—Fiquei surpreso por não ter socado a cara de Martin. –Donald disse, arrumando a mesa. –Assisti o interrogatório, e achei que ia voar nele.
—Tive muita força de vontade para não fazê-lo. Mas acredite, quase joguei tudo pro algo e o soquei. –Desliguei o fogão. Finalmente, depois de dias e dias... Aprendi a cozinhar. Mais uma conquista de Jenna Mhoritz. Palmas, por favor.
—Acha que ele acreditou que Red não entrou em contato?
—Red não entrou em contato.
—Entrou. –Olhei pra ele, quase derrubando a travessa com a macarronada, a coloquei na mesa antes que acontecesse. –Você está se tornando uma péssima mentirosa, Jen. Ou talvez eu esteja te conhecendo melhor.
—Merda, Donald. Ninguém pode saber disso. Se souberem que eu menti pro Martin...
—Fica tranquila, não vou contar a ninguém.
—Ótimo. –Me sentei, olhando para a mesa, garantindo que Ressler havia lembrado de colocar os talheres dessa vez. Me perguntei se Audrey o obrigava a fazer essas pequenas tarefas. –Aquele cara já me odeia por que sou uma Dangerous. Imagina se souber que andei mentindo.
—Martin odeia todo mundo. Ignore-o. Espera, ei, você aprendeu mesmo a cozinhar.
—Tenho muitos talentos. –Pisquei. –Te mostro depois do jantar.
—Ah, entendi. –Riu. –Quando acha que Reddington vai voltar?
—Não faço ideia. É estranho não tê-lo irritando, dando ordens, ou ajudando nos casos.
—Engraçado, acabou de se descrever. Senti a mesma coisa quando saiu de “férias”. –Joguei meu guardanapo nele.
—Cala a boca.
—Acha que ficou parecida com ele por causa daqueles quatro anos, ou você já era assim antes dele?
—Ressler!
—É verdade. Você vivia dando ordens quando entrou na equipe. Lembra da base da Conrad, que nos fez invadir? Quem foi que a colocou no comando?
—Eu mesma. Sou uma super agente. Invencível e imortal. Nada me derruba.
—É, espero que esteja certa sobre isso.
***
—Ai, Red tem que voltar logo. Sem ele, e a lista... A vida não tem sentido algum.
—Agora pareceu Aram falando, Jenna.
—Eu tava brincando.
Lizzy e eu estávamos na rua, andando sem rumo. Sem casos para a força-tarefa de Reddington... E o tédio nos alcançava.
—A gente devia fingir que você foi sequestrada. Red apareceria num piscar de olhos, com mísseis Hellfire, e jatos, e um exército...
—Não exagera, Mhoritz.
—Sério. Ele voltaria assim que pensasse que você está em perigo.
—Ele disse na carta que está se mantendo de olho em nós.
—Por isso mesmo. Ele viria assim. –Estalei os dedos. –E aí nós o faríamos dar mais nomes. Se não fosse a lista... Onde estaríamos agora?
—Eu seria apenas a analista de perfis, que deveria ser desde o começo.
—Ah, então é isso que você é? Hum. Eu provavelmente estaria desempregada. Red é a única coisa que mantém no emprego de agente federal. Se não... Já teriam me mandando pra rua há meses.
—Isso é verdade. Sua desobediência, rebeldia, comportamento inadequado e má educação já teriam feito você perder o emprego. Me admiro a Dra. Friedman não ter recomendado afastamento prolongado pra você.
—Ei. –Riu. –Obrigada, analista de perfis, Elizabeth Keen.
—De nada. –Pareceu pensativa, olhando para longe. –Muita coisa aconteceu desde que Reddington apareceu, não é? Virou nossos mundos de cabeça para baixo em pouco tempo.
—Até foi bom, sabe? As coisas deveriam ter sido assim. Você ainda estaria casada com aquele maníaco... –Olhou pra mim. –Digo, com o Tom. E... Acho que Red acabou fazendo... Algumas melhoras. Se eu não tivesse vindo para essa equipe, ainda seria aquela Jenna maluca de antes.
—Você ainda é um pouco maluca.
—Sim, eu sei. –Riu de novo. –Mas não tanto quanto era antes. Lembra quando Ressler e eu brigamos e fomos suspensos?
—Claro que sim. Vocês estavam quase se matando, rolando no chão, trocando socos... Aquilo foi a coisa mais estranha que eu vi naquele esconderijo.
—Ah, amiga, eu vi coisas bem mais estranhas. –Decidi não comentar nada. –Se eu não tivesse sido uma Dangerous, por obra de Red, eu nunca estaria no FBI hoje, e aí eu não conheceria Ressler. E jamais me apaixonaria por ele. Não teria conhecido você, Aram, Cooper, Meera... No fim... Todo esse caos que Red causou, foi até bom. Claro que às vezes eu quero matá-lo...
—Quem não quer?
—Mas... Algumas mudanças que ele fez... Foram boas. –Suspirei. –Acha que devíamos falar com a Friedman sobre gostar de Red?
—Ela nos internaria.
—Com certeza. –Continuamos andando. Uma figura familiar apareceu no nosso caminho, parte do rosto escondido por um capuz. Foi a forma de andar que o denunciou. –Lizzy, tá vendo o mesmo que eu?
—Sim. –Saquei a arma.
—Ei, parado!-Tom olhou na nossa direção, surpreso, então começou a correr. –Eles nunca param.
—Vamos!
A perseguição começou. Tom era rápido, muito rápido. Talvez isso tenha originado o apelido Lobo. Ou talvez fosse o olhar, eu sempre achei que fosse o olhar.
O homem entrou numa rua estreita, e perdemos Lizzy no caminho. Me joguei em cima dele, derrubando-o. Minha arma caiu, enquanto rolávamos pelo chão, trocando socos.
Consegui recuperar a arma e apontar pra ele.
—Paradinho, ou sua cabeça vai ganhar um buraco bem no meio dela, Keen. –Lizzy apareceu, um pouco ofegante, e apontou a arma para o ex-marido. –Olha o que pegamos, Lizzy. Dia de sorte, né?
—O que vamos fazer com ele?
—Obter respostas. –Me levantei, ainda mirando em Tom. –Vamos levá-lo para passear.
***
—Acha que é uma boa ideia? O FBI tem acesso às câmeras daqui.
—Está tudo bem, Lizzy, sei o que estou fazendo. –Apertei as cordas mais uma vez, então me afastei. Havíamos trazido Tom para a antiga base da Dangerous (o único lugar afastado que eu consegui lembrar) e o amarrado na mesma sala onde prendi Max Hiller, tanto tempo atrás.
—Ele não vai falar. Já tentei. Não consegui.
—É por que você não tentou do jeito certo.
—Escutem. –Tom pediu. –Não podem me manter aqui, são federais. Serão presas caso...
—Você deveria calar a boca. Ou terei que dar um jeito nela. Só fale se falarmos com você. Ou juro que quebro seus dentes.
—É o máximo que pode fazer?-Sorri.
—Não. Posso fazer pior. –Lizzy me puxou pelo braço, para longe do alcance sonoro de Tom.
—Ele tem razão. –Sussurrou. –Se vamos fazer isso, vamos fazer direito. Se nos pegarem...
—Então vamos fazer direito. As câmeras não são monitoradas 24hs por dia. E se precisarmos... Existem passagens e esconderijos subterrâneos. Eles não têm câmeras. Dá pra enfiar Tom lá caso alguém apareça.
—Acha que vai arrancar alguma coisa dele?
—Acho que devíamos tentar. Mas, sabe que talvez vamos ter que matá-lo, não é? Se o soltarmos, ele vai direto nos entregar.
—E se fizermos um acordo?
—Não acho que um acordo iria funcionar. Vamos ter que calá-lo para sempre.
—Respostas primeiro. Fim, depois.
—Ok. –O telefone dela tocou, se afastou para atender, enquanto eu observava Tom. Ele não parecia nada preocupado.
—Eu tenho que ir. Cooper precisa de mim lá.
—Tá. Eu fico. Não se importa se eu começar sozinha, se importa?
—Não. Vá em frente. Mas não o mate.
—Vou tentar. –Saiu. –Então, Tom, parece que somos só nós dois. Não sei como Lizzy tentou arrancar informações de você, mas deve saber que fui treinada para torturar e obter respostas.
—Sei tudo sobre seu treinamento, Mhoritz. –Retrucou. –Treinei você por alguns anos.
—É, eu ainda me lembro. Então, sugiro que comece a falar. Tudo. Por que estava no projeto; por que casou com Elizabeth, e nem venha me dizer que foi por amor, por que eu duvido muito. Lembro de você, Lobo. E sei que não é capaz de amar.
—E você é? Depois de tudo o que fez, do treinamento... No seu aniversário de dezesseis anos, teve aquela prova... E atirou na cabeça de uma mulher. Lembra disso? Ficou em pânico... Havia sangue em você, na parede...
—Pare com isso. Só vai nos atrasar. Se acha que me sinto culpada...
—Você se sente. Não te disseram, mas todas as pessoas mortas naquele teste eram inocentes. Tinham família...
—Pare. Com. Isso. Agora. –Ergui a arma, apontando-a pra ele. –Diga o que quero saber, ou terei que machucar você. –Sorriu.
—Lamento, Mhoritz. Mas seus planos já eram.
Alguma coisa acertou minha cabeça. Fui pro chão.
***
Foi um tapa no meu rosto que me acordou. Ergui a cabeça, Tom estava na minha frente, minha arma nas mãos dele. Tentei me orientar. Estava amarrada à cadeira, como ele estava, pouco tempo atrás.
—Me solta!-Mandei, tentando forçar as cordas. Quase não sentia minhas mãos. –Me solta agora!
—Desculpe, mas isso não vai acontecer.
—Quando eu sair daqui, vou matar você, não importa o que Lizzy diga!
—Ela não me quer morto. Liz jamais permitira que me matasse.
—Você não faz ideia da raiva que ela tem de você, seu psicopata assassino!
—Quer saber? Já cansei de você. Muito. Adeus. –Ergueu a arma e disparou. Me acertando no estômago. Me curvei pra frente, o máximo que conseguia, tentando ignorar a dor. –Presa aqui, vai sangrar até morrer. Parece um bom fim, para uma assassina.
Ouvi quando se afastou e fechou a porta. Eu ia morrer, exatamente como Max Hiller e outros homens que deixei sangrar nessa sala. Morrer lentamente, sem poder fazer nada pra impedir. Era o fim.
*** POR ELIZABETH ***
—Lizzy. –Olhei para a porta. Ressler. –Cadê a Jen?
—Ela... Teve algumas coisas pra fazer, e disse que mais tarde passaria aqui.
—Ela não atende o telefone.
—Tenho certeza de que está bem. –Saiu, parecendo preocupado.
Ele tinha razão em estar. Jenna não atendia o telefone, e havíamos nos separado algum tempo, depois que saí da antiga base. Alguma coisa estava errada. Fui até Aram, que parecia sem ter nada pra fazer. E não tinha. Nossa força-tarefa estava sem missões.
—Aram, preciso que faça um favor pra mim. Urgente.
—Claro. Claro.
—Tem acesso às câmeras na antiga base da Dangerous?
—Sim.
—Mostre-as. –Digitou algumas coisas no computador, então quatro imagens apareceram.
—São as externas. O que estamos procurando?
—Algo fora do normal. –Em uma das imagens, uma porta abriu, e alguém saiu, a cabeça baixa, capuz cobrindo o rosto. Tom. –Não...
—O que foi?
—Ressler!-Chamei, ele largou umas pastas com um dos agentes e se aproximou. –Precisamos ir agora para a antiga base da Dangerous.
—O que aconteceu?-Perguntou, começamos a ir para o elevador.
—Jenna. Acho que ela está em perigo. Explico no caminho.
***
—Não acredito que fizeram isso. Você tem noção de que...
—Ressler, precisamos ir rápido. –Interrompi, indo na frente. Me lembrava vagamente do caminho para a sala onde prendemos Tom.
—Por que acha que Jenna está em perigo?
—Por que Tom saiu daqui, sozinho. Ele teve que passar por ela para fazer isso. Jenna só o deixaria sair se estivesse... –Morta. Pensei, mas não disse. A situação já era ruim o suficiente.
—Jenna? Está nos ouvindo? Jenna? Droga, Keen, achei que soubesse o caminho.
—Eu sei. Calma. –Parei, tentando me lembrar. –Por aqui. –Voltamos a andar. Logo encontrei a porta enferrujada que Jenna destrancou quando chegamos. A empurrei com cuidado. –Jenna...
A ex-Dangerous estava amarrada, exatamente como Tom. Sangue manchava toda a camiseta branca. Ressler correu para soltá-la, gritando ordens. Despertei do choque e o ajudei a soltar as cordas, então a colocar Jenna no chão.
—Ligue pra emergência, ela está respirando! Vai!
Me levantei, pegando o celular. Com o canto do olho, podia ver Ressler apoiando a cabeça de Jen, pedindo para que ela se mantivesse acordada. Era muito sangue. Talvez ela não resistisse.
—911, qual a emergência?
—Preciso de uma ambulância no endereço... –Segundos depois desliguei o celular e me abaixei do outro lado de Jenna. Ela estava muito pálida. –Eles estão a caminho, Jen, precisa aguentar só mais um pouco. Sei que pode fazer isso.
—Não tenho certeza. –Sussurrou, fechando os olhos.
—Jenna, fique acordada. –Ressler pediu. –Por favor. Precisa ficar acordada.
—Eu sei. –Reabriu os olhos. –Mas... Estou exausta. Só preciso dormir um pouco.
—Não, não. Olhe pra mim, permaneça acordada.
—Ress, eu... –Tossiu, sangue escorreu da boca dela. Segurei a mão livre, a que não estava por cima da de Ressler, que pressionava o ferimento. –Desculpe. Fui idiota... –Tossiu de novo. –mais uma vez. Descuidada.
—Não importa, não importa.
—Devia ter... Te ouvido.
—Jenna, pare de falar, você vai ficar bem. –Balançou a cabeça negativamente.
—Aquele desgraçado... Não acredito que bobeei. Desculpe.
—Você não precisa se desculpar. –Avisei, apertando a mão dela. –Não foi sua culpa. Eu não deveria ter te deixado sozinha com ele.
—Tinha alguém... Ajudando-o. Alguém me... –Respirou fundo. –nocauteou pelas costas.
—Vou encontrá-los. Juro. Vou pegá-los, prometo.
—Obrigada. Ress... Cuida da Lizzy, tá? Ela... Precisa de...
—Você vai fazer isso. –Ressler disso. –Não vai morrer. Vai continuar aqui. Precisamos de você na equipe, lembra? Perdemos Meera, não podemos perder mais ninguém.
—Vão encontrar... Alguém melhor. Que... Que respeita regras...
—Não queremos alguém que respeite regras. Queremos você. –Ela deu um pequeno sorriso e fechou os olhos. –Jenna. Jenna, acorda. Jen, você tem que ficar acordada. –A sirene da ambulância estava próxima. –Jenna, por favor.
Me levantei e corri pra fora da sala, encontrando os para-médicos no caminho.
—Por aqui, rápido. –Pedi. Um deles afastou Ressler, enquanto outros dois tiravam Jenna dali. Ressler e eu fomos atrás deles. –Ela vai ficar bem. Já passou por coisa pior. Ela... Com certeza...
Chegamos na ambulância. Uma das para-médicas estava gritando ordens para os outros. Jenna estava morta.
Parei de andar, Ressler estacou onde estava, tão pálido quanto Jenna. Alcancei a mão dele.
—Sinto muito. –Murmurei. –Sinto muito.