—Está atrasada. –Reddington disse, assim que me aproximei. Olhei feio pra ele.

—Eu tive um dia péssimo, então não começa.

—Estou sabendo. Com certeza o lugar para onde vou mandar você e o resto da equipe vai te acalmar.

—Aonde vamos?

—Para a Índia. –Keen respondeu. –Estamos atrás de Adell Monafar. Um traficante de mulheres. Ele vende grande parte delas para a Conrad, como vimos na ilha da facção, e manda uma porcentagem para grupos como Al Qaeda e Estado Islâmico. A base de Monafar fica na Índia, mas encontrar a exata localização vai levar um tempo.

—Ok, vou arrumar minhas coisas. –O grupo começou a se dispersar. Ressler correu para andar ao meu lado.

—Tem certeza de que vai com a gente?-Perguntou.

—Por que não iria?

—Você teve um dia e tanto, e nem é noite ainda.

—Vou ficar bem. Só preciso me manter em movimento e ocupada.

***

—Como eles conseguem conviver com esse trânsito dos infernos?-Perguntei, olhando pela janela do hotel. –Como?

—É uma boa pergunta. –Keen disse, mexendo no celular. –Reddington nos mandou ter cuidado. Monafar é influente por aqui, e metade da polícia está na folha de pagamento dele.

—O que significa que pegá-lo é uma missão bem difícil. –Bufei. Queria me jogar na cama e dormir por muito tempo, mas isso provavelmente me daria pesadelos. Era melhor me manter acordada e trabalhando.

—Se souberem que somos do FBI, vão nos matar.

—Ainda bem que um de nós é um gênio. –Avisei, pegando uma bolsa de papel e puxando um sári vermelho dali.

—O que é isso?-Ressler perguntou.

—Uma vestimenta indiana. Eu já não disse que sou mestre em disfarces e em me misturar?

—Já se vestiu de indiana antes?

—Não. Mas vai ser divertido. Elizabeth, me ajuda aqui. Esse negócio é enorme.

—Sabe falar híndi?-Ela perguntou, esticando o tecido.

—Sei falar muitas línguas. Híndi, francês, português, alemão, coreano, tailandês, chinês, japonês...

—Ok, entendi. Ressler, acho que tem que sair. –Ele olhou significativamente pra mim, então saiu.

Vesti uma saia longa e uma blusa curta, que ficava um palmo acima do meu umbigo, então comecei a enrolar o sári com a ajuda de Keen, lendo as instruções na internet.

No fim, coloquei a ponta do tecido em volta da cabeça, cobrindo-a.

—Pareço ou não uma indiana?

—Parece. –Keen respondeu. –Mas falta a maquiagem e as joias.

—Eu sei. Ainda não terminei.

***

—Você entendeu tudo?-Ressler perguntou. Olhei feio pra ele.

—Eu não sou idiota. Claro que entendi.

—Só queria garantir. –O empurrei para o lado e ajeitei o sári. O plano que Reddington tinha feito foi enviado por e-mail. O cara simplesmente se recusou a vir para Índia nos ajudar na missão.

Monafar mantinha uma empresa onde se procurava por empregos (ok, esqueci o termo usado), ah, claro, ele tinha uma agência de empregos, que era de fachada. Ali ele escolhia as mulheres que ia traficar. E como Reddington não queria Keen se arriscando, adivinhe quem ia ter que dar uma passadinha lá!

Eu não era só o cão de caça, eu era um pião para Raymond. No fim das contas, era eu quem ia me machucar sempre.

—Acho que estou pronta. –Peguei um comunicador e o coloquei no ouvido esquerdo, escondendo-o com a proteção do sári. –E então?

—Uma indiana perfeita. –Sorri.

—Veremos. –Dei uma última olhada no espelho.

—Jen, se eles não acreditarem em você...

—Vão me matar, eu sei. Vai dar tudo certo. Eles acreditarão em mim.

***

Entrei no escritório tranquilamente, não havia motivo para desconfiar de mim, eu era ótima em disfarces. Na maior humildade.

A sala principal, onde colhiam informações estava vazia, apenas uma mulher saiu de lá quando entrei, então fiquei sozinha. Logo, um homem (completamente indiano), me chamou, era minha vez.

Rav, o homem, fez diversas perguntas, colocando as respostas numa ficha no computador. Perguntou se eu era casada, se tinha filhos, de que casta era, quantos anos tinha, se estava marcada para casar e uma série de outras coisas. Então me pediu para esperar e saiu da sala.

Impaciente pela demora, me levantei e entrei numa porta lateral, que levava até o banheiro.

Ajeitei o sári e as joias. Gostava de me vestir assim, era diferente.

—Jen?-Ressler chamou pelo comunicador. –Tudo certo?

—Sim.

A pulseira engatou no sári, bufei e tentei solta-la sem estragar o tecido. Houve um clique, a porta foi trancada. Ergui a cabeça. Um homem tinha entrado.

—Merda. –Murmurei, tentando alcançar discretamente o botão de emergência no fone. O cara dava três de mim, mas eu aprendi a lutar com caras assim.

Respirei fundo, me preparando. O indiano enorme correu na minha direção. Desviei, ele me puxou de volta pelo sári, e acertou um soco do lado esquerdo do meu rosto. Maravilha, eu ia ficar com uma marca enorme ali.

Chutei o estômago do grandalhão, o que não deu muito certo, o sári não me dava boa mobilidade.

Fechei a mão e dei um soco, em resposta, o cara agarrou meu pescoço com as duas mãos, me empurrando contra a parede. Se eu não me soltasse, ele ia me sufocar. Arranhei o braço dele, e como não houve alteração, arranhei o rosto. Furioso, o indiano me bateu de novo contra a parede.

—Ressler!-Gritei, tentando encontrar ar para colocar as palavras pra fora. –Acho que preciso... De... Ajuda!

Acertei a parede de novo, alguma coisa começou a escorrer na parte de trás da minha cabeça, sangue.

Agarrei o colar com uma pedra de ponta e enfiei no rosto do indiano. Ele deu um grito que sequer parecia humano e se afastou. Ataquei de novo com a pedra, rasgando uma boa parte do rosto dele. Aproveitando que se abaixou, acertei uma joelhada na cara dele.

Pronto, o homem estava no chão.

Uma série de agentes entraram, armas em mãos. Olharam pra mim, e para o indiano de quase três metros estirado no chão.

—Vocês são lerdos!-Gritei, saindo do banheiro, meio cambaleante. Ressler se afastou dos agentes e me ajudou a chegar até o lado de fora.

—O que aconteceu lá?

—O cara me atacou, acho que sabem que de indiana eu só tenho a roupa.

—Como souberam? Você disse que...

—Ress, calma. Esse tipo de coisa sempre acontece. Estou até meio acostumada. Devia ver quando eu era Dangerous. Era pior.

—Pior como?

—Só pior, acredite em mim. –Suspirei, minha cabeça estava latejando.

—Você precisa de um hospital.

—Vou ficar bem.

—Vamos ao hospital. Agora.

—Tudo bem, papai, tudo bem.

Ok, eu realmente não estava bem, mas ver Ressler preocupado... Era estranho, não queria ninguém preocupado comigo. E eu ia sobreviver, já passei por coisas piores do que uns machucados na cabeça.

—Vamos. –Murmurei, entrando no carro. –Mas ninguém vai raspar meu cabelo, só pra você saber.

***

Acabou que o cara que me atacou não morreu, mas o FBI teve que levá-lo urgentemente para os Estados Unidos, antes que a máfia de Monafar tentasse pegá-lo de volta, o que não ia ser nada bom para nós e nossa investigação.

—Você devia voltar para a base. –Ressler comentou, ao meu lado. Afastei o sári do rosto para olhar pra ele, enquanto deixava algumas oferendas na base de uma estátua de algum deus indiano (cujo nome eu não sabia).

—Para de drama, eu estou bem.

—Aquele cara podia ter te matado.

—Já passei por situações piores, confie em mim. E eu estou ótima. Posso até enfiar uma bala naquele desgraçado do Monafar. Falando nele, está vendo-o por aí?-Olhei em volta discretamente.

—Não.

—Reddington disse que Monafar sempre vem pra cá fazer oferendas e tal. Cadê ele?

—Você está armada?

—Óbvio. Não sabe quanta coisa dá pra esconder num sári. É até assustador. Achei. Minha esquerda, perto daquele grupo de mulheres com cestos.

—Avistamos Monafar. –Ressler avisou, pelo comunicador. Acho que Keen estava com outra parte da equipe em algum lugar dali. O bom da Índia era que era fácil se camuflar no meio de tanta gente.

Me virei na direção do traficante de mulheres, ele estava subindo as escadas que levavam até onde Ressler e eu estávamos. Então, Monafar parou e olhou pra mim. Murmurou alguma coisa a ver com “Dangerous”, aí me xingou de algo feio e saiu correndo.

—Droga!-Corri atrás dele, sacando a arma. Ressler estava atrás de mim, falando no comunicador. Correr de sári era um desafio e tanto. Ergui a arma, ainda em movimento. Ressler abaixou meu braço.

—Não atire! Vai acertar algum civil!

—Eu tenho boa mira!

—Apenas corra!-Bufei, mas não atirei, apenas continuei correndo.

Quase perdemos Monafar de vista, corria pra caramba, mas não mais que uma Dangerous e um agente super treinado do FBI.

Em uma rua, um carro fechou o caminho do traficante, quase o atropelando no processo. Apontei a arma pra ele. Keen saiu do carro, a arma em mãos também. Monafar estava cercado. Ressler o algemou.

—Ele me disse que Dangerous estavam mortos!-O traficante gritou, em híndi. –Mortos! Ele disse! Ele!

—Ress, espera. –Pedi, antes que ele o levasse. –Quem disse que os Dangerous estavam mortos?

—Não é da sua conta, firanghi.

—Sorte sua que não posso estourar sua cabeça. Pode levar.

***

—Achei que ia atirar em Monafar. –Ressler comentou, deixando a arma na mesinha perto da porta.

—Eu ia. Mas algo que ele disse me chamou a atenção. Alguém disse pra ele que os Dangerous estavam mortos. Ele sabe que sou uma Dangerous. Merda, vou ter que esperar até o fim da missão pra arrancar isso dele.

—Arrancar sem torturar.

—Meera me deixaria tortura-lo se não soubesse das minhas reais intenções. Reddington ajeitaria tudo pra mim.

—Assim como ele te ajudou com Yelena Belikov?

—Como sabe disso?

—Jen, ela morreu pouco depois de tentar me matar. Claro que foi você. –Dei de ombros.

—Ela mereceu.

—Não vamos discutir sobre isso.

—Não, não vamos. Segura aqui. –Entreguei uma parte do sári pra ele, e me afastei, girando e soltando o tecido do corpo. –Ah, meu Deus, funciona! Acho que vou usar sári para sempre, o que acha?

—Fica bonita com eles. –Pisquei, um pouco surpresa, alguém me elogiou? Uau.

—Jura?-Fez que sim, me puxando pela cintura e me beijando.

É, ainda estávamos em missão, tecnicamente. Mas enquanto faziam Monafar confessar onde escondia as mulheres que ia vender, fomos dispensados para trocar de roupa e descansar um pouco, então voltamos ao hotel. Claro que Meera não imaginou que Ressler e eu íamos começar a nos agarrar no meu quarto. Mas ela não precisava saber mesmo.

Donald me afastou, apenas para puxar a blusa curta e verde que eu estava usando, então me beijou de novo. Dei alguns passos pra trás, nos derrubando em cima da cama. A missão podia esperar, não podia? Alguém não achava.

O celular de Ressler começou a tocar. Ele se afastou um pouco e atendeu, olhando pra mim enquanto falava. Tentei ficar em silêncio. Se Meera descobrisse que não estávamos gastando nosso tempo com a missão, ia nos colocar em equipes separadas.

—Entendi. Estamos indo. –Desligou.

—Era Meera?-Perguntei.

—Sim. Monafar deu o endereço. Vamos pra lá agora.

—Agora?-Suspirei.

—Sim.

—Nunca odiei tanto meu trabalho. –O empurrei pro lado e levantei, procurando minha mala. –Adeus roupa de indiana.

***

Quando entramos no galpão, várias mulheres começaram a gritar. Todos abaixamos as armas e levantamos as mãos, tentando acalma-las.

—Viemos ajudar!-Gritei em híndi. –Viemos ajudar! Somos do FBI, e vamos devolver vocês para suas famílias, por favor, se acalmem.

Elas me escutaram e pararam de gritar. Pedi que fizessem uma fila e respondessem algumas perguntas, como idade, nome, onde moravam e coisas assim. A mais nova ali tinha catorze anos, a mais velha trinta e dois. Nenhuma das quarenta mulheres estava machucada. Monafar não queria “estragar as mercadorias”. Quem ia comprar uma escrava machucada, não é mesmo? Tive mais vontade ainda de socar a cara dele até não restar nada.

A garota mais nova parecia completamente em pânico. Ela ficou sentada num canto, abraçando a si mesma e chorando baixinho. Me aproximei dela, que se afastou um pouco.

—Meu nome é Jenna. E o seu?

—Surya. –Respondeu. –Vocês vão mesmo nos devolver?

—Sim. Você não quer voltar pra casa?-Fez que não. –Por quê?

—É ruim lá.

—Ruim como?-Ela mostrou os pulsos, estavam cobertos de machucados. –Merda. Eu já volto. –Procurei Keen no meio da bagunça e me aproximei, puxando-a para o lado.

—O que foi?-Perguntou.

—Temos uma indiana aqui que sofre maus tratos em casa. Não podemos devolvê-la.

—Quem?

—A mais nova. Lá no canto. O que fazemos com ela?

—Vou ligar pra Meera.

O destino de Surya acabou sendo os Estados Unidos. Ela viajou com a gente, e foi entregue para uma casa de adoção. Alguém, em algum momento, ia escolhê-la.

Fiquei pensando em mim, quando tinha aquela idade. Sendo treinada para matar de diversas formas diferentes. Para não sentir, para não se importar. Quase criaram um monstro. Quase.

Por um milagre, eu recebi a salvação.