—Então você não lembra de nada?-Keen perguntou, sentada do outro lado da mesa de Ressler, que eu estava ocupando para fazer um relatório.

—Não. Esses três dias foram apagados da minha mente.

—Não devem ter sido bons dias. Você dormiu na rua e vendeu seus sapatos pra comprar bebida.

—Eu vendi meus sapatos?

—Vendeu.

—Caramba. –Se levantou. Keen e Ress dividiam uma sala, até o “esconderijo” aumentar e cada um ganhar a sua. Eu ainda tinha que invadir a de Ressler quando precisava fazer alguma coisa. Minha sala não era bem uma sala, por mais que fosse grande.

—Bem, alguns agentes vão jantar aqui perto, não quer ir com a gente?

—Não. Eu quero terminar isso aqui, fica pra próxima.

—Tá. Boa noite.

—Boa. –Saiu. Continuei digitando.

Ressler estava dando uma força no caso de Cooper, que continuava desaparecido. Antes de ele ir, nós conversamos e nos acertamos, então estávamos juntos de novo. O que explicava a invasão na sala dele.

—Vai pra casa, Mhoritz. –Meera disse, parando na porta. –Todos os outros agentes que não estão em casos já foram.

—Quero terminar o relatório de uma vez.

—Ressler sabe que está usando o computador dele?

—Não. Isso fica entre nós. –Sorriu e se foi.

Quando terminei o relatório, já era mais de meia noite. Desliguei o computador, peguei meu casaco e a chave do carro, então saí.

Meu carro era um dos poucos no estacionamento, o pessoal devia ter ido mesmo. Abri a porta... Então alguma coisa envolveu meu pescoço. Uma corda.

Larguei minhas coisas, me repreendendo por não ouvir alguém se aproximar. Tentei acertar o atacante, não consegui.

Perdi o ar... As coisas escureceram rapidamente.

***

Tentei respirar fundo, e ficar calma. Entrar em desespero era inútil, mas estava quase acontecendo.

Eu havia sido sequestrada por três inimigos da Dangerous que eu sequer sabia que existiam até aquele dia. Era só a primeira hora que eu estava com eles, mas imaginei que não seria fácil, considerando que eles estavam me torturando.

Era vingança, claro. Matei, como Dangerous, o irmão deles. Me perguntei porque nunca caçamos os outros três.

Gustav, o irmão mais novo, veio me buscar no que era pra ser uma cela, mas era apenas uma parte separada de uma construção que eu imaginei ser um galpão.

Gustav me puxou pelo braço, sem cuidado. Parecia atento, por mais que depois de uma surra de quase uma hora, eu não oferecesse risco algum.

O garoto (sim, garoto, ele não devia ter mais de dezoito anos) me levou por uma série de corredores, até chegarmos na “sala de tortura”, onde Scott e Bryan nos esperavam.

Scott era o irmão do meio, e pelo que vi, bem cruel. Bryan era o mais velho, logicamente, e o pior de todos. Ele havia armado tudo pra me pegarem, e quem mandava ali. Se ele falava, os irmãos faziam.

—Jenna, que bom que ainda está consciente. –Disse. Gustav me soltou, caí sentada. –Ou quase isso.

—Até onde vamos seguir com isso?-Perguntei. –Já está perdendo a graça.

—Acha isso? Por que ainda estamos nos divertindo muito com você, Mhoritz.

—Sabe de uma coisa? Seu irmão era um otário. Morreu gritando pelos irmãozinhos. –Bryan acertou um soco no meu rosto. Sangue escorreu do meu nariz e da minha boca. –Creio que não fariam diferente. –Outro soco.

—Vamos ver se vai continuar com a língua afiada depois disso. Scott, Gus, agora.

Os dois irmãos me puxaram pra levantar, cada um de um lado.

Naquele dia eu não vi com o que era, mas os dois amarraram meus braços, pra cima (e pro lado), me deixando de pé, ou quase isso, considerando que se não estivesse amarrada, teria caído.

Scott se afastou e voltou com um balde de água, que jogou sobre minha cabeça, me encharcando. Talvez outra pessoa perguntasse o que eles iam fazer, mas eu sabia. Enquanto fui treinada pela Dangerous, fui obrigada a aprender algumas torturas.

Sabia que os irmãos Allivar iam me dar um choque daqueles.

Talvez a coisa fosse mais séria do que imaginei.

***

Não sei quanto tempo fiquei apagada, só que quando acordei, Gustav estava voltando pra me buscar.

Dessa vez ele nem me levantou, só foi me arrastando pela perna, até a sala anterior. Mais choques viriam.

—Sabe, Mhoritz, - Bryan começou, enquanto os irmãos me amarravam. –não somos maus, então vamos te dar uma chance. Implore para que paremos, para que soltemos você e que a deixemos ir. –Foquei meu olhar nele, parado na minha frente, então cuspi em sua direção. Uma mistura de sangue e saliva o acertou no rosto.

—Vocês não vão me soltar. Eu sei.

—Muito esperta. Estou chocado. Scott, ela precisa de mais água.

—Sabem que se o FBI pegar vocês, estarão mortos, não sabem?

—Não precisamos ter medo. Cadáveres não falam, então como vai nos entregar?

***

Eu tinha que sair dali. Me obriguei a levantar e me apoiar na parede, esperando.

Gustav voltou. Era meu segundo dia ali.

—Já levantou? Ótimo.

Se aproximou, segurando meu braço. Tombei pra frente, me apoiando nele. Minha mão foi direto para o coldre na cintura dele. Puxei a arma, dando um tiro em Gustav. Os irmãos dele vieram correndo, armas nas mãos. Atirei em ambos, na cabeça.

Ok, eu tinha me livrado deles, mas ainda tinha muito pela frente.

Demorei um tempão pra encontrar a saída do antigo galpão, por dois motivos: eu mal conseguia andar, e tudo era uma série de corredores que mais pareciam labirintos.

Quando saí, quase esqueci de não entrar em pânico: havia deserto, e mais nada.

—Merda. –Murmurei, me apoiando na porta. –E agora?

O único jeito era andar até encontrar ajuda, ou algo assim. Porém, o sol e o calor não pareciam convidativos.

Era ir ou ficar.

Acabei indo.

Andei por horas e horas. Não tinha sequer encontrado uma árvore quando anoiteceu. Dormir no meio do nada não era seguro, mas meio que eu não tive escolha. Acabei apagando de novo.

***

“-Mamãe? O que está acontecendo?

—Jenna, corre! Corre!

—Então você é a Jenna?-Um homem perguntou, se aproximando. Me puxou pelo braço, até a sala. Meus pais estavam amarrados. –Parece muito com sua mãe.

—Deixe-a em paz! Não a machuque!

—Calada, Cassandra. Vem aqui, princesinha. –Me empurrou em uma cadeira, e amarrou meus braços para trás.

—Mamãe, estou com medo. –Sussurrei.

—Vai ficar tudo bem, querida. –Ela garantiu. –Tudo bem.

O homem se virou, e atirou na testa dela. Comecei a gritar.”

***

“-Por que está cuidando de mim, tio Ray?

—Por que alguém tem que cuidar de você, pequena Jenna.

—Eu quero meus pais.

—Eles não estão mais aqui, querida. Estão mortos.”

***

Ao longe, tinha alguém gritando meu nome, e um som estranho. Tentei abrir os olhos, mas o sol quente os feriu, então fiquei imóvel, perdida no escuro.

Alguém me tirou do chão. Água foi derramada na minha boca. Engasguei, a água parou.

Moveram meu corpo, o sol não estava mais me queimando, mas eu sentia como se minha pele estivesse em chamas. Alguém estava falando comigo, tentei me concentrar na voz e descobrir quem era. Ressler, era ele, com certeza.

Depois disso. Tudo apagou.

Quando acordei de novo, estava numa cama de hospital. Uma enfermeira baixinha entrou, com uma bandeja com sopa. Ela sorriu quando viu que eu estava acordada.

—Parece bem melhor. –Colocou a bandeja em uma mesinha, e então no meu colo. –Coma tudo, vai te fazer bem.

—Há quanto tempo estou aqui?

—Dois dias.

—Tem alguém aí me esperando?

—No momento não. Um homem loiro veio aqui algumas vezes de te ver, mas não ficou muito. –Ressler, devia ser ele. –E teve outro também, ele passou a noite aqui. Chegava depois que o homem loiro ia embora, e ia antes de ele chegar.

—Reddington. –Murmurei. Só podia ser ele. –Como era esse que passou a noite aqui?

—Hum... Mais velho que o homem loiro. E bem elegante. É seu pai?

—Não. É... Um amigo.

—Um bom amigo, suponho. Parecia bem preocupado com você.

—Tem um telefone? Preciso falar com ele.

—Vou buscar nosso telefone sem fio. –Saiu rapidamente. Dei algumas colheradas na sopa, e logo a terminei.

Red não atendeu quando liguei, então deixei recado, confiando que ele retornaria minha ligação.

Mais tarde, Ressler veio me ver.

—Como está?-Perguntou.

—Bem. Minha... Cabeça parece meio... Oca, esquisita, mas acho que estou bem.

—Você se lembra do que aconteceu?

Na verdade, não me lembrava bem. Forcei minha mente, lembrando dos irmãos Allivar, das torturas, do medo.

Meu estômago revirou, e quando vi, já estava colocando toda sopa pra fora. Ress se apressou em pegar o lixeiro ao lado da cama, antes que eu fizesse uma bagunça enorme.

A enfermeira baixinha voltou, me pedindo pra ficar calma. Quando soltei o lixeiro, estava tremendo.

—Aqui, pegue. –Me entregou um copo de água, então se afastou com Ressler, falando baixo. Acabei ouvindo. –Ela pode ter algum tipo de reação nervosa aos acontecimentos anteriores, então não insista no assunto.

—Ela nunca reagiu assim antes.

—Parece ser forte, mas todos temos nossos limites. Deixe-a lidar com isso do jeito dela. –Se virou pra mim e sorriu. –Se precisar de alguma coisa, querida, é só me chamar.

—Obrigada. –Sussurrei. Donald se aproximou. –Ress, acha que estou pirando de novo?

—Claro que não. –Respondeu. –Você vai ficar bem, tenho certeza.

—Infelizmente, eu não tenho.