CRY BABY

“They call you Cry Baby, Cry Baby, but you don’t fucking care”.

***

ANTES

Ela estava grávida.

Seu segundo bebê.

Acidentalmente gerado.

Ela não estava nada feliz com isso.

Segurava uma garrafa de vodka enquanto era levada ao hospital.

A bolsa tinha estourado.

Sua nova filha chegaria ao mundo em poucos minutos.

Grande sorte a dela.

O pai, nunca estava em casa, então perderia o nascimento da filha. Se bem que ele não ligaria, já que tinha uma amante nova a cada semana para se distrair.

Dores circularam por todo o corpo da moça.

Seus cabelos loiros e enrolados ficavam suados.

A mão esquerda apertava o banco traseiro do táxi. E a direita levava a garrafa de vodka em direção à sua boca.

Seu primeiro filho estava ao seu lado, olhando pela janela do táxi. Tinha cinco anos.

Ele era o único desejo dela.

Ela nunca desejara ter outro filho, apenas ele.

O táxi corria pelas ruas da cidade.

O tempo passava cada vez mais devagar.

— Já estamos chegando, mamãe? - perguntou o menino.

A mãe engoliu um gole da vodka e respondeu:

— Não sei, querido.

Eles foram em silêncio pelo resto da viagem.

***

O choro preencheu todo o quarto do hospital.

Enfermeiras corriam com as mãos nos ouvidos para tentar não escutar o barulho. Era irritante.

A mais corajosa, que tinha ajudado no parto, segurava o bebê em seus braços, olhando para o rosto da criança.

As lágrimas do bebê encharcavam o manto sujo de sangue.

A enfermeira foi até o balcão do quarto e pegou um pirulito e colocou na boca da criança.

— Bem melhor - comentou.

— Ai meu Deus, ela é um bebê chorão! – reclamou a mãe.

Seu outro filho, que estava ao seu lado, correu até a certidão de nascimento, esquecida em cima da mesa de cirurgia e encarou o papel.

Pegou uma caneta e pensou no que escrever.

É difícil pensar em um nome quando se tem cinco anos.

Quando olhou para a mãe, teve a brilhante ideia.

Cry Baby.

***

DEPOIS

Cry Baby sentou-se na cama.

Os cobertores, já pequenos para ela, deixavam seus pés de fora. Ela analisava o quarto, como fazia todas as manhãs.

Tinha quinze anos. Faria dezesseis em poucas semanas.

Olhava pela janela, extraindo todos os detalhes da rua à sua frente.

Um garoto andava de bicicleta, cachorros corriam pela calçada e o sorveteiro estava parado no mesmo lugar de sempre.

Tudo estava normal.

Cry Baby tomou coragem e levantou-se da cama. Ela precisava encarar mais um dia vivendo em sua família perfeita.

Andou até o espelho e se encarou por alguns segundos.

Seu cabelo era metade roxo e metade preto. Era comprido e acabava um pouco depois dos ombros.

Ela adorava pintá-lo. Estava com essa cor desde semana passada.

Alisou a camisola e abriu a porta do quarto.

Seu irmão tinha acabado de passar por sua porta e entrou no quarto dele e trancou a porta, como ele sempre fazia quando terminava de tomar café da manhã. Ele nunca precisava viver com os pais e vivia sempre trancado no quarto.

Cry Baby sentia inveja dele.

Eram nove da manhã, mas seus pais já brigavam na cozinha. Parou no primeiro degrau da escada e respirou fundo.

Do segundo andar ela já podia sentir o cheiro de álcool que vinha de sua mãe alcoólatra.

Respirou fundo e desceu degrau por degrau, bem devagar.

Era estranho que, mesmo depois de quinze anos vivendo naquela casa, ela ainda se sentia uma estranha. Sentia-se uma intrusa, indesejada.

Seus pais não deram atenção à ela quando passou pela porta da cozinha e sentou-se á mesa.

Eles nunca davam a mínima para ela.

Os gritos da mãe ecoavam em sua mente.

— VOCÊ É UM INÚTIL QUE NÃO SABE FAZER MAIS NADA A NÃO SER DORMIR COM OUTRAS MULHERES NA MINHA CAMA!

O pai nunca respondia as acusações, apenas ignorava a esposa, que estava sempre alcoolizada.

Eles nunca se separaram porque sabiam o quanto isso era ruim para a reputação da família.

Eles quatro eram perfeitos aos olhares da sociedade.

Eram ricos e perfeitos.

O pai, finalmente, notou a filha sentada à sua frente na mesa de café da manhã, bebendo um copo de suco.

— Bom dia. - ele disse, rudemente.

Cry Baby apenas acenou com a cabeça.

A mãe tinha saído da cozinha pela porta dos fundos e fumava um cigarro no jardim dos fundos.

As paredes amarelas da cozinha davam náuseas à Cry Baby. Ela estava sentindo vontade de vomitar.

Quando terminou de tomar café, subiu de volta para o quarto e encontrou seu irmão, quebrando todas as bonecas de porcelana que ela tinha.

Era uma coleção enorme.

Ela tinha cerca de cem bonecas, desde que tinha quatro anos de idade. Elas eram suas únicas amigas verdadeiras.

Seu irmão tinha um cheiro estranho, que estava sempre impregnado nele, principalmente quando ele tossia. Ele tinha vinte anos, mas tinha mentalidade de cinco.

Quando ele quebrou a última boneca, Cry Baby saiu do transe em que estava, quando viu o irmão dentro de seu quarto.

— O-o quê você está fazendo aqui?

Ele não respondeu e partiu para cima dela, jogando-a conta a parede e trancando a porta.

Ele olhava para ela como se não a reconhecesse.

Seus olhos estavam vermelhos, talvez pelo cansaço.

Cry Baby duvidava que fosse isso.

O irmão, Freddy, partiu para cima dela, jogando-a no chão e depois contra a parede, inúmeras vezes.

Cry Baby gritava por socorro, mas duvidava que seus pais fossem ouvir. Mesmo que ouvissem, ignorariam. Era o que sempre faziam.

Freddy agora socava Cry Baby e a prendia contra a parede.

Ele estava fora de si, ela sabia.

Se ela contasse aos pais, eles a desmentiriam e falariam quer Freddy não seria capaz de fazer isso.

Freddy era o filho favorito.

Quando ele finalmete se cansou, olhou para a irmã e revirou os olhos, saindo do quarto.

Cry Baby estava toda dolorida e machucada.

Estava deitada com o rosto no chão, encarando os pedaços de suas antigas bonecas de porcelana.

Fechou os olhos e deixou-se afogar em suas lágrimas.