Darking Blue

Mordida no pescoço


Decerto Ren não conseguiria ver a divisão no escuro mas eu fiquei paralisada a meio da cozinha e não acendi a luz. Para meu espanto, instantes depois ele perguntou:

– Está aqui um berço! Era teu?

Como eu não respondia ele voltou atrás e aproximou-se de mim, analisando-me atentamente.

– Era teu? – Insistiu.

Eu abanei a cabeça.

– Era do meu… irmão!

E do nada desatei a chorar, porque as palavras que pronunciei deram-me um nó na garganta que me sufocava.

– O que aconteceu? – Perguntou Ren, nada compadecido com as minhas lágrimas.

– Quando eu e os meus pais fugimos de Inglaterra com o meu irmão ainda bebé, não esperávamos que levaríamos uma vida tão pobre. Os meus pais não tinham habilitações e não conseguiram emprego. Tudo o que conseguiam davam-no a mim e ao meu irmão e em breve a minha mãe adoeceu de fome. Logo o meu pai passou a sacrificar todo o seu dinheiro para arranjar medicamentos para a mãe mas de nada adiantou e a minha mãe morreu. O meu pai morreu logo em seguida. E eu fiquei sozinha, tinha na altura uns oito anos. O meu irmão tinha quatro, não percebeu bem o que acontecera e eu não fiz qualquer tentativa em explicar-lhe. Tentei ao máximo que ele fosse feliz, no mínimo dos possíveis e que não lhe faltasse nada, mas… não tinha a coragem de repartir irmana mente o pouco alimento que conseguia obter. O meu irmão acabou por morrer também e só nesse momento eu percebi como tinha sido egoísta. Senti-me tão culpada e ainda sinto! Após estes anos todos, nem tive ainda coragem para vender ou queimar na lareira o berço do meu irmão que agora já não serve para nada.

Senti que Ren estava mesmo ao meu lado com uma mão por cima do meu ombro, talvez tentando consolar-me. Eu parei um pouco de soluçar, só agora percebendo verdadeiramente que acabara de contar a minha vida àquele estranho jovem.

Levantei-me bruscamente e sem uma palavra, desatei a correr pela floresta. Não percebi se Ren me seguia ou não, mas tal também não importava. Tudo o que queria naquele momento era ficar sozinha com os meus pensamentos.

Fechei os olhos por um momento e senti que o meu pé se prendia nalguma raiz, ou num espinheiro. Ao cair ao chão coloquei instintivamente as mãos à frente da cara. Uma, apenas ficou suja de terra mas a outra deparou-se com uma pedra pontiaguda que me feriu profundamente. Sentia o sangue a escorrer pelo meu antebraço.

Nem sequer me apercebi, mas, assim do nada, apareceu Ren. Sempre me tinha seguido afinal. Chegou bem perto, pegou no meu braço e começou a lamber-me o sangue que escorria.

Eu paralisara, em estado de choque, completamente ruborizada.

Ele olhou para mim e eu consegui finalmente detectar aquele sentimento que me escapara de todas as outras vezes em que eu o olhava nos olhos dourados. Era desejo! Nos olhos se espelhava um brilho insaciável. Ele aproximou-se mais, empurrou-me gentilmente até ao chão e… mordeu-me o pescoço. Apenas percebi que ele era um vampiro assim que as suas presas se cravaram no meu pescoço.

Apesar da dor, não soltei um gemido. Conseguia sentir o coração que acelerava cada vez mais assim como todo o fluxo sanguíneo. Quando a dor começou a desaparecer, já via tudo meio para o desfocado. «Vou morrer» pensei desesperada.

Então ele largou-me. Levantou-se e ficou a lamber as presas que estavam cobertas de sangue com uma expressão de quase euforia. De prazer imenso!

Podia estar a morrer ou não, mas sabia que ele não me deixaria viva, por saber do seu segredo, muito menos me daria tempo de explicar. Levantei-me a custo e tentei recuar silenciosamente. Bem-sucedida nos primeiros passos às arrecuas, virei-me e corri o mais depressa que as minhas pernas o permitiram, sabendo que assim que começara a correr, Ren voltara a si, apercebera-se que a sua presa tinha escapado e viria em minha perseguição.

De tão tonta que estava, não consegui ir muito mais longe pois bati numa árvore e caí de novo.