Ressler e eu fizemos uma parada obrigatória no hospital, o mais rápido possível. Além de quase termos nos afogado, nós tivemos contato direto com o material tóxico que havia nas caixas, por obra de Jhane.

Por causa disso, nossas peles ficaram completamente avermelhadas e ardendo como se estivéssemos muito perto do fogo, não foi fácil aguentar a ida até o hospital. Tudo começou assim que saímos da água. Só pra “melhorar”, eu acabei ingerindo um pouco do líquido contaminado. Maravilha, não?

Meu colega de trabalho e eu só fomos liberados dois dias depois. Charles Jhane não havia sido encontrado, mas com certeza veio dele a ordem de lançar na água o contêiner onde Ressler e eu estávamos. De alguma forma, ele sabia que estávamos presos lá dentro.

Um dia depois, Keen e eu fomos enviadas até o suposto esconderijo de Jhane. Ressler teria ido também, mas ele tinha bebido mais da água contaminada que eu, e ainda não se sentia bem para voltar ao trabalho.

—É aqui?-Perguntei. Elizabeth olhou em volta, sacando a arma.

—É. Como vamos fazer isso?

—Com certeza não batendo na porta e gritando “FBI!”, como Ressler faz. –Chutei a porta com tudo, entrando em seguida. Charles, um homem que devia estar na casa dos cinquenta anos, estava na cozinha quando invadimos. Tudo o que ele fez foi erguer as mãos, surpreso.

—Se reagir, eu atiro na sua cabeça. –Avisei. –E daqui eu acerto, sem dúvida. –Keen suspirou, aliviada por eu não ter atirado, e algemou Charles. –Tem sorte, Jhane, ou eu teria te matado.

—Jenna. –Keen advertiu. Guardei a arma.

Encontramos alguns planejamentos de outros ataques ambientais, todos programados a partir do mês seguinte, alguns no país, outros na costa Africana e Brasileira. Parece que os planos de Charles Jhane foram frustrados.

Falando em frustração... Meio que quando Ressler voltou ao trabalho, eu precisei praticamente me esconder ele, que parecia empenhado em conversar comigo. Evitei o cara o máximo que pude, sabendo que uma hora ele ia me pegar sozinha.

—Estou surpreso, Mhoritz. –Reddington disse. –Você não atirou em Charles, mesmo que ele quase tenha te matado.

—Quis atirar, não duvide. Mas estou... Tentando seguir seus conselhos. Por mais que seja... Estranho escutar alguém como você.

—Alguém como eu?-Era incrível como Raymond se divertia com as coisas que eu dizia.

—É. Um criminoso doido que foi caçado pelo FBI e pela Dangerous, e agora é o queridinho herói da história. –Sorri. –Preciso continuar?

—Devia tomar cuidado com sua língua. –A expressão de divertimento não sumiu do rosto dele. –Alguém vai acabar cortando-a um dia.

—Já me disseram isso. Bem... Tenham uma boa noite, estou saindo.

Acenei e comecei a me afastar. Alguém chamou meu nome. Ressler. Apressei o passo, não queria falar com ele, não ainda. Não quando eu sabia o que ele queria, e não sabia o que dizer. Entrei no elevador e apertei o botão, respirando aliviada quando o mesmo começou a funcionar.

Donald era incrivelmente teimoso e insistente. Engraçado, eu também era assim.

Assim que saí do elevador, vi Ressler correndo pela escada. Revirei os olhos e comecei a correr, chegando ao meu carro antes que o agente pisasse no estacionamento. Ele ainda tentou se aproximar, mas eu já estava acelerando para longe.

Fugir dele não era fácil.

***

—O que foi aquilo com Donald ontem?-Reddington perguntou, andando ao meu lado. Ele havia pedido que eu fosse com ele fazer uma coisa, mas não disse o que.

—Hã? Do que está falando?

—Vi seu jogo de pega-pega com Ressler ontem. O que era pra ser aquilo?

—Não sei o que quer dizer. Não estava jogando com ninguém.

—Então por que parecia que estava fugindo do inferno?-Suspirei.

—Deixa de ser metido, Raymond. Eu estava apenas com pressa.

—Incrível que sua pressa só começou quando Donald tentou se aproximar de você. Qual o problema de agora? Achei que tivessem se acertado.

—Não tínhamos o que acertar. Só... Decidimos não nos ignorar, somos colegas de trabalho, não podemos continuar com isso. Entende?

—Claro. Quando isso aconteceu?

—Quando ficamos presos no contêiner. Acabamos conversando.

—Então minha teoria estava certa.

—Que teoria?

Ele disse alguma coisa em uma língua que eu não conhecia (o que era difícil de acontecer, considerando que eu falava mais de trinta idiomas). Alguém arrancou minha arma do coldre e me imobilizou rapidamente. Joguei a cabeça pra trás, acertando o rosto do homem atrás de mim, mas ele não me largou. Apenas saiu me arrastando, com Reddington ao lado, como se nada estivesse acontecendo.

—O que vai fazer, Raymond?-Perguntei, tentando me soltar. –Vai me matar?

—Pra que eu ia querê-la morta, Jenna? Preciso de você na equipe, tanto quanto preciso de Lizzy.

—Então o que está acontecendo? Espera, o que é aquilo?

—Uma caixa, bem interessante. –O homem me fez entrar na grande caixa de vidro, me empurrando em seguida. Alguém também foi jogado ali dentro, ao meu lado. Não acreditei quando vi que era Ressler.

—O que vai fazer com a gente? Nos prender aqui? Pra que?

—Gosto de ajudar. E creio que ambos têm muito que conversar.

—Reddington!-Berrei, me lançando na direção do vidro. O impacto fez meu ombro doer. Raymond acenou e saiu com dois homens. –Está com sua arma?

—Não. –Ressler respondeu, eu não tinha olhado pra ele. –E ela não faria efeito algum nesse vidro.

—Que caixa é essa? O que trancam aqui, o Hulk?

—Prendemos Reddington aqui quando o pegamos. –Dei um soco no vidro, então abaixei a mão, xingando. –Se um tiro não ia resolver, por que achou que socar o vidro ia?

—Cala a boca, Ressler!-Me afastei. –Abre isso.

—Abre apenas do lado de fora. Com um código.

—Então liga pra alguém.

—Meu celular ficou na minha sala.

—Só pode ser brincadeira. –Me sentei no chão. –Vou atirar cinco vezes na cabeça de Reddington quando sair daqui. E queimar o corpo dele.

—Não vai resolver nada.

—Menos um filho da mãe no mundo resolve muita coisa.

—Você provavelmente seria presa. Precisamos de Reddington, precisamos da lista dele.

—Precisamos é dar um fim nele. –Tudo bem, eu não odiava Raymond Reddington. Percebi que ele não era tão ruim quanto imaginava, e que ele conseguia ser legal quando queria. Mas meu lado irracional, ligado diretamente com a raiva, estava falando mais alto. Ele tinha me prendido naquela maldita caixa, com um cara que eu estava evitando.

—Precisamos conversar. –Sabia que ouviria essas palavras vindas dele, em algum momento. Permaneci olhando pra frente, ignorando-o. - Jenna. Não adianta fingir que não está me ouvindo.

—Falou alguma coisa, Ressler?-Parou na minha frente, de braços cruzados.

—Por que me beijou?-Olhei pra baixo.

—Temos mesmo que falar sobre isso?

—Sim.

—Bom, eu não quero falar sobre o assunto.

—Deixa de ser infantil, Jenna.

—Estamos em um país livre, posso falar do que eu quiser, na hora que quiser. Não pode me obrigar a falar sobre isso.

—Jenna. Por que me beijou?-Olhei pra ele, tentando recriar a máscara que usava quando não queria demonstrar nada.

—Por que eu quis. Ia morrer, não queria me despedir do mundo choramingando. Teria beijado qualquer um que estivesse ali comigo. –Não era exatamente verdade. O fato de ser Ressler ali, e de eu ter me sentido atraída do nada por ele fez com que eu tomasse a terrível decisão de beijá-lo.

—Não está sendo sincera. –Dei de ombros.

—Acredite se quiser. O que queria ter feito em seus últimos momentos? Eu beijei alguém, foi isso.

—É a verdade?

—É. Acredite se quiser. –Me levantei, tentando pensar numa maneira de abrir a maldita caixa. –Teria beijado qualquer cara que estivesse ali comigo. Lamento que tenha sido você.

—Ah, lamenta?-Dei alguns passos na minha direção, invadindo meu espaço pessoal. O que ele achava que estava fazendo?

—Lamento. E nem venha me fazer cara de ofendido, por que você me beijou uma segunda vez.

—Estava tentando mantê-la viva por mais alguns segundos.

E por quê?

—Por que você me salvou. –Abri a boca, planejando uma resposta dura, mas não consegui. –Me ajudou quando levei aquele tiro e entrou naquela casa em chamas pra me tirar de lá. Está bom pra você?

—Fiz aquilo por que estava sobre pressão.

—Dangerous são treinamos para agir sobre pressão. –Filho da mãe.

—Eu... –Mais um passo. –O que quer que eu diga?

—A verdade. –Olhei pra ele, se desse mais um passo, estaríamos colados.

—Se não se afastar, vou ter que dar um jeito em você. Estou falando sério.

—Está?

—Não vai querer ver o que vou fazer, Ressler. Afaste-se.

Ele não se afastou.

***

Quando Keen, Meera e Reddington apareceram, ficaram chocados ao ver Ressler caído no chão, sem se mover. Apenas cruzei os braços para os três.

—Alguém pode abrir essa maldita caixa antes que eu surte?-Perguntei. Meera piscou algumas vezes, confusa, e colocou o código da maldita caixa no teclado.

—O que aconteceu com Ressler?-Keen perguntou, entrando e checando a pulsação dele.

—Bati na cabeça dele com força.

—E por que fez isso?

—Ele mereceu. –Olhei para Reddington. –E você, não vai escapar, seu maníaco. Foi você que nos trancou aqui.

—Estava apenas ajudando vocês a se acertarem. –Defendeu-se. –Mas vejo que não deu muito certo. –Olhei para o agente caído no chão. Se ele tivesse se afastado, eu não teria o agredido.

—Não, não deu. –Abaixei a cabeça e saí o mais rápido.

Se não tivesse batido em Ressler, ele teria me beijado. E eu não sabia como lidar com isso.