Eu ainda estava dormindo quando a ajuda chegou. Fomos transferidos para um barco maior do FBI, e eu continuei apagada. Cuidaram de Ressler e me colocaram num quartinho, achando melhor não me acordar. Quando finalmente despertei, estávamos em solo americano.

—Você tem o sono pesado, Dangerous. –Reddington disse, parado na frente da cama. Olhei pra ele, sonolenta.

—Meu Deus, de tantas pessoas nesse barco, eles tinham que mandar justo você me acordar? Quase me matou de susto.

Achei que ia escapar, mas Cooper me obrigou a fazer um relatório à mão. O que eu fiz quase dormindo. Ressler escapou por estar machucado, e Keen por ter que ir ver o marido “urgentemente”. Então eu fiquei sozinha ocupando a sala de Donald, que ia me matar se soubesse da invasão.

Quando finalmente me liberaram, eu fui pra casa e tomei um banho de quarenta minutos, tentando tirar a terra, o sangue e a pólvora de mim. Tinha sido uma missão e tanto.

Depois disso, peguei o que sobrou de uma pizza que eu tinha pedido (não consegui me lembrar de quando era, mas como não estava estragada decidi me arriscar) e me joguei no sofá. Por um momento parei pra pensar na minha equipe. Nos garotos que cresceram comigo, se tornando homens com diversas habilidades. Sentia falta deles, por mais que não devesse. Por mais que Dangerous não devessem sentir. Éramos como máquinas programadas para matar, apenas isso. No fundo, aqueles quatro eram como meus irmãos. E eles faziam muita falta.

Acordei na manhã seguinte com o telefone tocando. Me sentei, primeiro perdida, e então alcancei o aparelho, reprimindo um bocejo. Ia precisar dormir uma semana seguida para me recuperar daquela missão.

—Quem é?-Resmunguei.

—Mal humorada essa hora? Não é muito cedo?

—Ressler? Como conseguiu meu número?

—Você agora tem uma ficha, lembra?

—Ah, é. - Maldito FBI. –Posso ajudar em alguma coisa?

—Queria falar com você. Teria algum problema me encontrar naquela cafeteria nova no centro?-Han?

—Não. Não. Te encontro lá daqui uma hora.

—Tudo bem. Tchau. –Desliguei e olhei pro teto.

—Donald Ressler me chamou em uma cafeteria? O que tinha naquela bebida que dei pra ele?

Parei na frente do guarda roupa, surpresa por estar pensando no que usar. Eu geralmente usava apenas meu uniforme, ou uma variação dele. Revirei os olhos. Pra que tanto drama? Só ia até o centro falar com Ressler, um colega de trabalho. Só. Eu nem sabia o que pensar sobre ele.

Acabei colocando uma calça jeans, uma blusa preta, botas, e então saí. Cheguei vinte minutos antes, e para minha surpresa, Ressler já estava lá.

—Bom dia. –Saudei, me sentando na frente dele. –Então... Por que me chamou aqui?

—Não quer pedir alguma coisa?

—Um café já está bom o suficiente. –Chamou uma das garçonetes e fez o pedido. Olhei pra ele, atentamente. –Não deve ter me chamado aqui pra tomar café. Então, o que é?

—Queria agradecer, pela sua tentativa maluca de primeiros socorros. –Sorri.

—De nada.

—Você realmente faz isso em si mesma?

—Sim. Às vezes é preciso fazer esse tipo de operação durante as missões, então... Tive que aprender alguns truques. Já tirei mais balas da minha perna do meu braço do que posso contar.

—Com algum tipo de anestesia, suponho.

—Às vezes. Nem sempre tem algo que dá pra usar como anestésico, então... Algumas vezes tem que ser naturalmente mesmo. –Os pedidos chegaram, dei um gole no café. –Me chamou aqui só por isso? Podia agradecer no trabalho.

—Cooper me deu o dia de folga, por causa do ombro.

—Ainda dói? Conheço umas ervas que crescem no Amazonas que...

—Estou me recuperando bem.

—Então tá. Sabe, quando tivemos nosso primeiro contato, achei que você era, no jeito brasileiro de dizer, um pé no saco. Já tive que lidar com muita baboseira do FBI, e não foi legal.

—Agora mudou de ideia?

—Não sei. Você parece se irritar toda vez que eu faço alguma coisa.

—É por que você é irresponsável e impulsiva.

—Uau, vamos começar com os xingamentos? Minha vez... –Algumas pessoas gritaram, olhei por cima do ombro, então me joguei no chão, puxando Ressler comigo. Um homem armado tinha entrado na cafeteria, e eu o conhecia. –Não pode ser. Não. Droga.

—O que foi?-Espiou por trás do banco. –Jenna?

—Aquele cara... O homem que entrou armado.

—O que tem ele?

—Esse cara matou meus pais.

—O que?-Fechei os olhos com força. Não podia desmoronar. Não podia. Tinha que ser forte. –Jenna...

—Olha quem eu encontrei... –Abri os olhos. Karl estava na nossa frente, sorrindo de um jeito diabólico. Tentei não me encolher. Se eu tinha medo de alguém, era dele. –Jenna Mhoritz. É um prazer revê-la, meu anjo. Você e seu amigo, venham, vamos dar uma volta. –Não me movi, minhas pernas tremiam. –Levantem daí, agora!-Deu um tiro pro alto, algumas pessoas gritaram.

Ressler foi quem me fez levantar, me apoiando, parecia que sabia que eu ia desmoronar em qualquer momento. Karl nos levou para os fundos da cafeteria, a arma apontada pra nós o tempo todo.

—Agora, ajoelhem-se. –De novo, Ressler obedeceu primeiro, me puxando junto. Esperava que pelo menos ele estivesse armado, pois esqueci a minha arma em casa. Achei que não precisaria dela. –Jenna, como você cresceu! Lembro como se fosse ontem quando você tinha dez anos. Uma graça de menina. –Encostou a arma na lateral do meu pescoço. –Agora é uma mulher.

—O que quer, Karl?

—Esqueceu que eu jurei voltar por você, minha menina? Disse que lidaria com você mais tarde. E agora é “mais tarde”. Dezoito anos se passaram, mas eu não esqueci de você. E tenho certeza que não se esqueceu de mim também, princesa.

—Não, não esqueci. –Olhei para Ressler rapidamente. –Deixe-o ir. Isso é entre nós.

—Ele é o que seu? Namorado?

—Colega de trabalho.

—Ah. Bom, gosto de matar. Não me importo em matá-lo também.

—Karl, por favor... –Ele sorriu ainda mais. Sabia que Ressler e eu não íamos escapar.

—Implore de novo, Jenna. –Respirei fundo. Nunca, como Dangerous, eu estivesse nessa posição. Era eu quem apontava a arma. Era eu quem mandava alguém implorar. Era eu no controle.

—Por favor... Deixe-o ir.

—Que gracinha. Comovente.

—Funcionou?

—Não. Ele fica. E morre primeiro. –Encostou a arma na cabeça de Ressler.

—Não! Para, por favor. Não faz isso. Você disse que me mataria. Apenas eu. Isso não envolve mais ninguém, e você sabe disso.

—Ele é tipo um bônus, querida. Matar mais um não faz diferença e é bom. Ele te fará companhia no mundo dos mortos. –Colocou o dedo no gatilho.

—Karl! Não! Atira em mim, me tortura, sei lá. Mas deixe-o ir.

—Não está me convencendo, Jenna. Feche os olhos. –Se preparou para disparar.

Foi muito rápido. Me joguei pro lado, na direção de Ressler, derrubando-o. Karl atirou. Senti uma dor horrível no pescoço e caí. Sons se misturaram, tudo era um borrão.

—Jenna, acorde. Olhe pra mim. –Abri os olhos, mal conseguia ver Ressler.

—Ele nos matou?-Sussurrei, incapaz de falar num tom mais alto.

—Não. Já pedi ajuda, você vai ficar bem.

—Ele atirou em mim. –Não era uma pergunta, eu sabia o que Karl tinha feito, mas não conseguia pensar direito.

—Eu sei, mas vão cuidar de você.

—Estou me sentindo estranha.

—Vai ficar tudo bem. –Respirei fundo, tentando ignorar a dor, não consegui. Meus olhos se fecharam. –Jenna.

—Só preciso... Descansar.

O escuro me engoliu.

***

Acordei num hospital, sem surpresa. Assim que abri os olhos, fiquei encarando o teto. Me sentia adormecida ainda, mas sabia que já tinha despertado. Alguém se moveu perto de mim e se aproximou. Me virei devagar, sentindo uma fisgada no pescoço.

—Ressler. –Murmurei. –Estamos vivos.

—Sim, estamos.

—Achei que morreríamos. Mas estamos aqui. –Suspirei. –Acho que estou anestesiada.

—Jenna, quem era aquele homem?

—Ele matou meus pais. E tentou me matar também.

—O que aconteceu?

—Eu... Eu não sei. Ele... Amarrou todos nós, na nossa sala. Atirou na cabeça dos meus pais. E quando ia atirar na minha... A polícia chegou, então ele fugiu, mas antes jurou que me encontraria e me mataria.

—Lamento.

—Achei que ele cumpriria a promessa. Achei que ia morrer.

—Estamos bem. Não devia ter se atirado na frente dele.

—Ele ia atirar em você. E aquilo era entre Karl e eu. Ele não devia ter feito isso. Era entre nós, você não. –Pisquei algumas vezes. –Meu Deus, quem me drogou?

—Acho melhor você descansar.

—Eu não tenho que trabalhar?

—Não. Por enquanto não.

—Então tá. –Fechei os olhos e apaguei de novo.