DdAH: A Batalha de Skuldafn

A Passagem da Guarda da Alvorada


Savos Aren fora embora, e o ruido surdo dos cascos de Gelado se perdia na noite, quando Kharjo voltou ao encontro de Vorstag. Nerevelus já estava selado. Faendal, com seu cavalo, estava ali perto.

Então três membros da Companhia ainda restam disse Vorstag. Vamos continuar cavalgando juntos. Mas não iremos sozinhos, como eu havia pensado. Agora o jarl está determinado a partir imediatamente. Desde a passagem da sombra alada, ele deseja retornar ao lago sob a proteção da noite.

E depois para onde? perguntou Faendal.

Ainda não sei dizer respondeu Vorstag. Quanto ao jarl, irá à concentração de tropas que convocou em Riften, daqui a quatro noites. E lá, eu acho, saberá notícias da guerra, e os soldados de Riften subirão até Solitude. Exceto eu e quem quer que esteja disposto a me seguir.

Conte comigo! exclamou Faendal.

E comigo também! disse o khajiit.

Bem, quanto a mim disse Vorstag tudo está escuro á minha frente. Também devo subir até Solitude, mas ainda não vejo a estrada. Uma hora há muito preparada se aproxima.

Logo todos estavam prontos para partir - vinte e quatro cavalos, com Kharjo na garupa de Faendal, e um soldado chamado Asgeld, cujo cavalo percera no frio, na frente de Vorstag. De repente estavam cavalgando rápido através da noite. Não fazia muito tempo que tinham passado pelos túmulos no Forte de Greenwall, quando um soldado veio da retaguarda e alcançou a fila onde estavam.

Meu senhor disse ele ao jarl , há cavaleiros atrás de nós. Quase nos alcançando, galopando em grande velocidade.

Imediatamente Harrald ordenou uma pausa. Os soldados se viraram e agarraram as lanças. Vorstag desmontou e colocou Asgeld no chão e puxando sua espada parou ao lado do estribo do jarl. Saerlund e seu séquito se dirigiram à retaguarda. Asgeld mais que nunca se sentiu como bagagem inútil, e ficou pensando o que faria se houvesse uma luta supondo que a pequena escolta do jarl fosse presa e derrotada, e só ele escapasse na escuridão - sozinho nos campos desertos e nevados, sem idéia de onde estava em todo aquele espaço de milhas intermináveis? "De nada adiantaria", pensou ele. Puxou a espada e apertou o cinto.

A lua que ia descendo foi obscurecida por uma grande nuvem flutuante, mas de repente surgiu clara de novo. Então todos ouviram o som de cascos, e no mesmo momento viram figuras escuras rapidamente se aproximando pela trilha que vinha dos vaus. O luar reluzia aqui e ali nas pontas das lanças. Não se podia calcular o número dos perseguidores mas no mínimo eles não pareciam um grupo menor que a escolta do jarl.

Quando estavam a uns cinquenta passos de distância Saerlund gritou em voz alta e retumbante, com o tom dos homens de Riften:

Alto! Alto! Quem cavalga para os homens de Riften?

Os perseguidores de súbito frearam suas montarias. Seguiu-se um silêncio então, á luz do luar, foi possível ver um cavaleiro desmontando e caminhando para a frente num passo lento. Sua mão apareceu branca assim que ele a ergueu, com a palma para fora, em sinal de paz; mas os homens do jarl agarraram suas armas. Era alto, uma sombra escura. Então sua voz soou.

Riften? Você disse Riften? Essa é uma palavra alegre. Estamos vindo de muito longe á procura dessa terra, e temos pressa em achá-la.

Vocês a encontraram disse Saerlund. Quando atravessaram a Vigília de Shor lá atrás, entraram nela. Mas este é o reino de Harrald, o Jarl. Ninguém cavalga aqui a não ser com a sua permissão. Quem é você? Que significa essa pressa?

Sou Agmaer, um Guardião da Alvorada exclamou o homem. Procuramos um certo Vorstag, filho de Rorstag, e ouvimos dizer que ele estava em Riften.

E também o encontraram! exclamou Vorstag. Dando as rédeas para Asgeld, correu á frente e abraçou o recém-chegado. Agmaer! disse ele. De todas as alegrias, esta era a menos esperada!

Asgeld deu um suspiro de alivio. Tinha pensado que aquele era um dos últimos truques de Ancano, para atocaiar o jarl enquanto estava acompanhado apenas por alguns homens; mas parecia que não seria necessário morrer defendendo Harrald, não por enquanto, de qualquer forma. Embainhou a espada.

Está tudo bem disse Vorstag, voltando-se. Aqui estão alguns de meus companheiros, que vêm das terras distantes onde morei. Mas por que vêm, e quantos são, Agmaer deverá nos contar.

Tenho trinta homens comigo disse Agmaer. Foi o máximo de patentes que conseguimos reunir ás pressas; mas os irmãos Athellor e Orintur cavalgaram conosco, desejando ir para a guerra. Viemos na maior velocidade possível, quando chegou a sua convocação.

Mas eu não os convoquei disse Vorstag , exceto apenas em desejo. Meus pensamentos frequentemente têm-se voltado em sua direção, e hoje mais do que nunca; apesar disso, não enviei mensagem alguma. Mas venham! Todos esses assuntos podem esperar. Vocês nos encontram cavalgando com pressa e em perigo. Acompanhem-nos agora, se o jarl der sua permissão.

Harrald ficou realmente feliz com a noticia. Isso é bom! disse ele. Se esses seus parentes forem de alguma forma parecidos com você, meu senhor Vorstag, trinta desses cavaleiros serão uma força que não poderá ser avaliada pelo número de cabeças.

Então os soldados partiram de novo, e Vorstag por um tempo cavalgou com a Guarda da Alvorada, e, quando tinham conversado sobre os acontecimentos no norte e no sul, Orintur, o alto elfo, lhe disse:

Trago-lhe uma mensagem de meu pai: os dias agora são curtos. Se estás com pressa, lembra-te do Santuário do Templo-Céu.

Sempre meus dias me pareceram curtos demais para realizar meu desejo respondeu Vorstag. Mas realmente grande será minha pressa quando eu tomar essa estrada.

Isso logo veremos disse Orintur. Mas deixemos de falar dessas coisas aqui na estrada aberta!

E Vorstag disse para Agmaer:

O que é isso que você carrega, amigo? Pois ele viu que em vez de uma lança Agmaer trazia um grande cajado, como se fosse um estandarte, mas que estava embrulhado num tecido negro, amarrado com várias correias.

É um presente que eu trago da Senhora do Castelo Volkihar respondeu Agmaer. Ela o teceu em segredo, e a confecção foi demorada. Mas ela também lhe manda uma mensagem: os dias são curtos. Ou nossa esperança chega, ou todas as esperanças se acabam. Portanto envio-te o que fiz para ti. Passe bem, Ronaan!

E Vorstag disse:

Agora sei o que você carrega. Carregue-o para mim por mais um tempo! E voltou-se e olhou na distância ao norte, sob as grandes estrelas e depois ficou em silêncio e não disse mais nada enquanto durou a viagem noturna. Era noite alta e o leste estava cinzento quando subiram finalmente pelas torres externas, e retornaram ao Forte da Vigília da Névoa. Ali deveriam se deitar e descansar por um breve período, e fazer planos.

Asgeld dormiu até ser acordado por Faendal e Kharjo, com quem tinha feito amizade durante a viagem. O sol está alto disse Faendal. Os outros estão em plena atividade. Venha, amigo, e dê uma olhada no lugar enquanto ainda pode!

Na batalha que houve aqui três dias atrás disse Kharjo , Faendal e eu jogamos um jogo que eu venci por apenas um único dremora. Venha ver como foi! E há torres, Asgeld, torres maravilhosas! Vamos visitá-las, Faendal, o que você acha?

Não! Não há tempo disse o elfo. Não estrague essa maravilha com a pressa! Dei minha palavra de que voltarei aqui com você, se um dia de paz e liberdade surgir outra vez. Mas agora é quase meio-dia, e a essa hora deveremos almoçar, e depois partir novamente, pelo que ouvi.

Asgeld se levantou e bocejou. Suas poucas horas de sono foram muito menos que o suficiente; estava cansado e bastante desanimado. Sentia a falta de Savos, e sentia também que não passava de um peso morto, enquanto todo o mundo fazia planos para se apressar num negócio que ele não entendia completamente.

Onde está Vorstag? perguntou ele.

Num alto aposento do Forte disse Faendal.

Não dormiu nem descansou, eu acho. Foi para lá há algumas horas, dizendo que precisava pensar, e apenas o seu amigo, Agmaer, foi com ele; mas ele está tomado por alguma dúvida ou preocupação negra. São uma companhia estranha, esses recém-chegados disse Kharjo. Homens robustos e de porte nobre, que fazem com que os soldados de Riften fiquem quase parecendo crianças ao lado deles; pois eles são homens de rostos austeros, marcados como pedras desgastadas, exatamente como o próprio Vorstag e também falam muito pouco.

Mas assim como Vorstag são corteses, quando quebram seu silêncio disse Faendal. E você notou os irmãos Athellor e Orintur? Seus trajes são menos sombrios que os dos outros, e são belos e galantes como só os aldmeri são; e isso não é de admirar nos filhos de Orthorn Elsinorin, um antigo mago do Colégio de Winterhold, nos tempos de Savos.

Por que vieram? Você ficou sabendo? perguntou Asgeld.

Agora já vestido, jogou a capa roxa sobre os ombros e os três caminharam juntos na direção do portão arruinado do Forte.

Responderam a uma convocação, como você ouviu disse Kharjo. Uma mensagem chegou a Alta Hrothgar, dizem eles: Vorstag precisa de seu povo. Que os da Guarda da Alvorada cavalguem para encontrá-lo em Riften! Mas de onde veio essa mensagem eles não sabem ao certo. Savos a enviou, eu arriscaria dizer.

Foi Einarth disse Faendal. Ele não falou , através de Savos, da cavalgada da Companhia Barbacinza que viria do norte? Não éramos nós, mas eles, pelo visto.

Você tem razão disse Kharjo. Um dos mais sábios Barbacinzas! Ele leu muitos corações e desejos. Agora, por que nós também não desejamos a participação de nossos parentes, Faendal?

Faendal parou diante do portão e voltou os olhos claros para o norte e para o leste, com o sofrimento estampado em seu rosto élfico. Não acho que alguém viria respondeu ele. Eles não precisam cavalgar ao encontro da guerra; a guerra já marcha em suas próprias terras.

Por um tempo os três companheiros caminharam juntos, comentando sobre um ou outro lance da batalha; desceram do portão quebrado e passaram pelos túmulos dos mortos na relva ao lado da estrada, até que pararam sobre o portão e observaram as torres externas. A Colina dos Mortos ainda estava lá, negra, alta e pedregosa, e ainda havia marcas bem visíveis na grama removida e pisada pelos mayalatar. O povo de Markarth e muitos homens da guamição do Forte estavam trabalhando no portão ou nos campos e ao redor das muralhas destruídas mais além; apesar disso, tudo parecia estranhamente quieto: um vale cansado, repousando depois de uma grande tempestade. Logo os três voltaram e se dirigiram à refeição do meio-dia no salão do Forte.

O jarl já estava lá, e logo que entraram ele chamou Asgeld e lhe ofereceu uma cadeira ao seu lado, pois viu que ele havia feito amizade com Faendal e Kharjo. Não é como eu gostaria disse Harrald , pois este lugar é pouco parecido com minha casa em Riften. Mas pode demorar muito até que nos sentemos à alta mesa na Fortaleza da Névoa; não haverá tempo para banquetes quando eu retornar. Mas venha agora! Coma e beba e vamos conversar um pouco enquanto pudermos. Depois você deverá cavalgar comigo.

Eu posso? disse Asgeld, surpreso e deliciado. Seria esplêndido! O soldado nunca ficara tão agradecido diante de palavras corteses. Receio estar apenas atrapalhando todo o mundo gaguejou ele ; mas ficaria feliz em poder fazer qualquer coisa que estivesse ao meu alcance, o senhor sabe.

Não duvido disso disse o jarl. Mandei preparar um bom cavalo para você. Vai conduzi-lo com uma boa velocidade pelas estradas que tomaremos. Pois vou partir do Forte e passar por trilhas nas montanhas, evitando a planície, e dessa forma vou chegar a Riften, onde a Senhora Lydia me aguarda. Você será meu escudeiro, se isso lhe agrada. Existe neste lugar algum equipamento de guerra, Saerlund, que meu nobre espadachim possa usar?

Não há grandes arsenais aqui, meu irmão respondeu Saerlund. Talvez encontremos um elmo leve que lhe possa servir; mas não temos malhas metálicas ou espadas boas.

Eu tenho uma espada disse Asgeld, saltando da cadeira e puxando de sua bainha de couro a pequena espada brilhante. Cheio de um súbito afeto por aquele jovem jarl, ajoelhou-se sobre um dos joelhos, tomou-lhe a mão e beijou-a.

Permita-me depositar a espada de Asgeld de Riften em seu colo, Jarl Harrald! exclamou ele. Aceite meu serviço como a senhora sua mãe aceitou o serviço do senhor meu pai, se lhe aprouver.

Aceito com satisfação disse o jarl, e, colocando as longas e jovens mãos sobre os cabelos castanhos do soldado, abençoou-o. Levante-se agora, Asgeld, escudeiro de Riften, da casa de Law-Giver! disse ele. Pegue sua espada e conduza-a para uma sorte feliz.

O senhor será como um pai para mim disse Asgeld.

Por pouco tempo disse Harrald.

Os dois conversaram durante a refeição, até que de repente Saerlund falou. A hora que marcamos para partir se aproxima, irmão disse ele. Devo pedir que os homens toquem as trombetas? Mas onde está Vorstag? Seu lugar está vazio, e ele não comeu.

Vamos nos aprontar para partir disse Harrald ; mas faça com que uma mensagem seja enviada ao Senhor Vorstag, dizendo que a hora se aproxima.

O jarl com sua guarda, acompanhado de Asgeld, desceu do portão do Forte para o ponto no gramado onde os soldados estavam se reunindo. Muitos já estavam montados. Seria uma grande companhia; pois o jarl estava deixando apenas uma pequena guarnição no Forte, e todos os que podiam ser utilizados estavam indo para o encontro de armas em Riften. Mil lanceiros já haviam, na realidade, partido durante a noite; mas ainda haveria mais quinhentos acompanhando o jarl, na maioria homens dos campos, e alguns soldados de Windhelm.

Os guardiões estavam sentados um pouco mais longe, em silêncio, num grupo ordenado, armados com lanças, arcos e espadas. Estavam vestidos com capas de um marrom-escuro, e seus capuzes cobriam elmo e cabeça. Os cavalos eram fortes e de porte altivo, mas tinham pêlo duro e um estava ali sem seu cavaleiro; era o próprio cavalo de Vorstag que tinham trazido do leste, nas montanhas abaixo de Skuldafn; Nedhelorn era seu nome. Não havia brilho de pedras ou ouro, nem qualquer coisa bonita nos seus estribos e arreios; nem os seus cavaleiros usavam qualquer insígnia ou símbolo, a não ser um sol num campo com cinco raios saindo de suas extremidades, que estavam espalhados por várias partes da armadura da Guarda da Alvorada.

O jarl montou seu cavalo e Asgeld se pôs ao lado dele em seu pônei: este chamava-se Farvyn. De repente Saerlund saiu do portão acompanhado de Vorstag e Agmaer, este trazendo o grande cajado, todo embrulhado no tecido negro, e dois homens altos, nem jovens nem velhos. Eram tão parecidos os filhos de Othorn Elsinorin que poucos conseguiam distinguir um outro; cabelos platinados, olhos amarelos, e nos rostos a altividade dos altmer, vestidos da mesma forma em malhas brilhantes sob as capas de um cinza-prateado. Atrás deles caminhavam Faendal e Kharjo. Mas Asgeld só tinha olhos para Vorstag, tão assustadora era a mudança que se operara nele, como se em uma noite anos tivessem desabado sobre sua cabeça. O rosto estava austero, cor de cinza e exausto.

Estou preocupado, senhor disse ele, parando ao lado do cavalo do jarl. Ouvi palavras estranhas, e vejo novos perigos á frente. Esforcei-me muito pensando, e agora receio que deva mudar meu propósito. Diga-me, Harrald, você cavalga agora para a Pedra da Sombra para chegar a Riften; quanto tempo levará para que chegue lá?

Agora já passa uma hora do meio-dia disse Saerlund. Antes da noite do terceiro dia a contar de agora devemos chegar à Riften. A lua então terá passado um dia de sua fase cheia, e a concentração de tropas que o jarl pediu acontecerá no dia seguinte. Não podemos ser mais rápidos, se quisermos reunir a força de Riften.

Vorstag ficou em silêncio por um momento. Três dias murmurou ele , e a concentração das tropas de Riften terá apenas começado. Mas vejo que não se pode apressá-la. Ergueu os olhos e parecia ter tomado alguma decisão; seu rosto estava menos preocupado. Então, com a sua permissão, senhor, devo fazer novos planos para mim e meu povo. Devemos ir por nossa própria estrada, não mais em segredo. Para mim, o tempo de clandestinidade acabou. Vou cavalgar pelo caminho mais rápido, e vou tomar o Santuário do Templo-Céu.

O Santuário do Templo-Céu disse Harrald, estremecendo. Por que você o menciona? Nada além de perjurados vivem lá.

Saerlund virou-se e fitou Vorstag, e Asgeld teve a impressão de que os rostos dos soldados que estavam por perto e puderam ouvir ficaram pálidos à menção daquelas palavras. Se realmente existirem tais lugares disse Harrald , o portão para elas está no Karthspire; mas nenhum homem vivo pode passar por ele, pois é um dos maiores reinos dos bárbaros das colinas.

Que pena, Vorstag, meu amigo! disse Saerlund. Esperava que pudéssemos cavalgar juntos para a guerra; mas, se você procura o Santuário do Templo-Céu, então chegou a hora de nossa separação, e é pouco provável que nos encontremos de novo sob este sol.

Não obstante, tomarei aquela estrada disse Vorstag. Mas digo a você, Saerlund, que na batalha poderemos nos encontrar de novo, mesmo que todos os exércitos de Skuldafn se posicionem entre nós.

Faça como quiser, meu senhor Vorstag disse Harrald. É o seu destino, talvez, trilhar caminhos estranhos que os outros não ousam. Esta despedida me entristece, e diminui minha força; mas agora devo tomar as estradas do lago sem mais delongas. Passe bem!

Até logo, senhor! disse Vorstag. Cavalgue para a fama! Até logo, Asgeld! Faendal e Kharjo ainda vão caçar ao meu lado espero, mas não nos esqueceremos de você.

Adeus! disse Asgeld. Não conseguiu encontrar outras palavras. Sentiu-se muito pequeno e estava consternado e deprimido diante de todas aquelas palavras melancólicas.

Os soldados estavam prontos, e os cavalos, inquietos; Asgeld desejava que partissem e terminassem logo com aquilo. Agora Harrald se dirigia a Saerlund, erguendo a mão e falando em voz alta, e com aquela palavra os soldados partiram. Passaram pelo portão e desceram pelas torres externas, Meeko correndo atrás deles, e depois, virando-se depressa para o leste, pegaram a trilha que contornava os pés das colinas por cerca de uma milha até que, curvando-se para o sul, passava por trás das colinas e desaparecia de vista. Vorstag cavalgou até o portão e ficou observando até que os homens jarl estivessem distantes. Então virou-se para Agmaer.

Lá se vão três entes que amo, e o cão não menos disse ele. Ele não sabe para que fim se dirige; mas, se soubesse, mesmo assim prosseguiria.

Um povo de grande valor, são as pessoas de Riften disse Agmaer. Sabem pouco de nosso longo trabalho para salvaguardar suas fronteiras, mas mesmo assim não lhes guardo ressentimento.

E agora nossos destinos estão entrelaçados disse Vorstag. Mesmo assim, infelizmente, aqui temos de nos separar. Bem, preciso comer um pouco, e depois nós também devemos partir depressa. Venham, Faendal e Kharjo! Preciso lhes falar enquanto como.

Juntos voltaram ao Forte, mas por algum tempo Vorstag ficou sentado em silêncio à mesa do salão, e os outros aguardando que ele falasse.

Vamos! disse Faendal finalmente. Fale e se reconforte, e espante a sombra! O que aconteceu desde que retornamos a este lugar triste na manhã cinzenta?

Uma luta de certa forma mais dificil para mim que a batalha do Forte da Vigília da Névoa respondeu Vorstag. Olhei num Pergaminho Antigo que Serana me enviou como uma última esperança. Me revelei ao Devorador de Mundos, meus amigos.

Você olhou naquela maldita peça de feitiçaria! exclamou Kharjo com medo e estupefação cobrindo-lhe o rosto. Disse alguma coisa a... ele? Até mesmo Savos temia tal encontro.

Você esquece quem é a pessoa a que se dirige disse Vorstag de modo austero, e seus olhos faiscaram. Não proclamei meu título diante das portas de Riften? Que receiam que eu possa ter dito a ele? Não, Kharjo disse ele numa voz mais suave, e o ar severo desapareceu de seu rosto; agora parecia alguém que trabalhara sem descanso através de várias noites de sofrimento. Não, meus amigos, eu tinha tanto o direito como a força para usar o Pergaminho, ou pelo menos julguei que fosse assim. Do direito não se pode duvidar. A força apenas suficiente. Respirou fundo. Foi uma luta amarga, e o cansaço demora a passar. Não disse a ele palavra alguma, e no fim domei o Pergaminho segundo a minha vontade. Só isso será dificil para ele suportar. E ele me viu. Sim, Mestre Kharjo, ele me viu, mas numa roupagem diferente da que vocês enxergam agora. Se isso o ajudar, então fiz uma coisa ruim. Mas não acho que seja assim. Saber que eu estou vivo e caminho sob o sol foi um duro golpe para o coração dele, julgo eu, pois não sabia disso até agora. Os olhos em Skuldafn não enxergaram através da armadura de Harrald; mas Alduin não esqueceu os homens e a Voz de Gormlaith Cabo-Dourado. Agora, no momento exato de seus grandes desígnios o herdeiro dos homens e a Voz são revelados; pois eu lhe mostrei o meu thu’um. Ele ainda não tem tanto poder para estar acima do medo; não, a dúvida constantemente o corrói.

Mas ele controla um grande domínio, apesar de tudo disse Kharjo ; e agora atacará mais rápido.

O golpe apressado geralmente se perde disse Vorstag. Devemos pressionar o Devorador de Mundos, e não mais esperar que ele ataque. Vejam, meus amigos, quando dominei o Pergaminho, aprendi muitas coisas. Vi um grande perigo inesperado vindo do sul e se aproximando de Haafingar, que retirará grande parte da força de defesa de Solitude. Se não houver um contragolpe rápido, acho que a Cidade estará perdida antes que dez dias se passem.

Então ela se perderá disse Kharjo. Pois que socorro há que possamos enviar àquela direção, e como poderia chegar a tempo?

Não tenho socorro para enviar, portanto devo ir em pessoa disse Vorstag. Mas só há um caminho através das montanhas que pode me conduzir até a região costeira antes que tudo esteja perdido com uma ajuda boa o suficiente. O Santuário do Templo-Céu.

O Santuário do Templo-Céu! disse Kharjo. É um nome cruel, pouco do agrado dos homens de Riften, pelo que vi. Podem os vivos usar essa estrada, sem que pereçam? E, mesmo que você passe por esse caminho, que eficácia terão tão poucos contra os golpes de Skuldafn?

Os vivos nunca usaram aquela estrada desde os tempos antigos disse Vorstag , pois ela está fechada para eles. Mas nesta hora escura o herdeiro de Tiber Septim poderá tomá-la, se ousar fazê-lo. Escutem! Esta é a mensagem que os filhos de Orthorn Elsinorin me trazem, enviada do exílio por seu pai, um dos mais sábios na tradição: Peçam a Vorstag que se lembre das palavras dos akavir e do Santuário do Templo-Céu.

E quais podem ser as palavras dos akavir? disse Faendal.

Assim falou Tsaescibeth, o Profeta, nos dias de Reman III, o último Imperador do Segundo Império disse Vorstag:

Quando nos oito cantos do mundo a desordem se espalhar,

Então o Tempo mudará; a Torre de Bronze há de andar.

O três vezes abençoado falha, a Torre Vermelha já tremeu;

A Torre Branca caiu, o Rei Dragonborn o trono perdeu.

A Torre de Neve sangrará, sem união e sem um Rei:

Só então o Devorador de Mundos de seu sono acordará,

E sobre o Último Dragonborn as Rodas do Tempo vão girar.

Caminhos obscuros, sem dúvida disse Kharjo , mas esses versos não são menos obscuros para mim.

Se vocês pudessem entendê-los melhor, então eu pediria que me acompanhassem disse Vorstag , pois tal caminho devo trilhar, pois sou o Último Dragonborn. Mas não vou de bom grado; apenas a necessidade me move. Portanto, só poderia aceitar que vocês me acompanhassem se fosse por sua livre e espontânea vontade, pois encontrarão árdua fadiga e grande medo, e talvez coisa pior.

Irei com você, mesmo que seja pelo Santuário do Templo-Céu, e para qualquer fim que ele possa conduzir disse Kharjo.

Também irei disse Faendal , pois não temo os Perjurados.

Espero que o olvidado povo não tenha olvidado como se luta disse Kharjo ; caso contrário, não vejo por que deveríamos molestá-los.

Isso saberemos se conseguirmos chegar ao Estado do Reino disse Vorstag. Mas eles não guardam o Santuário do Templo-Céu, somente Karthspire, que é, de fato, sua própria terra, e nisso por enquanto eu não devo me meter. Pois no Altar do Templo-Céu se ergue uma pedra negra que foi trazida de Akavir, como se conta, pelos akaviri que vieram de lá; e ela colocada no Altar do Templo-Céu, e sobre ela os akaviri esculpiram tudo o que os mestres nas tradições previam, e de grandes profecias já realizadas resultou uma única, que é chamada de Profecia da Muralha de Alduin.

Levantou-se.

Venham! gritou ele, puxando da bainha a espada, que reluziu na dúbia luz do salão do Forte. Para Riften! Descansaremos lá e depois iremos para Karthspire! Procuro o Altar do Templo-Céu, e o exército que Delphine e os Blades reúnem para mim. Que me acompanhe quem quiser!

Faendal e Kharjo não responderam, mas levantaram-se e seguiram Vorstag, saindo do salão. Sobre a relva esperavam, imóveis e em silêncio, os guardiões encapuzados. Faendal e Kharjo montaram. Vorstag saltou no lombo de Nedhelorn. Então Agmaer ergueu uma grande corneta, cujo clangor ecoou no Forte da Vigília da Névoa; e com isso partiram em disparada, descendo as torres externas como um trovão, enquanto todos os homens que ficaram no Dique ou no Forte observavam assombrados.

E, enquanto Harrald ia pelas morosas trilhas das colinas, a Guarda da Alvorada passaram depressa através da planície, para prestar uma rápida visita a Riften, e no dia seguinte á tarde chegaram lá, e ali fizeram apenas uma pausa breve, antes de avançar subindo o vale; assim chegaram a Fortaleza da Névoa ao cair da noite.

A Senhora Lydia os cumprimentou e ficou feliz com a sua chegada, pois nunca vira homens mais poderosos que os Guardas da Alvorada e os belos filhos de Orthorn; mas seus olhos repousavam principalmente em Vorstag. E, quando se sentaram à ceia com ela, os dois conversaram, e ela ficou sabendo sobre tudo o que se passara desde a partida de Harrald, fatos sobre os quais ela apenas recebera notícias apressadas; quando ouviu sobre a batalha no Forte da Vigília da Névoa, sobre a grande matança dos inimigos, e sobre o ataque de Harrald e todos os seus cavaleiros, os olhos dela brilharam.

Mas finalmente ela disse:

Senhores, estão cansados e devem agora ir para suas camas, com todo o conforto que se possa improvisar. Mas amanhã alojamentos melhores serão preparados para vocês.

Mas Vorstag disse:

Não, senhora, não se preocupe conosco! Se pudermos dormir aqui esta noite e quebrar nosso jejum amanhã, isso será o suficiente. Pois cavalgo numa missão de extrema urgência, e com a primeira luz da manhã devemos partir.

Ela lhe sorriu e disse:

Então foi uma enorme gentileza, senhor, terem cavalgado tantas milhas fora de seu caminho para trazer notícias para Lydia, e conversar com ela em seu exílio.

Na verdade nenhum homem consideraria tal viagem um desperdício disse Vorstag ; e, apesar disso, senhora, eu não poderia ter vindo até aqui se não valesse a pena ter feito isso.

Então ela o fitou como alguém que está chocado; seu rosto embranqueceu, e por um longo período não disse mais nada, enquanto todos ficaram em silêncio.

Mas, Vorstag disse ela finalmente , então sua missão é procurar a morte? Pois isso é tudo o que encontrará naquela estrada. Eles não permitem que os vivos passem.

Eles podem tolerar que eu passe disse Vorstag ; mas no mínimo vou arriscar. Nenhuma outra estrada servirá.

Mas isso é loucura disse ela. Pois aqui há homens de fama e coragem, que você não deveria levar para as sombras, mas conduzir para a guerra, onde se precisa de homens. Imploro que fique e cavalgue com meu irmão, pois assim os nossos corações se alegrarão e nossa esperança será maior.

Não é loucura, senhora respondeu ele ; pois irei por um caminho predeterminado. Mas aqueles que me seguem o fazem de livre e espontânea vontade, e, se quiserem agora ficar e cavalgar com Riften, podem fazê-lo. Mas eu vou para o Santuário, sozinho, se for necessário.

Então ela não disse mais nada, e todos comeram em silêncio; mas seus olhos estavam sempre em Vorstag, e os outros perceberam que sua mente estava atormentada. Finalmente se levantaram, pediram permissão à Senhora, agradeceram-lhe e foram descansar.

Mas, quando Vorstag chegou à barraca onde deveria se alojar com Faendal e Kharjo, e seus companheiros entraram, veio a Senhora Lydia atrás dele e o chamou. Ele se virou e a viu como um brilho na noite, pois estava toda vestida de branco; mas tinha os olhos em chamas.

Vorstag disse ela , por que você vai por essa estrada mortal?

Porque preciso disse ele. Só assim posso ver qualquer esperança de desempenhar meu papel na guerra contra Alduin. Não escolho trilhas de perigo, Lydia. Se pudesse ir para onde meu coração mora, estaria no oeste distante, na Alta Hrothgar, aprendendo o Caminho da Voz.

Por um momento ela ficou quieta, como se estivesse ponderando o significado daquelas palavras. Então, de repente, colocou-lhe a mão sobre o ombro.

Você é um senhor austero e resoluto, disse ela , e assim os homens ganham fama. Fez uma pausa. Senhor disse ela , se precisa ir, então permita que eu o siga. Pois estou cansada de me esconder covardemente em fortalezas, e desejo enfrentar o perigo e a batalha.

Seu dever está com seu povo, respondeu ele.

Já ouvi demais sobre deveres exclamou ela. Mas por acaso não sou da Casa de Balgruuf de Whiterun, uma mensageira e sentinela e não uma ama-seca de Riften? Já servi a pés vacilantes por muito tempo. Uma vez que eles já não vacilam, ao que parece, não posso eu passar minha vida como desejar?

Poucos podem fazer isso com honra respondeu ele. Mas quanto a senhora: não aceitou o encargo de governar seu povo até que o jarl retorne? Se não tivesse sido escolhida, então algum marechal ou capitão teria sido colocado no mesmo lugar, e não poderia fugir da incumbência, estando cansado ou não. Serei sempre eu a escolhida? disse ela num tom amargo. Serei sempre deixada para trás quando os soldados partem, para cuidar da casa enquanto eles ganham fama, e para preparar-lhes cama e comida, esperando seu regresso?

Logo pode chegar um tempo disse ele em que ninguém retornará. Então haverá necessidade de valor sem fama, pois ninguém se recordará dos feitos realizados na derradeira defesa de suas casas. Apesar disso, os feitos não serão menos corajosos por não serem celebrados.

E ela respondeu:

Todas as suas palavras querem dizer apenas isto: você é uma mulher, e seu papel é na casa. Mas, quando os homens estiverem mortos na batalha e com honra, você tem a permissão para ser queimada na casa, pois os homens não mais precisarão dela. Mas eu sou da Casa de Balgruuf, e não uma serviçal. Posso cavalgar e brandir uma espada, e não temo o sofrimento ou a morte.

O que teme, senhora? perguntou ele.

Uma gaiola disse ela. Ficar atrás de grades, até que o hábito e a velhice as aceitem e todas as oportunidades de realizar grandes feitos estejam além de qualquer lembrança ou desejo.

E mesmo assim me aconselhou a não me aventurar na estrada que escolhi, só porque é perigosa?

Dessa forma um pode aconselhar o outro disse ela. Mas eu não lhe peço que fuja do perigo, mas que cavalgue para a batalha, onde sua espada possa conquistar fama e vitória. Não gostaria que uma coisa que é nobre e excelente fosse desperdiçada à toa.

Nem eu disse ele. Portanto lhe digo, senhora: Fique! Pois você não tem missão alguma no oeste.

Os que te acompanham também não têm. Eles só vão porque não estão dispostos a se separar de ti... porque te amam. Então virou-se e desapareceu dentro da noite.

Quando chegou a luz do dia no céu, mas antes que o sol tivesse subido acima das altas cordilheiras do leste, Vorstag se aprontou para partir. Sua companhia estava toda montada, e ele prestes a saltar para a sela, quando a Senhora Lydia veio lhes dizer adeus. Estava vestida como um soldado, e trazia uma espada na cintura. Na mão trazia uma taça, e levando-a aos lábios bebeu um pouco, desejando- lhes boa viagem; depois ofereceu a taça a Vorstag; ele bebeu e disse:

Até logo, Senhora de Riften! Bebo ao sucesso de sua Casa, à Casa de Law-Giver, e ao seu, e de todo o seu povo. Diga a Saerlund, irmão de Harrald: além das sombras podemos nos reencontrar!

Então Kharjo e Faendal, que estavam próximos, tiveram a impressão de que ela estava chorando, e numa pessoa tão austera e altiva isso parecia mais triste. Mas ela disse:

Vorstag, tu vais?

Eu vou disse ele.

Então tu não permitirás que eu cavalgue com este grupo?

Não permitirei, senhora. Pois isso eu não poderia conceder sem a permissão do jarl e de seu irmão, e eles não retornarão antes de amanhã. Mas agora conto cada hora, na realidade cada minuto. Adeus!

Então ela caiu de joelhos, dizendo:

Eu te imploro!

Não, senhora disse ele, tomando-lhe a mão e erguendo-a. Então deu-lhe um beijo na mão e saltou na sela, e partiu sem olhar para trás, e só aqueles que o conheciam bem e estavam próximos dele viram a dor que levava consigo.

Mas Lydia ficou imóvel como uma figura esculpida em pedra, as mãos crispadas ao longo do corpo, olhando-os até que desaparecessem nas sombras sob as negras montanhas do sudoeste, onde ficava o Santuário do Templo-Céu. Quando desapareceram de vista, ela se virou e, aos tropeços, como uma cega, voltou ao seu alojamento. Mas ninguém de seu povo viu essa despedida, pois todos haviam-se escondido de medo e não ousaram sair até que o dia despertasse, e os incautos forasteiros já tivessem ido embora. E alguns diziam:

Eles são criaturas élficas. Que vão para seu lugar, os locais escuros, e que nunca mais voltem. Os tempos já são malignos o bastante.

A luz ainda estava cinzenta quando a cavalgada começou, pois o sol ainda não tinha subido sobre as cordilheiras negras das colinas diante deles. Foram tomados de pavor, no momento em que passaram entre as fileiras de pedras antigas e assim, depois de cinco dias de viagem, atingiram o Karthspire. Ali, sob a escuridão de rochas que nem mesmo Faendal conseguiria suportar por muito tempo, encontraram uma concavidade abrindo-se na raiz da montanha, e bem na trilha deles erguia-se uma única rocha poderosa, semelhante a um dedo em gesto de condenação.

Meu sangue está gelado disse Kharjo, mas os outros ficaram em silêncio, e a voz do khajiit morreu nas úmidas agulhas de abeto aos seus pés. Os cavalos se recusaram a passar pela pedra ameaçadora, exigindo que os cavaleiros desmontassem e os conduzissem. E então finalmente afundaram na fenda; ali se erguia uma parede de pedra íngreme, e na parede a Porta Negra abria-se diante deles como se fosse a própria boca da noite. Não havia nenhum perjurado.

O grupo parou. e não havia um só coração entre eles que não estremecesse, a não ser o coração de Faendal dos elfos, que não temia os homens.

Esta é uma porta maligna disse Agmaer , e minha morte jaz atrás dela. Não obstante, ousarei passar por ela; mas nenhum cavalo entrará.

Mas precisamos entrar, e, portanto, os cavalos devem ir também disse Vorstag. Pois, se conseguirmos passar por esta escuridão, muitas léguas se estendem á frente, e cada hora perdida ali trará o triunfo de Alduin para mais perto. Sigam-me!

Então Vorstag foi na frente, e a força de sua vontade nessa hora foi tamanha que todos os Guardiões da Alvorada e seus cavalos o seguiram. E, na realidade, o amor que o cavalos dos guardiões tinham por seus cavaleiros era tão grande que os animais estavam dispostos a enfrentar até mesmo o terror da caverna, se os corações de seus donos estivessem firmes ao caminharem ao lado deles. Mas Molvirian, o cavalo de Morthal, recusava-se a entrar, e parou suando e tremendo num medo que dava pena de ver.

Então Faendal colocou a mão sobre os olhos do animal e cantou algumas palavras que pairaram suaves na escuridão, até que o cavalo se deixou conduzir, e Faendal entrou. E ali ficou Kharjo, o khajiit, completamente sozinho. Os joelhos tremiam, e ele estava furioso consigo mesmo.

Esta é uma coisa de que ninguém nunca ouviu falar! disse ele. Um elfo entra por caminhos difíceis e um khajiit não tem a coragem!

Com isso mergulhou para dentro. Mas parecia-lhe que seus pés pesavam como chumbo na entrada; imediatamente foi acometido de uma cegueira, até mesmo ele, Kharjo, o associado de Ri’saad, que já caminhara sem medo em muitos lugares profundos do mundo.

Vorstag trouxera tochas do Forte da Vigília da Névoa, e agora ia à frente erguendo uma nas mãos; Orintur, na retaguarda, levava outra, e Kharjo, aos tropeços, lutava para conseguir alcançá-lo. Não conseguia enxergar nada, exceto a chama fraca das tochas; mas, se o grupo parava, parecia haver um sussurro interminável de vozes por toda a volta, um murmúrio em palavras numa língua que ele nunca ouvira antes.

Nada atacou o grupo, nem impediu sua passagem. Mesmo assim, o medo não parava de crescer dentro do khajiit á medida que ele avançava: principalmente porque sabia agora que não haveria como voltar; todas as trilhas atrás estavam apinhadas por um exército que os seguia na escuridão.

Assim se passou um tempo impossível de se calcular, até que Kharjo avistou algo que posteriormente sempre odiaria recordar. A estrada era ampla, pelo que podia julgar, mas agora o grupo de repente chegava a um grande espaço vazio, e não havia mais muralhas em nenhum dos lados. O pavor que sentia era tão grande que mal conseguia andar. Na distância, à esquerda, algo brilhou na escuridão assim que a tocha de Vorstag se aproximou. Então Vorstag parou e foi verificar o que era aquilo.

Ele não sente medo? murmurou o khajiit. Em qualquer outra caverna, Kharjo de Elsweyr, teria sido o primeiro a correr em direção ao brilho do ouro. Mas não aqui! Que o ouro fique onde está!

Mesmo assim chegou mais perto, e viu Vorstag ajoelhado, enquanto Orintur erguia as duas tochas. Diante dele estavam os ossos de um homem forte. Estivera vestido de malha metálica, e sua armadura jazia ainda inteira, pois o ar da caverna era seco como pó; sua azulada. O cinto era de couro e granadas, e rico em metais e desenhos com ouro era o elmo sobre os ossos de sua cabeça, caída com o rosto contra o chão. O homem tombara perto da parede oposta da caverna, pelo que se podia presumir, e diante dele havia uma porta de pedra hermeticamente fechada: os ossos de seus dedos ainda agarravam as fendas. Uma espada quebrada e chanfrada jazia ao seu lado, como se ele tivesse golpeado a rocha em seu último desespero.

Vorstag não o tocou, mas, depois de fitá-lo em silêncio por um tempo, levantou-se e suspirou. Para onde essa porta conduz? Por que queria passar? Ninguém jamais saberá! Pois esta não é minha missão! exclamou ele, voltando-se e dirigindo-se á escuridão sussurrante. Mantenham seus tesouros e segredos ocultos nos Anos Amaldiçoados! Só queremos rapidez. Deixem-nos passar, e depois venham! Convoco-os!

Não houve resposta, a não ser um silêncio completo, mais terrível que os sussurros anteriores; e então um vento gelado soprou, no qual as tochas tremeluziram e se apagaram, e não puderam ser reacendidas. Do tempo que se seguiu, uma ou muitas horas, Kharjo se recordaria pouco. Os outros continuaram avançando, mas ele sempre ficava para trás, perseguido por um terror que o procurava e parecia estar o tempo todo prestes a agarrá-lo; atrás dele vinha um rumor como a sombra do ruido de muitos pés. Avançou aos tropeços até ficar rastejando como um animal no solo, sentindo que não suportaria mais aquilo: devia ou achar um caminho e escapar ou correr alucinadamente ao encontro do medo que o perseguia.

De repente ouviu um tilintar de água, um ruído forte e límpido como uma pedra caindo num sonho de sombra escura. A luz aumentou e eis que o grupo passou através de outro portão, largo e de arco alto, e um riacho corria ao lado deles; mais adiante, descendo abruptamente, havia uma estrada entre penhascos íngremes pontas de faca contra o céu lá em cima tão profundo e estreito era aquele abismo que o céu ficava escuro, e nele pequenas estrelas reluziam. Apesar disso, como Kharjo veio a saber depois, ainda faltavam duas horas para o pôr-do-sol, embora, por tudo o que saberia dizer na ocasião, pudesse tratar-se do nascer do sol em algum ano posterior, ou em algum outro mundo.

A companhia montou de novo, e Kharjo voltou para junto de Faendal. Cavalgaram em fila, e o fim de tarde escureceu num azul profundo; e ainda o medo os perseguia. Faendal, voltando-se para falar com Kharjo, olhou para trás, e o khajiit viu diante de seu rosto o faiscar dos olhos brilhantes do elfo. Atrás deles vinha Orintur, o último da Companhia, mas ele não era o último que descia a estrada.

Seu exército está nos seguindo disse Faendal. Vejo vultos de homens e cavalos, e pálidas bandeiras como retalhos de nuvens, e lanças como arbustos hibernais numa noite de névoa. Os Blades estão nos seguindo.

Sim, os Blades vêm atrás de nós. Eles foram convocados disse Athellor. Por fim a Companhia saiu da garganta, de repente, como se tivesse saído de uma fenda numa parede, e lá estava a região montanhosa de um grande vale diante deles, e o riacho que corria ao lado saltava com uma voz fria por sobre várias cachoeiras.

Em que lugar de Tamriel estamos? - perguntou Kharjo, e Orintur respondeu: Descemos das cabeceiras de Karthspire, a caverna do Rio Karth que corre para finalmente encontrar o mar. De agora em diante você não precisa perguntar a razão de seu nome: Templo de Alduin os homens o chamam. O Santuário do Templo-Céu já foi um templo para repousar todas as informações que a Guarda do Dragão tinha sobre Alduin.

Então pararam na calada da noite. Então Athellor deu uma corneta de prata a Vorstag, que a tocou; os que estavam nas proximidades tiveram a impressão de ouvir o som de outras cornetas em resposta, como se fosse um eco em cavernas profundas e distantes. Não ouviram qualquer outro som, e mesmo assim perceberam que um grande exército se reunia ao redor de toda a colina sobre a qual eles estavam; um vento frio como o hálito dos fantasmas desceu das montanhas.

Mas Vorstag desmontou, e parando ao lado da caverna gritou numa voz poderosa: Blades, por que viestes?

Então ouviu-se uma voz saída da noite, que lhe respondeu, como se viesse de muito longe:

Para cumprir nosso juramento, ó, Vorstag!

Então Vorstag disse: Finalmente é chegada a hora, Delphine. Agora vou para Haafingar, sobre o Rio Karth, e deveis me seguir. E, quando toda esta terra estiver livre dos servidores de Alduin, servirão a mim como a Guarda do Dragão de antigamente. Pois eu sou Ronaan, herdeiro de Tiber Septim de Skyrim.

E com isso ordenou que Agmaer desfraldasse o grande estandarte que havia trazido, e eis que era negro, e, se nele havia qualquer símbolo. Estava oculto na escuridão. Então fez-se silêncio, e nem sequer um sussurro ou um suspiro se ouviu outra vez durante toda a longa noite. A Companhia acampou ao lado da caverna, mas dormiram pouco, por causa do medo dos perjurados e da vacilação do coração de Delphine, que reunia os exércitos. Mas, quando chegou a aurora, fria e pálida, Vorstag se levantou imediatamente, e conduziu a Companhia adiante na viagem de maior velocidade e cansaço que qualquer um deles conhecera, exceto ele próprio, e apenas sua disposição conseguia fazer com que os outros continuassem. Nenhum outro homem mortal teria suportado a viagem, nenhum, exceto os Guardiões da Alvorada, e com eles Kharjo, o khajiit, e Faendal dos elfos.

Mas no dia seguinte não houve aurora, e a Companhia Barbacinza passou para dentro da escuridão da Tempestade de Skuldafn e se perdeu da visão dos mortais; mas os Blades a seguiram.