Dark Ways

Prazo de pagamento da minha sanidade


Acordei encostada no mesmo armário de ontem, estava me sentindo como no dia do acidente em si. Quebrada. Mas na verdade minha desposição mental estava ótima.
Então apenas me levantei com meus braços doloridos, e subi as escadas até o banheiro. E pus gazes envolta dos meus braços, tentando apertar forte o suficiente para que a dor não incomodasse nem um pouco. Já havia me acostumado com aquela dor, então nem incomodava tanto.

Naquela manhã me sentia estranha, me sentia vazia. Sem vontade de nada, a vida parecia não fazer mais sentido algum, meus movimentos eram mais automáticos do que motivados. E aquilo estava me causando um desgosto e uma agonia inexplicável.
Subi até meu quarto, um local no qual esperava nunca voltar, para pegar uma roupa nova. Vi a plaquinha da minha porta que dizia “Dangerous High Radioactive” ri e percebi o quanto aquela casa estava vazia e sombria quando o meu riso ecoou por toda a casa. Então suspirei e entrei, ainda estava do mesmo jeito, levemente bagunçado. Com minha estante de livros no qual já li todos, meus CD’s de Rock, minha mesinha de computador e ele ainda estava lá. Cheio de poeira, minha cama com meu tablet e meus fones de ouvido, levemente desarrumada e um cabide com minha blusa e jaqueta favorita. Mas apenas vesti a blusa ela era colada de lã fina preta de mangas longas com ombros de fora e com gola, que fica colada a meu corpo. Graças a Deus eu amo meu corpo, ela como já disse, é preta e tem um coração branco com aparencia proposital de que está sujo de idade, como um enferrujado. E no meio escrito em preto “I Don’t Believe In Humans”.
Peguei um casaco que me lembrava o casaco de Marie, um casaco jeans com capuz que era mais quente. Coloquei minha saia jeans e uma legging preta que chegava até o joelho por baixo. Não me sentia confortável de saia sem nada por baixo, dá a impressão que tua bunda ta aparecendo o tempo todo. E por último coloquei uma sapatilha branca minha que tem o modelo próximo aos dedos como se fosse um tênis, porque tem um cadarço que é de enfeite. Ela é bem confortável.

Peguei meu fone preferido e um fone bluetooth, os enfiei no bolso interno do casaco e sai do quarto.

Já que não pretendia voltar mais aquela casa, antes andei até a porta do quartinho de Marie. Ao abrir a porta me veio aquele aperto no peito, seu quartinho todo rosa com borboletas brilhantes e barbies. Também estava intacto, vi o chazinho que ela fazia naquele dia com suas bonecas, antes de precisar ir ao colégio e o acidente acontecer… Me lembro que ela disse as bonecas que voltaría logo. Porém… Ela nunca mais voltou, e nem vai voltar.
As bonecas sorriam e seguravam suas xicaras, elas pareciam esperar pela volta de sua dona, e aquilo me incomodou profundamente. Senti uma ira subir de meu sangue até minha cabeça. Acho que meus dias de sanidade estão contados. Quando me dei conta eu estava chutando e jogando todas as bonecas pelos ares
–ELA NÃO VAI- peguei o bule e arranquei a cabeça de uma das bonecas e pisei em outra- VOLTAAR- virei a mesa sentindo as lágrimas sobre minhas bochechas, não tinha mais ideia do que estava fazendo, mas não era eu. Minhas pernas apenas fraquejaram e eu caí de joelhos, e logo após minha cabeça caiu também se encostando na cama cor de rosa com flores e borboletas. Meu cabelo e meu braço estavam sobre meu rosto, e eu chorava como nunca.

Soluçava e sentia as lágrimas descerem como lava, queimando meu rosto e corroendo meu coração. Me sentia fraca. Quando estava praticamente desmaiando, algo soou sobre meu ouvindo me causando um choque de realidade. Ouvi… Sirenes… Ao ouví-las logo tudo se montou na minha cabeça em milésimos. Eu gritei muito alto, algum vizinho assustado deve ter ligado para polícia e agora eu estava a beira de ser pega. Socorro.

Me levantei pulando e não dei espaço para meus sentimentos,nem ao menos enxuguei minhas lágrimas, apenas peguei o que eu iria pegar antes, o presente que eu havia lhe dado de aniversário, dado a Marie de aniversário. Um anelzinho que era uma coroa, eu particularmente amo esse anel, ele é prateado (ou branco) com pedrinhas brancas. Ele é um amor, mas ela preferia usar como pingente de colar do que como anel. Então apenas peguei o pequeno colar. E saí daquele quarto… Com a consciência de que aquela seria a última vez…
Ouvi a voz de policiais falando que iriam entrar se não abrisse a porta. Provavelmente eles tinham suspeitas de que era de fato eu que estava aqui. Então corri para o quarto de Marianna e nem olhei muito, eu só queria coisas que me lembrassem elas. Pra que elas estivessem vivas pelo menos na minha memória, nas minhas lembranças…
Passei minha mão por sua penteadeira incrivelmente arrumada, e peguei seu colar dourado com o símbolo do infinito e 3 M’s no meio dele. Significa, Marinna, Marianna e Marie.
Joguei tudo no bolso e logo ouvi um estrondo e deduzi que arrombaram a porta. Aquilo me assustou de verdade. Vi que alguns deles iriam subir a escada então corri e virei o corredor pra onde daria o banheiro, mas acho que eles ouviram meus passos, abri a janela do corredor correndo e pulei para o telhado. Enquanto descia por algumas vinhas eles me viram e me mandaram parar, então eles avisaram aos que estavam no andar de baixo. E vi um dos policiais que estavam no telhado sacar uma arma, me ameaçando atirar se eu não parasse.

Mas ignorei, eu estava desesperada demais para conseguir até assimilar o que eles diziam. Então vi tudo em camêra lenta, ele destravar a arma e por o dedo no gatilho. Algo me dominou nessa hora, não era eu, por segundos me senti uma besta, como um lobisomem que se transforma e perde o controle de si. Desviei da bala com uma cambalhota da vinha para o chão, e apartir do momento que toquei o chão e virei a cambalhota eu logo ja estava de pé, E CORRENDO. NÃO TENHO IDEIA DE COMO FIZ ISSO. Só sei que depois de um tempo correndo por trás das casas, pulando cercas sem parar, meu corpo voltou ao meu controle, a esse ponto já não sabia o que estava acontecendo então comecei a chorar enquanto corria e ouvia os policais me pedindo para parar e eu pulava incansavelmente sem parar, cada cerca de cada casa. Até que o residencial acabou e eu tive que ir pela calçada.

Eles estavam quase me alcançando e eu já estava pensando em me entregar, senti algo arder dentro de mim como chamas, aquilo já estava me assustando. Mas aquilo de alguma forma me preenchia, e me fazia me sentir muito bem, ardia dentro de mim como uma bala de menta, que arde, mas não incomoda, e o gosto é muito bom. Me fazia me sentir viva… Viva como nunca fui antes. A alegria transbordava de uma forma fenomenal, o que me fez espontaneamente sorrir como uma louca, sentia minha sanidade se esvair e dar lugar a loucura. Pois é, por algum motivo aquilo não parencia tanta novidade. A medida que os dias se passavam, nas condições que me encontrava, o prazo de validade da minha sanidade estava próximo, e eu já não tinha mais como pagar…
Por algum motivo automaticamente eu estava dentro do mercadinho, correndo até a parte de trás próximo aos frios, já não sabia o que fazia, mas parecia confiar na fera que me possuia. Até por algum motivo desconhecido eu entrar na portinha dos funcionários, o clima é frio, para que as carnes continuem boas né. Segui até a parte de trás, no açougue, a esse ponto eu estava assustada e perturbada. Era escuro e ensanguentado, e por algum motivo aquela aparência me agradou. Com porcos abertos ao meio pendurados.

O açougueiro não estava, aparentemente ele saiu e do lado de fora tinha um carro, pude ver porque tem uma janela enorme, então por algum motivo, os farois ligaram. Aquilo me deu um choque, um ligeiro flashback passou pertumbando mais a minha alma, e enfurecendo a fera dentro de mim. Tudo passava diante de meus olhos rápido demais, e aquilo de alguma forma gastou o resto de minha sanidade
–ELA ESTÁ AQUI- ouvi a voz de um dos policiais logo atrás de mim, apenas a luz do farol iluminava o ambiente- Olha Marinna, não queremos lhe machucar…- ouvi o barulho das máquinas de choque. Aproximei minha mão de um cutelo na mesa ao meu lado, limpo e brilhante.
–Mentirosos…- Com isso me virei golpeando o peito do policial que caiu no chão e começou a sangrar. Ver aquele sangue cair, saciava minha sede. Nem o sangue deles vale o de minhas irmãs… nem o de ninguém. Não é mesmo?

Comecei a rir, aquela cena é muito cômica, os policiais com cara de espantados e com medo e o policial no chão quase inconsciente.
–Ahhhahaha…- comecei rindo baixo, mas logo gargalhava como uma louca, com a mão na barriga e com a cabeça inclinada para trás enquanto tentava não rir. Ouvi as máquinas de choque se ligarem e os passos se aproximando rápido- Então vamos brincar…- afirmei rindo, o policial veio correndo até mim , então eu so me afastei um pouco para o lado esquerdo e pus o pé na frente, quando ele ia começar a cair o golpeei no pescoço. Ele já no chão começou a sangrar e se remecher com convulsões. Vi o policial sacar a arma, e por algum motivo continuava confiando no monstro. Então tudo parou e começou a girar, sentia algo me queimar lá de dentro de mim para fora, meus olhos começaram a arder e depois a gelar, como se tivesse uma corrente de ar vindo ao meu encontro, mas o ambiente era fechado. Sentia a escuridão me abraçar, me sentia mais forte, me sentia diferente. Mas agora já não tinha mesmo controle sobre mim, só assistia de dentro do meu corpo tudo que alguma coisa dentro de mim me fazia do lado de fora. O policial atirou no meu braço, mas não pareceu surtir efeito, e eu nem sentia a dor me atingir, apenas sorri de novo. Corri e dei um gancho em seu queixo o fazendo cair. Peguei sua pistola e dei milhares de tiros no policial que vinha atrás, até quando ele já estava no chão. Aquele foi “o último”. Então me virei e sentei sobre a barriga do policial no qual havia lhe dado um soco, peguei o cutelo e comecei a lhe dar facadas e le gemia de dor e tinha uma cara de pavor, e gritava de medo e dor. Mas eu so parei até que ele não se movia mais.

Observei o chão ficar cada vez mais vermelho, e os policiais com as expressões congeladas e sem vida. Me sentei no chão e comecei a rir como uma descontrolada, mas percebi um olhar sobre mim e vi ser o açougueiro. Sua expressão era mais assustadora do que eu. Ele estava apavorado. Então me levantei vitoriosa e intimidadora, levantei meu cutelo calmamente e apontei para ele.
–Você…- ele começou a caminhar para atrás até bater na parede, mas eu não estava me aproximando dele- Contará para as pessoas… O que ouve aqui hoje… E dirá a todos que, eu venci…- sorri.