—Jenna. –Parei de andar, o coração batendo apressadamente no peito. Tentei deixar a expressão vazia enquanto me virava, então forcei um sorriso.

—Ressler, bom saber que está bem.

—Onde esteve esse tempo todo? Meera disse que se ausentou por motivos pessoais.

—Eu... Tinha alguns problemas pra resolver. E então, está totalmente recuperado?

—Sim. Os médicos dizem que tive sorte.

—Que bom. E sua memória? Disseram que esqueceu de algumas coisas.

—Ah. Eu não me lembro de nada do dia do acidente. Mas disseram que logo vou me lembrar aos poucos.

—Hum. –Coloquei as mãos nos bolsos. Ele definitivamente não se lembrava.

—Jenna, pode parecer estranho, mas... Você falou comigo enquanto estive no hospital?–Me segurei para não gritar que sim e dizer tudo o que havia acontecido.

—Por que a pergunta?-Ele deu de ombros.

—Parece que me lembro de você falando comigo no hospital. –Fiz minha melhor cara de “nada”.

—Eu... Fui ver como você estava algumas vezes, e devo ter tido alguma coisa, mas bem pouca. –Ele assentiu.

—Entendo.

—Bom, eu... Tenho que ir. –Antes que comece a falar demais.—Nos vemos.

Me virei e tentei sair o mais rápido possível sem correr. Eu geralmente era boa nas mentiras, mas por alguma razão não estava mais conseguindo fazer isso. Não com Ressler. Inferno, se ele não se lembrava, eu não ia insistir, ia? Talvez fosse coisa do destino. Talvez ele realmente não devesse se lembrar. Talvez não desse certo se ficássemos juntos.

Porém, quanto mais eu pensava nessas desculpas idiotas, menos eu me convencia de que estava fazendo a coisa certa. Mas o que eu ia fazer? Chegar nele e dizer algo tipo: “Então, Ressler, você não se lembra, mas antes de sair em missão naquele dia, nós nos beijamos e você prometeu que conversaríamos sobre isso mais tarde. E aí, vamos conversar?”. Não, não é assim que funciona.

Assim que cheguei ao meu apartamento, larguei a arma na mesa de centro e fui para o banheiro. Precisava de um longo banho gelado. Podíamos estar na primavera agora, mas fazia um calor dos infernos.

Jurei que deixaria meus problemas com Ressler para mais tarde.

Desliguei o chuveiro e estiquei a mão pra fora do box, procurando a toalha que havia caído. Então fiquei alerta, alguém tinha agarrado minha mão. Puxei o braço pra trás, e fui arrastada pra frente, caindo de joelhos no chão. Olhei pra cima, e soube na hora que estava muito, muito encrencada.

—John. –Murmurei. Ele sorriu.

—Jenna. Quanto tempo. Como vai? Ainda matando muita gente?

John Adams era filho de Lucian Adams, um pedófilo desgraçado que cacei como Dangerous. Com a ajuda dos garotos, deixamos Lucian num tanque com piranhas. Obviamente ele morreu. O filho dele apareceu na nossa investigação, mas nunca nos importamos com ele, pelo simples fato de não ter nada que o apontasse como criminoso, nem como ajudante do pai. Agora, com ele invadindo a minha casa desse jeito, tenho certeza que isso mudou bastante.

—Matando monstros como seu pai? Sim, se necessário. –Provoquei. John acertou um tapa no meu rosto. Me preparei para revidar quando ele puxou meus braços para trás, algemando meus pulsos. –O que você quer?

—Vingar meu pai, sua cadela. Sei o que você e aquela sua equipe fizeram.

—Então sabe que Lucian era um monstro horrível.

—Meu pai era inocente!

—Isso, com toda certeza do mundo, ele não era. –John me levantou, me puxando pra fora do banheiro. Me largou apenas quando chegamos ao meu quarto.

—Soube da morte da sua equipe. Que pena, não é?

—Eles eram bons, honrados. Não como seu pai. Quantas crianças inocentes passaram pelo caminho dele?

—Meu pai não fez isso!

—Ah, ele fez. Sabemos que fez. Entendo que não queira acreditar, mas não pode vir aqui e...

—E o que?

—E me matar porque matei seu pai. –Ele abriu um sorriso assustador. Eu sabia que algo muito errado ia acontecer.

—Quem disse que vim te matar, Dangerous? Não teria graça alguma.

—Não sei do que está falando. –Tentei forçar as algemas e me soltar, não estava tendo muito sucesso. Tinha que manter John falando e distraído.

—Sabe sim, Jenna. –Tocou uma mexa do meu cabelo. Era difícil manter a pose de durona estando tão exposta quanto estava no momento. Se pelo menos eu tivesse de toalha, aí sim era outra história.

—Não vai ser tão diferente de Lucian se me ferir do jeito que sei que está pensando. A diferença é que sou maior de idade. Saiba de uma coisa: sou do FBI. Se eles te pegarem, você está ferrado.

—Não tenho medo do FBI. A única coisa que preciso é destruir você. E vou fazer isso.

Comecei a pensar. Todos os meus vizinhos estavam trabalhando essa hora. Tinha uma menina de uns doze anos que ficava em casa sozinha grande parte do dia. Ela chamaria a polícia se eu gritasse?

Tinha que pegar meu celular e ligar para alguém, mas primeiro tinha que soltar as algemas e pelo menos imobilizar ou atrasar John. O cara era grande, mas eu estava acostumada a lidar com caras maiores que eu.

As algemas pareciam legítimas, não daquelas encontradas em lojinhas. Eram algemas policiais. Como John as conseguiu era outra história.

Não tinha nada perto de mim que pudesse usar como arma, não com as mãos presas para trás. Se eu estivesse solta, com certeza até meu sapato poderia ser uma arma no momento. Eu podia usar até um lápis para atacar, mas precisaria me soltar antes.

Se não podia usar o corpo, tinha que usar a cabeça.

—John, você não é como seu pai. Não é um monstro. –Me ajeitei no chão, meus joelhos estavam começando a reclamar por ficarem me sustentando. –Não quer fazer isso.

—Cale a boca!

—É verdade. Você sabe que é. Está hesitando. O que significa que não quer fazer isso. –Ele me deu outro tapa e saiu do quarto.

Me levantei e tentei encontrar algo que soltasse as algemas. Infelizmente, todas as minhas armas e facas interessantes estavam guardadas numa gaveta que estava chaveada, apenas por segurança. E a chave estava na cozinha. Assim como meu celular.

Não havia nada a se fazer. Não tinha como sair do apartamento, não tinha uma arma, não tinha como pedir ajuda. Estava completamente ferrada, e isso estava me deixando nervosa. Eu sempre achava uma saída, sempre. E agora não via nenhuma luz no fim do túnel. O desespero começou a tocar minha mente. Tentei me acalmar e respirar fundo.

Olhei por cima do ombro e fui até a janela, ficando de costas pra ela e tentando abri-la. Não consegui destrava-la. Acabei me afastando e dando um chute no vidro. Passos apressados se aproximaram do quarto.

—Preciso de ajuda!-Gritei pela janela quebrada. Uma porta bateu perto dali, com força. –So...

Algo acertou uma cabeça, me derrubando. Sangue começou a escorrer no canto da minha testa. John estava com uma garrafa, agora quebrada, em mãos. Pisquei algumas vezes, torcendo pra não apagar. John tinha mexido com a pessoa errada. Porém, treinamento nenhum de Dangerous parecia funcionar agora.

Rastejei pra longe de John que se abaixou e me puxou de volta, ficando sobre mim. Dei outro grito. Por favor, que a garotinha do apartamento ao lado faça alguma coisa, merda.

Meu pé direito estava doendo, mas isso não conseguiu me distrair do que estava acontecendo. Eu tinha pelo menos cinco segundos, ou mais, pra me soltar de John antes que ele conseguisse o que queria.

Mordi o braço dele, sem soltar, até sangue sair. Ele gritou, mas não se afastou. Agarrou meu braço com uma mão, enquanto a outra parecia ocupada com alguma coisa. Até imaginei com o que.

De repente, um estouro, sangue (e não só isso) voou no meu rosto. Havia um buraco na testa de John, que caiu de vez em cima de mim, sem se mover. Olhei na direção da porta, sem acreditar. Ressler abaixou a arma, parecendo um pouco surpreso, acho que era por que depois de ter gritado comigo por eu sair atirando na cabeça dos outros, e então ter atirado em John.

—Preciso de ajuda. –Sussurrei, com medo de mexer. Ressler arrancou John de cima de mim, gritando para alguém fora do quarto. Me sentei devagar, tentando virar para o outro lado. Donald colocou um casaco por cima dos meus ombros e soltou a algema.

Alguns homens entraram e tiraram o corpo de John dali. Eu não consegui entender o que eles falavam, por mais que falassem a mesma língua que eu. Estava nervosa demais para entender alguma coisa.

Me encostei na cama e abaixei a cabeça, deixando algumas lágrimas escaparem. Sempre achei que ser uma Dangerous jamais me permitiria ficar em situações assim, que eu sempre me defenderia e ninguém conseguiria me fazer nada. Errei. Ser uma Dangerous não me fazia ser invencível.

Quando finalmente ergui a cabeça, vi Ressler sentado na minha frente.

—Como... Sabia que eu precisava de ajuda?-Perguntei, fechando o casaco ainda mais, mesmo que Donald sequer olhasse naquela direção.

—A menina no apartamento ao lado ligou para a polícia dizendo que viu um homem armado entrar aqui. Na polícia, seu endereço está marcado como pertencente de um membro do FBI, então fomos avisados. –Assenti. Garotinha esperta. –Quem era aquele?

—John Adams. Matei o pai dele faz uns... Dois, três anos. Ele queria vingança. –Suspirei. –Você atirou nele.

—Ele estava tentando machucar você. E teria conseguido.

—Eu sei. –Algumas lágrimas voltaram, respirei fundo e não as deixei sair. –Você me salvou.

—Acho que te devia essa.

—Obrigada. –Ele sorriu.

—Sabe dizer “obrigada”, Mhoritz?-Revirei os olhos.

—Sei, sim. Acho que não tenho como agradecer.

—Tenho uma ideia. Que tal me dizer por que não me contou o que aconteceu no dia em que sofri aquele acidente naquela missão?-Olhei pra baixo, pega de surpresa.

—Você sabia esse tempo todo?

—Não. Me lembrei faz pouco tempo, uma das poucas coisas que me lembro daquele dia. Achei que estava imaginando, mas Reddington disse que você passou dias comigo no hospital.

—Saí de lá no dia que acordou.

—E não voltou mais. –Olhei pra ele.

—Achei que... Que não acreditaria se eu contasse. Você não se lembrava, então eu...

—Aprendeu a fazer coisas estúpidas na Dangerous ou isso é natural?

—Você não ia acreditar em mim.

—É claro que ia. Fazia alguns dias que eu planejava aquela... Coisa. –Ri. Se eu tinha problemas com sentimentos essas coisas, Ressler também tinha.

—Você quer dizer entrar na minha sala e me beijar?

—É. Acho que foi um pressentimento, que eu sabia que algo ia acontecer.

—Se você tivesse morrido eu ia surtar.

—Ah, agora se importa comigo?

—Se eu não me importasse com você, não teria entrado naquela casa em chamas pra te salvar. E não teria passado dias e dias no hospital com você.

—Então por que sempre me infernizou?-Sorri.

—Por que é divertido. Brincadeira. Eu... Não sei demonstrar esse tipo de coisa, entende? É... Estranho. E seria meu primeiro...

—Relacionamento?

—É. Não sei bem como funcionam essas coisas.

—Posso te ensinar. –Olhei pra ele, estreitando os olhos em sua direção.

—Está me pedindo pra entrar num relacionamento sério com você?

—O termo é “namoro”.

—Que seja. Está?-Deu de ombros.

—Não posso entrar nisso sozinho. Se quiser tentar...

—Eu...

—Só pra lembrar: eu atirei na cabeça de um criminoso por sua causa. Dois, na verdade, se contar com Karl. –Ah, então foi por minha causa?

—Está me chantageando, Donald Ressler?

—Não.

—É bom mesmo. Acho que... Quero tentar. Se conseguir suportar meu humor terrível...

—E sua infantilidade, sua desobediência, suas provocações, sua falta de educação... –Cruzei os braços. –Acho que suporto, sim.

—Boa sorte. Não sabe onde está se metendo.

—Depois desse tempo trabalhando juntos? Sei, sim.

***

Bati na porta e esperei, segurando a caixa atrás das costas.

Algumas horas atrás tive que ir ao hospital levar uns pontos no pé (chutei a janela, o que o médico disse ser loucura) e na testa, onde John quebrou a garrafa.

Bati de novo na porta. Logo uma figura pequena a abriu. Era Aline, minha vizinha que havia me salvado, de certa forma. Ela piscou, um pouco surpresa. Depois de anos morando no apartamento ao lado, nós nunca trocamos uma palavra sequer.

—Oi. –Ela disse. Era pequena para doze anos, mas nessa idade eu também era assim.

—Você sabe o que fez hoje, Aline?

—Eu... Chamei a polícia. Fiz errado?

—Não. Se você não tivesse feito isso, o homem que viu entrando no meu apartamento teria me... Machucado. Você ajudou a me salvarem. Obrigada. –Ela sorriu. –Como sabia que era para ligar a polícia?

—Minha mãe me ensinou que eu sempre devo ligar para a polícia se ver algo suspeito. Eu vi aquele homem entrar sem ser convidado, e ele tinha uma arma.

—Olha, não sei se você gosta, mas decidi arriscar. –Entreguei a caixa, o sorriso de Aline aumentou.

—Chocolate!

—Achei que uma boneca seria inadequado, então... Optei por chocolate.

—Obrigada, senhorita Jenna.

—Não precisa me chamar de senhorita. Você me salvou, eu quis retribuir. Você fez a coisa certa. Sua mãe te ensinou direitinho. Agora eu tenho que ir.

—Tá. Se precisar... Pode avisar, tá?-Sorri e fiz que sim. Aline acenou e fechou a porta.

Meu celular vibrou. Uma mensagem de Keen.

REDDINGTON DEU OUTRO NOME DA LISTA. VENHA PARA O ESCONDERIJO, AGORA.

Suspirei. Foi um longo dia. E mais estaria por vir.