Dama de Sangue

Pouco antes...


...do início da festa, os olhos mais atentos poderiam ver um ser de aspecto humano. Seus pés roçavam furiosos a terra batida da pequena trilha perdida na imensa floresta. Os olhos buscavam por alguma presa fácil e dócil que se encontrasse pelo caminho, mas a boca logo rosnava irritada pela falta de vítimas do local tão vasto. A pele tremia em oscilações duvidosamente continuas. As núvens já assumiam um tom amarelado para avisar a breve chegada do sol. A fera eriçava os pelos em decepção e escondia-se dentro de sua velha toca para aguardar novamente a tão esperada chegada da noite.

Havia dias que estava nesta contínua falta de alimento. Sua pele já sentia os efeitos do longo jejum, perdendo a vitalidade, assumindo um tom cinza bastante abatido, e transparecendo os ossos finos do esquelético já, aos quase cem anos, ancião. O corpo parecia ainda mais murcho e fraco que geralmente, dando ao senhor um aspecto frágil e extramamente vulnerável que, possivelmente, condizia à sua idade. Os olhos e os dentes, por outro lado, mantinham-se intactos como nos tempos da esquecida juventude e eram, sem dúvidas, motivo da admiração narcisista do homem.

- Talvez eu só esteja um pouco fora de prática. Um pouco fora de prática... - dizia e repetia o velho, inconformado com a sua situação, enquanto encostava os braços cansados no velho piano de cauda escondido entre as paredes da enorme caverna onde obtinha abrigo.

- Com ou sem prática, papai, tem que se alimentar - falava seu filho, que, ao longe, ouvira o monologo e logo decidira se aproximar exibindo seu mais corpo esbelto e muito mais saudável, mesmo aos seus setenta anos - Sairei esta noite. Se preferir, trago-lhe comida.

Tinha um tom herculeo por trás de cada uma de suas palavras ditas com orgulho. Estufava o peito musculoso e direcionava os olhos ainda intensos em direção ao pai, como se assim pudesse persuadi-lo. Era alto e não aparentava mais que trinta anos. Estava nitidamente forte e são, confirmando a boa forma vinda, sem qualquer dúvida, de seu óbvio tratamente de rejuvenecimento.

- Tenho que praticar - repetia Ruan, o mais velho, como se não tivesse ouvido o filho por um pouco de surdez ou quisesse aparentar não ter ouvido.

- Não sei porque insiste em seus metódos antigos - James, seu filho, falava com desdem e alguma falta de respeito.

- Os metódos os antigos são os melhores. - dizia levantando o dedo ao teto tremulamente - Nunca irão supera-los com essa maneira errônea de se conseguir alimento. Vocês são muito óbvios! Pense comigo, pense... uma pessoa está perdida na floresta e, misteriosamente, ela some. Algum problema com isso? Não, pode ter sido capturada por ursos, pode ter caído no rio, ou simplesmente morrido e depois, bom, devorada por algum animal. Agora, qual seria a explicação plausível para que uma pessoa misteriosamente sua da cidade? Não, não consigo entender isso.

- Humanos são estúpidos, papai. Não desconfiam de nada. E, além disso, eles têm a vida tão curta de qualquer forma, tirar dela vinte ou trinta anos não faria diferença. Por isso nem se importam ou não deveriam.

- Está subestimando a inteligência deles.

- Veja o meu caso, atuo da mesma forma há anos e nunca nada me aconteceu. Sem contar que ninguém mais hoje em dia se perde na floresta, não tem como imaginar essas coisas. Já você, com seus metódos antigos, vai acabar morrendo uns trezentos anos antes da hora, se continuar assim.

- Não vou não.

- Trabalho? Não vai dar o sangue para isso, né?

- Não, claro que não. Irei recebê-lo, em troca. Só preciso treinar uma menina para ser daminha. Já fui visitá-la, me recebeu bem.

- Olha lá, pai, falhar em um desses trabalhos costuma ser letal. Acabará você mesmo virando um daminho, haha... Mas se é assim que quer fazer as coisas, boa sorte. Estou indo, já está na minha hora...

- Essa juventude... - suspirou Ruan, vendo James partir para mais uma noite de caçador.