uma estaca, bem no meio, estava um guarda que caiu do alto da Torre; sobre o escudo queimado ainda podia-se ver um pouco do desenho do cavalo.

Mais adiante, não muito longe da Torre, no ponto onde a estrada tomava seu rumo novamente, havia uma figura assustadora. Os olhos estavam imóveis e revirados, como um peixe morto. Flechas perfuravam as asas e o corpo inteiro, como se houvessem sido cravadas cuidadosamente após a queda do monstro. Ralof sabia que não era Alduin. Suas escamas eram largas e seus ossos frequentemente ficavam quase visíveis no corpo cor de âmbar. Seus dentes eram enormes, como várias lanças grossas e amareladas. Sua língua de cobra estava ensangüentada, e a ponta dela ainda saía pela boca dura. Não parecia haver algum ponto dele que pudesse ser macio; todo seu corpo era duro como o metal. No pescoço, onde estaria a crista de um cavalo, haviam várias ondas com diversas pontas, onde os ossos saíam de dentro das escamas para fora. Tinha grandes chifres como os de um touro, e seu maxilar estava quebrado. Entre os chifres havia cartilagem rasgada por uma flecha. Seus olhos eram como os de uma serpente, e a pupila era esguia e alta num campo amarelo. Erik aproximou-se ofegante; nunca antes havia visto algo tão grande na vida, nem mesmo em seus proféticos sonhos.

Vorstag e seus companheiros se aproximavam cuidadosamente, e o exército de Whiterun arranjava provisões por todos os lados da Vigília Oeste, quando uma coisa surpreendente começou a acontecer: no meio da noite que se formava, uma luz dourada começou a emanar dos olhos do dragão morto, como se sua alma estivesse brilhando; e realmente estava. De repente, as impenetráveis escamas cor de âmbar que para os soldados e generais de Whiterun parecia antes impenetrável começou a derreter, como se seu próprio fogo a queimasse de dentro para fora. Mas não caiu ao chão, nem se transformou num líquido viscoso e terrível; começou a queimar como se fosse papel, e seu corpo, parte por parte, começou a se transformar em cinzas. Kharjo rosnou e se afastou, com medo que o dragão estivesse voltando à vida, mas os soldados todos começaram a se reunir em torno do dragão, no meio da noite. Irileth parou ao lado de Peragon em seus cavalos, e seus olhos vermelhos brilharam. Erik não fez nada além de segurar seu escudo agora com as duas mãos, e Ralof afastou-se. Mas Vorstag estava parado na frente do dragão, austero e alto, como um grande guerreiro que derrotou seu inimigo e não o teme. O corpo do dragão começou a emanar um brilho dourado tão forte que toda a Companhia e uma boa parte do exército que estava próxima o suficiente do dragão morto ficou cega pela luz, e quando todos puderam ver, uma coisa incrível estava acontecendo: grandes ondas de aura esbranquiçada estavam saindo do dragão, dançando no ar e fazendo círculos e ondas e voltas, até que começaram a voar em volta de Vorstag, como um enxame, até que explodindo num brilho entrou em seu corpo. Todos ficaram estupefatos.

— Dragonborn — gritou um soldado de pele mulata.

Ele ajudava um soldado que estava sentado numa plataforma da Torre. Este olhou para Vorstag com um reluzir nos olhos. Até mesmo a Companhia se afastou do Guardião da Alvorada.

Dragonborn! Dragonborn! — Faendal gritou a mesma palavra em sua nobre voz, e os outros soldados o acompanharam. — Dragonborn! — gritaram. — Dragonborn! DRAGONBORN! — Estavam todos sorrindo para Vorstag, estendendo as mãos para ele, ajoelhando à sua frente. Dovahkiin. O cântico cresceu, espalhou-se, avolumou-se, avolumou-se tanto que assustou a montaria de Irileth, e a égua recuou, abanou a cabeça e agitou a cauda cinza-prateada. Avolumou-se até parecer sacudir as muralhas acinzentadas de Whiterun, à distância. Mais soldados saíam pelos portões a cada momento, e, ao chegarem, juntavam-se ao grito. Seus pobres companheiros não conseguiam manter todos afastados, e até Kharjo, o khajiit, grunhiu e resmungou de susto.

Desprovido da visão, pois vários soldados amontoaram-se à sua frente, Ralof sentiu seus outros sentidos se aguçarem. Podia sentir o cheiro das árvores e da grama queimada. Ouvia vários tons diferentes no farfalhar das vozes, o rio murmurando na distância à sua direita, e as vozes límpidas e frágeis dos pássaros no céu. Sentia a lua a lhe bater no rosto e nas mãos quando passavam através de uma clareira.

A maldade havia sido vista ou ouvida ali, conhecia-se a tristeza; os cavaleiros temiam e desconfiavam do mundo lá fora: os lobos uivavam nas fronteiras da Cidade; mas sobre a terra de Whiterun não pairava sombra alguma. Durante todo o fim de tarde, a Companhia continuou marchando, até que sentiram a noite fresca chegar, e ouviram o vento do crepúsculo sussurrando por entre as muitas folhas. Um grupo de soldados tinha se aproximado em silêncio: estavam correndo em direção às fronteiras do Norte para protegê-la contra qualquer ataque das Cataratas Ermas, e traziam notícias, das quais Peragon reportou algumas. Os draugrs que andavam à luz do dia tinham sido derrotados e quase todos destruídos; o restante deles tinha fugido para o Leste na direção das montanhas, e estavam sendo perseguidos.