Quando terminaram os dias de festejos, finalmente os Companheiros pensaram em retornar para seus lares. E Ralof dirigiu-se ao Alto Rei, que estava sentado com a Rainha Serana perto da fonte: ela ia cantando uma canção de Cyrodiil, enquanto a árvore crescia e florescia. Alegraram-se com a visita de Ralof, levantando-se para cumprimentá-lo, e Vorstag disse:

— Sei o que vem me dizer, Ralof: você deseja retornar para casa. Bem, caríssimo amigo, a árvore cresce melhor na terra em que nasceu, mas para você sempre haverá boas-vindas em todas as terras do oeste. E, embora o povo de Riverwood tenha pouca fama nas lendas dos grandes, agora terá mais renome do que muitos grandes reinos que não existem mais.

— É verdade que desejo retornar a Riverwood — disse Ralof. — Mas primeiro preciso ir a Alta Hrothgar. Pois, se alguma coisa pode estar faltando em dias tão abençoados, essa coisa é justamente a presença de Einarth, que nos aconselhou; fiquei triste quando vi que ele não viera junto com Arngeir.

— Surpreende-se com isso, Ralof? — disse Serana. — Pois você conhece o poder da coisa que agora foi destruída, e sabe que tudo o que foi realizado por aquele poder agora está morrendo. Einarth sabia muito da Voz, e aprofundou-se em todo conhecimento. Agora está avançado em anos, de acordo com a sua espécie, e ele o aguarda, pois não deverá mais fazer qualquer viagem longa, exceto uma.

— Então peço permissão para partir em breve — disse Ralof.

— Iremos em sete dias — disse Vorstag. — Pois vamos acompanhá-lo ao longo de um bom trecho da estrada, na verdade até Riften. Daqui a três dias Saerlund retornará para levar Harrald de volta, para que ele descanse no Estado do Rift, e nós o acompanharemos em honra do Tombado. Mas agora, antes de você partir, confirmarei as palavras que Aldis lhe disse, e você estará livre para sempre do reino de Haafingar, como também todos os seus companheiros. E se houver algum presente que eu possa lhes oferecer, que esteja à altura de seus feitos, vocês o terão; mas poderão levar qualquer coisa que desejem, e deverão cavalgar com todas as honras e pompas dos príncipes desta terra.

Mas a Rainha Serana disse: — Vou lhe dar um presente. Pois sou a filha de Harkon de Volkihar. Use isto agora, em memória do Dragonborn e da Beleza Eterna, cujas vidas se entrelaçaram com a sua.

E ela pegou um broche semelhante a um mastro cortado por um arpão, que era a insígnia volkihari, que estava sobre o seu peito, e a colocou em volta das vestes vermelhas de Ralof. — Quando a lembrança do medo e da escuridão o incomodar — disse ela —: isso lhe trará ajuda.

Em três dias, conforme dissera o rei, Saerlund do Rift chegou cavalgando á Cidade, e com ele veio um batalhão dos mais belos cavaleiros daquela terra. Foram-lhes dadas as boas-vindas, e, quando todos estavam sentados á mesa no Colégio dos Bardos, ele contemplou a beleza das senhoras presentes e se encheu de admiração.

Finalmente chegou o dia da partida, e uma comitiva numerosa e bela se preparava para deixar a Cidade rumo ao leste. Então o Rei de Skyrim e o Jarl do Rift foram até Salão dos Mortos e chegaram aos túmulos, e levaram embora o Jarl Harrald sobre um grande esquife dourado, passando pela Cidade em silêncio. Então colocaram o esquife sobre uma grande carruagem que foi acompanhada por um cortejo de Cavaleiros do Rift, com a bandeira à frente; Asgeld, sendo o escudeiro de Harrald, foi na carruagem com as armas do jarl.

Para os outros Companheiros foram trazidos cavalos de acordo com a sua estatura; Barknar e Gwilin cavalgaram ao lado de Vorstag, Savos Aren montou Gelado, e Ralof acompanhou os cavaleiros de Haafingar; Faendal e Kharjo, como sempre, foram juntos montados em Molvirian.

Nessa comitiva foram também a Rainha Serana, Arngeir, Valerica, assim como os príncipes de Volskygge e das Cataratas Ermas, agora renomeada como Olhos de Servatius, pois dos seus longos arcos de pedra negra podia se ver todo o reino, e muitos capitães e cavaleiros. Nunca um jarl do Estado do Rift teve tal cortejo como o que acompanhava agora Harrald, filho de Laila, para a sua terra natal. Sem pressa e com tranquilidade eles entraram no Estado de Whiterun e chegaram às florestas, e lá ouviram um som de tambores batendo nas colinas, embora não se pudesse ver nenhum ser vivo. Então Vorstag mandou que tocassem as trombetas, e gritaram:

— Eis que o Rei Dragonborn chegou! A Floresta de Verdevera ele doa a Malaburo-lyeis e a seu povo, para que seja delas para sempre, e a partir de hoje nenhum homem pode entrar nela sem sua permissão!

Então os tambores retumbaram alto, e depois silenciaram. Por fim, depois de quinze dias de viagem, a carruagem do Jarl Harrald atravessou os campos verdes do Rift e chegou a Riften, e lá todos descansaram. A Fortaleza da Névoa foi adornada com belas tapeçarias e ficou repleta de luz, e ali celebrou-se o banquete mais pomposo desde os dias de sua construção. Após três dias os homens do Estado do Rift prepararam o funeral de Harrald, que foi colocado numa casa de pedra com suas armas e muitos outros objetos belos que possuíra, e sobre ela foi erigido um grande túmulo, coberto de turfa verde e sempre-em-mentes brancas.

Então os Cavaleiros da Casa do Jarl, montados em cavalos brancos, cavalgaram ao redor do túmulo e cantaram juntos uma canção sobre Harrald, filho de Laila, feita pelo menestrel Bahajofr, que nunca mais compôs canção alguma. As vozes lentas dos Cavaleiros tocaram os corações até mesmo daqueles que não conheciam os costumes daquele povo; mas a letra da canção trouxe uma luz aos olhos dos habitantes da Terra do Rift quando ouviram mais uma vez, na distância, e a corneta da Névoa ecoou alto nas montanhas, até que a Escuridão sobreveio e o Jarl Harrald ergueu-se e cavalgou através da Sombra na direção do fogo, e morreu em esplendor, no momento em que o sol, retornando depois que morrera toda a esperança, brilhava sobre as Velothi pela manhã.

Mas Asgeld parou aos pés do verde túmulo e chorou; ao final da canção ele se ergueu gritando: — Jarl Harrald, Jarl Harrald! Adeus! Como um pai o senhor foi para mim, por um curto período. Adeus!

Quando o funeral terminou, o choro das mulheres foi silenciando e Harrald foi deixado finalmente sozinho em seu túmulo, as pessoas se reuniram na Fortaleza da Névoa para o grande banquete, pondo a tristeza de lado; pois Harrald vivera poucos, mas bons anos e falecera gozando de uma honra que não era menor que a de nenhum de seus antepassados. E quando chegou a hora em que, segundo o hábito da Terra do Rift, deveriam beber à memória dos reis, Lydia, a Senhora de Whiterun, ergueu-se dourada como o sol e branca como a neve, e entregou uma taça cheia a Saerlund.

Saerlund esvaziou a taça. Então Lydia pediu aos que serviam que enchessem as taças e todos os reunidos ali se levantaram e beberam à saúde do novo jarl, gritando: — Salve, Saerlund, Jarl do Estado do Rift!

Por fim, quando o banquete terminou, Saerlund levantou-se e disse: — Este é o banquete do funeral do meu irmão, o Jarl Harrald; mas antes de partirmos falarei de coisas alegres, pois ele não se importaria se eu fizesse isso, uma vez que sempre foi um irmão para mim e para Lydia. Ouçam então, meus convidados, bela gente de muitos reinos, nunca antes aqui reunidos neste salão! Aldis, Jarl Regente de Haafingar e Príncipe dos Olhos de Servatius, pede que Lydia, Senhora de Whiterun, seja sua esposa, e ela concorda de bom grado. Portanto eles ficarão noivos diante de todos vocês.

E Aldis e Lydia deram um passo á frente e se deram as mãos; e todos beberam à saúde de ambos e se alegraram. — Desse modo — disse Saerlund —, a amizade entre Haafingar e o Estado do Rift fica ligada por um novo elo, e mais ainda me alegro.

— Você não é nem um pouco mesquinho, Saerlund — disse Vorstag —, oferecendo assim a Haafingar a coisa mais bela de seu reino!

Então Lydia olhou nos olhos de Vorstag e disse: — Deseje-me felicidades, meu soberano e curador!

E ele respondeu: — Desejei-te felicidades desde a primeira vez em que te vi. Cura meu coração ver-te agora completamente feliz.

Quando terminou o banquete, aqueles que deveriam partir despediram-se do Jarl Saerlund. Vorstag e seus cavaleiros, e os outros companheiros, se aprontaram para cavalgar; mas Aldis e Clagius permaneceram em Riften, e a Rainha Serana também ficou, e disse adeus a Savos. Ninguém viu o último encontro dela com sua mãe, Valerica, pois elas subiram até as colinas e lá conversaram longamente; triste foi a separação, que deveria perdurar além do fim do mundo.

Por fim, antes que os convidados saíssem, Saerlund e Lydia aproximaram-se de Asgeld, dizendo: — Adeus agora, Asgeld de Riften! Parta ao encontro da felicidade, e volte logo, pois será sempre bem-vindo!

E Saerlund disse: — Pelos seus feitos nos campos de Solitude, os Jarls de antigamente tê-lo-iam coberto de tantos presentes que uma carroça não poderia carregar; e apesar disso você diz que não aceita nada, a não ser as armas que lhe foram dadas. Isso vou tolerar, pois na verdade não tenho nada de valor para lhe oferecer; mas minha irmã implora que aceite esta pequena prenda, como uma lembrança de Aldiard e das cornetas da Terra do Rift na chegada da manhã.

Então Lydia entregou a Asgeld uma corneta antiga, pequena mas habilidosamente confeccionada em fina prata e com um tiracolo roxo; nela os artesãos tinham desenhado espadas cruzadas, numa fileira que a contornava da extremidade até a boca, e gravaram também runas de grande virtude. Então Asgeld aceitou a corneta, pois não poderia recusá-la, e beijou a mão de Lydia; e eles o abraçaram, e assim se separaram naquela ocasião.

Quando os convidados estavam prontos, beberam a taça de partida, e com muitos elogios e gestos de amizade partiram, chegando finalmente ao Forte da Vigília da Névoa, onde descansaram por dois dias. Então Faendal pagou a promessa que fizera a Kharjo, e ambos foram até as torres externas e seus belos túneis; quando voltaram o elfo ficou em silêncio, dizendo apenas que Kharjo era o único que podia encontrar palavras adequadas para descrevê-las — E nunca antes um khajiit cantou vitória sobre um elfo numa competição de palavras — disse ele. — Agora então vamos até Valenwood, onde acertaremos a contagem!

Do Forte da Vigília da Névoa cavalgaram até Winterhold, e viram como os gigantes haviam-se ocupado. Todo o circulo de pedra fora derrubado e removido, e a terra dentro dele fora transformada num jardim cheio de pomares e árvores, atravessado por um rio; mas no meio de tudo havia um mar de águas límpidas, e dele surgia o Colégio de Winterhold, alta e impenetrável, e sua rocha lisa se espelhava no lago. Por um tempo os viajantes sentaram-se no local onde os antigos portões de Winterhold ficavam; agora havia duas árvores altas como sentinelas no início de uma trilha margeada de árvores que conduzia até o Colégio de Winterhold; todos olharam maravilhados para o trabalho feito, mas não se via qualquer ser vivo próximo ou distante.

De repente ouviram uma voz chamando hum, hum; e lá vinha Malatar descendo a trilha a largas passadas para cumprimentá-los.

— Bem-vindos ao Campo de Winterhold! — disse ele. — Eu sabia que vocês deviam chegar, mas estava trabalhando lá em cima no vale; ainda há muito por fazer. Mas vocês também não ficaram ociosos lá no sul e no leste, pelo que ouvi dizer; e tudo o que ouvi é bom, muito bom.

Então Malatar louvou todos os feitos deles, dos quais parecia ter pleno conhecimento; quando finalmente terminou, olhou longamente para Savos. — Bem, agora vamos! — disse ele. — Você se mostrou o mais poderoso, e todos os seus trabalhos foram bem sucedidos. Aonde estaria indo agora? E por que veio até aqui?

— Para ver como vai o seu trabalho, meu amigo — disse Savos Aren —, e para agradecer-lhe por toda a ajuda em tudo o que foi realizado.

— Hum, bem, isso é justo — disse Malatar. — Pois com certeza os gigantes fizeram a sua parte. E não apenas tomando conta daquele, hum, daquele maldito assassino de árvores que morava aqui. Pois houve uma grande invasão daqueles... hum, bem, como vocês são pessoas apressadas e o nome inteiro deles é comprido como anos de tormento, aqueles vermes dos dremoras; e eles atravessaram o Rio Yorgrim. E essas mesmas criaturas fedorentas ficaram mais que surpresas ao antes, embora isso também se possa dizer de pessoas melhores. E nem tantos se lembrarão de nós, pois não muitos escaparam vivos, e o Mar ficou com a maioria deles. Mas foi bom para vocês, pois, se eles não nos encontrassem, então o jarl da terra verde não teria chegado muito longe, e, se tivesse, não haveria um lar para onde pudesse retornar.

— Sabemos muito bem disso — disse Vorstag —, e seus feitos nunca serão esquecidos em Solitude ou em Riften.

— Nunca é uma palavra longa demais até mesmo para mim — disse Malatar. — Não enquanto seus remos perdurarem, você quer dizer; mas realmente eles terão de ser bem longos para que pareçam longos aos gigantes.

— Novas eras começarão — disse Savos Aren —, e nesta era pode muito bem acontecer de os remos dos homens durarem mais que você, Malatar, meu amigo. Mas agora me diga: e a tarefa que lhe designei? Como está Ancano? Ainda não está cansado do Colégio? Pois na minha opinião ele não vai achar que vocês melhoraram a vista de suas janelas.

Malatar dirigiu um longo olhar a Savos Aren, que Ralof considerou quase maroto. — Ah! — disse ele. — Achei mesmo que chegaria a esse ponto. Cansado do Colégio? Muito cansado, finalmente; mas não ficou tão cansado de sua torre como de minha voz. Hum! Obriguei-o a escutar algumas histórias compridas, ou pelo menos o que pode ser considerado comprido em sua língua.

— Então por que ele ficou escutando? Você entrou no Colégio de Winterhold? — perguntou Savos.

— Hum, não, não entrei no Colégio! — disse Malatar. — Mas ele veio até a janela e escutou, pois não podia conseguir noticias de nenhum outro modo, e, embora odiando as noticias, estava ansioso por consegui-las; e cuidei para que ele escutasse todas. Mas eu acrescentei muitas coisas às noticias sobre as quais julguei que ele devia pensar. Ele ficou muito cansado. Sempre tinha pressa. Essa foi a sua ruína.

— Observo, meu bom Malatar — disse Savos Aren —, que com muito cuidado você diz morava, tinha, foi. E o que me diz sobre o que é? Ele está morto?

— Não, morto não, pelo que sei — disse Malatar. — Mas ele partiu. Sim, partiu há sete dias. Deixei-o partir. Pouco restava dele quando saiu rastejando, e, quanto àquela criatura-verme que o acompanha, não passava de uma sombra pálida. Agora, não me diga, Savos Aren, que eu prometi mantê-lo a salvo, pois eu sei disso. Mas as coisas mudaram desde então. E eu o mantive aqui até que ele estivesse impossibilitado, impossibilitado de fazer qualquer mal. Você deve saber que acima de tudo eu odeio prender coisas vivas, e me recuso a manter presas até mesmo criaturas como essa, a não ser que a necessidade seja extrema. Uma cobra sem presas pode rastejar livremente.

— Você pode estar certo — disse Savos —; mas a esta cobra ainda restava uma presa, eu acho. Ele tinha o veneno de sua voz, e julgo que persuadiu você, até mesmo você, Malatar, conhecendo o ponto fraco de seu coração. Bem, ele se foi, e não há mais nada a dizer. Mas agora o Colégio de Winterhold volta para o Rei, a quem pertence. Embora talvez ele não o queira.

— Isso veremos mais tarde — disse Vorstag. - Mas darei aos gigantes todo este vale para que o usem como quiserem, contanto que mantenham vigilância sobre o Colégio de Winterhold e cuidem para que ninguém entre nele sem minha autorização.

— O Colégio está trancado — disse Malatar. — Obriguei Ancano a trancá-lo e me entregar as chaves. Estão com meus amigos.

Um gigante que ouvia a conversa curvou-se como uma árvore que se dobra ao vento, e entregou a Vorstag duas grandes chaves negras de formato intrincado, úmidas por um anel de aço.

— Agora, agradeço-lhes mais uma vez — disse Vorstag —, e desejo-lhes boa sorte. Que sua floresta nevada cresça outra vez em paz. Quando este vale estiver cheio, haverá espaço de sobra a oeste das montanhas, onde outrora vocês caminharam.

O rosto de Malatar se entristeceu. — As florestas podem crescer — disse ele. — Os bosques podem se espalhar. Mas não os gigantes. Não existem gigantinhos.

— Mas agora talvez haja mais esperança em sua procura — disse Vorstag. — Terras que estiveram por muito tempo fechadas ficarão abertas para vocês na direção do sudeste.

Mas Malatar balançou a cabeça e disse: — É muito longe. E nestes dias existem muitos homens. Mas estou esquecendo meus modos! Vocês não querem ficar aqui para descansar um pouco? E quem sabe haja alguém que fique satisfeito em atravessar o Mar e assim encurtar seu caminho para casa?

Mas todos, exceto Faendal, disseram que precisavam agora despedir-se e partir para o Sul. — Venha, Kharjo — disse Faendal. — Agora, com a permissão de meu pai, visitarei os recônditos de Falinesti e verei árvores que não existem em nenhum outro lugar de Tamriel. Você virá comigo, mantendo a sua palavra; e assim viajaremos juntos para nossas próprias terras, em Valenwood e mais além.

Com isso Kharjo concordou, embora pouco satisfeito, ao que pareceu.

— Aqui, então, finalmente, chegamos ao fim da Companhia dos Barbacinza — disse Vorstag. — Mas espero que em breve vocês retornem á minha terra com a ajuda que prometeram.

— Viremos, se nossos senhores assim o permitirem — disse Kharjo. — Bem, adeus, Ralof! Agora você deve ir para sua casa a salvo, e eu não ficarei acordado temendo os perigos que possa correr. Mandaremos noticias quando for possível, e alguns de nós poderão se encontrar de vez em quando; mas temo que nunca mais estaremos todos reunidos.

Com eles foram os antigos membros do Colégio de Winterhold que haviam sido aprisionados por Ancano. Os viajantes cavalgavam agora com mais velocidade, e se dirigiam para o Desfiladeiro de Dawnstar, e Vorstag finalmente despediu-se deles, perto do local onde haviam tomado os navios dos cultistas. Ralof e os outros se entristeceram com a separação, pois Vorstag nunca lhes faltara, e sempre fora o seu guia através de muitos perigos.

— Gostaria que houvesse um Pergaminho Antigo onde pudéssemos ver todos os nossos amigos — disse Ralof — e que fosse possível conversar com eles a distância!

— Agora só resta um que você poderia usar — respondeu Vorstag —; pois você não desejaria ver o que o Pergaminho de Sangue pode lhe mostrar. Mas o Pergaminho do Dragão será guardado pelo Alto Rei, para que ele possa ver o que se passa em seu reino, e o que os servidores estão fazendo. Pois não se esqueça, Ralof de Riverwood, de que você é um cavaleiro de Haafingar, e eu não o dispenso do serviço. Agora você parte de licença, mas posso voltar a chamá-lo. E lembrem-se, queridos amigos, que meu reino também abrange o sul, e irei até lá um dia.

Então Vorstag despediu-se de Arngeir, e o Barbacinza lhe disse: — Ysmir, Dragão do Norte, através da escuridão você conquistou a esperança, e agora possui tudo o que deseja. Use bem os seus dias!

Com essas palavras despediram-se, na hora do pôr-do-sol; quando, depois de um tempo, eles se viraram e olharam para trás, viram o Rei do Norte sentado sobre o seu cavalo com os cavaleiros ao redor; e o sol poente reluzia sobre eles e fazia com que seus arreios brilhassem como ouro vermelho, e o manto vermelho de Vorstag transformou-se numa chama.

Logo a comitiva reduzida, seguindo as encostas das montanhas, dirigiu-se para o sul e cavalgou através das planícies e ondulações, entrando nas terras desertas mais além; e continuaram rumando para o sul, e passaram pelas fronteiras do Estado de Whiterun. No sexto dia após se separarem do Alto Rei, viajaram através de uma floresta.

Quando saíram para o espaço aberto de novo ao pôr-do-sol, alcançaram um velho apoiado num cajado, vestindo farrapos cinzentos e de um preto sujo, e atrás dele vinha um outro mendigo, arrastando-se e choramingando.

— Bem, Ancano! — disse Savos Aren. — Aonde vai indo?

— E o que isso lhe interessa? — respondeu ele. — Quer ainda comandar meus passos, e não está satisfeito com minha ruína?

— Você conhece as respostas — disse Savos Aren —: não e não. Mas de qualquer forma o tempo de meus trabalhos se aproxima de um fim. O Alto Rei tomou para si o fardo. Se você tivesse esperado no Colégio, poderia tê-lo visto, e ele teria demonstrado sua sabedoria e clemência.

— Isso é ainda mais um motivo para eu ter partido antes — disse Ancano —: pois não desejo dele nenhuma das duas coisas. Na verdade, se você deseja uma resposta para a sua primeira pergunta, estou procurando um caminho para fora deste reino.

— Então mais uma vez você está indo pelo caminho errado — disse Savos Aren —, e não vejo esperança em sua viagem. Mas você vai desprezar nossa ajuda? Pois é isso que estamos oferecendo a você.

— A mim? — disse Ancano. — Não, por favor não me sorriam! Prefiro as suas carrancas. E, quanto ao velho Tolfdir aqui, não confio nele: ele sempre me odiou, e tramou a seu favor. Não duvido de que o tenha trazido por este caminho para ter o prazer de tripudiar sobre a minha pobreza. Se soubesse da sua perseguição, eu lhes teria negado este prazer.

— Ancano — disse Tolfdir, que havia sido libertado do Colégio —, temos outras missões e outras preocupações que nos parecem mais urgentes do que ficar caçando você. Ao invés disso, diga que você foi alcançado pela boa sorte, pois agora lhe oferecemos uma última oportunidade.

— Se for realmente a última, fico contente — disse Ancano —; pois me será poupado o trabalho de recusá-la mais uma vez. Todas as minhas esperanças estão arruinadas, mas eu não partilharia das suas. Se é que têm alguma. Vão embora! Não passei longos anos estudando esses assuntos para nada. Vocês se destruíram e sabem disso. E vai me trazer algum consolo, enquanto vago sem rumo, pensar que vocês derrubaram a sua única casa quando destruíram a minha. E, agora, que navio poderá levá-los através de um mar tão vasto? — zombou ele. — Será um navio cinza, e cheio de fantasmas. — Ele riu, mas sua voz era rouca e hedionda. — Levante-se, idiota! — gritou ele para o outro mendigo, que se sentara no chão; bateu nele com o cajado. — Meia-volta! Se essas pessoas gentis estão indo pelo nosso caminho, então vamos tomar um outro. Em frente, ou não vai ter nem uma casca de pão para o jantar.

O mendigo se levantou e foi se arrastando e choramingando: — Pobre velho Estormo! Pobre velho Estormo! Sempre espancado e amaldiçoado. Como o odeio! Gostaria de poder abandoná-lo!

— Então faça isso! — disse Savos Aren.

Mas Estormo apenas desfechou um golpe de seus olhos turvos e aterrorizados em Savos, e então apertou o passo atrás de Ancano. Quando o par miserável passou pela comitiva, aproximaram-se dos antigos membros do Colégio, e Ancano parou para fitá-los; mas eles o contemplaram com pena.

— Então vocês também vieram para tripudiar sobre minha desgraça, não é, meus servos? — disse ele. — Não se preocupam com as necessidades de um mendigo, não é mesmo? Pois vocês têm tudo o que desejam, comida, e belas roupas. É sim, eu sei! Sei de onde a comida vem. Dos meus estoques! Vocês não dariam um bocado para um mendigo, dariam?

— Eu daria, se tivesse — disse Phinis Gestor.

— Você pode ficar com o que me resta — disse Ralof —, se esperar um pouquinho. Leve o que temos — disse ele. — Essa skooma você conhece bem; veio dos escombros de Winterhold.

— Minha, minha, é sim, e comprada a preços altíssimos! — gritou Ancano, agarrando a bolsa. — Isto é apenas uma reparação simbólica; pois vocês levaram muito mais, eu aposto. Apesar disso, um mendigo deve ficar agradecido, mesmo que um ladrão lhe devolva apenas uma parte do que lhe pertencia. Bem, vai ser bem feito para vocês quando chegarem em casa, se encontrarem em Riverwood as coisas piores do que desejariam. Que sua terra fique muito tempo sem skooma!

— Obrigado — disse Ralof. — Nesse caso, quero de volta minha bolsa, que não é sua, e viajou muitas léguas comigo. Embrulhe a skooma.

— Um ladrão merece o outro — disse Ancano, dando as costas para Ralof, e chutando Estormo; depois afastou-se em direção á floresta.

— Bem, gostei disso! — disse Colette Marence, do Colégio. — Ladrão, essa é boa! E de que vamos acusá-lo por nos ter aprisionado, machucado e arrastado esse bom rapaz aí através das mãos de dremoras por toda Skyrim?

— Ah! — disse Ralof. — E ele disse comprado. Fico pensando como. E não gostei daquilo que ele disse sobre Riverwood. É tempo de retornarmos.

— Com certeza — disse Phinis. — Mas não podemos ir mais rápido, se queremos mesmo ver os Barbacinza. Vou primeiro a Alta Hrothgar, aconteça o que acontecer.

— Sim, acho melhor você fazer isso — disse Arngeir — Mas sinto por Ancano! Acho que não se pode conseguir mais nada dele. Está completamente murcho. Mesmo assim, não tenho certeza de que Malatar esteja com a razão: imagino que ele ainda poderia fazer alguma maldade, de um modo mais mesquinho.

No dia seguinte entraram na parte norte do Estado de Whiterun, onde nenhum homem morava agora, embora fosse um lugar verde e agradável. Fogoração chegou com dias dourados e noites de prata, e eles cavalgaram tranqüilos até atingirem o Rio Branco, e encontraram a antiga montanha, acima do grande Lago Ilinalta.

Assim entraram no Estado de Falkreath, onde haviam muitas belas florestas, e finalmente surgiu uma manhã bonita, tremeluzindo sobre névoas cintilantes; olhando do acampamento que haviam feito numa colina baixa, os viajantes viram no leste o sol tocando as montanhas em fronteira de Cyrodiil que se lançavam ao céu em meio a nuvens flutuantes. Estavam próximos dos Portões das Cataratas Ermas.

Detiveram-se ali por sete dias, pois aproximava-se o momento de uma nova despedida contra a qual eles relutavam. Logo Arngeir rumaria para o leste, passando assim pela Vigília do Amarracéu e atingindo Ivarstead, prosseguindo para a Alta Hrothgar acima dos Sete Mil Passos. Até aquele ponto, haviam viajado pelos caminhos do leste e do oeste, pois tinham muitos assuntos a tratar com Savos Aren e ali ainda demoraram bastante conversando com seus amigos. Várias vezes, muito depois de todos já estarem dormindo, eles se sentavam juntos sob as estrelas, rememorando as eras passadas e todas as suas alegrias e trabalhos no mundo, ou discutindo assuntos a respeito dos dias vindouros. Se por acaso algum viajante tivesse passado, pouco teria visto ou ouvido, ficando com a impressão de que vira apenas vultos cinzentos esculpidos na pedra, monumentos em memória de coisas esquecidas, agora perdidas em terras despovoadas. Pois eles não se mexiam nem usavam as bocas para falar; olhavam de uma mente para a outra, e apenas seus olhos brilhantes se agitavam e se acendiam, enquanto trocavam pensamentos.

Por fim tudo foi dito, e eles se separaram outra vez por um tempo, até que chegasse a hora do Caminho da Voz perdurar. Sumindo depressa dentro das pedras e sombras, o manto cinzento da Alta Hrothgar cavalgou na direção das montanhas, e aqueles vampiros que escoltavam Valerica e que estavam indo para de volta para o Castelo Volkihar se sentaram na colina e ficaram olhando, até que da névoa que se adensava surgiu um clarão, e eles não viram mais nada. Muitos foram com Arngeir.

Finalmente numa noite, atravessando as proximidades do Lago Geir, de repente, como sempre parecia aos viajantes, depararam com a enorme Garganta do Mundo e viram lá em cima lamparinas brilhando na casa dos Barbacinza. Subiram em um dia de caminhada, atravessaram os Sete Mil Passos e chegaram às portas; toda a casa estava cheia de luz e música de Voz, celebrando a alegria da volta de Arngeir.

Primeiro de tudo, antes de comerem ou se banharem, antes mesmo de tirarem suas capas, os viajantes foram procurar Einarth. Encontraram-no sozinho em seu pequeno quarto, abarrotado de papéis, penas e lápis. Mas Einarth estava sentado numa cadeira diante de um pequeno fogo reluzente. Parecia muito velho, mas tranquilo, e sonolento. Abriu os olhos e olhou para cima no momento em que os viajantes entraram.

Depois da comemoração do aniversário de Einarth, os viajantes permaneceram na Alta Hrothgar por mais alguns dias, sentando-se longamente na companhia do velho amigo e do elfo Gwilin, que agora passava a maior parte do tempo em seu quarto, exceto na hora das refeições. Para estas ele ainda era geralmente muito pontual, e raras vezes deixava de acordar em tempo para participar delas. Sentados ao redor do fogo, cada um deles contou tudo o que conseguia lembrar sobre suas viagens e aventuras. No inicio, Einarth fingia tomar algumas notas, mas freqüentemente adormecia; quando acordava, dizia com dificuldade, pois manejava mais a arte da Voz do que a fala comum e humana:

— Que esplêndido! Mas onde estávamos? — Então eles continuavam a história do ponto onde ele começara a cabecear.

A única parte que realmente pareceu despertá-lo e segurar-lhe a atenção foi o relato sobre a coroação e o casamento de Vorstag. — É claro que eu fui convidado para as bodas — disse ele. — E as aguardei durante um longo tempo. Mas, de alguma forma, quando chegou a hora, achei que tinha muitas coisas para fazer aqui, e fazer as malas é um incômodo tão grande!

Após quase uma quinzena, Ralof olhou através de sua janela e viu que geara durante a noite, e as teias de aranha pareciam redes brancas. Então, de repente, percebeu que deveria partir e dizer adeus a Arngeir e Gwilin e Einarth. O clima ainda era bom e ameno, após um dos mais adoráveis verões de que se tinha memória; mas chegara caifrio e logo começaria a chover e ventar outra vez. E ainda havia um longo caminho a percorrer. Mas não foi exatamente pensar no clima que o agitou.

Ele teve um sentimento de que era hora de voltar para Riverwood. Asgeld sentia a mesma coisa, pois queria voltar para Riften. Apenas uma noite antes, ele dissera: — Bem, Ralof, meu amigo, estivemos em muitos lugares e vimos muitas coisas, mas não acho que encontramos um lugar melhor do que este. Há um pouco de tudo aqui, se o senhor me entende: de Riverwood lá embaixo em Ivarstead e de Whiterun, de Haafingar aqui em cima, e das casas dos reis, das estalagens e prados, tudo misturado. Mesmo assim, de alguma forma, sinto que devemos partir em breve. Para falar a verdade, estou preocupado com o meu pai, aquele velho pescador.

— Sim, um pouco de tudo, Asgeld, exceto o Mar — respondera Ralof, depois repetiu para si mesmo: — Exceto o Mar.

Naquele dia Ralof falou com Arngeir, e ficou acertado que deveriam partir na manhã seguinte. Para a alegria deles, Savos Aren disse: — Acho que vou também. Mas vamos passar em Whiterun. Quero ver a velha Hulda.

Quando chegou a noite, foram dizer adeus a Gwilin. — Bem, se vocês precisam ir, não há mais nada a fazer — disse ele. — Lamento. Vou sentir a falta de vocês. É bom saber que estão por perto. Mas agora estou ficando com sono. Mas é tudo tão complicado, pois tantas outras coisas parecem ter-se misturado com isso: os afazeres de Vorstag, o Conselho Branco e Haafingar, e os Cavaleiros, os alik’r, os dragões – nem acredito que vi um - e cavernas e torres e árvores douradas e sei lá mais o quê. Evidentemente eu voltei de minha viagem por uma estrada direta demais. Acho que Savos poderia ter me mostrado mais lugares. De qualquer forma, agora é muito tarde, e eu realmente acho bem mais confortável ficar aqui sentado ouvindo falar sobre tudo. O fogo aqui é acolhedor, e a comida muito boa. Quem precisa de mais?

E, quando o elfo Gwilin murmurou as últimas palavras, sua cabeça caiu sobre o peito e ele adormeceu profundamente. A noite se adensou na sala, e a luz do fogo brilhou mais forte; e todos observaram o elfo dormindo e viram que seu rosto sorria.

No dia seguinte Savos Aren e os outros se despediram de Gwilin em seu quarto, pois estava frio lá fora; depois disseram adeus a Arngeir e às pessoas de sua casa. Quando Ralof parou na soleira da porta, Arngeir lhe desejou uma boa viagem e o abençoou, dizendo:

— Eu acho, Ralof, que talvez você não precise voltar, a não ser que venha muito em breve. Por volta desta época do ano, quando as folhas estão douradas e ainda não caíram, procure Gwilin nos bosques de Riverwood.