Eu estava preocupada. Tinha acordado no meio da noite e notado que Klaus não estava lá. Meu instinto me fez levantar e procurá-lo por toda mansão, mas não o encontrei. Isso só podia significar uma coisa.

Klaus tinha problemas com drogas e bebidas desde os 13 anos. Enquanto eu cresci num ambiente seguro e amoroso, ele teve um pai adotivo que nunca o amou e gostava de prendê-lo no mausoléu da família para que perdesse o medo do escuro e dos mortos. Não funcionou, então Klaus descobriu que ficar chapado/bêbado/ambos amortecia seus poderes enquanto o efeito durasse. Assim, passou a maior parte da vida tendo drogas e álcool como seus melhores amigos.

Agora, eu temia outra recaída.

Fiquei andando de um lado para o outro na cozinha sem saber o que fazer. Como procurá-lo? E se ele estivesse caído num beco... Morto?

—É duas e meia da manhã, o que tá fazendo?-Diego perguntou, passando direto por mim e indo abrir a geladeira. Usava apenas uma calça preta de pijama.

—Klaus sumiu. -Me encarou.

—Merda.

—Eu acho... Que devia ir atrás dele. Ele pode... Sabe... Ter tido uma overdose e...

—Calma, calma. -Fechou a geladeira. -Tem certeza de que ele não está na mansão?-Assenti.

—O procurei por toda parte.

—Certo. Eu vou lá em cima me vestir e sair para procurá-lo.

—Posso ir com você?

—Tá. Quatro minutos, no beco ao lado da mansão.

Estamos saindo.

Troquei de roupa em tempo recorde e praticamente voei para fora da mansão. Levei três minutos e Diego já estava no carro.

—Sabe aonde ir?-Perguntei, fechando a porta.

—Vamos fazer um tour pela área das boates e esperar que esse imbecil esteja numa delas, não no apartamento de algum traficante ou... Morto.

Rodamos silenciosamente pela cidade. Eu nunca tinha saído durante a madrugada, e ver o contraste dela com o dia era estranho. Havia mais pessoas nas ruas do que imaginava, todas com seus propósitos. Viciados, prostitutas, gente que queria apenas se divertir e talvez um serial killer ou dois.

Passamos por várias boates e perguntamos por Klaus. Diego era intimidante o suficiente para que todos respondessem sempre, mas as respostas eram negativas. Ninguém tinha o visto, aumentando minha preocupação.

—Cadê você, seu filho da mãe?-Diego murmurou, olhando atentamente pelo para-brisa enquanto o sinal estava vermelho.

Olhei pra fora, um grupo com uns cinco jovens estava numa calçada, todos sentados no chão passando algo uns para os outros. Klaus não estava entre eles, mas poderia estar.

De repente uma ambulância passou por nós em alta velocidade, a sirene berrando e as luzes piscando. E se... E se alguém tinha chamado a emergência por que alguém teve uma overdose? E se fosse Klaus caído numa sarjeta?

Diego pareceu ter pensado na mesma coisa.

—Se segura. -Mandou, acelerando atrás da ambulância.

Foi como estar numa perseguição de cinema, e isso era uma sensação horrível. Enquanto avançávamos, eu rezava para que não fosse Klaus que a ambulância tinha ido buscar.

No fim das contas, não era. Paramos no acostamento, observando os paramédicos socorrerem algumas pessoas que tinham se envolvido num acidente de carro.

—Não é ele.

—Não. -Murmurei. Diego bateu com as duas mãos no volante.

—É isso o que fazer?-Olhou pra mim. -Passar a vida correndo atrás de um viciado não é fácil e vai acabar com você. É boa demais pra se envolver com Klaus.

—Ele é meu amigo e precisa ser salvo. Tudo o que aconteceu mexeu com a cabeça dele... Ele precisa de ajuda.

—Tem certeza de que quer ser essa ajuda?-Assenti. -Não diga eu não avisei.

Acelerou, saindo do acostamento e entrando numa ruazinha lateral... Alguém surgiu correndo na frente do carro e se Diego não tivesse freado à tempo teria o atropelado.

—Porra!-Olhou pra fora. -Mas que... Klaus!-Tirou o cinto. -Fica no carro.

Saiu, deixando a porta aberta e se aproximou do irmão, gritando alguma coisa que eu não conseguia ouvir. Klaus pareceu ter gritado de volta, alterado... Aí Diego acertou um soco nele, que caiu e não se mexeu mais.

—Meu Deus. -Murmurei.

O número 2 da família Hargreeves ergueu Klaus como se ele não pesasse nada e o jogou no banco de trás.

—O que você fez?

—Ele não queria entrar no carro. -Contou, voltando pro banco do motorista e acelerando pra longe. -Vou te dizer uma coisa, Mallory... Repensa bem isso aí... Klaus dá muita dor de cabeça pra quem fica perto dele. -Espiou o irmão por cima do ombro. -E você ainda não viu nada.

***

Quando voltamos pra mansão, Diego pegou o irmão desacordado no banco de trás e entrou silenciosamente em casa.

—Não vai levá-lo para o quarto?-Perguntei, seguindo-o.

—Não, vamos acordá-lo. -Chutou de leve a porta do banheiro para abri-la e colocou Klaus no chão.

—Acordá-lo?

—Vê se não tem drogas com ele. –Ligou a torneira da banheira. Me abaixei ao lado de Klaus, procurando em seus bolsos até achar um pequeno pacotinho com pedrinhas azuis dentro.

—Isso é...?-Pegou o pacote da minha mão.

—É. É sim. -Jogou as pedrinhas no vaso sanitário e deu descarga. -Esse imbecil...

—Você acha que ele usou?-Deu de ombros.

—Talvez. Provavelmente. -Suspirei.

—Se eu tivesse o ouvido sair...

—Não poderia ter feito nada. Não é culpa sua.

—Eu só quero ajudá-lo.

—Mesmo? Então segura as pernas dele. -Segurou Klaus pelo tronco. Hesitei, mas fiz o que ele pediu, ajudando-o a pôr Klaus na banheira. Agarrou então a cabeça do irmão e a empurrou para baixo da água, segurando-o lá.

—O que está fazendo?

—Espera. -Klaus finalmente despertou e tentou sair de baixo da água, mas mesmo quando sóbrio não conseguia lutar com o irmão.

—Diego...

—Espera.

—Você vai afogá-lo!-Tentei agarrar o braço dele e afastá-lo, mas não consegui. Eu não sabia quanto fôlego Klaus tinha, principalmente alto, mas estava ficando agoniada como se estivesse no lugar dele. -Diego, para!

Soltou o irmão. Klaus sentou na banheira, ofegando.

—Okay, eu precisava disso!-Exclamou, animado. -Bem melhor... E aí?-Pisquei, atônita. O que tinha sido isso? Diego olhou pra mim.

—Me chama se precisar de mais alguma coisa. -E saiu do banheiro.

—Você parece preocupada. -Afastou o cabelo molhado do rosto.

—Preocupada?-Repeti. -Eu... Eu acordei no meio da noite e você tinha sumido. Achei que tinha tido uma overdose e estava caído num beco qualquer. E agora Diego quase te afoga na banheira. O que você esperava?-Pareceu culpado.

—Mallory...

—E se você tivesse morrido? O que eu ia fazer?-Se levantou e saiu da banheira, molhando o chão.

—Desculpa. Okay? Eu sei, sou um cretino desgraçado e não pensei em ninguém. Não tem desculpa pra isso, então não vou inventar nenhuma. Mas não queria ter te deixado preocupada.

—Precisava mesmo se drogar?

—Não. Eu tive alguns sonhos... Alguns mortos irritantes e... -Fez uns gestos estranhos que deviam significar algo na cabeça dele. -O de sempre. Eu vou me esforçar mais. -Juntou as duas mãos. -Eu prometo. Por você, meu pontinho rosa de felicidade e apoio.

—Na próxima vez, me diga quando sentir que... Vai ter uma recaída. Só... Me diz e vamos lidar com isso juntos.

—Tudo bem. Eu vou. Desculpa ter te deixado tão preocupada. -Assenti. Klaus me abraçou. Fechei os olhos. -Droga, eu te deixei molhada... E não no sentido legal. -Rimos. Me afastei. -Sabe, eu comeria uns cachorros quentes agora.

—Já passou das três da manhã.

—E daí? Não tem hora pra cachorro quente. Vamos nessa...

Eu estava aliviada. Quando achei que Klaus estava morto, não pensei que me sentiria assim tão cedo. Mas aqui estava ele, falando bobagens, sendo engraçado... Sendo vivo.

Por alguma razão muito louca... Eu me importava com Klaus Hargreeves.

***

Na manhã seguinte encontrei Vanya e o Doutor na cozinha conversando sobre música clássica. Era comum encontrar o Doutor em situações impensáveis, mas não posso falar disso legalmente (viram isso? Eu fiz uma piada!).

—Bom dia. -Saudei, me sentando à mesa e enchendo um copo com leite.

—Bom dia. -Vanya respondeu. Olhei para o Doutor.

—Você não está sendo educado.

—Bom dia, Mallory. -Respondeu. -São nove da manhã.

—Eu fui dormir tarde ontem. -Peguei um biscoito.

—Qual o problema da vez?

—Nada, eu só ainda estou processando tudo o que está acontecendo. -Continuou me encarando. Torci pra ter sido convincente. -Então, o que está fazendo aqui?

—Checando pra ver se não morreu ou está sendo refém de uma maluca.

—Entendi. Bom, como pode ver... Não tem nada acontecendo.

E, para me contradizer, sons de uma discussão flutuaram até a cozinha. Esse era um dia comum com os Hargreeves. Vanya suspirou e foi atrás dos irmãos. O Doutor olhou pra mim.

—Acredite, -Comecei, me levantando. -faz parte da rotina.

Seguimos até a sala onde a confusão estava instaurada. Luther, Diego, Allison e Cinco estavam discutindo e eu não conseguia entender o por quê. Vanya tentou apartar, mas acabou se juntando à discussão.

Klaus assistia tudo sentado numa poltrona, com um copo de bebida na mão.

—Qual o problema agora?-Perguntei, ele deu de ombros.

—Qual não é o problema?-Fez um gesto como se espantasse algo. -Eles vão parar... Em algum momento.

—Sei.

—É sempre assim?-O Doutor sussurrou. Assenti.

—Às vezes é pior...

Mas eu não consegui falar muito mais por que no segundo seguinte nós fomos cercados.

Não contei quantos eram, mas haviam figuras encapuzadas pela sala toda. Todo meu treinamento com Diego sumiu da minha cabeça. Eu não sabia quem eram aquelas pessoas, só queria me esconder.

—Quem são vocês?-Cinco exigiu.

Os irmãos foram se preparando para a luta. O Doutor puxou a chave de fenda sônica do bolso. Klaus levantou do sofá e parou ao meu lado

Silêncio. Apenas o silêncio.

—Vocês trabalham pra Comissão?-O Doutor perguntou.

Os encapuzados ergueram aparelhos cilíndricos ao mesmo tempo, apontando-os para cada pessoa na sala.

Comecei a erguer as mãos em gesto de rendição, então uma luz piscou muito forte. Senti meu corpo despencar e cair em algo frio.

Tonta, comecei a sentar quando notei que em baixo de mim havia neve. Olhei em volta, confusa. Neve. Neve. Árvores... Klaus.

—O que aconteceu?-Perguntei. Ele esfregou os olhos. Neve caía do céu.

—Acho que a tequila era mais forte do que dizia...

—Klaus, você pode estar bêbado, mas eu não. Isso é real. -Fiquei de pé. -Real e... Frio. Onde a gente tá?

—Eu não faço a menor ideia...

—Doutor? Allison? Diego? Luther? Cinco? Vanya?-Sem resposta. -Eu... Eu... Não entendo...

—Vamos congelar e morrer antes de entender alguma coisa. Ou a gente pode ir ali. -Apontou. -Parece que tem uma casa... Espero que tenha comida... E uma lareira. -O ajudei a ficar de pé.

—Preciso que fique sóbrio. -Riu.

—Eu vou tentar.

Começamos a caminhar. No fim das contas não era uma casa e sim um grande galpão velho. Havia galpões menores e uma placa lá na frente.

—Aquilo é russo?-Perguntei.

—Não sei, eu dormi nas aulas de russo. Mas falo alemão muito bem. Eu já disse que sou alemão?-O encarei.

—Não.

—Oh. Bem, eu sou. Enfim, não sei ler aquilo ali. Por que estamos na Rússia? A Vanya é russa, ela certamente ia saber ler o que tem ali...

—Klaus, foco. Okay? Vamos tentar entrar num desses galpões... Nos aquecer e pensar.

—Aquecer... É... Essa parte eu gostei. -Suspirei, puxando-o comigo para dentro do galpão menor.

Parecia um escritório e foi fácil invadir. Havia muito pó, algumas teias de aranha e provavelmente ratos, mas achei um armário enferrujado onde havia alguns casacos que pareciam ser parte de um uniforme. Tinham cheiro de coisa velha e uns furos, mas iam servir. Os dividi entre Klaus e eu.

—São horrorosos. -Reclamou.

—Você quer ficar estiloso ou morrer de frio?

—Por que não posso ter os dois?

—Só veste os casacos, Klaus.

Andei um pouco pelo escritório, procurando pistas, mas não havia nenhuma. Nada que indicasse o lugar exato, a data ou por que estávamos ali.

—Okay, estamos ferrados. -Declarei. -Precisamos usar a cabeça. Acho que viajamos no tempo... Como? Eu não sei, mas não importa. Precisamos... Achar os outros ou deixarem eles nos acharem... Deixar alguma pista... -Meu cérebro estava trabalhando tanto que pensei sentir vapor sair das minhas orelhas. -Preciso de algo pra desenhar... -Klaus ergueu um lápis quebrado. -Não, tipo tinta ou...

—Tinta spray serve?-Ri.

—Serviria bem até demais.

—Tem uma caixa ali com algumas latas. -Apontou.

—Certo... Vou precisar da sua ajuda.

Klaus não gostou de ter que sair do escritório de volta para o frio ar livre, mas me seguiu sem reclamar. Isso até eu dizer que precisava subir no telhado do galpão maior. Aí ele ficou falando que eu queria morrer mais rápido.

O fiz me ajudar a improvisar uma escada, então subi, com uma lata de tinta spray em mãos.

—Tudo bem aí em cima?-Gritou.

—É... É meio instável e se eu cair... -Bem, não queria pensar em quebrar o pescoço, então parei.

—Espera, ele pode ajudar. -Apontou, com as mãos brilhando em azul. Ben apareceu ao meu lado. -Não deixa ela cair, idiota. -O número seis mostrou o dedo do meio pra ele. -Que bonitinho.

Ben me ajudou a andar pelo telhado silenciosamente. Ele ficava por perto pra me segurar quando eu escorregava e segurava meu braço com cuidado, apontando para as partes mais firmes do telhado ou avisando sobre buracos.

Parei um momento, descansando, então avistei algo lá longe: uma cidade. Não parecia tão longe, mas não me trouxe uma sensação boa, como se algo fosse acontecer.

Com frio, e as mãos congelando, decidi voltar ao trabalho.

Levou um tempo, mas consegui pixar um guarda chuva no detalhado, junto com “Aqui, Doutor”.

—Você acha que vai funcionar?-Klaus perguntou, quando voltei ao chão.

—Não sei. Mas espero que seja o suficiente pra aparecer em um satélite, sei lá. -Fiz uma pausa. -Tem uma cidade em direção ao norte. Fica atrás daquelas árvores. Talvez... Não sei, alguns poucos quilômetros.

—Então o que a gente tá fazendo aqui? Vamos até lá...

—Eu não sei... Meu instinto me diz que não devíamos ir lá.

—Mallory, estamos congelando aqui. Podemos ir até a cidade, achar alguém que fale nosso idioma e conseguir uma cama quentinha, uma tigela de sopa e... Ah, minha mente está indo muito além.

—Pode ser perigoso.

—Nah. Eu sou bom em fazer amizade. Eu tive um culto nos anos 60. Todo mundo me adorava... Até demais. Mas enfim... Aquela cidade pode ser nossa salvação.

—Eu...

—Vamos, vamos, vamos... O que pode acontecer de tão ruim?

Então, como se esse fosse seu momento, algo explodiu.

O som foi alto, houve uma corrente de ar, e na cidade uma bola de fumaça subiu aos céus.

—Isso foi um bombardeio?-Klaus perguntou. Olhei para cima.

—Acho que isso não é neve. São cinzas.

—Puta merda, garota... -Olhou na direção da cidade. -Onde foi que a gente se meteu?

***

Nos refugiamos no galpão menor. Consegui fazer uma fogueira com coisas velhas do escritório dentro de um latão de metal. Klaus estava com o isqueiro, e isso salvou nossa vida. Mesmo assim, eu ainda reclamaria por ele fumar.

Sentamos num canto, colados um no outro, tentando se aquecer. Klaus não parava de falar, e, sinceramente, eu não estava ouvindo a maior parte. Precisava pensar num meio de nos tirar dali antes que virássemos cadáveres congelados.

A noite caiu, assim como a temperatura. Eu não estava muito otimista sobre nossas chances de sobreviver até o dia seguinte.

—... A gente tá na porra do Frozen... E não somos a Elsa... Não... Somos os plebeus que vão morrer de frio... Mallory, você tá muito quieta... Você não morreu, né?

—Não. -Sussurrei. -Economizando energia... Pensando no que fazer.

—Eu tô morrendo de fome.

—Eu também. Mas pensar em comida... Vai piorar tudo.

—Tarde demais... Já tô pensando... Ah, eu quero uma sopa... -Cobri a boca dele com a mão.

—Não tá ajudando.

—Desculpa. -Murmurou de forma abafada. Abaixei a mão. -Eu não acredito que isso tá acontecendo... Passei por overdoses, sequestro e tortura, a porra da Guerra do Vietnã, dois apocalipses... E vou morrer de hipotermia na merda da Rússia congelada com meu irmão morto e minha melhor amiga. -O encarei.

—Eu sou sua melhor amiga?

—É claro que é. -Olhou pra mim. -Parece que eu te conheço a vida toda... Você não me julga por nada, nem pelas drogas, pelas bobagens que eu digo e faço... Você me entende. -Tentei sorrir apesar do meu rosto estar tão frio quanto gelo. -Essa situação é uma merda, mas tô feliz em estar nela com você.

—É... Idem. Mas vamos sobreviver. Amanhã, vamos estar vivos e procurar comida. Agora a gente precisa descansar, poupar energia.

—Eu não quero dormir... Não... Não quero morrer assim. Se pelo menos fosse uma overdose...

—Klaus. -Segurei a mão dele. -Está tudo bem. Estamos juntos. E vamos estar juntos quando acordarmos. Okay?-Assentiu, fechando os olhos. -Eu estou com você. Vai ficar tudo bem.

Encostei a cabeça na parede fria atrás de mim e tentei dormir, rezando para acordar no dia seguinte.

***

Klaus era agnóstico. Eu fui criada como católica até começar a seguir a religião do meu jeito – um que não envolvia estar numa igreja o tempo todo, por exemplo. Assim, quando acordamos no dia seguinte, vivos, eu tinha certeza de que tinha sido um milagre.

—Qual é o plano?-Klaus perguntou, enquanto eu atiçava nossa fogueira.

—Parece que estamos numa pequena vila industrial. Se tivermos sorte, acho que deve ter comida em algum lugar.

—Tudo aqui é velho...

—Eu sei, mas podem ter latas de comida. Talvez fabricassem comida em lata num desses galpões ou haja uma cantina...

—E se não tiver?-Me virei para olhá-lo.

—Então montamos outro plano.

O lado de fora tinha cheiro de fumaça , mas estava frio demais para respirar fundo. Ainda nevava cinzas.

Klaus e eu nos dividimos, revistando os galpões. Achamos algumas latas de comida com uma aparência velha e descrições em russo. Talvez nem estivessem na validade, mas era só o que tínhamos.

Avisei Klaus sobre o racionamento que íamos fazer, para ter certeza de que íamos ter comida por um tempo. Não sabíamos quando seríamos resgatados ou acharíamos comida de novo.

—Ben acha que podemos caçar. -Klaus disse, espiando o lado de fora por uma janela suja. -Você já caçou antes?

—Nunca. E não sei se teria coragem... Não achamos armas e... Se fizermos uma armadilha, teremos que matar a presa com as próprias mãos.

—Sabe, eu amo que você é um gênio envolto em suéteres de vovó. -Ri. -Mas o que... Tem algo lá fora.

—Que?

—Tem alguma coisa lá fora. -Fiquei de pé, me aproximando da janela. Realmente tinha algo se mexendo do outro lado do vidro. -O que acha que é?

—Vamos descobrir.

Abri a porta, levando uma rajada fria de vento no rosto. No meio da neve havia um menino loirinho que devia ter no máximo 4, 5 anos. Usava casacos grossos e seu rostinho pálido estava sujo com o que parecia fuligem.

—Oi. -Saudei calmamente. -Você está bem?-Ele não respondeu. -Se perdeu dos seus pais?

—Acha que ele é surdo?-Klaus perguntou, atrás de mim.

—Provavelmente não nos entende. Lembra? Estamos na Rússia.

—O que será que ele tá fazendo aqui?

—Não faço a menor ideia. -Olhei atentamente em volta. Não havia sinais de que havia mais pessoas na vila. -Mas não podemos deixar ele aí fora.

Caminhei devagar até o menino, não querendo assustá-lo, e estendi a mão. Ele piscou com os olhinhos azuis, parecendo pensar, mas pegou minha mão.

Entramos no nosso esconderijo do frio e eu levei o garotinho pra perto do fogo.

—Será que ele veio da cidade?-Klaus perguntou. Dei de ombros.

—Talvez. A não ser que haja outra ou casas aqui perto que não tenhamos visto. Está frio demais pra ele ter vindo de longe.

—Se tem casas perto, tem comida e ajuda. Ei, moleque, de onde você vem?

—Ele não entende. -Suspirou.

—Vou dar uma olhada por aí.

—Cuidado.

—Pode deixar.
Klaus saiu, falando sozinho, ou com Ben, era difícil saber. Encostei a porta e me sentei, observando o menino.

Eu tinha muitas perguntas. Ele não saberia responder a maior parte delas e sequer entendia o que eu falava. Não parecia machucado, isso era fato... Mas tinha alguma coisa. Algo tinha acontecido com ele.

—Você está seguro agora. -Olhou pra mim. -Queria que me entendesse.

Enquanto Klaus não voltava eu explorei os outros galpões. Peguei mais alguns papelões que podia usar para alimentar o fogo e achei uma garrafa de álcool pela metade que podia ser útil para alguma coisa.

O menino me seguiu para todo lado, ainda silencioso. Ele era tão quieto e triste que estava me causando certo incômodo. Crianças eram falantes, animadas... E quando não eram, havia algo errado.

—Ei, olha. -Chamei, me abaixando. Ele olhou pra mim, inclinando a cabeça para o lado.

Lentamente, e com as mãos congelando, montei um boneco de neve feinho e pequeno. O menino ajudou, pegando duas pedrinhas e uns gravetos.

—E aí, o que achou?-Perguntei. Ele sorriu, o que me fez sorrir também. -Você fica fofo sorrindo... Espero conseguir esse resultado mais vezes.

De repente, um som veio da floresta, como se algo tivesse se partido. Fiquei de pé rapidamente, assustada.

—A gente devia entrar. -Segurei a mão do menino.

Klaus nos encontrou no escritório, feliz por ter achado um maço de cigarros num dos galpões.

—O que aprontaram sem mim?-Perguntou.

—Nada. Peguei algumas coisas úteis... Andei por aí, fiz um boneco de neve pro menino...

—Ah, que gracinha. Sabe, tô começando a me acostumar com a presença dele. Devíamos adotá-lo e chamá-lo de Dimitri. Você é a mãe e eu o pai.

—Klaus.

—Tá bem, eu sou a mãe. -Olhou para o menino. -Você consegue dizer “mamãe”?-Tentei não rir.

—Consegue ficar sério por dois segundos?

—Vou tentar. -Se ajeitou, cruzando as pernas, arrumando o cabelo e olhando pra mim. -Pode falar.

—Ouvi algo vindo da floresta quando estava lá fora com o menino.

—E o que era?

—Não sei. Podia ser um animal ou alguém rondando. Não me deu uma sensação muito boa.

—Acha que estamos com problemas?

—Além dos que já temos? Talvez. -Suspirou.

—Uma bebida cairia bem agora.

—Eu preciso de você sóbrio.

—Eu sei, eu sei. -Olhou para o menino. -Seu pai é tão exigente. -Bati no lembro dele. -E agora está me batendo!

—Klaus. -Riu.

—Espero que puxe meu senso de humor, Dimitri. Seu pai é um cara complicado. Okay, quem tá com fome?

Foi difícil descobrir como aquecer as latas de comida e consequentemente seu conteúdo. Como Klaus e eu não comíamos desde o dia anterior e não sabíamos quando Dimitri tinha se alimentado pela última vez, decidimos preparar uma lata para cada um.

Foi uma sábia decisão, pois o menino comeu depressa, virando a lata de sopa para comer tudo.

—Ele tem um buraco negro no lugar do estômago. -Klaus brincou. -Puxou seu tio, Luther. Ele come como se fosse o fim do mundo... O que foi verdade umas duas vezes.

—Ainda com fome?-Perguntei ao menino, que olhou pra mim. Eu não tinha terminado o conteúdo da minha lata, então estendi o resto pra ele.

—O que está fazendo?

—Ele pode ainda estar com fome.

—Você precisa comer.

—Estou bem. -O menino pegou minha lata. -Viu? Ele está com fome. Eu nunca deixaria uma criança passar fome.

—Então pegue o resto da minha...

—Não, estou bem.

—Mallory...

—Você precisa mais do que eu. Estou bem. Foi o suficiente pra mim. -Hesitou. -Está tudo bem. -Começou a reclamar. -Eu sou o homem da casa, lembra?

—Tenho certeza de que isso é machista. -Dei de ombros.

Não havíamos achado torneiras ou rios, então enchi as latas vazias com neve e pus sobre o fogo.

Quando anoiteceu, nós três nos sentamos perto um dos outros, tentando se aquecer. Dimitri colocou a cabeça no meu colo, fechou os olhos e dormiu.

Klaus e eu não demoramos para dormir também. O frio me deixava sonolenta, então era mais fácil adormecer do que me deixar acordada.

O dia seguinte foi, sem surpresas, frio. Ficamos a manhã toda em nosso abrigo. Klaus brincou com Dimitri, arrancando um sorriso ou outro do menino. Ele levou o lance de “mãe” meio à sério.

À tarde, nós tomamos uma decisão complicada.

—Isso pode nos matar. -Klaus disse, encarando à floresta que se estendia na nossa frente.

—Temos que achar os pais dele.

—Nós somos os pais dele.

—Os pais reais dele. Se estiverem por perto, podem nos ajudar. Não vamos aguentar para sempre desse jeito. A comida vai acabar, o fogo vai acabar... E você viu aquilo... Explodiram uma cidade aqui perto. E se vierem explodir esse lugar também?

—Você é tão pessimista. -Fez uma careta. -Mas okay, você tem razão. E eu vou te seguir aonde você for. -Sorri. -Vamos, Dimitri. Vamos dar um passeio no bosque.

Começamos a caminhar. A floresta não tinha muito pra ver além de árvores muito altas e neve. Pedi que Klaus marcasse os troncos por onde passássemos, garantindo que não nos perderíamos – contar com nossas pegadas não era muito inteligente, pois ainda nevava e elas poderiam ser cobertas.

Dimitri continuava tão silencioso quanto a floresta. Klaus caminhava do outro lado do menino, cantando U.S.S.R. de Eddy Huntington. O jeito dele não se desesperar com nossa situação me deixava um pouco mais calma. Ele tinha sobrevivido à dois apocalipses, estava acostumado com situações desesperadoras. E se Klaus não fosse o cara engraçado com aquele toque de bêbado sem estar bêbado, realmente seria desesperador.

—Precisamos parar. -Ele disse de repente.

—Fizemos uma pausa para descansar à cinco minutos. -O encarei.

—Eu sei, mas preciso fazer xixi. -Suspirei.

—Por que você não fez antes?

—Por que está muito frio. Eu estou tentando evitar por que com essa temperatura, querida, meu pênis pode congelar e cair.

—Klaus!-Apontei para Dimitri.

—O que? Ele nem consegue nos entender. E é um menino, ele também...

—Apenas vai logo.

—Okay, okay. Eu já volto. -Começou a se afastar.

—Não vá muito longe.

—Eu tenho que ir. Sou um cara tímido. -Tentei não rir.

—Não acho que seja verdade.

—O que?

—Nada!

Me abaixei na frente de Dimitri, ajeitando os casacos dele. Ele não tinha dito uma palavra desde que o encontramos, mas eu esperava que tentasse me dizer caso sentisse frio. Eu podia ceder um dos meus casacos pra ele sem problemas.

Não acredito em instinto materno em mulheres que não são mães, mas sentia que faria qualquer coisa para manter o menino são e salvo.

Ouvi passos atrás de mim.

—Você foi rápido... -Me virei. -Meu Deus...

Não era Klaus. Era um robô. Eu já tinha visto o modelo: um soldado. Em 2079 todas os países assinaram a favor do Decreto de Defesa dos Seres Humanos, que impedia que soldados de carne e osso fossem usados em guerras. Os Estados Unidos foram rápidos em modificar a indústria robótica para criarem soldados robôs. Outros países foram fazendo o mesmo.

Isso me dizia duas coisas: estávamos no futuro e estávamos numa guerra. Isso explicava a cidade explodindo e a vila industrial abandonada.

—Klaus!-Gritei, ficando na frente do menino, sabendo que serviria de escudo se necessário. -Não somos inimigos. -Ergui as mãos lentamente em gesto de rendição, mostrando que não estava armada. -Não representamos ameaça...

O robô permaneceu parado. Branco e metálico, humanoide. Um rosto liso sem feições, apenas duas luzes azuis onde ficariam os olhos. A bandeira russa estava desenhada em seu peito e não havia nenhum uniforme ou arma... Ele próprio era uma arma.

O soldado robótico permaneceu nos estudando, então a luz azul de seus olhos ficou vermelha. Ele tinha encontrado alvos. E eram a gente.

—Somos civis!-Gritei, recuando e deixando Dimitri atrás de mim. -Não atire!-Um som veio do robô, como se ele estivesse se carregando. -Por favor, não atire!

Nada disso ia adiantar. Será que ele sequer me entendia?
De repente, tentáculos azuis fantasmagóricos agarraram o robô, tirando-o do chão e o destroçando em segundos. Os restos dele caíram na neve, junto de uma gosma negra.

—Ben. -Murmurei. O garoto fantasma sorriu pra mim, sumindo em seguida.

—Mas que merda era aquela?-Klaus gritou, se aproximando. -Vocês estão bem?-Assenti. -O que era isso? A revolução das máquinas?

—Um soldado robô russo.

—Então estamos no futuro. Numa guerra do futuro.

—É.

—Jesus, você está tremendo. -Segurou a minha mão. -É melhor nós voltarmos pra vila.

—É, é mesmo. Podem ter mais desses por aí. -Dimitri parecia muito assustado e confuso. O peguei no colo. -Está tudo bem, querido. Ele não pode mais nos machucar.

O resto do dia foi silencioso e tenso. Klaus tentava distrair o menino, mas não parecia tão animado quanto antes. Fiquei andando de um lado para o outro, agitada e nervosa, espiando pela janela de vez em quando.

—Quanto tempo acha que vamos aguentar?-Klaus sussurrou, sentado ao meu lado. Dimitri já tinha adormecido.

—Eu não sei. Temos comida pra mais uns cinco dias, talvez um pouco mais se diminuirmos a porção. Mas... Eu não sei. -Respirei fundo. Chorar não ia nos salvar.

—Me pergunto onde estão os outros, por que ainda não vieram... Se estão vivos...

—O Doutor vai vir. Ele vai nos achar. A qualquer momento vamos ouvir o som da TARDIS e... Tudo ficará bem.

—Espero que esteja certa... -Fechou os olhos. -Vai ser uma merda morrer nesse fim de mundo.

***

Acordei no dia seguinte com Klaus sacudindo meu ombro, parecendo preocupado.

—O moleque sumiu. Não acho ele em lugar nenhum.

—O que?-Olhei em volta.

—Eu acordei e não o vi aqui dentro... Fui lá fora, chamei por ele e nada. Procurei nos outros galpões...

—Droga. -Fiquei de pé. -Aonde ele pode ter ido?-Fiz uma pausa, pensando. -Droga, a floresta!

—Você acha que...?

—Ele pode ter tentado voltar pra casa.

—Merda!

—Vamos.

Corremos pra fora do galpão, chamando pelo menino, mas como antes, não houve resposta.

Entramos na floresta. Eu não queria ter que voltar depois do dia anterior, mas também sabia que não deixaria Dimitri correr perigo de forma alguma.

—Ele tá ali!-Klaus gritou, saindo em disparada. Corri atrás dele, vendo-o se abaixar na neve. -Por que você sumiu desse jeito?

—Klaus, o que está fazendo?-Olhei em volta, confusa. Não havia mais ninguém além de nós.

—Tentando não dar uma bronca nesse menininho levado. Dimitri, você não pode sair sem a gente. Ah, droga, eu não consigo. Briga com ele você. -Olhou pra mim. -O que foi?

—Eu não... Eu não vejo ele.

—Mallory, ele tá bem aqui. -Apontou. Balancei a cabeça negativamente.

—Não está. -Olhou para o nada e para mim algumas vezes.

—Mas eu... Não. Não. Não. Não. -Pôs as mãos na cabeça. -Não, menino, seu menino estúpido...

—Klaus... Eu não entendo... -Ficou de pé. -O que...

—Mallory, eu vejo ele. -Me encarou. -Eu vejo os mortos. -Recuei.

—Não. Não, é impossível. Ele estava ontem mesmo... -Parei. -Não.

—Ben disse que... Você tem certeza?

—O que ele disse?-Saiu andando. O segui.

Logo ali na frente havia uma pequena descida que não havíamos notado antes. Nela, uma mulher estava caída na neve de um jeito estranho. Dimitri estava ao lado dela, sem seus casacos, e todos estavam cobrindo a mulher que vestia uma blusa fina.

—Por que ele faria isso?-Klaus sussurrou. Comecei a chorar. -É sua mãe? Você achou sua mãe?

Fechei os olhos, virando de costas. Não queria ver aquilo, não queria ver o menino morto na neve, ao lado da mãe morta. Ela devia estar ali desde que ele nos encontrara no outro dia. Enquanto dormíamos, saiu e achou o corpo dela. Inocente e ingênuo como qualquer criança, tentou aquecer a mãe, sem saber, talvez, que ela tinha morrido.

—A gente nunca nem vai saber o nome verdadeiro dele. –Klaus disse. Cobri a boca com a mão, tentando não chorar alto. -Mally, não. -Me abraçou com força. -Ele vai ficar bem melhor agora... Sem frio, sem fome, sem medo... Vai achar a mãe dele.

—Você não acredita nisso. Não acredita no céu.

—Mas acredito que seja o que for que manda nesse universo, não vai deixar esse menino pra trás. Ele tá bem melhor agora. Bem melhor que a gente.

Voltamos para o galpão lentamente. Eu me sentia péssima. Dimitri, ou seja qual fosse seu real nome, não tinha dito uma única palavra, e mesmo assim tinha sido importante e eu teria morrido para protegê-lo. Ele não merecia uma morte fria e solitária junto do corpo da mãe morta.

O dia passou sem eu notar. Foi a noite mais fria de todas. Não consegui comer, só me encolhi perto do fogo e tentei não me desfazer em pedacinhos.

—Se sobrevivermos... -Klaus começou. -eu jamais ponho meus pés na Rússia de novo. Juro. -Sentou atrás de mim e me puxou pra perto e si, os braços ao meu redor. -Não tem um dia de sol nesse lugar? Mally, você tá bem?

—Não. -Fiz uma pausa, eu não conseguia parar de tremer. -Você ainda o vê?

—Não. Acho que ele... Seguiu em frente.

—É como funciona?

—Sim. Nem todos ficam aqui, como o Ben.

—E ele disse... Como é?

—Como é o que?

—Morrer. -Fechei os olhos. -Ben te disse?

—Nós não falamos disso. É muito mórbido e triste.

—Klaus, você vê os mortos e pode falar com eles. -Riu de forma trêmula.

—É. Minha vida toda é... Mórbida e triste. -Ficou um pouco em silêncio. -Você sabe que... Não vamos sobreviver à essa noite, não sabe?

—Sei. Mas espero... Um milagre.

—Milagres... Será que ainda mereço um?-Virei a cabeça para olhá-lo.

—Você é um bom homem. É claro que merece.

—Acho que já paguei todos os meus pecados... Se existe um céu, estou pronto pra ele.

—Mesmo?

—Não. Eu não quero morrer... Tem tanta coisa pra fazer... Coisas que ainda não fiz... -Olhou pra mim. -Morrer de frio numa... Merda de Rússia futurista não era o que eu tinha em mente pra gente...

—É?-Assentiu lentamente. -E... E o que tinha em mente?

—Oh, coisas legais. -Um quase sorriso apareceu em seu rosto. -Mas acho que não tenho forças pra elas...

—Se sobrevivermos... Você pode me contar. -Me encostei nele, fechando os olhos de novo. -Podemos fazê-las...

—Isso seria... Fantástico... -Seu tom de voz foi diminuindo até ser inaudível.

Rezei outra vez para que sobrevivêssemos... E apaguei antes de terminar.