Ralof espiou de dentro do abrigo da capa de Savos Aren. Perguntou-se se estav acordado ou continuava dormindo, ainda no sonho veloz no qual estivera envolto desde que a grande cavalgada começara. O mundo escuro passava correndo e o vento cantava alto em seus ouvidos. Não conseguia ver nada exceto as estrelas rodopiantes, e na distância, á sua direita, vastas sombras contra o céu onde as montanhas do sul passavam marchando. Sonolento, tentava calcular os períodos e etapas da viagem, mas sua memória estava entorpecida e cheia de dúvidas.

Houvera a primeira cavalgada, numa velocidade alucinante e sem paradas, e depois, na aurora, Ralof vislumbrara um pálido brilho dourado, e eles tinham chegado à silenciosa cidade e à grande ponte vazia sobre o Karth. E mal tinham alcançado esse abrigo quando um dragão passou sobrevoando mais uma vez, deixando os homens descorçoados de medo. Mas Savos lhe disse palavras suaves, e Ralof adormeceu num canto, cansado mas inquieto, percebendo vagamente as idas e vindas, e os homens conversando, e Savos Aren dando ordens. E, depois, outra cavalgada, outra cavalgada na noite. Aquela era a segunda, não, a terceira noite desde que Ralof fora interceptado pelos mensageiros. E com essa lembrança hedionda despertou completamente, e tremeu; o ruído do vento se encheu de vozes ameaçadoras.

Uma luz se acendeu no céu, um clarão de fogo amarelo atrás de barreiras escuras. Ralof se escondeu amedrontado naquele momento, perguntando-se para que terra temível Savos o levava. Esfregou os olhos, e então viu que era a lua subindo acima das sombras do leste, agora quase cheia. Isso significava que a noite estava começando, e a escura viagem continuaria por horas. Mexeu-se e falou.

— Onde estamos, Savos? — perguntou ele.

— No reino de Haafingar — respondeu o mago. — A terra da Ponte do Dragão ainda está passando.

Ficaram em silêncio por mais um período. Então, de repente: — Que é aquilo, Savos? — gritou Ralof, agarrando-se à capa do mago. — Olhe! Fogo, fogo vermelho! Existem dragões nesta terra?

Como resposta Savos Aren gritou para o cavalo:

— Adiante, Gelado! Precisamos nos apressar. O tempo é curto. Veja! O farol de Solitude está aceso com a chama aos céus, pedindo socorro. A guerra está acesa. Veja, lá está o fogo!

Mas Gelado reduziu suas passadas, limitando-se a andar, e então ergueu a cabeça e relinchou. E da escuridão veio o relinchar de outros cavalos em resposta; de repente ouviu-se o ruído surdo de cascos, e três cavaleiros passaram correndo como fantasmas voando ao luar, e desaparecendo no oeste. Então Gelado se recompôs e deu um salto á frente, e a noite fluía sobre ele como um vento a rugir.

Ralof ficou sonolento outra vez, e prestou pouca atenção ao que Savos lhe dizia sobre os costumes de Haafingar, e sobre como havia um enorme farol na praia, e mantinha postos nesse ponto onde cavalos descansados estavam sempre de prontidão para levar os mensageiros em missões.

— Faz tempo que o farol não se acende para outra razão além de guiar navios — disse ele —, e nos dias antigos eles não eram necessários, pois ninguém ousaria marchar contra Haafingar. — Ralof se agitou, inquieto. —Durma outra vez, e não tenha medo! Pois você não está indo para Skuldafn, como Vorstag, mas para Solitude, e lá estará tão a salvo como poderia estar em qualquer outro lugar nestes tempos. Se Haafingar cair, ou se o dragão vencer, Riverwood não será nenhum refúgio.

— Você não me consola — disse Ralof, mas apesar disso foi dominado pelo sono. A última coisa de que pôde se recordar antes de cair em sonhos profundos foi a rápida visão de relevos altos, reluzindo como ilhas flutuantes acima das nuvens, quando captavam a luz da lua que ia em direção ao oeste. Ficou imaginando onde Vorstag estaria, ou se estaria morto, sem saber que Vorstag, de muito longe, observava a mesma lua que se punha além de Haafingar, antes do inicio do dia.

Ralof acordou ao som de vozes. Tinham-se passado mais um dia de ocultamento e mais uma noite de viagem. Amanhecia: a aurora fria estava próxima outra vez, e névoas geladas e cinzentas os envolviam. Gelado parou, molhado de suor, mas ainda com o pescoço altivo e sem demonstrar sinais de cansaço.

Muitos homens altos e com capas vermelhas estavam ao lado dele, e atrás, na névoa, assomava uma muralha de pedra. Parecia parcialmente arruinada, mas ainda antes que a noite tivesse passado ouviram-se os ruídos de um trabalho urgente: batidas de martelos, tinidos de trolhas, e ranger de rodas. Em alguns pontos, tochas e chamas tremeluziam fracas no nevoeiro.

Savos Aren conversava com os homens que haviam barrado seu caminho e, enquanto escutava, Ralof voi que ele era o assunto da discussão.

— Sim, é verdade, nós conhecemos você, Savos Aren — disse o líder dos homens —, e você conhece as senhas do Portão, e está livre para seguir em frente. Mas não conhecemos seu companheiro. O que é ele? Um homem vindo das montanhas do norte? Não queremos forasteiros em nossa terra nestes tempos, a não ser que sejam valorosos combatentes, em cuja lealdade e ajuda possamos confiar.

— Eu me responsabilizo por ele diante do trono de Elisif — disse Savos Aren. — E, quanto a valor, isso não pode ser medido pela aparência. Ele passou por mais batalhas e perigos que você, Saprius, embora você tenha o dobro tomado de um grande cansaço, caso contrário eu o acordaria. Seu nome é Ralof, um soldado muito corajoso.

— Soldado? — disse Saprius com um ar duvidoso, e os outros riram.

— Soldado! — gritou Ralof, embora não tivesse acordado inteiramente. — Soldado! Realmente não! Sou um veterano, e não sou mais corajoso atualmente do que sou soldado, a não ser talvez de vez em quando, por necessidade. Não se deixem enganar por Savos.

— Muitos autores de grandes feitos não poderiam dizer nada além disso — disse Saprius. — Mas um veterano de que exército?

— Um stormcloak — respondeu Savos Aren, hesitante, e a fúria brandiu nos olhos dos guardas. — Não, ele não vem aqui afim de criar intriga e guerra — acrescentou ele, percebendo a raiva nos rostos dos homens.

— É sim, viajei com um príncipe élfico, que está aliado aos thalmors, e com um imperial, dos quais Ulfric não gosta — disse Ralof. — E Erik, de sua Cidade, estava conosco, e me salvou na neve do norte, e no fim foi morto quando me defendia de muitos inimigos.

— Calma! — disse Savos Aren. — A noticia dessa desgraça devia ser contada primeiro para a mãe dele..

— Já se imagina o que ocorreu — disse Saprius —; pois houve acontecimentos estranhos aqui ultimamente. Mas agora passem á frente depressa. Pois a Jarl de Solitude ficará ansiosa por ver qualquer um que traga as últimas noticias de seu filho, seja ele um stormcloak ou um...

— Veterano — disse Ralof. — De pouca serventia posso ser para a sua senhora, mas farei o que puder, em memória do bravo Erik.

— Passem bem! — disse Saprius; e os homens abriram caminho para Gelado, que atravessou um portão estreito na muralha. — Que você possa trazer bons conselhos a Jarl Elisif em sua necessidade, e a todos nós, Savos Aren! — exclamou Saprius. — Mas você chega com noticias de tristeza e perigo, como dizem que é seu hábito.

— Isso porque raramente venho quando minha ajuda não é necessária respondeu Savos Aren. — E, quanto a conselhos, a você diria que é tarde demais para consertar a muralha dos portões. A coragem será agora sua melhor defesa contra a tempestade que se aproxima - essa é a única esperança que trago. Pois nem todas as noticias que trago são más. Mas abandonem suas trolhas e afiem suas espadas.

O trabalho estará terminado antes do fim da tarde disse Saprius. Esta, a última parte da muralha a ser erguida em defesa: a menos aberta ao ataque, pois volta-se para nossos amigos de Morthal para baixo. Você sabe alguma coisa sobre eles? Será que responderão á convocação?

Sei que os exércitos de Riften atravessarão a província por vocês. Mas lutaram muitas batalhas em sua retaguarda. Esta, como qualquer outra estrada, deixou de conduzir para a segurança. Estejam vigilantes. Se não fosse por Savos Aren, o Dunalt, vocês teriam visto um exército de inimigos vindo da Ponte do Dragão, e nenhum soldado. E isso ainda pode acontecer. Passem bem, e não durmam!

Savos Aren agora penetrava a ampla região além da Fazenda de Katla. A muralha da Cidade se estendia por dez milhas ou mais, saindo dos pés das montanhas e depois retornando, fechando em seu interior acima de um arco natural de terra que era como uma ponte sobre o Karth. As regiões citadinas eram ricas, com amplas lavouras e muitos pomares, e fazendas com fornos e silos, currais e estábulos, e muitos riachos ondulando através do verde, descendo das regiões mais altas até o Rio Karth. Apesar disso, os pastores e lavradores que moravam ali não eram muitos, e a maior parte do povo de Haafingar vivia dentro da Cidade, ou na Ponte do Dragão.

Depois que Savos Aren tinha cavalgado por algum tempo, a luz do dia aumentou no céu. E Ralof despertou e ergueu os olhos. A sua esquerda viu um mar de névoa, formando uma sombra desolada no céu ao leste, mas à sua direita grandes relevos erguiam suas cabeças, formando uma cadeia que vinha do oeste e chegava a um final íngreme e abrupto, como se na formação daquela região o Rio Karth tivesse irrompido através de uma grande barreira, esculpindo um poderoso vale a fim de transformá-lo numa terra de batalha e debate nos tempos vindouros. E sobre o seu arco de terra ficava a Cidade do Lobo, que com suas sete muralhas de pedra, tão fortes e antigas, não dava a impressão de ter sido construída, mas sim esculpida por gigantes nos próprios ossos da terra.

No momento em que Ralof olhava boquiaberto, as muralhas passaram de um cinza indistinto para um tom negro, levemente avermelhado pela aurora; e de repente o sol subiu acima da sombra do leste e enviou um raio que bateu na face da Cidade. Então Ralof deu um grito, pois o Palácio Azul, erguendo-se altivo dentro das muralhas mais altas, brilhou contra o céu, reluzindo qual esporão de lapis lazuli, alto, belo e elegante, com seu pináculo faiscando como se fosse de cristais; e bandeiras vermelhas se abriram e tremularam nos baluartes ao compasso da brisa da manhã, e alto e distante Ralof ouviu um toque cristalino, que parecia sair de trombetas de prata.

Assim Savos Aren e Ralof cavalgaram até o Grande Portão dos homens de Haafingar ao nascer do sol, e as portas de bronze se abriram diante deles.

Agaialor! Agaialor! gritavam os homens. Agora sabemos que a tempestade realmente está próxima!

Está sobre vocês disse Savos Aren. Cavalguei em suas próprias asas. Deixem-me passar! Devo encontrar-me com a sua Jarl, Elisif, enquanto sua regência ainda perdura. O que quer que aconteça, vocês chegaram ao fim da Haafingar que conheceram. Deixem-me passar!

Os homens recuaram diante do comando da voz do mago e não o interrogaram mais, embora olhassem admirados para Ralof montado diante dele e para o cavalo que os trazia. Pois o povo da Cidade raramente usava cavalos e eles quase nunca eram vistos nas ruas, exceto aqueles montados pelos mensageiros de seu senhor. E disseram: Não é este um dos grandes corcéis dos Black-Briar? Talvez os homens de Riften venham logo para aumentar fossa força. Mas Gelado subiu com altivez a estrada longa e sinuosa.

Realmente era uma cidade forte, que não poderia facilmente ser tomada por um exército inimigo, se houvesse alguém lá dentro que soubesse manejar armas; a não ser que algum inimigo viesse por trás e escalasse as muralhas de cima do arco, e assim chegasse ao patamar estreito que juntava o Palácio Azul às massas da montanha. Mas aquele patamar, que atingia o nível da muralha, era cercado com grandes baluartes até o precipício que se projetava sobre sua extremidade oeste, e naquele espaço ficavam casas e túmulos abobadados de reis e senhores antigos, para sempre silenciosos entre a montanha e a torre.

Ralof observava num espanto crescente a grande cidade de pedra, mais vasta e esplêndida do que qualquer coisa que jamais sonhara, maior e mais forte que o Colégio de Winterhold, e muito mais bonita. Apesar disso, na verdade, a cidade estava se deteriorando ano após ano, já sem metade dos homens que poderiam morar confortavelmente ali. Em cada rua passavam por alguma grande casa ou pátio, em cujas portas e portões em arco estavam esculpidas muitas letras belas de formatos estranhos e antigos: nomes que Ralof supôs serem de grandes homens e famílias que outrora moraram lá; mas agora estavam em silêncio, sem ruídos de passos em suas amplas calçadas, ou de vozes nos salões, nem qualquer rosto olhando das portas ou janelas vazias.

Finalmente saíram da sombra para o segundo nível da cidade, e o sol quente que brilhava além do rio, reluzia aqui nas paredes lisas e nos pilares profundos, e no grande arco com fecho esculpido à semelhança de uma cabeça de rei coroada. Savos desmontou, pois não se permitia a entrada de nenhum cavalo na Cidade, e Gelado se deixou levar embora ao comando suave de seu dono.

Os Guardas do portão estavam vestidos de vermelho, e seus elmos tinham formatos já conhecidos, com a parte superior pontuda e com protetores faciais perfeitamente ajustados ao rosto; e os elmos cintilavam com sua prata misturada ao couro, pois assim eram em todas as cidades, e somente nas cores as vestes dos guardas alteravam-se. No escudo vermelho que todos carregavam estava pintado em preto um lobo altivo e com um semblante sério. Esse era o estandarte dos herdeiros de Pelagius II Septim, e ninguém o usava em Haafingar, a não ser os Guardas da Cidade e os Jarls e suas linhagens, pois era assim o escudo de Erik.

Já parecia que a noticia de sua chegada os precedera; imediatamente foram admitidos, silenciosamente e sem perguntas. Savos Aren atravessou depressa o pátio pavimentado com pedras meio cobertas de lodo. Uma fonte suave brincava ali no sol da manhã, e um gramado crescendo entre as pedras assomava ali; mas na névoa, inclinando-se além das muralhas, havia um grande castelo cheio de torres de pedra, com o teto feito de lapis lazuli reluzindo aos céus. E então viu-se às portas do grande palácio sob a torre reluzente, e seguindo o mago passou pelas altas sentinelas e entrou nas sombras frescas e ressonantes da casa de pedra.

Subiram uma passagem pavimentada, longa e vazia, e enquanto caminhavam Savos falou baixinho para Ralof.

Cuidado com suas palavras, Ralof! Isso não é hora para atrevimentos de stormcloaks. Harrald é um jovem gentil. Elisif é um outro tipo, orgulhosa e astuta, uma mulher de linhagem e poder muito maiores, embora não seja chamada de rainha. Mas ela vai se dirigir a maior parte do tempo a você, e interrogá-lo muito, uma vez que você pode lhe contar sobre seu filho Erik. Elisif o amava muito: talvez demais, sobretudo porque eles eram diferentes. Mas usando o disfarce desse amor ela vai considerar mais fácil saber o que deseja por seu intermédio, e não por mim. Não lhe conte mais do que o necessário, e deixe de lado o assunto da missão de Vorstag. Vou cuidar disso no tempo certo.

Por que não? Qual é o problema com Vorstag? Ralof sussurrou. Ele tinha a intenção de vir para cá, não tinha? E de qualquer forma estará chegando em breve.

Talvez, talvez disse Savos Aren. Mas, se vier, é provável que chegue de uma forma que ninguém espera, nem mesmo Elisif. Será melhor assim. Pelo menos é melhor que chegue sem ter sido anunciado por nós.

Savos começou a subir uma escada em espiral.

Veja, Ralof, não há tempo agora para instruí-lo sobre a história de Haafingar, embora talvez fosse melhor se você tivesse aprendido algo sobre o assunto, quando ainda estava procurando ninhos de pássaros e gazeteando nos bosques de Riverwood. Faça como eu ordeno! É pouco inteligente, quando se traz a uma jarl poderosa a noticia da morte de seu herdeiro, falar muito sobre a chegada de alguém que, se chegar, reivindicará a realeza. Isso basta?

A realeza? perguntou Ralof surpreso.

É isso mesmo disse Savos Aren. Se você viajou todos esses dias com os ouvidos tapados e o cérebro adormecido, acorde agora!

O mago foi liberado pelos guardas a passar. Num grande trono de ouro e couro, estava sentado uma mulher que olhava para o próprio colo. Em sua mão via-se um bastão dourado. Não ergueu os olhos. Solenemente os dois caminharam pelo longo piso na direção dela, até ficarem a três passos de seu escabelo. Então Savos Aren falou.

Salve, Jarl e Regente de Solitude, Elisif, a Bela, viúva do Alto Rei Torygg! Venho com conselhos e notícias nesta hora escura...

Então a mulher ergueu os olhos. Ralof viu seu rosto esculpido, com ossos salientes e pele de marfim, com o fino nariz entre os olhos escuros e profundos, que o fizeram lembrar-se mais de Vorstag que de Erik. Havia um cansaço e um sentimento de derrota em seus olhos, mas não era por nada que a chamavam de Elisif, a Bela.

Realmente a hora é escura disse a mulher , e nessas horas espera-se a sua chegada, Savos Aren. Mas, embora todos os sinais prenunciem que o fim de Haafingar se aproxima, menor para mim agora é essa treva que a minha própria treva. Foi-me dito que você traz consigo alguém que viu meu filho morrer. É ele?

É disse Savos Aren. É um stormcloak, como você vê, mas não carrega a Voz do Dragão. É um soldado do rebelde, não ele em pessoa.

Apesar disso, um soldado dele disse Elisif com um ar severo , e tenho pouco amor pelo nome, uma vez que aquelas malditas palavras vieram perturbar nossos planos e levar meu filho na missão alucinada que o conduziu à morte. Meu Erik! Agora precisamos de você. Aldis deveria ter ido em seu lugar.

Ele teria ido disse Savos Aren. Não seja injusta em sua tristeza! Erik reivindicou a missão e não admitiu que ninguém mais a assumisse. Era um homem obstinado, que fazia o que desejava. Viajei longamente ao lado dele e aprendi muito sobre sua personalidade. Mas você fala de sua morte. Já sabia da noticia antes de nossa chegada?

Recebi isto disse Elisif, colocando de lado o bastão e erguendo do colo a coisa que estivera fitando. Em cada mão ela ergueu uma metade de um grande escudo partido ao meio: a face do lobo se dividia.

Essa é o escudo que Erik sempre carregava! exclamou Ralof.

Exatamente disse Elisif. E na época de meu marido, ele o carregou, e da mesma forma fizeram todos os primogênitos de nossa casa, desde os anos imemoriais antes da partida de Pelagius. Ouvi a corneta de Torygg soando fraca nas fronteiras do norte há dias, e o rio trouxe o escudo a mim, quebrado. Parou de falar e fez-se um silêncio pesado. De repente virou seu olhar obscuro na direção de Ralof: Que me diz sobre isso, stormcloak?

Uns vinte, vinte e três dias vacilou Ralof. Sim, acho que é isso mesmo. Estava ao lado dele, no momento em que tocou a corneta. Mas nenhuma ajuda chegou. Apenas mais dremoras.

Então disse Elisif, lançando um olhar agudo para o rosto de Ralof. Você estava lá? Conte-me mais! Por que nenhuma ajuda chegou? E como você escapou, e ele não, sendo um homem tão poderoso, com apenas versões enfraquecidas de sua forma original em Oblivion para enfrentá-lo?

Ralof corou e esqueceu o medo. O homem mais poderoso pode ser morto por uma flecha disse ele ; e Erik teve o corpo perfurado por várias. Quando o vi pela última vez, ele recostou-se numa árvore e arrarancou uma lança com plumas pretas de seu flanco. Então desmaiei e fui capturado. Não o vi mais, e não sei de mais nada. Mas respeito sua memória, pois ele era muito corajoso. Morreu para nos salvar, a meu amigo Meeko e a mim, atocaiados na floresta pelos soldados de Ancano; e, embora ele tenha perecido e fracassado, minha gratidão é a mesma.

Então Ralof olhou nos olhos da mulher, pois o orgulho se agitava de maneira estranha dentro dela, ainda mordida pelo desprezo e pela suspeita daquela voz fria. Pouca serventia, sem dúvida, uma senhora de homens tão poderosa achará num soldado inferior, um stormcloak vindo de Riverwood do sul; mas mesmo assim vou oferecê-la, em pagamento da minha dívida. Afastando para o lado a capa azul num movimento brusco, Ralof puxou o machado e a depôs aos pés de Elisif.

Um sorriso pálido, como o reluzir de um sol frio numa manhã de inverno, passou pelo rosto da mulher, mas ela curvou a cabeça e estendeu a mão, colocando de lado os pedaços do escudo. Dê-me a arma!

Ralof a ergueu e apresentou-lhe o punho.

De onde veio isto? perguntou Elisif. Muitos, muitos anos repousam sobre ela. Sem dúvida é uma espada criada por nossos próprios parentes do norte, no passado distante.

Veio de Whiterun disse Ralof.

Percebo que histórias estranhas se entretecem ao seu redor disse Elisif , e mais uma vez fica demonstrado que as aparências podem dar uma idéia falsa sobre o homem. Aceito seu serviço. Pois você não se intimida com as palavras, e tem uma fala cortês, embora o som dela possa nos parecer estranho aqui no oeste. E precisaremos de todas as pessoas corteses, sejam elas grandes ou pequenas, nos dias vindouros. Preste-me seu juramento agora.

Pegue o punho disse Savos Aren e fale depois da Jarl, se estiver resolvido em relação a isso.

Estou disse Ralof.

A mulher colocou o machado sobre seu colo, e Ralof pôs a mão no punho, e disse devagar, repetindo as palavras de Elisif, a Bela:

Aqui juro fidelidade e serviço a Haafingar, e a Senhora e a Regente do Reino, falando e calando, agindo e não agindo, vindo e indo, na necessidade e na fartura, na paz ou na guerra, na vida ou na morte, desta hora em diante, até que minha senhora me libere, ou a morte me leve, ou o mundo acabe. Assim digo eu, Ralof de Riverwood.

E isso eu escuto, Elisif, esposa e viúva de Torygg, Senhor de Haafingar, Alto Rei de Skyrim, e não me esquecerei, nem deixarei de recompensar o que me é oferecido: fidelidade com amor, coragem com respeito, perjúrio com vingança Depois Ralof recebeu de volta o machado e o colocou na bainha. E agora disse Elisif minha primeira ordem para você: fale e não deixe de dizer nada! Conte-me toda a sua história, e trate de recordar-se de tudo o que puder sobre Erik, meu filho. Sente-se agora e comece!

Enquanto falava, tocou um pequeno gongo de prata que ficava perto de seu escabelo, e imediatamente serviçais apareceram. Ralof percebeu então que eles tinham estado em alcovas dos dois lados da porta, sem serem vistos quando ele e Savos entraram.

Tragam vinho, comida e cadeiras para os convidados disse Elisif e cuidem para que ninguém nos incomode pelo período de uma hora. É todo o tempo de que disponho, pois há muito mais coisas a fazer disse ela a Savos. Muitas e mais importantes, pode parecer, e apesar disso para mim são menos urgentes. Mas talvez possamos conversar outra vez no fim do dia.

E mais cedo, deve-se esperar disse Savos Aren. Pois eu não vim de Winterhold até aqui, ao longo de cento e cinquenta léguas, na velocidade do vento, apenas para trazer-lhe um guerreiro, por mais cortês que ele seja. Não significa nada para você o fato de Jarl Harrald ter lutado numa grande batalha, e Winterhold estar derrotada, e eu ter anulado a magia de Ancano, o Arque-Mago?

Significa muito. Mas já sei o suficiente sobre esses feitos para fazer meus próprios planos contra a ameaça do leste.

Voltou os olhos escuros para Savos Aren, e agora Ralof percebia uma semelhança entre os dois, e sentia a tensão entre eles, quase como se visse uma linha de fogo latente traçada de olho a olho, que poderia de repente explodir em chamas. Na verdade, Elisif se assemelhava muito mais a um grande mago que Savos Aren, com mais realeza, mais beleza, mais poder e somente menos idade. Apesar disso um sentido em Ralof que não era a visão, percebia que Savos tinha o poder maior, e a sabedoria mais profunda, e uma majestade velada. E era mais velho, muito mais velho.

"Quanto mais velho?", perguntou-se ele, e então pensou como era estranho nunca ter pensado nisso antes. Malatar dissera algo sobre os magos, mas mesmo naquele momento ele não pensara em Savos como um deles. “O que era Savos? Em que lugar e época distantes surgira no mundo, e quando o deixaria?” Então suas meditações foraminterrompidas, e ele viu que Elisif e Savos ainda estavam se olhando, olhos nos olhos, como se estivessem lendo a mente um do outro.

Mas foi Elisif quem desviou o olhar primeiro.

Sim disse ela , pois, embora as alianças estejam confusas, pelo que dizem, ainda os senhores de Haafingar têm um olhar mais agudo que os homens inferiores, e muitas mensagens chegam a eles. Mas sentem-se agora!

Os homens vieram trazendo uma cadeira e um banco baixo, e um deles trouxe uma bandeja com uma jarra de prata e taças, e bolos brancos. Ralof sentou-se, mas não conseguiu tirar os olhos da bela senhora.

Agora conte-me sua história, meu vassalo disse Elisif, num tom de voz que misturava cortesia e caçoada. Pois as palavras de uma pessoa tão amiga de meu filho serão realmente bem-vindas.

Ralof jamais esqueceu aquela hora, no grande salão, sob o olhar agudo da Jarl de Solitude, continuamente apunhalado por suas perguntas perspicazes, e consciente todo o tempo de Savos ao seu lado, observando, escutando e (assim sentia Ralof) controlando sua ira crescente e sua impaciência. Quando a hora terminou e Elisif mais uma vez tocou o gongo, Ralof se sentia exausto. "Não podem ser mais de nove horas", pensou ele. "Conseguiria agora devorar três desjejuns a fio."

Conduzam o Senhor Savos Aren ao alojamento preparado para ele disse Elisif e seu companheiro poderá se alojar com ele por enquanto, se quiser. Que seja divulgado que agora eu o tomei sob juramento a meu serviço, e ele deverá ser conhecido como Ralof de Solitude, e terá direito a aprender as senhas inferiores. Enviem ordens aos Capitães dizendo que devem me encontrar aqui, o mais cedo possível depois do soar da terceira hora. E você, meu Senhor Agaialor, deverá vir também, como e quando quiser. Ninguém impedirá que venha até mim a qualquer hora, com exceção das minhas breves horas de sono. Deixe que a ira que sente em relação á tolice de uma mulher se esvaia, e depois retorne para meu consolo.

Tolice? disse Savos Aren. Não, minha senhora; quando for uma parva estará morta. Pode mesmo usar sua tristeza como um disfarce. Pensa que não entendo seu propósito em interrogar por uma hora alguém que sabe o mínimo, enquanto eu fico sentado observando?

Se entende, então fique feliz respondeu Elisif. O orgulho seria tolice, se desdenhasse ajuda e aconselhamento na necessidade, mas você distribui essas dádivas de acordo com seus próprios desígnios. Apesar disso, a Jarl de Solitude não deve ser transformada na ferramenta dos propósitos de outros homens, não importa quanto sejam valorosos. E para ela não há propósito mais alto no mundo, como ela se apresenta agora, do que o bem de Haafingar; e a lei de Haafingar, meu senhor, é minha e de nenhum outro homem, a não ser que um novo alto rei seja escolhido.

A não ser que um novo alto rei seja escolhido? disse Savos Aren. Bem, minha Jarl, é sua tarefa manter ainda algum reino tendo em vista esse evento, que agora poucos esperam ver. Nessa tarefa terá toda a ajuda que estiver disposta a pedir. Mas vou lhe dizer isto: a lei de nenhum reino é minha, nem a de Haafingar nem a de qualquer outro, grande ou pequeno. Mas todas as coisas que correm perigo no mundo como ele agora se apresenta, estas são a minha preocupação E, de minha parte, não terei fracassado inteiramente em minha missão, mesmo que Haafingar venha a perecer, se alguma coisa atravessar esta noite e ainda puder crescer bela e dar flores e frutos de novo nos dias vindouros. Pois também sou um regente. Você não sabia? E com isso virou-se e se afastou do salão, com Ralof correndo ao seu lado.

Savos Aren não olhou para Ralof, nem lhe dirigiu nenhuma palavra, enquanto os dois caminhavam. O guia os conduziu pela porta do salão, e depois os levou através do pátio do palácio para uma alameda entre altas construções de pedra. Depois de várias curvas chegaram a uma casa próxima à muralha da Cidade, no lado norte, não muito distante da saliência que ligava a colina às montanhas. No interior, no primeiro andar acima da rua, subindo uma escada grande e esculpida, ele os levou para uma bela sala iluminada e arejada, com belos reposteiros de fosco brilho dourado, sem figuras. Havia poucos móveis: uma pequena mesa, duas cadeiras e um banco; mas dos dois lados havia alcovas com cortinas e camas bem guarnecidas, com jarras e vasilhas para se lavarem. Havia três janelas altas e estreitas que davam para o norte, sobre a grande curva do Karth, ainda oculto pela névoa, correndo na direção de Forgulnthur.

Está zangado comigo, Savos? disse ele, quando o guia saiu e fechou a porta. Fiz o melhor que pude.

Realmente fez! disse Savos, rindo de repente, e vindo ficar ao lado de Ralof, colocando o braço sobre os ombros dele, e olhando através da janela. Ralof observou com certa surpresa aquele rosto agora bem perto ao lado do seu, pois o som do riso fora alegre e contente. Mesmo assim, no rosto do mago só viu no inicio linhas de preocupação e de tristeza; todavia, olhando com mais atenção Ralof percebeu que, subjugada a tudo, havia uma grande alegria: uma fonte de contentamento suficiente para fazer todo um reino rir, caso extravasasse. Realmente você fez o melhor que pôde disse o mago , e espero que demore muito até você se achar encurralado assim de novo, entre duas pessoas tão terríveis. Apesar disso, a Jarl de Haafingar soube mais por você do que você possa ter imaginado, Ralof. Você não conseguiu ocultar o fato de que não foi Erik quem liderou a Companhia que deixou as Cataratas Ermas, e que havia entre vocês alguém de grande honra, que estava vindo para Solitude, e que esse alguém possuía uma espada famosa. Os homens de Haafingar consideram muito as histórias dos dias antigos; e Elisif tem meditado bastante na rima e nas palavras espada do dragão, desde que Erik partiu. Ela não é como as outras mulheres de sua época, Ralof, e, qualquer que seja sua descendência de pai para filho, por algum acaso o sangue que corria nas veias do marido era praticamente o sangue legítimo de Cyrodiil, mas o sangue do filho que ela amava, Erik, era mais como o dela; o sangue dos nobres do Conselho Ancião, talvez, mas não o dos Septim. Ela tem uma visão aguda. Pode perceber, se forçar sua vontade, muito do que se passa nas mentes dos homens, mesmo daqueles que moram em lugares distantes. É difícil enganá-la, e perigoso tentar. Lembre-se disso! Pois agora você deve servi-la sob juramento. Não sei o que passou por sua cabeça, ou em seu coração, para que fizesse aquilo. Mas foi bem feito. Não impedi, pois ações generosas não devem ser reprimidas por conselhos frios. Tocou-lhe o coração, além de (permita-me dizer) diverti-la. E no mínimo agora você está livre para caminhar à vontade em Solitude quando não estiver desempenhando alguma tarefa. Pois há um outro lado. Você está sob as ordens da Jarl, e disso ela não se esquecerá. Por isso, tenha cuidado! Calou-se e suspirou. Bem, não é necessário preocupar-se com o que o amanhã poderá trazer. Em primeiro lugar, porque o amanhã trará certamente coisas piores que hoje, ainda por muitos dias vindouros. E não há mais nada que eu possa fazer para evitá-lo. O tabuleiro está armado, e as peças estão se movendo. Uma peça que desejo muito encontrar é Aldis, agora o Capitão da Cidade de Solitude. Não acho que ele esteja na Cidade, mas não tive tempo de colher noticias. Preciso ir, Ralof. Devo estar nesse conselho de senhores e obter todas as informações possíveis. Mas o lance agora é do Devorador de Mundos, e ele está prestes a abrir totalmente seu jogo. E é provável que os peões possam ter um campo de visão tão amplo quanto qualquer outra peça, Ralof de Solitude, soldado de Haafingar. Afie sua espada!

Savos Aren foi até a porta, e ali virou-se. Estou com pressa, Ralof disse ele. Faça-me um favor quando sair. Antes mesmo de descansar, se não estiver cansado demais. Vá procurar Gelado e veja como ele está alojado. Este povo é gentil com os animais, pois é um povo bom e sábio, mas tem menos habilidades com cavalos que outros.

Dizendo isso, Savos Aren saiu, e naquele momento ouviu-se um sino tocando suave e límpido numa torre da cidadela. Soou três vezes, como prata no ar, e parou: a terceira hora depois do nascer do sol. Depois de um minuto, Ralof passou pela porta, desceu a escada e foi olhar na rua. O sol agora brilhava quente e claro, e as torres e velhas casas projetavam longas e nítidas sombras na direção do oeste. Homens armados iam de um lado para o outro nos caminhos da Cidade, como se ao bater das horas devessem mudar de posto e atividade.

Nove horas nós diríamos em Riverwood disse Ralof em voz alta para si mesmo. Hora exata para um café da manhã agradável perto da janela aberta ao sol da primavera. E como adoraria um café da manhã! Será que essas pessoas têm café da manhã alguma vez, ou será que já passou da hora? E quando será que almoçam, e onde?

De repente notou um homem, vestido de vermelho e marrom, vindo pela rua estreita do centro da Cidade na direção dele. Ralof sentiu-se solitário e tomou a decisão de falar quando o homem passasse; mas não foi necessário. O homem veio exatamente na direção dele.

Você é Ralof, o Stormcloak? disse ele. Ouvi dizer que você jurou servir a Jarl e à Cidade. Bem-vindo! Estendeu a mão, e Ralof a apertou. Meu nome é Segunivus, filho de Scelian. Não tenho obrigações esta manhã, e fui enviado para lhe ensinar as senhas e para lhe contar algumas das muitas coisas que sem dúvida você deseja saber. E, quanto a mim, gostaria de saber sobre você também. Pois nunca antes nesta terra vimos um stormcloak desde a invasão do rebelde. Além do mais, você é amigo de Savos Aren. Você o conhece bem?

Bem disse Ralof ele é meu conhecido desde o início de minha curta vida, como se pode dizer; ultimamente tenho viajado com ele para lugares distantes. Mas há muito a ser lido naquele livro, e não posso afirmar que vi mais que uma ou duas páginas. Apesar disso, talvez eu o conheça tão bem como qualquer um, com exceção de uns poucos. Vorstag era o único em nossa Companhia, eu acho, que realmente o conhecia bem.

Vorstag? disse Segunivus. Quem é ele?

Oh! gaguejou Ralof era um homem que viajou conosco. Acho que agora está em Riften.

Você esteve em Riften, ouvi dizer. Há muitas coisas que gostaria de lhe perguntar sobre aquela terra também, pois depositamos naquele povo grande parte da pouca esperança que nos resta. Mas estou me esquecendo de minha missão, que era responder primeiro ao que você perguntasse. O que gostaria de saber, Mestre Ralof?

É, bem disse Ralof se eu puder ousar dizer isto, uma pergunta que está queimando em minha cabeça neste momento é, bem, e o café da manhã e tudo mais? Quero dizer, quais são as horas das refeições, se é que você me entende, e onde é a sala de jantar, se é que existe uma? E as estalagens? Eu procurei, mas não vi nenhuma em nossa subida, embora tenha vindo carregado pela esperança de poder conseguir um gole de cerveja quando chegássemos nas casas dos homens sábios e corteses.

Segunivus lançou-lhe um olhar sério.

Um típico veterano, pelo que vejo disse ele. Dizem que os homens que vão guerrear longe de casa estão sempre de olho na próxima oportunidade de conseguir comida e bebida, embora eu mesmo não seja um homem viajado. Quer dizer que você não comeu nada hoje?

Bem, sim, para ser educado, digo que comi sim disse Ralof. Mas nada além de uma taça de vinho e um ou dois pedaços de bolo branco graças à cortesia de sua senhora; mas em troca disso ela me torturou com uma hora de interrogatório, e isso é um trabalho que dá fome.

Segunivus riu.

A mesa, homens pequenos na guerra podem ser responsáveis pelos maiores feitos, dizemos por aqui. Mas você tomou seu café da manhã como qualquer homem na Cidade, e com maiores honras. Esta é uma fortaleza e uma torre de guarda, que está agora em regime de guerra. Levantamo-nos antes de o sol nascer, e comemos alguma coisinha na luz cinzenta, evamos fazer nossos deveres na primeira hora. Mas não se desespere! disse Segunivus, rindo outra vez, ao ver a frustração nos olhos de Ralof. Aqueles que tiveram trabalho pesado tomam alguma coisa para renovar suas forças no meio da manhã. Há o almoço ao meio-dia ou mais tarde, como permitirem os deveres; e os homens se reúnem para a refeição do dia, e para a diversão que ainda é possível, na hora do pôr-do-sol. Venha! Vamos caminhar um pouco e depois achar alguma coisa para repor as energias, e comida e bebida na ameia, apreciando a bela manhã.

Um momento! disse Ralof corando. A voracidade, ou a fome, como você gentilmente diz, me tirou isso da cabeça. Mas Savos Aren, Agaialor, como vocês o chamam, me pediu que fosse ver o seu cavalo - Gelado, um grande corcel de Riften, e a menina dos olhos de Maven Black-Briar, pelo que ouvi, embora tenha sido doado a Savos por seus serviços. Acho que seu novo dono o ama mais do que ama a muitos homens, e, se a boa vontade dele tem algum valor para esta cidade, vocês devem tratar Gelado com todas as honras: com maior gentileza do que trataram este urso-antigo, se for possível.

Urso antigo? disse Segunivus.

É assim que nos chamamos a nós mesmos, veteranos do exército de Ulfric Stormcloak disse Ralof.

Fico feliz em sabê-lo disse Segunivus , mas não deve falar muito sobre o Jarl de Windhelm em Solitude, ainda mais sob o juramento para com a jarl. Mas agora posso dizer que sotaques estranhos não estragam belas falas, e os ursos antigos são um povo que fala bonito. Mas venha! Deve apresentar-me a esse bom cavalo. Adoro animais, e raramente os vemos nesta cidade de pedra; pois meu povo veio dos vales das montanhas, e antes disso de Cyrodiil. Mas não tema! O encontro será rápido, uma mera visita de cortesia, e depois então vamos para as despensas.

Ralof viu que Gelado fora bem alojado e cuidado. Pois do lado de fora das muralhas da Cidade, havia alguns belos estábulos onde eram mantidos alguns cavalos velozes, ao lado dos alojamentos dos mensageiros da Jarl: homens sempre prontos a partir ao comando urgente de Elisif ou de seus superiores. Mas agora todos os cavalos e mensageiros estavam ausentes em lugares distantes.

Quando Ralof entrou no estábulo, Gelado relinchou e virou a cabeça. Bom dia! disse Ralof. Savos virá assim que puder. Está ocupado, mas envia seus cumprimentos, e eu devo cuidar para que tudo esteja bem com você; espero que você esteja descansando, depois de seus longos trabalhos.

Gelado empinou a cabeça e pateou o chão. Mas permitiu que Segunivus lhe segurasse a cabeça de leve e acariciasse seus grandes flancos.

Dá a impressão de que ele está sendo preparado para uma corrida, e não de que acaba de chegar de uma longa viagem disse Segunivus. Como é forte e altivo! Onde está seu arreio? Deve ser valioso e bonito.

Nenhum é valioso e bonito o suficiente para ele disse Ralof. Ele não aceita nenhum. Se consentir em levá-lo, ele o leva; senão, bem, não há freio, rédea, chicote ou correia que possam domá-lo. Passe bem, Gelado! Tenha paciência. A batalha se aproxima.

Gelado levantou a cabeça e soltou um relincho que fez o estábulo tremer, e eles cobriram os ouvidos. Então saíram, após verificarem que a manjedoura estava bem cheia.

E agora, para a nossa manjedoura disse Segunivus, levando Ralof de volta à Cidade, e para uma porta do lado norte da grande torre. Ali desceram por uma escada longa e fresca até uma alameda larga iluminada por lamparinas. Havia postigos nas paredes laterais, e um deles estava aberto. Este é o armazém e a despensa de minha companhia da Guarda. Meus cumprimentos, Brotch! chamou ele através do postigo. Ainda é cedo, mas temos aqui um novato que a Jarl tomou a seu serviço. Ele cavalgou numa longa e distante viagem, com o cinto bem apertado, teve um trabalho duro durante a manhã e está faminto. Traga-nos o que tiver!

Conseguiram pão, manteiga, queijo e maçãs: as últimas do suprimento de inverno, enrugadas, mas doces e firmes; e um odre de couro cheio de cerveja recém-tirada do barril, e pratos e copos de madeira. Colocaram tudo num cesto de vime e subiram de volta para o sol; Segunivus levou Ralof a um ponto na extremidade leste da grande ameia saliente, onde havia um vão de janela nas muralhas com um assento de pedra colocado abaixo do peitoril. Dali podiam observar a manhã sobre o mundo.

Comeram e beberam, falando algumas vezes de Haafingar, de seus modos e costumes, e outras de Riverwood e das estranhas terras que Ralof vira. E, à medida que conversavam, Segunivus ia ficando mais assombrado, - olhava com admiração cada vez maior para o soldado.

Não vou esconder de você, Mestre Ralof disse Segunivus , que para nós você parece quase um de nossos recrutas, um rapaz de dezenove verões mais ou menos; apesar disso, você enfrentou perigos e viu maravilhas que poucos de nossos veteranos poderiam se gabar de ter visto. Pensei que fosse um capricho da nossa Jarl contratar um pajem nobre, à moda dos reis de antigamente, como se diz. Mas vejo que não é assim, e você deve perdoar minha tolice.

Eu perdôo disse Ralof. Embora você não esteja muito errado. Sou pouco mais que um garoto pelos padrões de meu povo, e ainda levará quatro anos até que eu "atinja a maioridade", como dizemos em Riverwood. Mas não se incomode comigo. Venha, olhe e diga o que posso ver.

O sol agora se erguia, e a névoa nos vales lá embaixo havia subido. Uma última porção flutuava, um pouco acima de suas cabeças, como fragmentos de nuvens brancas carregados pela brisa constante que soprava do leste, agora agitando e balançando as bandeiras e insígnias brancas da cidadela.

Lá embaixo, no fundo do vale, a cerca de cinco léguas de distância em linha reta, podia-se ver o Grande Rio agora cinzento e luminoso, saindo do noroeste e fazendo uma grande curva para o sul e depois outra vez para o oeste, até se perder de vista na névoa tremeluzente, atrás da qual Mar, a cinquenta léguas de distância. Ralof conseguia enxergar todo a Haafingar se estendendo diante dele, salpicado na distância de fazendas e pequenas muralhas, celeiros e estábulos, mas em lugar algum se viam reses ou outros animais. Várias estradas e trilhas cruzavam os campos verdes, e havia muita gente indo e vindo: carroças movendo-se em fila na direção do Grande Portão, e outras saindo. De vez em quando um cavaleiro subia, saltava da sela e corria para dentro da Cidade. Mas a maior parte do tráfego saía pela estrada principal, que se virava para o sul e depois, curvando-se mais rápido que o Rio, contornava as colinas e logo sumia de vista. Era ampla e bem pavimentada, e ao longo de sua margem leste corria uma larga pista verde para cavalos, e além desta havia uma muralha. Cavaleiros galopavam de um lado para o outro, mas toda a rua parecia estar sufocada com grandes carroças cobertas indo para o sul. Mas logo Ralof viu que, na verdade, tudo era bem organizado: as carroças avançavam em três fileiras, uma mais veloz puxada por cavalos; a segunda mais lenta, grandes carroções com belas mantas multicoloridas, puxados por bois; e ao longo da borda oeste da estrada muitos veículos menores puxados por homens que avançavam a muito custo.

Aquela é a estrada que conduz as vilas de Karthwasten e Rorikstead, e para as aldeias das montanhas, e depois continua até Falkreath disse Segunivus. Ali vão as últimas carroças levando para o refúgio os anciãos, as crianças, e as mulheres que precisam acompanhá-las. Todos precisam estar longe do Portão, deixando a estrada livre por uma légua antes do meio-dia: esta foi a ordem. Uma triste necessidade. Poucos, talvez, daqueles agora separados poderão se encontrar de novo. E sempre houve muito poucas crianças nesta cidade; mas agora não resta nenhuma - exceto alguns rapazes novos que se recusam a partir, e podem encontrar alguma tarefa a desempenhar: meu próprio filho é um deles.

Ficaram em silêncio por um tempo. Ralof olhou ansioso para o leste, como se a qualquer momento esperasse ver milhares de draugrs inundando os campos. O que vejo ali? perguntou ele, apontando para baixo, para o além de Forgulnhtur. Aquela é outra cidade, ou o quê?

Foi uma cidade disse Segunivus , a segunda mais importante de Haafingar, que era uma grande fortaleza de Solitude. Pois aquelas são as ruínas de Águianeve, depois de Forgulnthur, a qual nossos inimigos tomaram e incendiaram há muito tempo. Apesar disso, conseguimos recuperá-la nos dias da juventude de Torygg: não para morarmos nela, mas para mantê- la como um posto avançado, e para reconstruir a ponte para a passagem de nossos exércitos. E então vieram os mortos cruéis de Tolvald.

Os draugrs? disse Ralof, abrindo os olhos, que ficaram esbugalhados e escuros com o despertar de um velho medo.

Sim, eles são os draugrs disse Segunivus e agora vejo que você sabe alguma coisa sobre eles, embora não os tenha mencionado em nenhuma de suas histórias.

Sei sobre eles disse Ralof baixinho, mas não vou falar neles agora, nem mesmo tão longe, tão longe.

Interrompeu o que dizia e levantou os olhos acima do Rio, tendo a impressão de que tudo o que conseguia ver era uma sombra vasta e ameaçadora. Talvez fossem montanhas assomando no limiar da visão, suas afiadas bordas suavizadas por cerca de vinte léguas de ar enevoado; talvez fosse apenas uma parede de nuvens, e além dela uma escuridão ainda mais profunda. Mas, ainda enquanto olhava, Ralof teve a impressão de que a escuridão crescia e se adensava, muito lentamente, lentamente se erguendo para sufocar as regiões ensolaradas.

Tão longe de Skuldafn? disse Segunivus em voz baixa. Sim, longe está ela. Raramente pronunciamos seu nome; mas sempre moramos o mais longe possível daquela sombra: algumas vezes ela parece mais sumida e distante; outras vezes mais próxima e escura. Agora está crescendo e escurecendo, e portanto nosso medo e nossa inquietude crescem também. E os mortos cruéis, menos de um ano atrás, conseguiram reconquistar as travessias, e muitos de nossos melhores homens foram mortos. Foi Erik quem finalmente conseguiu afastar o inimigo desta margem ocidental, e ainda mantemos em nosso poder a metade mais próxima de Águianeve. Por um curto tempo. Mas aguardamos agora um novo ataque lá. Talvez o ataque principal da guerra que se aproxima.

Quando? disse Ralof. Você tem uma idéia? Pois na noite passada vi o farol e os mensageiros; Savos disse que isso era um sinal de que a guerra começara. Ele parecia estar com uma pressa desesperada. Mas agora parece que tudo ficou mais calmo outra vez.

Somente porque agora tudo está pronto disse Segunivus. É apenas uma tomada de fôlego antes do mergulho.

Mas por que o farol estava aceso a noite passada?

É tarde demais para enviar pessoas em busca de ajuda quando você já está cercado respondeu Segunivus. Mas desconheço os planos da Jarl e de seus capitães. Eles têm muitos meios de conseguir notícias. E a Jarl Elisif é diferente de outros: ela enxerga longe. Alguns dizem que, quando ela se senta em seu alto aposento no Palácio durante a noite, e direciona seu pensamento neste ou naquele caminho, ela consegue ler alguma coisa do futuro, e de vez em quando vasculha a própria mente do Devorador de Mundos, digladiando-se com ele. Tanto assim que ele está envelhecendo, desgastando precocemente. Mas de qualquer forma meu senhor Aldis está longe, além do Rio em alguma missão perigosa, e ele pode ter enviado notícias. Mas, se quer saber qual, na minha opinião, seria o motivo do farol se acender, foi a noticia que chegou ontem á noite de Dawnstar. Há uma grande esquadra se aproximando da praia, liderada pelos cultistas de Solstheim. Já faz tempo que os homens sob as ordens da Casa Redoran que deixaram de temer o poder de Haafingar, e alguns aliaram ao Devorador de Mundos, e agora desferem um pesado golpe a favor dele. Pois esse ataque retirará grande parte da ajuda que procurávamos conseguir de Dawnstar e Morthal, onde o povo é valente e numeroso. Mais que nunca voltamos nossos pensamentos para o leste e para Riften, e estamos muito alegres por essa noticia de vitória que vocês trazem agora. E mesmo assim ele parou e se levantou, olhando em volta, para o norte, o leste e o sul os acontecimentos em Winterhold devem nos advertir de que estamos presos numa grande rede e estratégia. Não é mais uma contenda nas colinas, os perjurados nos atacando, com emboscadas e pilhagens. Esta é uma grande guerra planejada há muito tempo, e nela somos apenas uma peça, não importa o que o orgulho possa dizer. As coisas estão se movendo no extremo leste, além das Montanhas Velothi, sabemos pelos relatos; e também no sul, em Valenwood e mais além; e ao nordeste em Hammerfell. E agora todos os reinos deverão ser submetidos à prova, para resistir ou cair - sob a Sombra. Apesar disso, Mestre Ralof, temos esta honra: sempre fomos o alvo do maior ódio do Devorador de Mundos, pois esse ódio vem das profundezas do tempo, por sobre as profundidades do Mar. Aqui o golpe do martelo será mais forte. E por esse motivo Savos Aren veio até aqui com tanta pressa. Pois, se cairmos, quem resistirá? E, Mestre Ralof, você tem alguma esperança de que possamos resistir?

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Ralof não respondeu. Olhou as grandes muralhas, e as torres e as altivas bandeiras, e o sol no céu alto, e depois para a escuridão que se adensava no leste; pensou nos longos dedos daquela Sombra: os draugrs das florestas e montanhas saindo de suas ruínas, a traição de Winterhold, os pássaros de olhos malévolos, e os vampiros até mesmo nas alamedas de Riverwood - e pensou também no terror alado, os dragões e os seus sacerdotes. Estremeceu, e teve a impressão de que a esperança definhava. E naquele exato momento o sol, por um instante, vacilou e foi obscurecido, como se uma asa negra tivesse passado por ele. Quase inaudível ele teve a impressão de captar, alto e muito acima nos céus, um grito: fraco, mas de estremecer o coração, cruel e frio. Ficou branco e encolheu-se contra a muralha.

Que foi isso? perguntou Segunivus. Você também sentiu alguma coisa?

Senti murmurou Ralof. É o sinal de nossa queda, e a sombra da destruição, um Sacerdote Dracônico dos ares.

Sim, a sombra da destruição disse Segunivus. Receio que Solitude deva cair. A noite se aproxima. O próprio calor de meu sangue parece que me foi roubado.

Por um tempo ficaram sentados juntos, cabisbaixos e calados.

Então, de repente, Ralof ergueu os olhos e viu que o sol ainda estava brilhando e as bandeiras continuavam tremulando ao vento. Sacudiu o corpo. Passou disse ele. Não, meu coração ainda não vai se desesperar. Savos pereceu, retornou e está conosco. Podemos resistir, nem que seja numa só perna, ou até mesmo de joelhos.

Muito bem dito! exclamou Segunivus, levantando-se e andando de um lado para o outro em largas passadas. Não, embora todas as coisas irremediavelmente devam chegar a um fim em determinada hora, Haafingar ainda não perecerá Nem mesmo se as muralhas forem tomadas por um inimigo impiedoso que construa uma parede de cadáveres diante delas. Ainda há outras fortalezas, e caminhos secretos de fuga para dentro das montanhas. A esperança e a memória ainda viverão em algum vale oculto, onde a relva é verde.

Mesmo assim, eu gostaria que tudo terminasse, para o bem ou para o mal disse Ralof. Não sou de forma alguma o guerreiro que fui no passado, e me desagrada a idéia da batalha; mas esperar no limiar de uma batalha da qual eu não posso escapar é pior que tudo. Como este dia já parece longo! Seria mais feliz se não fôssemos obrigados a vigiar e resistir, sem fazer qualquer movimento e sem desferir o primeiro golpe. Nenhum golpe teria sido desferido em Riverwood, eu acho, se não fosse por Savos.

Ah! Nesse ponto você toca na ferida de muitas pessoas! disse Segunivus. Mas as coisas podem mudar com o retorno de Aldis. Ele é corajoso, mais corajoso do que muitos julgam; nestes dias os homens demoram a crer que um capitão possa ser sábio e versado nos pergaminhos da tradição e das canções como ele é, e ser ao mesmo tempo um homem audacioso e de julgamento rápido no campo de batalha. Mas Aldis é assim. Menos temerário e ansioso que Erik, mas não menos resoluto. Mesmo assim, o que poderá ele fazer realmente? Não podemos atacar as montanhas do... do reino que fica mais além. Nosso alcance está diminuído, e não podemos atacar até que algum inimigo invada nosso território. Aí então nossa mão deverá ser pesada. Segunivus bateu no punho da espada.

Ralof olhou para ele: grande, altivo e nobre, como todos os homens que já vira naquela terra; um brilho faiscava em seus olhos ao pensar na batalha. "É uma pena, mas minha mão parece mais leve que uma pluma", pensou ele, mas não disse nada. "Um peão, Savos dissera? Talvez, mas no tabuleiro errado."

Assim conversaram até que o sol atingiu seu apogeu, e de repente os sinos do meio-dia soaram, e a Cidade começou a se agitar; todos, exceto as sentinelas, estavam indo fazer suas refeições.

Você não vem comigo? disse Segunivus. Pode se juntar ao meu grupo hoje. Não sei a que companhia será designado, ou talvez a Jarl possa mantê-lo sob seu comando direto. Mas você será bem-vindo. E será bom que conheça o maior número possível de nossos homens, enquanto ainda houver tempo.

Ficarei feliz em acompanhá-lo disse Ralof. Sinto-me solitário, para falar a verdade. Deixei para trás meu melhor amigo, em Riften, e não tenho tido ninguém para conversar ou para fazer brincadeiras. Quem sabe eu não possa realmente juntar-me á sua companhia? Você é o capitão? Se esse é o caso, você poderia me aceitar, ou dizer uma palavra a meu favor?

Não, não riu Segunivus. Não sou o capitão. Não sou oficial, nem graduado e nem tenho qualquer título, não passando de um simples soldado da Terceira Companhia da Cidade. Mesmo assim, Mestre Ralof, ser apenas um soldado da Guarda do Castelo Dour é algo respeitável na Cidade, e esses homens têm muito nesta terra.

Então é uma posição muito acima da minha pessoa disse Ralof. Leve-me de volta ao nosso quarto, e, se Savos não estiver lá, irei aonde você quiser como seu convidado.

Savos Aren não estava no alojamento e não enviara qualquer recado; então Ralof acompanhou Segunivus e foi apresentado aos homens da Terceira Companhia. E, ao que pareceu, isso foi motivo de honra tanto para Segunivus como para seu convidado, pois Ralof foi muito bem recebido. Já se tinha comentado muito na Cidade sobre o companheiro de Savos Aren, e sobre sua longa conversa a portas fechadas com a Jarl, e corriam boatos de que um homem viera do sul para oferecer a Haafingar obediência e cinco mil espadas. E alguns diziam que, quando os soldados viessem de Riften, cada um traria em sua garupa um guerreiro do povo de Windhelm, inimigos talvez, mas todos unidos contra o Devorador de Mundos.

Embora Ralof tenha precisado, contra a sua vontade, destruir essa lenda esperançosa, não conseguiu se livrar dessa nova posição, que seria bem adequada, pensavam os homens, a alguém que tivesse sido amigo de Erik e que fosse respeitado pela Jarl Elisif. Agradeceram-lhe por ter vindo se juntar a eles, ouviram com avidez suas palavras e histórias sobre as terras estrangeiras, e lhe ofereceram toda a comida e a cerveja que ele poderia desejar. Na verdade, o único problema de Ralof era “manter cautela”, seguindo o conselho de Savos, e não ficar com a língua solta, como fica um nórdico entre amigos. Finalmente, Savos Aren se levantou.

Até logo, por enquanto! disse ele. Tenho tarefas a cumprir agora até o pôr-do-sol, como todos os outros aqui, eu acho. Mas, se você está se sentindo solitário, como disse, talvez aprecie um guia alegre para conduzi-lo pela Cidade. Meu filho terá prazer em acompanhá-lo. Um bom rapaz, posso dizer. Se isso lhe agradar, desça até o círculo mais baixo e pergunte pela Velha Hospedaria do Skeever Pisquento, na rua dos Lampioneiros. Você poderá encontrá-lo lá, juntamente com outros rapazes que permanecem na Cidade. Pode haver coisas que valham a pena ver junto ao Grande Portão, antes que ele seja fechado.

Saiu, e logo depois todos os outros o seguiram. O dia permanecia agradável, embora estivesse ficando enevoado, e estava quente para primeira-semente, mesmo naquela região praiana. Ralof se sentia sonolento, mas o alojamento parecia melancólico, e ele decidiu descer e explorar a Cidade. Levou para Gelado alguns alimentos que separara, e que foram muito bem aceitos, embora o cavalo não parecesse estar sentindo falta de comida.

Então Ralof desceu por longos caminhos sinuosos.

As pessoas olhavam-no muito enquanto ele passava. Quando passava, os homens eram de uma cortesia grave, saudando-o à maneira de Haafingar, curvando a cabeça com a mão sobre o peito; mas atrás de si Ralof escutava muitos chamados, como se os que estivessem para fora chamassem aqueles no interior das casas para que viessem ver o vira-casaca, o companheiro de Savos Aren. Finalmente passou por ruas com arcos e por muitas alamedas e calçadas belas, chegando até o círculo maior e mais baixo, e ali lhe indicaram o caminho da rua dos Lampioneiros, uma rua larga que conduzia ao Grande Portão. Nela encontrou o Skeever Pisquento, um grande prédio de pedra desgastada e cinzenta, com duas alas que avançavam até a rua, e entre elas um gramado verde, atrás do qual ficava a casa de muitas janelas. Ao longo de toda a fachada havia um pórtico com pilares, e um lance de escada que descia até o gramado. Meninos brincavam entre os pilares, as únicas crianças que Ralof vira em Solitude, e ele parou para observá-las. De repente um deles o avistou, e com um grito veio saltando pelo gramado até a rua, seguido de vários outros. Ali parou na frente de Ralof, fitando-o de cima a baixo.

Meus cumprimentos! disse o menino. De onde você vem? Vejo que é um forasteiro.

Eu era disse Ralof ; mas dizem que agora me transformei num homem de Solitude.

Ora, ora disse o menino. Então somos todos homens de Solitude aqui. Mas quantos anos tem, e qual é o seu nome? Eu sou muito mais do que você, pelo menos. Mas, também, meu pai é um Guarda, um dos mais altos. E o seu?

Que pergunta devo responder primeiro? disse Ralof. Meu pai cultivava as terras ao redor de Riverwood. Tenho quase vinte e nove anos, o que quer dizer que em idade estou na sua frente.

Vinte e nove disse o menino soltando um assobio. Que coisa, você é bem velho. Da mesma idade do meu tio Jorlas. Mesmo assim acrescentou ele cheio de autoconfiança , aposto que poderia virá-lo de cabeça para baixo ou derrubá-lo no chão, porque eu sou de Solitude.

Talvez possa, se eu permitir disse Ralof com uma risada. E talvez eu pudesse fazer o mesmo com você: conhecemos alguns truques de luta em nossa pequena terra. Lá, deixe-me dizer, sou considerado singularmente grande e forte, e nunca permiti que ninguém me colocasse de cabeça para baixo. Então, se houvesse uma tentativa sua, e eu não visse outra solução, talvez tivesse de matá-lo. Pois, quando você for mais velho, aprenderá que as pessoas não são sempre o que aparentam, e, embora você tenha me tomado por um soldado forasteiro e frágil, e uma presa fácil, deixe-me adverti-lo: não sou o que está pensando; eu era um soldado, forte, corajoso e malvado! Ralof deu um sorriso tão sinistro que o menino recuou um passo, mas imediatamente avançou com punhos cerrados e a luz da batalha nos olhos. Não! disse Ralof rindo. Também não deve acreditar no que os forasteiros dizem sobre si mesmos! Não sou um lutador. Mas seria mais educado, de qualquer forma, se o desafiante dissesse quem é.

O menino se empertigou cheio de orgulho. Sou Stlubo, filho de Segunivus da Guarda disse ele.

Foi o que pensei disse Ralof pois você se parece com seu pai. Eu o conheço, e ele me mandou procurá-lo.

Então por que não disse imediatamente? disse Stlubo, e de repente uma expressão frustrada cobriu-lhe o rosto. Não me diga que ele mudou de idéia, e decidiu me mandar embora com as donzelas! Mas não pode ser, as últimas carroças já se foram.

A mensagem dele é menos ruim que essa, se é que não é boa disse Ralof. Ele manda dizer que, se você preferir isso a me virar de cabeça para baixo, pode me mostrar a Cidade durante algum tempo e alegrar minha solidão. Em retribuição posso lhe contar umas histórias de terras distantes.

Stlubo bateu palmas, e riu aliviado. Está tudo bem gritou ele. Então venha! Estávamos de saída para o Portão para ver os acontecimentos. Vamos agora.

O que está acontecendo lá?

Os Capitães das Terras Estrangeiras estão sendo esperados na Estrada Sul antes do pôr-do-sol. Venha conosco e verá.

Stlubo acabou se mostrando um bom companheiro, a melhor companhia que Ralof teve desde que se separara de Meeko, e logo os dois estavam rindo e conversando alegremente enquanto andavam pelas ruas, sem se darem conta dos muitos olhares que os homens lhes dirigiam. Logo se viram em meio a um tropel, indo para o Grande Portão. Ali Ralof cresceu muito na estima de Stlubo, pois, quando falou seu nome e a senha, o guarda o saudou e permitiu que passasse. Além disso, permitiu também que Ralof levasse consigo o companheiro.

Isso é bom! disse Stlubo. Não é mais permitido que nós garotos atravessemos o portão sem um adulto. Agora poderemos ver melhor.

Além do Portão havia uma multidão de homens ao longo da borda da estrada e do grande espaço pavimentado para o qual todos os caminhos para Solitude convergiam. Todos os olhos se voltavam para o sul, e logo um murmúrio se ergueu. Há poeira lá adiante! Eles estão chegando!

Ralof e Stlubo se esgueiraram para a frente da multidão.

Cornetas soaram a alguma distância, e o ruido de aplausos veio na direção deles como um vento crescente. Então ouviu-se um alto clangor de trombeta, e por toda a volta as pessoas gritavam.

Percius! Percius! ouviu Ralof. O que eles estão dizendo? perguntou ele.

Percius chegou respondeu Stlubo. O velho Percius, o Gordo, o senhor do Alto Portão. Lá vive meu avô. Viva! Lá vem ele. O bom e velho Percius!

Á frente da fila vinha caminhando um grande cavalo de pernas grossas, e nele um homem de ombros largos e enorme cintura, mas velho e de barba grisalha; mesmo assim estava vestido de malha metálica e usava um elmo negro, carregando uma lança comprida e pesada. Atrás dele marchava orgulhosa uma fileira empoeirada de homens, bem armados e carregando grandes machados-de-batalha; tinham os rostos sinistros, eram mais baixos e um tanto mais morenos que qualquer homem que Ralof já vira em Haafingar.

Percius! gritavam os homens. Coração sincero, amigo sincero! Percius! Mas, quando os homens do Alto Portão haviam passado, eles murmuraram: Tão poucos! Duzentos, é essa a conta? Esperávamos dez vezes esse número. Essa vai ser a última novidade da esquadra negra. Estão enviando apenas um décimo de sua força. Mesmo assim, já é um ganho.

E assim as companhias vieram e foram saudadas e aplaudidas e passaram através do Portão, homens das Terras Estrangeiras marchando para defender a Cidade de Haafingar numa hora escura; mas sempre em número reduzido, sempre menos homens do que se esperava, ou do que se pedira. Os homens das Cavernas Costaferro atrás do filho de seu senhor, Dervorin, avançando a pé: três centenas. Das regiões altas de Haafingar, a grande Caverna do Eco Perdido, o alto Turedus e seus filhos, Tuilin e Turufin, e quinhentos arqueiros. De Yngvild, a distante Praia Comprida, uma longa fileira de homens de vários tipos, caçadores e pastores, e homens de pequenas aldeias, parcamente equipados, homens de Dawnstar. E por último o mais altivo, Clagius, Príncipe de Volskygge, parente de Elisif, com bandeiras cor de ouro ostentando seu símbolo, e uma companhia de cavaleiros bem paramentados, montando cavalos cinzentos; atrás deles sete centenas de soldados, altos como senhores, de olhos cinzentos, cabelos escuros, cantando enquanto avançavam. E isso era tudo, menos de três mil no total. Ninguém mais viria. Seus gritos e as pisadas de seus pés entraram na Cidade e foram sumindo.

Os que assistiam ficaram em silêncio por um tempo. Pairava poeira no ar, pois o vento cessara e o fim da tarde estava pesado. A hora do fechamento do Portão já se aproximava, e o sol vermelho já estava atrás do Palácio. A sombra caiu sobre a Cidade.

Ralof ergueu os olhos, com a impressão de que o céu ficara cor de cinza, como se uma enorme poeira e fumaça pairassem acima deles, e a luz passasse vagamente por elas. Mas no oeste o sol que morria incendiara toda a fumaça.

Assim termina um belo dia em ira! disse ele, esquecido do menino ao seu lado.

Assim será, se eu não estiver em casa antes dos sinos do pôr-do-sol disse Stlubo. Venha! Aí está a trombeta que anuncia o fechamento do Portão.

De mãos dadas entraram de novo na Cidade, os últimos a atravessarem o Portão antes que fosse fechado; quando alcançaram a rua dos Lampioneiros, todos os sinos nas torres badalavam solenemente. Luzes se acendiam em muitas janelas, e das casas e das guaritas dos soldados ao longo das muralhas vinha o som de canções.

Até logo, por esta vez disse Stlubo. Leve minhas saudações a meu pai, e agradeça-lhe pela companhia que me enviou. Volte logo, eu lhe peço. Quase chego a desejar agora que não houvesse guerra, pois então poderíamos ter-nos divertido um bocado. Poderíamos ter viajado para o Alto Portão, para a casa de meus avós; é bom estar lá na primavera, as florestas e campos ficam cheios de flores, e a neve não é tão forte. Mas talvez ainda possamos visitar aquela região juntos. A nossa Jarl nunca será derrotada, e meu pai é muito corajoso. Até logo, e espero que retorne!

Separaram-se e Ralof correu de volta para a Cidade. Pareceu-lhe um caminho longo, e ele ficou com calor e muita fome; a noite se fechava rápida e escura. Nem sequer uma estrela apontava no céu. Chegou atrasado para a refeição do dia na Companhia, e Segunivus o recebeu com alegria, sentando-se ao seu lado para saber notícias do filho. Depois da refeição Ralof permaneceu lá por mais um tempo, e então saiu, pois foi tomado de uma estranha melancolia, desejando muito ver Savos Aren de novo.

Você sabe o caminho? perguntou Segunivus à porta do pequeno salão, ao norte da Cidade, onde estavam sentados. A noite está escura, e mais escura do que nunca desde que recebemos ordens para diminuir a intensidade das luzes dentro da Cidade, com recomendações de que nenhuma fosse acesa do lado de fora das muralhas. E posso lhe dar uma noticia de outra ordem: você será convocado pela Jarl Elisif amanhã bem cedo. Receio que você não esteja designado para a Terceira Companhia. Mesmo assim, podemos ter esperanças de nos encontrar de novo. Até logo e durma em paz!

O alojamento estava escuro, exceto por uma pequena lamparina acesa sobre a mesa. Savos Aren não estava lá. A melancolia se abateu ainda mais pesada sobre Ralof. Subiu no banco e tentou espiar pela janela, mas era como olhar dentro de um lago de tinta. Desceu, fechou a janela e foi dormir. Ficou um tempo deitado, atento, tentando escutar ruídos do retorno de Savos, e então passou para um sono inquieto.

Durante a noite foi acordado por uma luz, e viu que Savos Aren retornara e estava andando de um lado para o outro na sala além da cortina de sua alcova. Havia velas na mesa e rolos de pergaminhos. Ouviu o suspiro do mago, que murmurou: Quando retornará Aldis?

Olá! disse Ralof, metendo a cabeça na abertura da cortina. Pensei que tinha se esquecido completamente de mim. Fico feliz por vê-lo de volta. Foi um longo dia.

Mas a noite será curta demais disse Savos Aren. Voltei para cá porque precisava de um pouco de paz, sozinho. Você deveria dormir numa cama, enquanto ainda pode. Ao nascer do dia eu o levarei até a Jarl Elisif, a Bela, de novo. Ou melhor, quando vier a convocação, não ao nascer do dia. A Escuridão começou. Não haverá aurora.