—É muita neve para um dia só. –Elizabeth murmurou, procurando a chave do carro no bolso. Ressler estava olhando para o céu, como se um monstro pudesse sair dali e nos matar.

—Começou a nevar há duas semanas, e eu já sinto falta do sol. Bem, boa noite pra vocês, e feliz natal.

—Igualmente.

—Ah, você sabe desejar algo bom, Mhoritz?-Ressler alfinetou, não deu pra sentir se era brincadeira ou não, me virei, pronta para dar uma resposta afiada, quando alguém me puxou para trás, me imobilizado. Fizeram o mesmo com os outros dois agentes.

O mundo escureceu diante dos meus olhos rapidamente.

***

—Acordem, donzelas. Já dormiram demais. –Abri os olhos e levantei, procurando por alguma arma. Agarrei a primeira coisa que vi: uma faca.

—Pode vir! Espera... Reddington? Que diabos significa isso?

Estávamos em uma grande sala de jantar. A mesa estava coberta por uma toalha vermelha, e repleta de comidas natalinas e velas. Raymond estava sentado na ponta da mesa, parecendo divertido. Keen estava perto dele, a cabeça caída sobre a mesa. Ressler, ao meu lado, estava na mesma situação.

—Você nos sequestrou?-Perguntei indignada. -Ficou louco?

—Não. Apenas queria companhia. Isso é errado?

—Você ainda pergunta?!-Keen se mexeu e então sentou, olhando em volta, parecendo meio tonta.

—Como se sente, Lizzy?

—O que foi que você fez, Red?-Perguntou lentamente.

—Convidei vocês para passarem o natal comigo, só isso. Acha que devemos nos preocupar por Donald não ter acordado ainda?-Coloquei os dedos no pescoço do agente.

—Vivo. –Declarei. Ele se moveu pra longe de mim e sentou. –E aí?

—Fomos sequestrados. –Foi tudo o que ele disse. Olhei para o nosso anfitrião.

—Parece normal pra mim.

—É o máximo que teremos. –Reddington disse. Vendo que não teria saída, eu me sentei e comecei a fazer meu prato. Ressler olhou pra mim, como se não acreditasse que eu estava tratando o caso com naturalidade, então apenas dei de ombros.

—É natal. Vamos pelo menos comer.

—Isso aí, aproveitem.

—Tenho que ir pra casa. –Keen disse, olhando feio para Reddington. –Prometi a Tom que passaria o natal com ele.

—Mesmo que eu deixasse vocês irem, nunca chegaria a tempo.

—Onde estamos?-Perguntei, lançando um olhar rápido para janela.

—Moscou.

—Uau. Nos sequestrou e nos trouxe para Moscou. Isso não pode ficar mais louco. Se o FBI entrar por aquela porta, com armas, a culpa é sua. –Reddington apenas riu. Ressler começou a se servir, e Keen saiu da sala, pegando o celular.

Lizzy.

—Não fala comigo. –Mandou, mais do que irritada.

Acabou que Keen deu uma desculpa para o marido, alegando que não conseguiu sair do trabalho, e ela jantou com a gente. Depois, fomos todas para uma enorme sala de estar com lareira.

—Então, Jenna, conte um pouco sobre a vida agitada de Dangerous. –Reddington incentivou.

—Melhor não estragar o natal falando dessas coisas.

—Soube que todos da equipe tiveram que atirar letalmente em alguém para passar no teste. –Respirei fundo, o cara era insistente.

—Tivemos, sim.

—Não deve ter sido fácil. –Dei de ombros.

—Era necessário. E nos ensinaram a lidar com isso.

—É um trabalho bem difícil.

—É. Você conseguiu escapar bem da gente. Não sei como, mas conseguiu. Parabéns. Ninguém nunca escapou, tirando você. Como fez isso?

—Nunca revelo meus truques. –Ressler olhou de mim para Reddington.

—Imagino.

—Podemos ir agora?-Keen perguntou, checando o celular pela milésima vez. –Tom está me esperando.

—Tudo bem, você venceu. –Reddington murmurou. –Vamos para casa.

***

Me sentei ao lado de Ressler no jato do criminoso favorito do FBI. Sem surpresa, ele parecia procurar ameaças. Era até engraçado.

—Raymond não vai bancar o engraçadinho com Elizabeth aqui. –Comentei, vendo a agente ignorar nosso sequestrador. –Ele parece gostar dela, de alguma forma.

—Isso já ficou claro. Mas não confio nele.

—Nem eu. Nunca confie num cara que entrega os colegas para a lei. Que tipo de amigo ele é, afinal?

—Não acho que Reddington tenha amigos. Ele às vezes parece solitário.

—Parece. –Bocejei. –Que horas são?

—No fuso horário?

—Esquece. -Olhei por uma das janelas. Um clarão laranja começou a se aproximar rapidamente. –O que é aquilo?

Reddington gritou com os pilotos, Keen olhou pra janela, assustada. Ressler xingou baixinho, e eu apenas tentei me segurar enquanto a aeronave fazia uma manobra esquisita, quase derrubando todos nós dos bancos. De repente, estávamos indo em direção ao chão.

Nem tive tempo de pensar. O jato atingiu o solo com força. Bati a cabeça em alguma coisa e caí, dolorida demais para levantar.

—Você está bem?-Ressler perguntou. Olhei em volta.

—Nós caímos.

—É, nós caímos. –Me virei assim que ouvi Elizabeth gritar com Reddington.

—O que aconteceu? Onde nós estamos? Eu preciso ir pra casa!-Ela estava olhando pela porta, que estava aberta. Me levantei e saí do jato.

—Isso é brincadeira, certo?-Murmurei. –Uma ilha? Uma maldita ilha? Do jeito que somos azarados, deve ser uma ilha deserta!

—Nem tanto. –Reddington disse. Segui o olhar dele e congelei. Havia uma rocha perto de onde estávamos, com um desenho pintado nela. O símbolo de uma facção que a Dangerous andou pesquisando, mas nem pensou em caçar. –Isso não é bom.

—Tudo bem, é o seguinte: precisamos pedir ajuda pelo rádio. Vamos puxar o jato para longe da água, e amarrá-lo para que o mar não o leve se subir demais. Temos que improvisar um abrigo, fazer uma fogueira, e explorar a ilha cuidadosamente...

—Isso que é uma Dangerous em ação. Façam o que a garota disse!

—Ressler, você vem comigo. Vamos dar uma volta e ver o que encontramos. Leve sua arma, estamos numa ilha que pertence à gente perigosa.

—Quem disse que você dá as ordens?-Donald perguntou.

—Tenho uma mente estrategista. Vão seguir as minhas ordens porque sou a única que pode nos tirar dessa. Agora vamos, está quase amanhecendo. Reddington e Keen, fiquem aqui com os pilotos.

—Leve isso. –Raymond disse, lançando um pequeno rádio pra mim, o prendi no cinto e comecei a andar. Ressler soltou um “Isso é sério?” e me seguiu.

Eu tinha sido treinada para sobreviver em qualquer ambiente, hostil ou não. E para montar estratégias rapidamente. Ivan era melhor em estratégias do que eu, ele provavelmente seria útil. Daniel era bom em luta corporal, ninguém o vencia com as mãos vazias. Luke era bom com armas e Paul em computação. Fazíamos uma bela equipe.

—Que facção é essa que você e Reddington estavam falando?-Ressler perguntou, andando ao meu lado. Ambos estávamos com as armas em mãos.

—Eles são... Traficantes de armas. Tem costume de fazerem emboscadas para exércitos de qualquer parte do mundo, matar todos os que estiverem ali, e levar as armas para vender. Atualmente estão entregando armas para o Estado Islâmico.

—Isso não me parece bom.

—E não é. Os caras são capazes de matar mulheres e crianças para pegarem o que querem. A Dangerous esteve na cola deles um tempo, mas desistimos. Cinco de nós não podiam lidar com todos eles. Talvez com metade...

—Você é bem humilde, não é?

—Tenho certeza do que estou falando. A Dangerous é como um anjo da morte. Nós matamos quem for preciso, sem impedimentos. Somos a melhor equipe de resposta do mundo.

—Você se esqueceu de uma coisa.

—Do que?

—A Dangerous já era. Seus amigos morreram, esqueceu?-Parei de andar, a imagem de Daniel, Paul, Luke e Ivan mortos piscou na minha mente. –Você está bem?

—Eu... Abaixe-se. –O empurrei para trás de algumas pedras, caindo em cima dele. Fiz sinal de silêncio. Dois homens estavam passando por ali, fortemente armados. –Merda, isso é ruim.

—O que está vendo?-Me inclinei pra frente, espiando pelo lado de uma das enormes pedras.

—São dois caras, da facção Conrad. E tem umas armas bem legais com eles. Temos que dar o fora, agora.

—Acho que não vai dar.

—Por quê?-Escutei uma arma sendo engatilhada. Olhei por cima do ombro.

—É bom não se mexer. –Um deles disse, ergui as mãos em gesto de rendição. –Sai de cima do seu amigo. –Levantei devagar, Ressler fez o mesmo. –O que fazem aqui?

—Sabe, eu podia inventar uma mentira qualquer, dizer qualquer coisa e tentar convencer vocês. Porém, vou fazer algo mais produtivo. Ressler, código vermelho.

Voei no cara que estava na minha frente, arrancando a arma da mão dele e derrubando-o. O outro até tentou interferir, mas Ressler foi mais rápido, atirando nele. Dei dois tiros no que tinha derrubado.

—Código vermelho? Que história é essa de código vermelho? Sabe pelo menos o que isso significa?

—Que é pra atacar. Não é?

—Significa que algo muito grave está acontecendo.

—Na Dangerous...

—Você não está mais na Dangerous. Se for usar códigos, aprenda os do FBI. –Revirei os olhos.

—Tá legal! Menos drama, por favor. –Me abaixei ao lado de um dos caras mortos e puxei um papel que estava no bolso dele. –Olha, um mapa. Que bom que alguém lá em cima não me odeia. –Desdobrei pra olhar melhor. Ressler espiou por cima do meu ombro. –Aqui está a base, no centro da ilha. Temos que seguir... –Me virei. –Nessa direção. Pra onde estávamos indo antes.

—Se esses caras já estavam bem armados, imagino o quanto os outros na base não devem estar.

—Ah, com certeza eles estão bem armados. São traficantes de armas, Ressler. Eles não são idiotas. E é por isso que vamos levar essas belíssimas armas aqui com a gente. –Peguei uma das armas e a munição que estava com o cara que matei, além de um binóculo. –Vamos para uma missão de reconhecimento.

Pouco mais de trinta minutos depois, nós avistamos a grande base da Conrad. Havia muitos homens armados do lado de fora, com cara de poucos amigos. Caminhões e contêineres eram preenchidos com caixotes, com certeza estavam transportando armas.

—Invadir isso aqui vai ser uma missão suicida. –Murmurei.

—Olha. Ali. –Olhei para onde Ressler apontava. Uma espécie de van parou, e diversas mulheres desceram, todas com os pulsos amarrados e expressões de medo no rosto. –Quem são elas?

—Parece que nossos amigos traficantes estão precisando de mulheres.

—Pra que?-Olhei pra ele, sem acreditar.

—Sério que você me perguntou isso? Que inocência. –O rádio piscou. –Mhoritz falando.

—O que encontraram?-Lizzy perguntou.

—A base da Conrad. E não é bom. Há muitos seguranças do lado de fora, e acabou de chegar uma van com mais de vinte mulheres.

—Pra que eles querem mulheres?

—Meu Deus, o que é que o FBI está ensinando? Conseguiram pedir ajuda?

—O rádio está estragado.

—Que bom que eu tenho um plano reserva.

—Que plano reserva?-Ressler perguntou. Sorri.

—Vocês vão ver.

***

—É suicídio. –Keen disse, cruzando os braços. Ressler parecia não acreditar no que eu tinha dito, e Reddington parecia bem entretido, fumando um charuto que tirou sei lá de onde. –Não podemos invadir uma base de traficantes de armas.

—Seus dias de Dangerous não saíram da sua cabeça, não é?-Raymond perguntou. –Infelizmente, por mais que seja um bom plano, não podemos executá-lo. Não acho que você e Donald não podem ir lá e fazer isso sozinhos.

—Keen e você atiram, podem ir também.

—É uma base inteira de traficantes fortemente armados contra quatro de nós, Mhoritz. Não somos sua antiga equipe.

—Temos que resgatar aquelas mulheres!

—Precisamos de reforços. –Ressler disse.

—Podemos pedir ajuda de dentro da base.

—É suicídio. Essa ideia só podia vir de uma Dangerous.

—Essa Dangerous tirou muitos criminosos das ruas, obrigada, de nada.

—Tudo bem, você me convenceu, Jenna. –Reddington avisou, jogando o resto do charuto no chão.

—Está brincando. –Keen disse, chocada.

—Não. Se não formos com ela, ela vai sozinha. –Fiz que sim. –É bom ter uma boa estratégia, garota. Ou vamos todos morrer em vão.

***

Depois de fazer a limpa em um dos galpões onde as armas ficavam armazenadas, nós nos dividimos e entramos na base, cada um com um objetivo diferente. Ressler e eu íamos libertar as mulheres. Reddington e Keen iam pedir ajuda ao FBI. Os pilotos iam roubar um caminhão para levarmos as prisioneiras e irmos até o pequeno porto que ficava do outro lado da ilha, para roubar um dos barcos e ir embora.

Raymond e Elizabeth entraram primeiro. A parte deles era mais do que importante, era essencial. Ressler e eu entramos por lados diferentes. Na porta por onde eu ia entrar, havia apenas um guarda. Me aproximei dele e coloquei o cano na arma próximo de sua cabeça.

—Mova um músculo e eu atiro. Cadê a chave?-Apontou para o cinto, peguei a chave e atirei na cabeça do guarda, por sorte tínhamos achado algumas caixas com silenciadores. Abri a porta e entrei.

Era apenas outro galpão, sujo, e com diversos colchões. Em cada um deles, uma mulher apavorada. Fiz um gesto pedindo silêncio e outro para elas se aproximarem.

—Vamos tirá-las daqui.

—Quem?-Uma delas perguntou.

—O FBI. –Reddington não era nem de longe o tipo de gente que podia entrar para o FBI, mas achei melhor não falar nada. Ressler apareceu, a arma nas mãos e o olhar atento. –Venham com a gente, em silêncio, vamos sair daqui.

—Código vermelho. –Ressler avisou, me virei, mas o guarda já tinha disparado. O agente loiro se jogou na minha frente, levando um tiro no ombro. Mirei na cabeça do guarda e atirei.

—Ressler. Fala comigo. –Mandei, tentando fazê-lo levantar. –Ressler?

—Estou bem.

—Vamos. Temos que dar o fora.

Guiei as mulheres pra fora dali, uma mão na arma e outra no braço de Ressler. Se ele desmaiasse, estaríamos encrencados. Encontramos o resto da “equipe”, e logo estávamos em direção ao porto da Conrad. Dois carros nos seguiram, mas com boa mira, Keen, Reddington e eu os colocamos pra fora da estrada com as armas que roubamos.

O barco roubado lotou com tanta gente. Respirei aliviada enquanto nos afastávamos da praia, isso até Keen gritar, apontando para a passarela que deixamos. Havia uma menina lá.

—Ai, merda. –Murmurei, então me joguei na água, que, sem surpresa, estava fria. Cheguei à menina, contente por terem me colocado num tanque cheio de gelo quando tinha dezessete anos pra criar resistência. –Vem. Gruda nas minhas costas e não solta. Tá bom?-Ela fez que sim e me obedeceu. Voltei para o barco o mais rápido que pude. Keen ajudou a pegar a menina e colocou seu casaco nela.

Me sentei no chão, respirando fundo. Meu olhar encontrou Ressler, apoiado num canto, o ombro ainda pingando sangue. Até chegarmos a um lugar seguro, ele ia morrer.

—Vem comigo. –Pedi, puxando-o para levantar. O levei até o andar inferior, encontrando um pequeno quarto. –Senta ali na cama, deve ter um kit de primeiros socorros aqui em algum lugar.

—O que vai fazer?

—Tirar a bala.

—O que?-Tentou levantar, o empurrei de volta e continuei procurando, até achar o bendito kit.

—Já levei mais de dez tiros, e tirei as balas de mim mesma. Acho que posso fazer isso com você.

—Não pode, não. –Revirei os olhos.

—Você é um agente do FBI ou não é?-O fiz deitar, tirando a camisa dele com cuidado. O ferimento era pior do que imaginei.

—Vai mesmo fazer isso?

—Posso te deixar perder sangue e agonizar, se quiser. E essa bala? Provavelmente terá uma infecção. –Peguei uma pinça. –Não mexa.

Tinha sido treinada pra fazer esse tipo de coisa. Ok, eu devia ter dado um jeito de anestesiar Ressler, mas não tinha tempo pra isso. Tirei a bala, que não era nada pequena, limpei o ferimento o melhor que pude, e o cobri.

—É o máximo que posso fazer por você com o que tenho aqui. –Avisei. –Você está bem?

—Sim. –Quase ri, mas achei que seria sacanagem demais. Ele não estava bem, era visível. Peguei uma garrafa de bebida que achei e entreguei pra ele.

—Bebe isso, ajuda com a dor. –Ele virou a garrafa, claramente desesperado para melhorar. Me joguei ao lado dele, exausta. –Esse foi um longo dia.

—Foi. Muito longo.

Fechei os olhos. Logo adormeci.