Darking Blue

Não quero esquecer!


– Não tenhas medo, Satsuki! – Disse a voz de Ren mesmo atrás de mim. – Não te farei mal! Eu só quero apagar as tuas memórias. Não vai doer nada.

Ele já se aproximava de mim, com os olhos, habitualmente dourados, iluminados como dois faróis e uma mão estendida quando eu gritei:

– Mas eu não quero esquecer!

Ele hesitou perante o meu estranho pedido.

– Eu não me importo com o que aconteceu! Não me importo que sejas um vampiro! Eu tenho medo... mas também tenho muita curiosidade. Eu não fui completamente apanhada de surpresa, porque...

Ele interrompeu-me:

– Não percebo a tua teimosia! Já te disse que retirar-te a memória não te vai prejudicar em nada, mas a cada momento que passa, será mais difícil. É uma questão de segurança, para podermos permanecer em paz numa sociedade.

Ele parecia completamente estupefacto por um qualquer aspecto. Mas percebi que hesitava e aproveitei para voltar a argumentar.

– A quem eu contaria? Tu sabes que estou completamente sozinha! Dá-me uma oportunidade! Por favor? Eu... não...

Ele ajoelhou-se à minha frente, sem nunca desviar o olhar. Recuei instintivamente.

– Porque fazes tanta questão de que eu não te apague a memória?

Essa era uma pergunta difícil de responder. Eu simplesmente também gostava de saber o porquê.

– Apenas... porque sim!

– Não estás abalada? Cansada? Nem um pouco tonta?

Eu apercebi-me de que já não via tudo enevoado e que provavelmente, se quisesse correr, as pernas sustentar-me-iam firmemente. Principiei a respirar mais normalmente e o pânico e a expectativa diminuiram. Não me parecia que fosse morrer! Na verdade, acaletara essa esperança desde que ele quisera apagar as minhas memórias, algo desnecessário se eu morresse.

– Ao princípio eu sentia-me um pouco tonta, mas agora eu estou bem!

Poderia ter acrescentado «mais que bem». Subitamente, não estava mais tão exausta como nos últimos dias e sentia-me um pouco mais viva, menos depressiva...

– A maioria das pessoas perde a consciência durante alguns momentos! Nunca nenhuma presa me falou após ter sido mordida! E acho que as palavras que disseste seriam as últimas que qualquer pessoa diria após saber que sou um vampiro. Vou respeitar a tua vontade, no entanto! Não creio correr riscos, pois, como bem mencionaste, não tens ninguém que acredita-se minimamente na tua palavra.

Um vento súbito enregelou-me e quando olhei em volta, Ren já tinha desaparecido. Eu ficara sozinha! Uma necessidade crescia dentro de mim. Queria contar a alguém sobre a minha verdadeira história. Não aguentava mais guardar tudo em segredo apenas para mim! E agora, a única pessoa que acreditaria, que talvez compreenderia, tinha desaparecido tão subitamente como se nunca tivesse existido.

No entanto, era real! Sentia a mordida no meu pescoço, conseguia aperceber-me das marcas das presas.

Essa noite, passei-a com Kito ao colo, contei-lhe a minha história. Ele ficara atento, apesar de não perceber uma palavra, ronronava-me suavemente, como se adivinhasse que eu precisava de ser consolada, de ser ouvida. Dias de terror avizinhavam-se, eu conseguia senti-lo. Sem trabalho, sem comida, sem nada...

Mas nada disso me parecia relevante. Sentia-me enérgica, pronta para qualquer oportunidade de trabalhar.

Não, o verdadeiro terror, vinha a caminho, correndo mundo, cada vez mais perto...

Aconchegada pela rota coberta, ao pensar no quanto me arriscara, tremia. O que fizera eu? Contara quase toda a minha história a um vampiro! Que estupidez, que insensatez! E se ele não tivesse desaparecido naquele instante, acabaria por descobrir toda a verdade. O que é que me passara pela cabeça? Eu devia temer vampiros! Devia odiá-los mas mais do que isso, devia ficar aterrorizada apenas por mencionar o nome. Mas, Ren parecia tão diferente! Era tão bem-parecido, tão elegante, por vezes, tão gentil. Relembrei como ele me deitara lentamente, cuidadosamente no chão antes de me morder o pescoço . Não! Os outros vampiros eram terríveis! Ren era diferente! Mesmo assim, não devia ter confiado tão cegamente num desconhecido, ainda mais, num desconhecido vampiro. E se houvesse um elo entre todos os da mesma espécie? Então, tudo pelo que a minha família lutara, teria sido em vão! E a culpa seria irremediavelmente minha!