O tempo passou depressa. Minha perna já estava melhor e eu estava de volta ao trabalho com força total. Ressler e eu nos ignorávamos na maior parte do tempo, e no resto fingíamos que não nos víamos. É, não fizemos as pazes, mesmo que Meera tenha insistido. Oito semanas depois e eu já estava livre das muletas e podia até correr por aí. E eu corri muito. A lista de Reddington parecia não ter fim, e olha que eu peguei o bonde andando.

Naquele dia, ele soltou outro nome.

—Charles Jhane. –Reddington disse. –Um criminoso ambiental. Ele coloca diversos produtos tóxicos em contêineres e os joga no mar, acabando com toda a vida que havia ali.

—E ninguém nunca o pegou?-Perguntei.

—Ele arma para que tudo pareça um acidente. Sei que ele planeja jogar outro contêiner essa semana. E é melhor impedi-lo antes que isso aconteça. Dessa vez, toda a costa dos Estados Unidos será afetada. Não é pouca coisa do que estamos falando. Ah, Jenna. -Se virou pra mim. –Atirar na cabeça dele não irá adiantar. Temos que saber onde está esse contêiner, e apreende-lo. Nada de tiros desnecessários.

—Entendi. –Bati continência.

O primeiro passo foi ligar para todos os portos, e manda-los fechar. Nada entrava e nada saía. Foi difícil fazê-los entender a gravidade da situação.

Depois disso, tivemos que montar a maior equipe que conseguimos, e dividi-la, para que pudéssemos chegar aos oito portos do país o mais rápido possível.

Eu ia com a equipe que ia para o porto de Newak, em New Jersey. Infelizmente, só pra ferrar tudo, Ressler estava na minha equipe. Lancei um olhar feio para Meera quando ela anunciou isso, mas a mulher não se deixou abalar. Reddington parecia se segurar para não rir.

Elizabeth ia para o porto de Baltimore. Tentei trocar com ela, mas não deu muito certo. Queriam Ressler e eu juntos, talvez para pararmos de agir feito dois adolescentes de colegial e nos acertarmos.

Sequer trocamos uma palavra durante a viagem. Apenas coloquei meus fones de ouvido e tentei me distrair escutando We Are The Fallen.

Assim que chegamos, desci do carro, olhando em volta. Eram muitos contêineres para serem verificados.

—Cada um se divide em dupla, e verifiquem contêineres de lados opostos do porto. Vão. –Essa fui eu. Ressler me olhou feio. Na cabeça dele, ele é quem devia estar dando ordens. –Que é agora?-Ele não respondeu, apenas começou a vasculhar as malditas caixas gigantes. –Não pode me ignorar pra sempre. Primeiro que somos uma dupla. Segundo: somos colegas de trabalho.

—Mhoritz, não começa. –Suspirei.

—Você é muito chato, Ressler.

Me virei, colocando a mão sobre o coldre, e começando a abrir um contêiner. Havia diversas caixas não identificadas no fundo que me chamaram a atenção. Entrei, tentando enxergar na escuridão que estava ali dentro. Liguei minha lanterna.

—O que está fazendo, Mhoritz?-Ressler perguntou, me seguindo.

—O que acha, bonitão? Estou fazendo meu trabalho. –Tentei abrir uma das caixas, estava muito bem fechada. –Tem alguma coisa com ponta afiada?

—Que tal usar sua língua?-Olhei pra ele, então um som alto me fez pular de susto. Olhei na direção da porta, estava fechada. Corremos na direção dela, tentando abri-la, sem sucesso.

—Estamos trancados!

—Não pode ter se trancado sozinha.

—Então alguém nos trancou. –Comecei a chutar a parede de metal. –Ei! Alguém está ouvindo? Ei!

—Não vão te ouvir. –Se afastou, pegando o celular, aí praguejou baixinho.

—O que foi? Tá esperando o que pra ligar pedindo ajuda?

—Não tem área.

—Só pode ser uma piada. –Bati na porta de novo. –Tem alguém aí? Precisamos de ajuda! Ei!

—Para de gritar, Mhoritz.

—Não quero ficar presa aqui. Odeio lugares confinados!-Dei mais um chute na porta. –Acha que se atirarmos nela, ela abre?

—Esse é um contêiner de última geração, nossas armas não farão efeito nele.

—Merda!-Respirei fundo, tentando me acalmar. –Alguém vai sentir nossa falta. Então virão e acharão a gente.

—Não seja tão esperançosa. O porto é grande, e as buscas acabaram de começar. –Olhei em volta. O que mais me preocupava era que não havia nenhum tipo de abertura. Não havia nenhum lugar para o ar entrar no contêiner.

—Vamos morrer aqui, é isso?

—Não foi o que eu disse. –Me afastei dele, indo para o outro lado do contêiner.

—Acha que vamos morrer?-Perguntei, sem olhá-lo.

—Acho que temos que esperar. –Suspirei. Esperar? Eu era a pessoa mais impaciente que existia.

—Você não respondeu por que matou o assassino dos meus pais. Não era preciso prendê-lo?

—Ele ia nos matar. Quase matou você. Não havia tempo a perder.

—Não se encrencou por isso?-Sem resposta. Me sentei em uma das caixas. –Podia me responder, de vez em quando, sabe.

—Jenna, por favor, não começa. –Revirei os olhos.

—Só estou tentando conversar com você, estúpido. Somos colegas de trabalho, não podemos ficar nos ignorando desse jeito, Ressler. –Ele não respondeu, apenas se encostou num canto e ficou quieto.

Se ele não ia falar, eu também não ia. Tentei usar a tática de Daniel para me distrair: pensar que estava atirando na cabeça de carneirinhos. Não funcionou. Alguns longos minutos se passaram, até que Ressler decidiu se manifestar.

—Você tem razão. –Olhei pra ele, um pouco surpresa. Ninguém nunca me dizia essas três palavras juntas, uma atrás da outra, numa mesma frase.

—Sobre o que?

—Sobre nos ignorarmos. Somos colegas de trabalho, temos que pelo menos falar sobre ele.

—É, isso. É sobre isso que eu estava falando. Poxa... Eu te provoquei, ok, mas...

—Por que fez aquilo?

—Eu... –Desviei o olhar. –Não sei. É uma coisa minha que eu não consigo evitar.

—Desculpe ter te batido. Não se faz isso com uma mulher. Eu... Acho que perdi a cabeça.

—Faço isso com as pessoas. –Dei de ombros. –Sei que a culpa não foi sua. Acha que já sentiram nossa falta?

—Não sei. –Passamos mais um tempo em silêncio, de repente a caixa se moveu um pouco. Me levantei.

—O que foi isso?

—Boa pergunta. –O contêiner saiu do chão, puxado por alguma coisa. Com o tranco, Ressler e eu fomos direito pro chão. A lanterna foi para um lado e eu para o outro. –Estão nos tirando do chão.

—Mas demos a ordem de nenhum contêiner ser retirado e... –Arregalei os olhos. –Esse é o contêiner de Charles Jhane. Aquelas caixas contêm...

—Material altamente tóxico. –Vi a compreensão nos olhos dele, ao mesmo tempo que entendíamos tudo. –Vão nos jogar no mar.

—Mas... Se não há por onde entrar ar, então... Nada vai acontecer.

—Há rachaduras no metal. Quando o contêiner cair, as caixas vão bater e estourar.

—O conteúdo vai direto pra água, e a água vai... Entrar aqui. –Arregalei os olhos. –Temos que sair daqui agora! –Corri pra porta de novo, caindo mais uma vez em quanto éramos transportados. –Socorro!-Dei um tapa na parede de metal, nada aconteceu. –Estamos aqui!

Mais uma vez fomos lançados para o chão, com um som alto vindo do lado de fora. Estávamos na água. Podia sentir a pressão à nossa volta, enquanto afundávamos. Automaticamente, um líquido estranho começou a sair das caixas que preenchiam o fundo do contêiner, enquanto água entrava pelas rachaduras. Olhei para Ressler. O que íamos fazer?

Juntos, tentamos empurrar a porta, mas ela não abria do lado de dentro, não havia trincos ou algo assim. Estávamos realmente sem saída. A água começou a subir depressa. Minha mente tentava encontrar uma saída, mas não havia como escapar.

—Nós realmente, realmente vamos morrer. –Murmurei. Ressler segurou meus ombros. A lanterna nos iluminava, caída no chão.

—Não vamos.

—Vamos, sim. Não há como sair daqui. Até eles chegarem, e se chegarem... Vamos ter... Morrido.

—Quando souberem que um contêiner foi pra água, vão correndo tira-lo, nos salvando no processo.

—Eles não vão chegar a tempo, vamos ser realistas. –A água estava chegando ao meu peito. Sempre achei que morreria num tiroteio, ou algo assim. Mas nunca, nunca em momento algum, imaginei que morreria afogada dentro de um contêiner. –Desculpa provocar você desde que nos conhecemos.

—Não, não faça isso. Não comece a se despedir.

—Ressler, nós... –Dei um pulo, a água estava quase no meu rosto.

—Segure a minha mão, vamos flutuar até o topo. –Fiz que sim, me impulsionando até em cima, batendo a cabeça na parte superior do contêiner. A água estava quase ali.

—Vou... Fazer uma coisa que provavelmente vai irritá-lo.

—O que?

Nem dei a chance de deixá-lo entender. Soltei minha mão da dele, agarrei sua camisa, e... O beijei. Ok, ok. Eu não devia ter feito isso... Mas acabou... Sendo impossível evitar. Ressler não me empurrou, como achei que faria. Apenas me apertou com força, aprofundando o beijo. Era o último. Não íamos escapar.

Quando a água começou a nos cobrir, nós nos separarmos, respirando todo o oxigênio que havia restado. A água nos cobriu por inteiro, não havia nenhuma parte sem ela sobrando.

Uma das coisas que eu não havia aprendido a fazer na Dangerous era prender a respiração por muito tempo. Coloquei a mão na garganta, sabendo que a qualquer momento água entraria nos meus pulmões. Era hora de dizer adeus.

Fechei os olhos, pronta (ou nem tanto) para começar a partir. Ressler me puxou mais uma fez, me beijando. Segundos depois, percebi que ele estava passando seu ar pra mim. O empurrei de leve, fazendo que não. Quando tentou outra vez, o empurrei. De repente, a caixa começou a se mover.

Senti o impacto quando ela atingiu o chão. A porta se abriu, despejando a água, com Ressler e eu. Quando finalmente consegui respirar, achei que cairia no choro. Simplesmente fiquei deitada no chão, enquanto pessoas gritavam à minha volta.

Enquanto dois bombeiros se aproximavam de mim, lancei um rápido olhar para Ressler, que também estava recebendo atendimento. Desviei o olhar.

Parece que sobrevivemos.